Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 23
Irmãos e Irmãs


Notas iniciais do capítulo

Claire está de volta.



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Lá estava ela, sentada no chão de pedra com a cabeça baixa e abraçando o próprio corpo, por conta do frio. Usava um vestido de época, tão belo e cheio de adereços quanto ultrapassado. Claire vinha usando muito aquele tipo de roupa nas últimas semanas. Um agrado para o irmão. 

"Irmão". Era estranho para a jovem usar aquela palavra, mesmo em pensamento. Foi criada como filha única, e se o pai tinha outros filhos em seus muitos casos, nunca conheceu qualquer um deles. Vinte e um anos, para só então encontrar seu irmãozinho perdido. Claro, quando ela parava para refletir com calma, era estranho que um garoto surgido do nada simplesmente se apresentasse como seu irmão e ela acreditasse, sem exigir provas ou explicações. Mais do que isso, o deixasse morar com ela e largasse tudo apenas para cuidar dele. Que passassem horas conversando, ela lhe fazendo o cafuné que tanto gostava, até que o menino adormecesse ao amanhecer. Sim, quando parava para pensar, não fazia qualquer sentido.   

Tudo bem que os cabelos e olhos fossem como os dela, mas isso não era prova de nada. Ela não era estúpida, sabia disso. Mas a verdade era que toda vez que tentou questioná-lo sobre aquilo, se viu totalmente convencida sobre o elo entre eles. Era quase sobrenatural a forma como o garoto conseguia dobrá-la com poucas palavras, apenas reafirmando o que já fora dito. Thomas era seu irmão, seu irmãozinho amado de quem ela sentia enorme saudade, mesmo que nunca o houvesse conhecido antes. O que não fazia sentido! Aliás, o que fazia sentido em sua vida atualmente? Sua mente estava tão confusa, perdida, como se nada se encaixasse ou fosse real. 

O som de passos próximos a fizeram erguer os olhos. Eram eles, os estranhos amigos de Thomas que deviam protegê-la. Não fazia ideia de como seu irmão, um menino de dez anos, podia ter amigos tão incomuns. Homens e mulheres de idades variadas, portando armas e com um olhar que a fazia se arrepiar de cima a baixo. Talvez tivesse relação com os caninos protuberantes, o fato dos olhos as vezes ficarem rubros ou do cheiro de sangue que empesteava tudo. É, sem dúvidas o problema era aquele! Pareciam com Tom, sofriam da mesma "doença" que ele lhe confessara ter.  

Mas se seu irmão mandou confiar neles, se disse que aquilo era normal, não havia motivos para duvidar. Seu irmão a amava, e jamais mentiria para ela. Ele não era como seu pai, que por toda vida enganou sua mãe. Ele não era como Adam Turner. Sua voz era doce e gentil, cada palavra confortando seu coração e lhe trazendo paz e confiança. Estava longe dele há apenas uma hora, e mesmo assim sentia tanta falta! Como se atendendo a uma prece sequer pronunciada, ele estava diante dos seus olhos novamente. Claire se ergueu e correu até ele, o abraçando forte e sendo correspondida. 

— Irmãozinho, não aguentava mais esperar. — Sua mão acariciando o rosto dele. — Descobriu algo sobre minha amiga Evelyn?  

— É, eu descobri sim.  

Claire o encarava ansiosa, o silêncio que se seguiu a resposta a deixando ainda mais nervosa. 

— Então fala logo, estou ficando maluca já! 

Ela balançava o pequeno pelos ombros, todos os outros quinze indivíduos olhando admirados para aquela ousadia.  

— Tudo bem, desculpe o suspense — disse ele, com  uma expressão triste. — Sua amiga está morta.    

— Estou falando sério Tom, pare de brincar comigo, ainda mais com algo sério. — Apesar de tudo que ouviu pela linha, Claire não poderia acreditar naquelas palavras. Obviamente eram uma mentira. — Chega a ser de muito mau gosto. 

Ele então segurou nas mãos dela, fixando o olhar.  

