Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 18
Filho Rebelde


Notas iniciais do capítulo

Vamos voltar novamente ao passado do vampiro Adam. Hora de saber o que aconteceu com ele após ser transformado em vampiro. Esse é o meu capítulo mais longo até agora, e creio que um dos mais dramáticos também.



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Como que arrancado de um pesadelo febril, Adam despertou. E uma vez desperto, se deu conta da terra gelada que cobria todo seu corpo, obscurecia sua visão e por pouco não adentrava em sua boca. A conclusão era desesperadora: ele estava enterrado! Seu corpo reagiu por instinto, com as mãos forçando caminho para fora daquela prisão de terra úmida. Seus movimentos frenéticos só cessaram quando se viu liberto daquilo tudo. Quando se viu de volta à parte de cima do mundo, o lugar onde os vivos deviam estar.

Ele estava ofegante, embora mais pelo desespero que pelo esforço. Ao se pôr de pé, vislumbrou seu túmulo: uma cova simples, em meio a um mar de terra e lama, no centro de um cemitério. Adam não compreendia... nada daquilo parecia fazer sentido. Uma dor intensa na cabeça o fez cair de joelhos. Junto à dor, veio um rastro de suas últimas lembranças, como se sua mente sofresse ao parir as memórias amargas.

O castelo. Vlad Tepes, o monstro. Seu próprio pai se revelou um demônio terrível a lhe tentar com a promessa de imortalidade. Promessa a qual ele rejeitou. Rejeitou, e por isso foi morto, tendo seu sangue drenado. Mas se foi morto, como era possível que estivesse de pé naquele momento?

Adam levou a mão ao pescoço, surpreendendo-se ao não sentir qualquer coisa de diferente nele. Também não sentiu os ossos quebrados, a ferida nas costas ou as dores pelo corpo. O homem deveria estar morto, mas ao invés disso estava ali, curado e sentindo-se mais forte do que nunca. Algo de errado, de terrivelmente errado e profano aconteceu naquela noite, e ele ainda não fazia ideia do que, ou do motivo.

O cavaleiro não sabia há quanto tempo havia tombado. Na verdade, conforme se afastava do cemitério só uma coisa tomava conta da sua mente: a sede. Seu primeiro impulso foi beber da água deixada para os animais. Com as mãos em concha ele bebeu com sofreguidão. Bebeu, bebeu... Até sentir vontade de vomitar aquilo. Estranhamente, a água não lhe fez qualquer bem, pelo contrário, pareceu estar ainda mais sedento que antes! Havia algo de errado com aquela sede, algo de errado com ele. Isso se tornou ainda mais claro quando ouviu ao longe uma batida inconstante. Algo como um tambor, ou um coração pulsando. E sem sequer raciocinar sobre o motivo, avançou até ele.

Conforme vagou por caminhos escuros, se viu cada vez mais próximo do som da batida vital. Por fim, encontrou um casebre caindo aos pedaços, com uma cerca malfeita na frente de um terreno sem valor. O som vinha de lá. Adam entrou facilmente pela janela, se vendo em um cômodo cheirando a mofo. Daquele ponto, tinha visão de três pessoas dormindo tranquilamente, uma numa cama e duas no chão. Na cama, um homem velho, magricelo e com uma espada ao lado, descansava. No chão, duas jovens dormindo, prováveis irmãs. O som dos corações batendo, o cheiro, as presas que surgiram em sua boca sem sequer perceber. O som de suas vidas o chamaram a perder-se nele, e o cavaleiro não teve forças para resistir.

E então o prazer! A perdição pecaminosa do fluir da vida, o sabor doce e profano do sangue humano. Ele perdeu qualquer noção de moral, tempo ou racionalidade. Como um animal faminto que destroça a presa ainda viva, bebeu das duas enquanto as manteve juntas a si. Um abraço de morte, um beijo de adeus.

