Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 9
Santos e Demônios - Parte II


Notas iniciais do capítulo

Acabou o tempo de palavras, ameaças e provocações. É hora de pôr as cartas sobre a mesa, e de vermos Adam em ação após trezentos anos em uma noite cheia de revelações.



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Sob uma chuva intensa, com vento forte e visibilidade baixa, Pietra dirigiu. Ao lado do corpo uma escopeta, para além de uma série de armas menos expostas. Graças às dicas dele, a mulher conseguiu alcançar o carro dos alvos, e se esforçava para não perdê-lo de vista. Paul segurou a pistola que ela lhe deu: "Se a situação obrigá-lo, use isso", disse ela. "É uma pistola comum, porém a munição é de prata, uma fraqueza dos demônios".

O professor analisou a situação. Ela era forte, os muitos vampiros que matou em tão curto espaço de tempo deixavam isso claro. A grande questão era: o quão fortes aqueles dois seriam? E no fundo, era Adam quem realmente o preocupava. Os vampiros aumentaram a velocidade, mesmo em um terreno escuro e lamacento, o que obrigou a mulher a acelerar ainda mais num caminho já perigoso e escorregadio. Para piorar, apagaram os faróis do carro. Malditos vampiros e sua visão noturna, pensou ele. Mas a visão da caçadora não ficava muito atrás, pois ela continuou perseguindo mesmo sem óculos especiais como os que ele tinha na máscara do Golem.

E assim Paul ficou perdido nos próprios pensamentos, olhando fixamente para a pistola.

— Não tema, senhor Davis, será tudo conforme a vontade de Deus. Apenas me deixe enfrentá-los, e somente se for extremamente necessário, use a arma — disse ela, tentando tranquilizá-lo.

A distância dos carros pareceu aumentar, e Paul decidiu que era a hora de arriscar tudo.

— Conheço um atalho, hora de virar o jogo.

***

Á caminho do casarão, Jeanne Hilton dirigiu pela estrada chuvosa e lamacenta, com Adam olhando para o nada.

— Que previsível, a freira está vindo pegar os vampiros malvados. Aposto que seu amigo está com ela. — Ela olhou pelo retrovisor, acelerando o carro. — Mas era isso que você queria não é? Atraí-los, para então matá-los?

— Estou cansado de deixar assuntos inacabados. O que tiver que acontecer, que seja hoje.

— Só me inclua fora disso! Não estou morta há tempo o bastante para arriscar morrer de novo. Quando nos pegarem, você luta e eu fujo.

Adam apenas sorriu em resposta, desejoso por testar seus novos limites. E o inevitável logo ocorreu. Jeanne freou bruscamente, graças a uma picape saída do nada que fechou o caminho a sua frente. Diante dos inimigos, e sem escapatória que não exigisse abandonar o carro e fugir a pé, ela pegou uma arma dentro da bolsa, enquanto Adam saiu do carro com as mãos nos bolsos.

— Fique aqui enquanto dou um ponto final nesse jantar indigesto — disse ele, sob a chuva. — E haja o que houver, não se intrometa, ou ficarei bastante aborrecido com a senhorita.

O carro parou lateralmente e sem visão para o motorista. Adam perscrutava as sombras, seus olhos logo encontrando o alvo. O inimigo portava uma escopeta, avançando sob as poças quase sem fazer barulho, capaz de iludir mesmo homens bem treinados... Mas não alguém como ele. Adam o encarou, perdendo parte de seu interesse ao notar de quem se tratava.

— Parece que meu adversário é uma mulher — lamentou, tirando uma das mãos do bolso. — Uma pena, detesto bater em mulheres.

Pietra fez o sinal da cruz, avançando. Parada a poucos metros do arrogante vampiro, segurava sua arma.

— Vamos, madre. Estou aguardando seu discurso antes de duelarmos — provocou ele, vendo Paul escorado ao lado do veículo, guarda-chuva aberto. — E não se preocupe em explorar sua vantagem, pode se juntar a ela, mestre Davis.

— Desculpe, mas ainda não é minha hora — respondeu ele.