— Evelyn foi morta, não houve tempo de ajudar. Sinto muito em te dizer isso, Alice. 

Claire sentiu as pernas falharem por um momento, sendo amparada pelo garoto. Seu corpo tremia, seus olhos se enchiam de lágrimas mais rápido que sua mente conseguia assimilar aquela realidade absurda. Seu coração doía de uma forma que a fazia perder o ar e querer gritar! 

Thomas a deixou ficar sobre os joelhos, ele amparando sua face contra seu peito, o choro convulsivo dominando a garota por vários minutos.  

— Quem...Tom. Quem fez isso com ela? — Claire enfim juntou forças para perguntar, enxugando as lágrimas que não cessavam por completo de brotar. 

Thomas segurou o rosto dela, beijou sua testa e enfim disse as palavras que terminariam de matá-la por dentro: 

— Adam Turner. Seu ex-namorado matou sua amiga, irmã. O homem que te traiu, o homem que brincou com você. 

Claire o encarou com espanto, como se não entendesse as palavras que ouviu. 

—... Adam? — perguntou ela, a voz embargada e trêmula. — Ele não... isso não faz sentido, Tom. 

— Ele está vindo irmã, atrás de você e de mim. Ele quer nos separar, te matar como fez com sua amiga Evelyn. — Então um olhar dele para os outros. — Mas eu não vou deixar ele chegar nem perto de você. Nós não vamos. Acredite na promessa que te faço agora, Alice: aquele que você conhece como Adam Turner, morre essa noite. 

*** 

De volta ao grande salão, dois vampiros antigos se observavam. A única outra pessoa no recinto, e a única viva, era a jovem ruiva que não quis fugir. Corpos, membros decepados e um banho de sangue decoravam o chão, paredes e colunas, cenário de fundo ao anfitrião que fazia uma mesura para seu rival, dizendo: 

— Me chamo René Chermont, e é uma grande honra desafiar o filho do mestre. 

— Traga-me a Claire, francês, e eu o deixarei viver.  

René assumiu uma postura de combate, seu sabre apontado para Adam. 

— Pardon, monsieur Tepes, mas não creio que tenha qualquer autoridade aqui. — Ele deu os primeiros passos em direção ao rival — Obrigue-me. 

Em um piscar de olhos, Adam se viu obrigado a bloquear uma lâmina que passou rasgando seu rosto, deixando um corte superficial que, não fosse sua velocidade de resposta, teria perfurado seu crânio. Antes que tivesse tempo de recuperar-se da surpresa, teve que bloquear uma sequência de golpes, rápidos e precisos, cada um deles capaz de causar grave dano a seu corpo.   

Uma chuva de golpes pressionou o vampiro, arrancando sangue, o fazendo recuar, até se ver contra a parede. René era mais alto, seus braços compridos aumentando o alcance dos seus golpes e dificultando um contra-ataque. Adam tentou achar uma brecha no estilo de esgrima do adversário, mas sem sucesso. 

— O senhor é rápido... e habilidoso. — Adam dizia, bloqueando com dificuldade cada novo ataque, encarando um vampiro de olhar penetrante e expressão ininteligível. — Quantos séculos tem, senhor Chermont? 

René deteve a própria espada diante do oponente, ambos parando por um momento. Após algum tempo observando os ferimentos do adversário, abaixou a arma, com expressão de desagrado. 

— O suficiente para saber quando meu adversário não leva o duelo a sério. Continue me insultando com essa postura, e prometo que a humana sentirá as consequências.  

— Não vou lhe dar o que quer até vê-la. Até saber que ela está não apenas viva, mas bem. — E dito isso, embainhou a espada. 

Adam pôs as mãos nos bolsos, examinando o local enquanto caminhava até ficar frente a frente a seu adversário. Fosse Claire uma vampira, poderia senti-la. O que mantinha Adam minimamente sob controle, era saber que a amada estava nas mãos de Thomas. O irmão que mesmo transformado em vampiro, não parecia ter perdido algum afeto pela imagem da irmã. Adam o sentia por perto, mas não arriscaria um movimento em falso. Não. Claire era preciosa demais para correr riscos.  