Um grito! Adam abriu os olhos assustado, sentindo as costas arderem. Se viu diante de um velho trêmulo que gritava irracionalmente, segurando uma arma de lâmina gasta com ambas as mãos. Os olhos do homem estavam vermelhos de ódio enquanto resmungava coisas que Adam sequer conseguiu compreender, dado seu estado emocional abalado. Ele lambeu os lábios ao se virar na direção daquelas jovens... Ou do que restou delas. A mais baixa tinha o corpo seco, totalmente drenada por ele. A outra estava ainda viva, mais ofegante e semiconsciente, com sangue jorrando pela virilha ferida, exibindo os furos deixados por um par de presas.

O que ele fez? Como foi capaz? Adam não conseguia entender como um homem como ele, um bom homem, poderia fazer tal monstruosidade. Um homem que jamais abusou de mulher alguma, jamais as forçou a deitar-se consigo, sequer iludiu com promessas que não pudesse cumprir. Como um homem que tentava ser justo, se transformou em um incubo satânico? A resposta veio em fim a sua mente, na forma do pai, com presas expostas e olhos vermelhos. Um homem que mesmo contra sua vontade, o transformou em um monstro como ele.

Lágrimas rubras molharam o rosto de um vampiro assustado, quando gritou de desespero! Quando fugiu daquela cena trágica. Quando correu como um animal acuado e ferido, ao som do choro de suas vítimas.

***

A primeira noite foi a mais difícil. Adam vagou sem rumo pelas ruas da velha capital, escondendo-se de olhos curiosos e desconfiados. Suas roupas, antes elegantes, estavam reduzidas a farrapos imundos, fazendo com que o tomassem por pedinte ou salteador. Ele era rápido, mais rápido do que jamais foi. Seus sentidos também se mostraram muito afiados, ouvindo sons a uma distância que antes não ouviria. Discernindo detalhes na escuridão, como se fosse um animal a ela habituado.

Conforme as horas passaram, sentiu uma aflição se apoderar de si, com os primeiros sinais do dia o atraindo para o único refúgio que conhecia... Seu próprio túmulo. Ele não soube explicar o motivo, mas o sol não pareceu seu aliado. Talvez tivesse apenas ganho mais uma noite de vida sobre a terra, e o nascer do sol anunciaria sua partida ao outro lado. Talvez aquela sede fora sua provação final, e seu fracasso em resistir ao pecado o condenaria a danação no inferno, conforme o dia raiasse e seu corpo descesse a tumba. Foram esses os pensamentos que o guiaram até sua cova, cobrindo o próprio corpo com a terra antes removida. Escapando dessa forma do horror que a luz do dia causaria a seu corpo morto-vivo.

Quando se levantou da cova na noite seguinte, Adam já estava mais consciente do que havia se tornado. Ele era um monstro como o pai, que bebia sangue em troca de imortalidade. O sol era seu inimigo, e se precisava de respostas, só havia uma pessoa a buscar.

O primeiro passo foi conseguir novas roupas, o que não foi difícil para um homem capaz de entrar e sair de uma casa sem fazer barulho ou chamar atenção. Adam estava decidido a invadir o castelo em busca do pai, mas algo em sua mente o guiou a outro lugar. E foi confiando nessa intuição que ele seguiu pelas noites seguintes, fugindo do sol e de perguntas inconvenientes. Limitado a noite, e lutando contra uma sede que se tornava mais e mais forte, conforme as noites passavam. Se a sede maldita precisava ser saciada, que fosse com sangue que merecesse ser derramado, e não inocente.

E após uma longa jornada, ele enfim os encontrou. Por todo o vale se estendiam as centenas de tendas montadas, onde os soldados do pai descansavam e se alegravam após a vitória. Adam sabia que haviam vencido, isso ficava claro por conta dos milhares de soldados turcos empalados da colina até o rio. Uma imagem de gelar o mais frio dos homens, capaz de trazer pesadelos e revirar o estômago. Mas após tanto tempo, aqueles homens já haviam se habituado ao horror em sua rotina.