Vampiro e caçadora se estudaram antes do primeiro golpe, que por fim aconteceu, mas não contra o alvo principal. Adam se moveu por reflexo, recebendo o tiro em seu ombro no lugar da cabeça de sua parceira, ainda no volante. Pietra prosseguiu disparando ao avançar contra o casal.

—... o primeiro sangue é seu — disse ele, dentes cerrados.

Adam sentiu o tiro de uma forma que não esperava. Não bastasse o calibre bem superior ao da pistola descarregada contra seu corpo na noite da festa, aquela munição tinha algo diferente: tinha prata. Apoiando-se no chão ele saltou para o lado, agilmente desviando dos tiros seguintes. Ele viu Jeanne saltar para trás do carro, usando a lataria como camuflagem e escudo. Agora também debaixo da chuva onipresente.

— Você é mesmo um cavalheiro, hein? — brincou a vampira.

A caçadora logo trocou de armas, encontrando Adam com uma dupla de lâminas prateadas e brilhantes. O vampiro desviou de uma sequência de ataques dela, as lâminas subindo e descendo em movimentos precisos e letais. Por duas vezes elas rasgaram parte de sua roupa, na terceira, deixando um sutil corte na pele.

Como resposta, Adam acertou um tapa com as costas da mão, forte o suficiente para fazer a mulher cuspir sangue e se apoiar nos joelhos.

—... o segundo sangue é meu — disse ele, sorrindo e dando um passo a frente.

Mas a resposta foi rápida. O vampiro se viu surpreendido por uma sequência de ataques em forma de arco, a fraqueza aparente se revelando nada mais que um embuste. Dessa vez uma cruz se desenhou no peito do monstro, e ele se deu conta que era ela uma esgrimista experiente e habilidosa. A dor do corte se unindo a do tiro, e fumaça saindo de ambos.

— Nessas horas que sinto saudades da minha velha espada — disse ele, retirando enfim a outra mão do bolso.

Pietra moveu as espadas de modo a se livrar do sangue ao mesmo tempo em que trocou de postura. Jeanne e Paul de armas em punho, observando o duelo e um ao outro.

— Não zombe de mim, demônio — falou a madre, enfim quebrando o silêncio. — Há quinze anos extermino monstros como você, e hoje não será diferente.

Adam sentiu a dor, sabendo que devia se concentrar em curar suas feridas. Mas ele não faria aquilo. Usando a velocidade do sangue o vampiro disparou em direção à mulher, que bloqueou e desviou de seus ataques, embora com dificuldade. Os golpes eram duros, e mesmo ela bloqueando, era visível que aquilo não poderia durar. Ele usou a potência e velocidade de seus ataques para desequilibrá-la, e então acertar um chute poderoso que a lançou contra a lataria da picape! As espadas caíram das mãos da mulher, que se pôs de joelhos, sentindo o golpe.

Adam aproveitou o momento para se concentrar nas próprias feridas, seu corpo respondendo de modo espantoso, com o buraco da bala e corte em cruz se fechando parcialmente. Marcas ainda visíveis, mas regenerando o pior do dano sofrido. Curar ferimentos causados por prata não era coisa fácil, e a sede de sangue começou a tornar-se cada vez mais presente. As feridas ainda doíam e o atrapalhavam, mas bem menos que antes.

Ele viu que Paul e Pietra se olharam, a mulher fazendo um gesto para que ele continuasse em seu lugar.

— Acredita mesmo que ela pode vencer, mestre Davis? — inquiriu o vampiro — Eu esperava mais do senhor, assim fico decepcionado.

— Eu também estou meio que decepcionada, queridinho. Achei que a essa hora você já teria matado a freira — provocou Jeanne, sem dúvidas querendo ver mais das capacidades dele.

— Perdoe-me, fiquei muito tempo parado, acho que estou enferrujado — disse ele, vendo a madre já de pé e com uma espécie de lança metálica em mãos, um mecanismo retrátil composto de uma haste metálica com ponta de madeira. — Além disso, para uma humana, ela é um desafio e tanto. Mas já que insiste tão veementemente...

Em um movimento especialmente rápido, o vampiro avançou com uma pesada, visando neutralizar a madre, que desviou rolando para o lado, escapando de um impacto que quase fez o veículo atrás dela tombar. Pietra atacou imediatamente com a lança segura por ambas as mãos, visando o coração do morto-vivo. Adam deteve a arma com uma das mãos, a poucos centímetros de seu peito, escapando assim do empalamento.