René sorriu, fazendo um gesto para que Adam aguardasse. Então retirou do bolso um celular. 

— Irmãos, é hora de trazerem a humana de estimação do Thomas — ao dizer isso, observou a reação de sutil aborrecimento de Adam. — O antigo dono veio buscá-la, creio ser hora de definirmos quem merece afinal a guarda da criatura. 

Guardado o celular, René sentou-se novamente no banco de ferro próximo ao túmulo. O cavanhaque lhe servindo de distração para os dedos, enquanto assobiava. 

— Isso pode levar alguns minutos, Adam Tepes. E já que duelaremos até uma possível morte real de um de nós, desejo usar o tempo para nos conhecermos um pouco melhor. Diga-me: por que traiu a Ordem do Dragão? Por que matou seu próprio pai e criador? 

Adam caminhou até ficar diante do túmulo vermelho. Sua mão encostando no metal tingido da cor do sangue, seus dedos deslizando pelas formas talhadas de um dragão. 

— Meus motivos são somente meus, pertencem a mim e a ninguém mais. — Estar novamente diante daquele caixão era algo difícil para ele, por isso se esforçava para não transmitir o que sentia para o curioso vampiro. — Minha força real... isso é tudo o que terá de mim, francês. 

***  

Ela estava lá, a única jovem que não morreu ou fugiu. Mordendo nervosamente a ponta do cano da pistola com que ceifou a vida de um de seus antigos aliados. A arma com que chamou a atenção do vampiro invasor para si. Um tiro que lhe deu o direito de permanecer ali, como um ratinho a observar de sua toca a briga entre dois tigres adultos.  

Eles sabiam disso, mas não pareciam se incomodar com a expectadora silenciosa. Elisabeth, a ruiva de roupas pretas e obsessão por vampiros, assistia a tudo aquilo com olhos que cintilavam de excitação! Faziam seis meses que se unira a Ordem do Dragão por ordem de Jeanne Hilton. Fizera a tatuagem no pulso, o juramento em que entregava o sangue para ser sugado pelo vampiro a quem se sujeitou, e os diversos serviços que seus mestres lhe exigiam. Tudo aquilo para ganhar a confiança deles.  

Tornar-se vampira... aquele era o grande objetivo. A meta, a ambição que lhe impelia a mentir e manipular outros em nome de seus próprios objetivos. Ela era esperta, bela e esperta, e queria continuar assim pela eternidade! Por isso suportava e fingia acreditar em toda aquela babozeira sobre uma religião vampírica. As excentricidades do velhote que usava batina e fingia mancar, ou do pirralho com terno e loiras. Entre os grandes, apenas René era normal. Um belo, antigo e charmoso vampiro, alguém que lhe seria um criador digno (e um amante desejável). Era isso o que pensava até então. Até ver Adam Tepes diante de si. 

O filho do lendário Drácula, um vampiro não só antigo, mas imponente, bonito e elegante. Tudo que ela sempre desejou, a materialização de todas as suas fantasias alimentadas por livros, séries e fanfics de internet. Por ele ela se arriscaria a mudar de lado, por ele se entregaria sem pensar duas vezes. Já estava decidido: Adam seria não somente seu criador, mas também seu eterno amante das trevas. E ela faria qualquer coisa por aquilo. Incluindo trair a Ordem... e a Hillton.

Elisabeth se viu arrancada de sua admiração muda pelo surgimento deles. Um grupo de doze pessoas... vampiros. O pirralho trazendo pela mão justamente a garota que estava na foto e perfil das redes sociais que ela repassou a ele. Uma humana em transe hipnótico. Então recontando: onze vampiros, e uma cordeirinha arrumada como uma Barbie temática. 

Os vampiros se espalharam por todo salão, mantendo o máximo de distância entre si mesmos e os dois combatentes.  