O barulho de cantorias e farra pôde ser ouvido a distância, tão forte quanto o cheiro dos corpos que o vento trouxe. Haviam soldados de guarda em um ou outro posto, para além dos batedores que matou, tapando suas bocas enquanto sugava suas vidas. Adam não quis chamar atenção desnecessária, por isso os ignorou, confiante em suas próprias habilidades de passar despercebido. E movendo-se rápido como um gato, avançou por entre os soldados, buscando a origem daquela sensação sinistra que lhe pareceu tão familiar.

Foi ai que viu o barracão de madeira junto a torre de vigia. O recinto do príncipe, com certeza. Adam entrou já vestido com a armadura e armas de sua última vítima. Como um deles. O lugar era amplo, com mesas de madeira, equipamentos militares e um arsenal. No fim do salão, uma porta de madeira fechada com uma dupla de cavaleiros da guarda real diante dela. Haviam ao menos outros dez espalhados pelo lugar, bebendo, jogando ou discutindo. Adam já se preparava para atacar os guardas quando notou que dois homens abusavam de uma jovem, um deles com ela nua em seu colo. Não parecia uma prostituta, pelo choro e expressão assustada, devia ser uma camponesa que teve o azar de estar no caminho de soldados lascivos.

O primeiro a morrer foi o que tomava a garota. Sem sangramento, só um movimento rápido com as mãos e o corpo dele caiu, seu pescoço torcido. O grito da menina chamou a atenção dos homens, e logo aquela cena bizarra lhes fez se dar conta do autor daquilo. Um homem que tirava o elmo, os olhando com desprezo. A maioria apenas olhava incrédula, sem conseguir tomar qualquer atitude com relação aquilo. O jovem que parecia esperar por sua vez de possuir a menina, correu em direção à saída, mas não chegou até ela. Em um movimento o monstro caiu sobre ele, encravando seus dentes com violência e destroçando o pescoço de alguém sem tempo de gritar ou reagir. E aqueles homens que até o momento se encaravam assustados, entraram em pânico!

— Para violadores, a morte — as primeiras palavras que ouviram de Adam, e para alguns, as últimas.

Os dois guardas reais não pareceram se abalar, retirando as espadas da bainha e bloqueando o caminho até a porta. Um dos homens pegou a besta, a colocando entre si e o monstro que alguns cochichavam ter sido enviado pelos turcos otomanos. Ele assobiou, e dos outros quatro que não desataram a fugir, três começaram a rodear seu algoz, enquanto o quarto deles se pôs a rezar, trêmulo. Um rapaz de olhos pequenos e músculos fartos foi o primeiro a tentar algo. "Ao menos é corajoso", Adam pensou, enquanto desviava do golpe de espada, agarrava sua cabeça e a batia violentamente contra o chão de terra. A imagem do crânio se partindo foi o suficiente para que o rezador pusesse o que bebeu para fora, sujando os joelhos dobrados.

O besteiro então disparou, atingindo em cheio o tronco do vampiro! Já exibia um sorriso aliviado, quando percebeu que o homem que atingira não caia. Adam apenas o encarou, seu olhar capaz de fazer o homem largar a arma ao chão. Os outros dois tentavam flanqueá-lo, confiando no ataque conjunto de suas espadas, acostumados a lutar em parceria. O mais alto forjou um ataque direto para que o outro pudesse encravar sua espada de surpresa. O menor tinha uma boa esgrima, graças a isso encravou sua espada no tronco do vampiro, que rilhou os dentes por conta da dor, reagindo com uma pesada que jogou o homem com força contra a parede, lhe roubando a consciência. O primeiro atacante ainda aproveitava a brecha para tentar decepar o braço exposto do inimigo, quando foi surpreendido por uma cotovelada que quebrou seu nariz e o fez perder o equilíbrio, derrubando a espada e caindo de costas no chão, sangrando.

— Rezar não o salvará agora — Adam sussurrou para um homem que se urinava de medo, o encarando com olhos arregalados. — Rezar não salva ninguém.

Dito isso, o vingador fechou sua mão no pescoço do homem, destroçando os ossos, juntamente com suas esperanças. O besteiro tentou correr até os soldados da guarda, mas foi surpreendido pela mão forte de um deles, que o pegou pela capa, revelando presas que se afundaram no pescoço suado de medo.