— Acabou, madre, seus truques já me cansaram — E Adam sorriu, seus olhos encontrando com os dela, que emanavam mais confiança do que ele gostaria.

Então a dor! A visão da haste de madeira se encravando em seu peito, como se disparada daquele cano metálico por algum mecanismo oculto. Adam gritou ao se afastar, com seu corpo e orgulho feridos. E a incansável mulher, parecendo ignorar os ferimentos, reassumiu a postura de luta.

— Fui entregue a Deus ainda uma menina. Meu corpo jamais foi tocado, meus lábios jamais mentiram, meu coração se manteve puro — disse ela, recuperando uma das lâminas e sacando uma pistola de groso calibre, ambos prateados. — Eu posso senti-los, demônios. Resistir aos seus encantos, e despachá-los de volta ao inferno.

Sangue foi cuspido por um vampiro furioso. O estaqueamento era uma das maiores fraquezas vampíricas, competindo com o sol, fogo e prata. Um recém transformado teria morrido de imediato. Um vampiro experiente, entraria imediatamente no sono a que chamam "torpor"... e só os realmente antigos como Adam, conseguiam se manter conscientes e de pé.

Ainda assim, só o fato da pele dele ser difícil de penetrar que impediu a entrada completa da estaca em seu coração morto, lhe dando alguma chance de se manter na luta.

— Posso ver que é um demônio antigo, embora não consiga senti-lo. Um demônio poderoso, e mesmo assim sucumbirá essa noite — profetizou a madre, finalmente sorrindo.

Adam estava sob pressão, a caçadora realizando uma sucessão de ataques rápidos e brutais! A lâmina de prata reluzia enquanto rasgava a carne do morto-vivo. Mirando o pescoço, feria braços, ombros e o que mais se pusesse no caminho.

Passados alguns momentos, ele estava apoiado em uma perna e cuspindo sangue, enquanto desviava do fio de uma espada curta que já lhe deixara mais de uma dezena de cortes, e de balas de prata como as duas que queimavam em sua perna ferida.

A caçadora enfim lhe deu um momento. Ofegante e visivelmente cansada, se escorou em um ponto da picape fora da mira da vampira, recarregando sua pistola e recuperando fôlego. Adam enfim levou a mão a haste encravada em seu peito.

—... devia ter completado o trabalho, madre — disse ele, usando toda sua força para livrar-se da estaca. — Isso não irá se repetir.

A madeira ensanguentada caiu ao chão, enquanto a caçadora o fitava com fúria no olhar, dizendo:

— Essa noite tomei o fardo de matar a vampira. Ela seria a morte de número noventa e nove. Deus seja louvado por trazê-lo até mim, pois agora ela será a de número cem.

— Tem certeza que não quer que eu me meta? — questionou Jeanne, escondida atrás do carro.

—... a luta é minha, o duelo é meu! — disse Adam, erguendo-se ofegante.

— E quanto a mim, Pietra, quer que eu lute ao seu lado? — perguntou Paul, pistola em mãos.

Ela o encarou confiante, enquanto Davis tinha um olhar estranhamente triste.

— Concentre-se Paul, vai precisar estar alerta quando chegar a hora de puxar o gatilho — disse ela, depois fitando o vampiro a sua frente.

—... eu sei que sim — ele disse em resposta.

Som de tiro, e a madre caiu de joelhos, sangue escorrendo farto da coxa. Ela olhou em volta, procurando por seu atirador. Encontrando apenas os olhares de vampiros tão surpresos quanto ela.

— Paul...? — perguntou, enfim.

Outro tiro, dessa vez no braço que segurava a pistola. Uma mão fraca e trêmula em direção ao ombro ensanguentado, ainda erguendo uma lâmina prateada... porém sem forças. Mesmo sob a chuva, o vampiro discerniu um princípio de lágrimas, logo seguidos de um grito de dor. Mesmo o vampiro sentiu ser uma dor mais profunda que apenas física.