— Adam! — O grito veio da loira, tremendo de raiva e chorando. Elisabeth não gostou nem um pouco da intimidade daquele tratamento. — Como pôde fazer isso com a Evy!? Como pode vir atrás de mim como um psicopata!? Como teve a frieza de fazer uma chacina nesse lugar? 

O vampiro Adam olhou para a garota com tristeza, pareciam mesmo ser muito íntimos. Claro... aquela devia ser a Claire da qual ele falara. Isso era péssimo, pensou. A ruiva não deixou de notar o sorriso do vampirinho para Adam, como se estivesse aproveitando aquela situação esquisita.  

— Claire, me perdoe por isso tudo. Prometo que quando a noite terminar, você estará sã, segura e longe de todo esse mal. — Ele fechou os olhos e inspirou, não que realmente precisasse inspirar. — Espero que seja forte o suficiente para suportar todo o sangue que ainda verá ser derramado hoje. Assim como meu lado menos nobre... ou humano. 

René levantou-se por fim, retomando a postura de esgrimista, o sabre a frente do corpo. 

— Ai está seu animalzinho, Adam Tepes. Espero que cumpra sua promessa. 

— Que seja! Vou lhe mostrar o verdadeiro poder do sangue que carrego. 

Adam se ergueu acima dos inimigos. Seus longos cabelos negros flutuando, seus olhos assumindo um tom mais vermelho e suas presas a mostra. Sua presença mais intensa que há um momento atrás! Elisabeth não pôde conter um enorme sorriso, assim como as palmas após guardar a arma. Olhares de estranhamento e repreensão a seguindo.  

— Meu anjo negro... 

Todos podiam sentir aquilo, como uma onda a arrepiar o corpo dos vivos e afetar também ao dos mortos. René teve que desfazer a postura, apenas admirando o inimigo. Sentindo aquela força poderosa e intimidadora. Todo seu corpo reagindo ao olhar do predador que o encarava de cima. E sorriu em resposta. 

— Venha, Tepes, mostre-me o que pode fazer! Faça-me provar do poder que herdou do velho dra... — Um movimento rápido cortou a frase, o ar e a pele.  

O único som foi o de carne sendo cortada, com sangue voando em profusão! René teve o braço da espada decepado! Em uma velocidade assustadora, Adam Tepes passou por seu adversário, podendo até mesmo decapitá-lo no processo se quisesse. 

Adam parou à poucos metros da Claire, a meio metro do chão. O vampirinho automaticamente puxou a loira sem reação para junto de si, presas sobre o pescoço e um olhar de ameaça. A loira gritou de pavor com a cena. Com o braço da espada no chão, e sangue escorrendo abundantemente do que sobrou dele, René encarou Adam Tepes, que desceu suavemente, embainhando a espada. Elisabeth estava eufórica, rindo sozinha, levando as mãos a boca, maravilhada. 

— Ainda pode viver, René. Você e seus "irmãos" ainda podem viver. Me deixem levá-la, esqueçam tudo isso, todo esse plano insano, essa fé doente... e serei piedoso. — Adam se põe de lado, de modo que pode olhar para cada um deles, enquanto faz sua oferta. 

René não parecia assustado. Seu olhar exibia determinação, Elisabeth até diria que estava ainda mais motivado. 

— Por qual motivo embainhou a espada, monsieur  Tepes? — Ele sorriu, Thomas sorriu. — Nosso duelo está longe de seu fim. 

Adam observou o que restou do braço do vampiro pulsar, vasos de sangue se formando em incrível velocidade, crescendo em direção ao braço decepado, unindo-se a ele e fundindo novamente as extremidades da carne morta.  

— Que seja como quer, francês — Adam afirmou, sacando a espada novamente. — Já que admira tanto meu maldito pai, é hora de enviá-lo até ele. 


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Notas finais do capítulo

Já estava sentindo falta de escrever sobre a Claire. Adam, Claire, Thomas, René... prometo fortes emoções com eles. E fiquem de olho na Elisabeth, pois ela terá sua importância.
Próximo capítulo, Andy X Malcom. E claro, Paul, Mandy, e...



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