— Monstros como meu pai. Como eu — disse Adam, olhando nos olhos de seus inimigos.

— Como seu pai é impossível, ninguém é comparável a ele — respondeu o soldado que observava o companheiro se fartando de sangue. — Como você... isso nós vamos descobrir.

Adam sacou sua espada, ciente que aqueles inimigos seriam bem diferentes dos anteriores. Ele sentia a emoção do combate, e ainda que estivesse inconformado com o que se tornara, não conseguia deixar de sentir-se animado pelo poder que tinha agora. Pela facilidade com que venceu aqueles homens, mesmo sem usar sua arma.

Uma lâmina passou raspando pelo seu rosto, o obrigando a desviar na direção do adversário que o aguardava com uma estocada na altura do ventre. Ele cerrou os dentes, sentindo a dor da lâmina penetrando a carne. Antes que pensasse em atacar, se viu pressionado pelo avanço do cavaleiro com escudo na frente e espada em punho, revezando entre golpes de espada e pancadas com o escudo. Adam se viu surpreso diante da velocidade dos ataques daqueles dois. Velocidade e técnica, pois eram a elite da Valáquia, e isso mesmo antes de serem vampiros. Seu ódio crescia, e junto dele o poder que carregava dentro de si. Adam saltou sobre aqueles homens, golpeando com violência! Sua velocidade surpreendendo os dois, que ao tentar bloquear o ataque aéreo, foram empurrados contra a porta de madeira.

— Só precisam me deixar passar — disse ele, apontando a espada para os inimigos.

Em meio ao combate dos três, outros homens entravam no cômodo, atraídos pelo barulho. A proximidade do príncipe era o provável motivo de não usarem pólvora, mas os soldados logo o cercaram com suas bestas prontas para serem disparadas. Vários virotes atingiram o corpo do predador, que sentiu as lâminas dos vampiros ferirem sua pele, se aproveitando da distração criada pelos ataques a longa distância. Vendo que o número de inimigos apenas crescia, e notando que não seria fácil passar pelos vampiros, Adam dobrou as pernas, concentrando suas forças sobre-humanas em fazer o impossível.

Com um salto espantoso ele atravessou o teto de palha e chegou ao telhado do outro cômodo. Adam refletia sobre como seu corpo resistia ao poder dos virotes e espadas. Não apenas isso, mas lentamente se recuperava de seus efeitos nocivos e mortais, como se o homem estivesse proibido, por Deus ou pelo Diabo, de morrer. Ele ouvia os gritos de ordens saindo das bocas dos soldados, enquanto caminhava como um gato sobre aquelas madeiras, avançando rumo à presença que sentia tão perto de si.

E então ele o viu. Sentado sozinho em uma mesa, bebendo um cálice de vinho enquanto observava o mar de corpos empalados que lhe serviam de cenário. Ao seu lado, outros três homens da guarda real, todos vampiros, algo no jovem dizia. Assim que tocou o solo, Adam pôde ver os três homens assumirem uma posição defensiva, ao mesmo tempo em que os dois primeiros se aproximavam pela porta agora aberta.

Vlad apenas balançou sua taça, sem dar qualquer atenção ao invasor que buscava vingança.

— Por que fez isso comigo? — perguntou ele, olhos vermelhos de raiva. — Por que me transformou nessa coisa?

Sua ira e revolta se manifestaram na forma de um golpe rápido, que separou a cabeça de cima dos ombros de um dos soldados surpresos. Agora eram quatro cavaleiros da guarda real, e o pai finalmente lhe deu atenção.

— Pare de matar meus homens, Adam — disse o príncipe, fazendo um gesto para que aqueles vampiros enfurecidos não atacassem. — Nenhum deles é como você, mas todos tem seu valor.

— Então responda minha pergunta! — Adam ordenou, o sangue dentro de si fervendo de ódio ao ver aquele homem o tratando como criança.

— E caso eu me recuse a responder, o que fará? — Vlad perguntou, sorrindo.