Nos olhos do traidor ele viu tristeza, mas também determinação. Olhos de alguém que sabia o que estava fazendo. Olhos de alguém que não iria parar. Adam leu os lábios, mas não ouviu o som.

— Perdão — pediu Paul Davis, para sua vítima.

O som do tiro fatal ecoou pela floresta, o sangue de uma mártir, banhando o chão.

— Chega de sangue, chega de luta por hoje — falou o professor, olhando para Adam. — Vamos conversar, vampiro.

Adam ergueu-se do chão, tirando a parte de cima do terno encharcado e cheio de rasgos para limpar o sangue que manchava seu corpo.

— Venha a minha casa, e prometo responder suas perguntas — respondeu, sob o olhar de censura da imortal ao seu lado

***

O trio se encontrou na sala de visitas, com a lareira acessa, cercados por grandes cortinas e quadros da Renascença que decoravam o lugar. Molhados e com sapatos sujos de lama, Adam e Jeanne se secaram com as toalhas depositadas sobre o pequeno móvel no chão, enquanto o vampiro consumia sacos de sangue de transfusão. Ao lado do jogo de sofás em que seu patrão se sentou, visivelmente tensa, Teresa Mendes, a última representante de uma linhagem de pessoas dedicadas a Adam. E a primeira em três séculos a vê-lo.

Adam não diria, mas foi realmente surpreendente para ele encontrar uma mulher como sucessora atual de Connors. Em seu tempo elas poderiam assumir certas funções, mas nunca uma de tal importância. Eram de fato tempos mais livres. Já a cor de pele ou preferências sexuais não lhe eram tão impactantes, ainda que inesperadas. Ele esteve por muitos lugares antes de se entregar ao sono, e viu o suficiente para aceitar que os mortais são extremamente diversos em suas características. 

A vampira caminhou pelo salão, admirando a beleza e grandiosidade dele.

— É sério mesmo que com toda essa grana você não tem nem mesmo um segurança?

Ele deu de ombros, secando o último pacote, já visivelmente melhor.

— Não considerei necessário. É claro que essa noite mostrou que é algo a se considerar.

Ela riu, sarcástica. E ficando provocativamente próxima ao vampiro, disse:

— Não sei como era no seu tempo, querido, mas hoje em dia temos que manter os olhos bem abertos se quisermos sobreviver por mais umas noites.

Adam entregou então os pacotes vazios a Mendes, que aproveitou para lhe falar:

— O senhor não brincou mesmo quando falou sobre "uma mesa perante seus inimigos" — sussurrou para ele, que apenas sorriu em resposta.

Próximo a lareira estava Paul Davis. Encharcado, com sapatos sujos de lama e segurando a escopeta tomada de sua última vítima.

— Chega de enrolação! Hora de abrir a boca, vampiro — exigiu, visivelmente irritado. — Já sei que foi você o verdadeiro dono desse casarão, há trezentos anos atrás. Sei que ele foi atacado por influência dos Freemans, e que o tal Willian Connor o herdou de você... Então acho melhor me dizer algo novo.

Tanto Adam quanto Teresa se olharam, surpresos. Jeanne sem dúvidas notou pela expressão deles, que o professor deveria estar dizendo a verdade.

— Não imaginava ser possível para alguém de hoje descobrir essas coisas. Não vou negar, essa casa é minha, sempre foi e sempre será — confessou o vampiro.

Jeanne Hilton agora estava de pé na parede do salão, sobrenaturalmente à cerca de dois metros do chão. Com seu vestido vermelho e salto, apontou um tipo de revólver de grosso calibre que Adam não conseguiu identificar em direção ao professor.

— Por que exatamente matou sua amante, professorzinho?

— Meus motivos não são da sua conta — respondeu ele, apontando sua arma simultaneamente para ela —, e se fosse esperta, nunca apontaria essa coisa pra mim.

— Abaixem as armas! — ordenou Adam. — Exijo algum respeito na minha casa.

O casal se analisou por alguns momentos antes de abaixar lentamente as armas. Ela permaneceu onde estava, enquanto Paul caminhou em direção ao vampiro. Então apontou sua arma para a cabeça dele, perguntando:

— Não vim aqui a passeio, já disse para abrir a maldita boca!

Adam encarou seus olhos, ignorando a arma a poucos centímetros de sua nuca. O fitou como naquela noite em que se viram a distância, dois predadores se espreitando nas sombras, lendo a alma um do outro.

— Responderei suas perguntas, mas primeiro responda a dela, mestre Davis: por que mudou de lado? Por que matou sua companheira?

— O destino dela já estava selado — respondeu ele, abaixando a arma e sentando-se. — Pietra era uma caçadora excelente, talvez a melhor em atividade na Inglaterra de hoje. Eficiente e criativa no combate corpo-a-corpo, além de ter seus truques para surpreender os inimigos. Mas isso não seria suficiente.

— Está certo disso? Até onde me lembro, ela estava em vantagem quando o senhor a matou, a traição — inquiriu o vampiro.

— Vamos, não seja modesto. Ela era forte, mas só chegou tão perto da vitória por conta dos seus erros bobos e insistência em subestimá-la. — Paul colocou os pés imundos sob o sofá. — Você a deixou começar, se arriscou para proteger a vadia ai ao lado, começou lutando com só uma mão e desarmado, e ainda se limitou a tapas e chutes ao invés de algo mais efetivo. Mesmo assim, seu poder foi grande o bastante para regenerar o pior dos ataques dela, e era visível que mesmo o estaqueamento parcial estava perdendo o efeito. Os truques dela se esgotavam um a um, e eram só mais alguns instantes até que a exaustão a vencesse e você terminasse o trabalho.

— Eu ouvi o lance de "vadia", ok? — alfinetou, Jeanne.

— Então vendo que não poderiam me derrotar, desistiu de me matar e mudou de lado? Nada nobre de sua parte, mas ainda assim, sensato — falou o vampiro, bebendo do vinho servido por Lincoln a cada um deles.

— Não disse isso — respondeu Davis, exibindo seu conhecido sorriso. — Se minha intenção fosse só vencer, teria me unido a Pietra, e juntos nossas chances seriam até que razoáveis. Eu queria testá-los, só isso. Colocar a melhor caçadora que encontrei contra o vampiro mais antigo, e ver qual dos dois seria um aliado melhor. A partir do momento em que o resultado ficou claro, a madre perdeu seu valor.

Adam sorriu para Jeanne, erguendo sua taça.

— Como eu disse antes, é um cavalheiro bastante interessante o mestre Davis. — E observando a ambos, decidiu tomar aquela arriscada atitude. — Abra a passagem, mostre o cômodo, Teresa.

Ela ficou hesitante, sussurrando para seu mestre:

— Está mesmo certo disso, senhor? — Parecendo preocupada. — Nenhum desses dois parece valer uma Libra.

Adam pôs a mão no ombro dela, sussurrando gentilmente.

— E não valem mesmo. Ainda assim, pode fazer. É hora de revelar a verdade.

***

A imigrante legal vinda do Brasil, chamada Teresa Mendes, adentrou as cortinas laterais, e após um breve momento e o som de uma parede se movendo, as abriu, revelando um novo e misterioso aposento.

Paul não pôde evitar trocar um sorriso com a vampira, pois algo como aquilo não se via todos os dias. Ao menos, não fora dos filmes clássicos. Adam foi a frente no corredor, as luzes se acendendo conforme avançava. Lá dentro, uma biblioteca abarrotada de volumes antigos, versões originais de livros com séculos de idade, que aparentemente foram restaurados. Bíblias, Voltaire, Platão, Santo Agostinho, Shakespeare, mapas, volumes sobre história... uma vasta coleção. Da filosofia a teologia, passando pela história, literatura, aritmética ou mesmo dicionários. O lado acadêmico do professor não pôde evitar aproximar-se deles, almejando tocar aqueles originais, sentir seu cheiro e examinar um a um. Tão seduzido ficou pela biblioteca, que demorou a dar atenção aos quadros de ambos os lados, com pinturas de época.

— Esse é meu lar, desde antes da fundação da cidade. Para esse lugar nos trouxe meu amigo Willian Connor. Para esse lugar, eu trouxe minha amada. Aqui fui feliz, até meus inimigos me alcançarem e manipularem o povo local para destruir meu mundo. Mas a verdade é que a Inglaterra não é minha terra natal. Eu venho de longe, e sou muito mais antigo.

Os quadros parcialmente avariados pelo tempo, revelavam seus segredos. Paul se ateve a um que mostrou um homem de feições duras, longos cabelos negros cacheados e grossos bigodes, em roupas nobres.

—... Esse só pode ser Vlad III, príncipe da Valáquia — disse ele, espantado.

Paul percebeu que se tratava de um quadro que nunca viu antes, o estilo da pintura remontando a outras obras já catalogadas e amplamente conhecidas. Ainda assim, havia algo de diferente nele. Um certo tom de vermelho na íris, e uma mistura de cores ao fundo que tornavam toda a figura imponente e opressiva. Vlad Drácula, o "Filho do Dragão". Vlad Tepes, o "Empalador". Vlad, o homem que serviu de inspiração para o mito do maior vampiro de todos os tempos, o Conde Drácula!

Ele olhou para Adam, que nada disse.

—... o que está insinuando com isso? — questionou o professor, mais tenso do que estaria disposto a admitir. — Que você é Vlad Tepes? Que você é o Drácula?

— Não, idiota — esnobou Jeanne, tão ácida quanto devia estar maravilhada com o que via. — Olhe isso.

Só então Paul viu o quadro ao lado dela, retratando duas figuras. De um lado, Vlad; armadura de guerreiro e rosto fechado. Ao seu lado, Adam, igualmente de armadura, e com uma expressão calma. Ambos com o toque sombrio que desafiava a descrença nas bestas da noite. Ambos, monstros bebedores de sangue.

— Ele é filho dele — declarou a vampira, os olhos brilhando em direção a Adam.

— Sou Adam Tepes. Ele me gerou quando ainda era humano, com a esposa, como seu herdeiro na Valáquia. Quando cresci, após ele se tornar um monstro imortal, decidiu me tornar herdeiro disso também. Contra minha vontade, me transformou naquilo que sou hoje: um vampiro.

Paul não conseguiu crer no que ouviu: "Filho do Drácula"? Isso tornaria Adam um vampiro do século 15, no mínimo de antes de 1480. Ou seja, alguém anterior a conquista das Américas!

Ainda tentando digerir aquilo, perguntou:

— Você dormiu, não foi? Esteve em torpor pelos últimos séculos?

Adam apenas confirmou com a cabeça, seus olhos aparentando tristeza.

— Isso explica muita coisa — disse Jeanne, que não revelaria, mas devia estar surpresa em como o professor sabia tanto. E deslizando a mão pelas costas do vampiro e encostando o corpo no dele, falou em tom brincalhão. — Então você acordou sozinho em um mundo desconhecido. Sem amigos, sem contatos, sem ninguém para dizer o ABC da sociedade vampírica atual. É por isso que está nos contando isso, querido? Nos quer do seu lado?

Adam se afastou dela, escorando-se na parede.

— Eu tinha inimigos, muitos deles. Me perseguiram por um longo tempo, e quando me encontraram, tiraram tudo de mim. Não sei onde estão agora, mas sei que não ficarão longe por muito mais tempo. São uma seita de vampiros. Uma ordem. A Ordem do Dragão.

Paul sorriu interiormente ao ouvir aquele nome. Aquilo tornava o vampiro ainda mais útil para seus planos. Assistiu então Adam indo até o quadro do pai, e olhando para ele com ar melancólico.

— Não nos falou o que aconteceu com seu pai — questionou o caçador.

—... meu pai está morto — disse, por fim, mas Paul percebeu certa hesitação em suas palavras. — Mas meus inimigos não. Estou disposto a fazer aliados, mestre Davis, senhorita Jeanne. Pois quando meus inimigos chegarem, e eles vão chegar, todos estaremos em perigo. Sejam vampiros... ou humanos. 


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Notas finais do capítulo

O que acharam do desfecho da noite? Sobre as revelações que o vampiro fez, a batalha principal e decisão do professor? Espero que estejam gostando, e que deixem um comentário nesse capítulo dizendo o que gostaram ou não, e claro, aquilo em que posso melhorar.

A opinião de vocês é muito importante, pois sei que tenho muito ainda o que melhorar como escritor, então críticas construtivas serão muito bem vindas.



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