A resposta veio na forma de um ataque direto do filho contra o pai, a espada parando a poucos centímetros da face daquele homem terrível. Adam tremia, sem conseguir entender o motivo de não conseguir terminar o golpe. Seu corpo simplesmente não obedecia a sua vontade... Como se uma força invisível o imobilizasse.

— Covarde maldito, o que fez comigo? — questionou ele, se vendo incapaz de atacar.

Os guardas reais apenas assistiam, obedecendo a ordem de não interferir.

— Sou seu pai, garoto. Como ousa levantar a mão contra o próprio pai?

Adam não entendia, mas algo naquelas palavras parecia ter relação com sua incapacidade de ferir ao pai. Ele era de fato seu filho, mas isso não o impediu de feri-lo anteriormente. O que poderia ter mudado?

— Você me transformou... é isso, não é? — perguntou ele.

— Sou seu mestre e criador, você não pode me ferir, minha criança rebelde. — E olhando fixamente nos olhos do filho, com sua íris assumindo um vermelho intenso, ordenou com autoridade. — Chega de luta por hoje. Entregue a espada.

Adam não entendeu o motivo, mas não conseguiu de forma alguma desviar o olhar do pai, daqueles olhos severos a lhe repreenderem e dominarem, como quando ainda era uma criança dócil e servil. Ele tentou lutar contra o impulso de erguer a espada a frente, resistiu o mais que pôde, até se ver vencido. Com mãos trêmulas se inclinou, oferecendo o cabo da espada ao cavaleiro real e chefe da guarda, o mesmo a quem entregara quando ainda humano e inocente das trevas que envolviam seu antigo lar.

O cavaleiro se limitou a sorrir enquanto a tomava, divertindo-se com a humilhação imposta ao vampiro novato.

— Bom garoto, é assim que se faz. Um bom filho obedece ao pai, um bom cavaleiro obedece ao seu príncipe, e um bom vampiro obedece a seu criador. Sou seu pai, príncipe e criador, garoto. E você aprenderá a me obedecer, mesmo que leve toda uma vida humana para isso.

Em posição de reverência, Adam se limitava a enfiar as unhas no chão, liberando um fragmento da raiva que o consumia. Ele era impotente diante do pai, nem por força bruta e nem pela força de sua vontade conseguia enfrentá-lo, e isso o enlouquecia em um frenesi de fúria assassina.

— Isso não vai durar — jurou, encarando o pai com olhos vermelhos e incendiários. — Vou aprender a resistir ao seu poder. Tornar-me mais forte... forte o bastante para matá-lo!

Vlad se limitou a beber da taça com o sangue de seus inimigos.

— Tragam as correntes de prata — ordenou a seus cavaleiros, sem tirar os olhos do filho. — Você era um bom garoto quando nos despedimos, Adam. Um menino obediente e respeitador, mas vejo que os anos longe de mim lhe contaminaram com essa língua respondona e maldizente.

O soldado já voltava com o que foi solicitado, como se desde o início o príncipe soubesse da necessidade de usá-la contra um de sua espécie. Como se o aguardasse chegar. Acorrentaram as mãos e pés de um vampiro derrotado, sem mais forças para travar sua luta perdida. A dor do contato da pele com a prata sagrada, sendo resistida com bravura.

— Quinze anos, não foi mesmo? Foi esse o tempo que levou para que se transformasse em um filho rebelde?

Adam o encarava, ódio no olhar, a ansiedade e tensão de um filho que aguardava pelo castigo.

— Nada que alguns anos de clausura e disciplina não resolvam. Lealdade, respeito e temor; é isso que espero de você, meu amado filhote. Sei que isso não virá hoje, amanhã ou daqui a um mês. Mas talvez com o tempo certo...

Adam não conseguiu evitar a boca pendendo em surpresa, as correntes em volta de si parecendo agora muito mais apertadas, sentindo-se enfim como um prisioneiro de fato.

—... Quem sabe em quinze anos? 

***

Era uma cela escura aquela em que ele foi largado. Não que seus olhos de bicho noturno tivessem dificuldade para discernir algo por conta daquilo. Quando muito, as cores; via em tons de claro e escuro, só encontrando completa escuridão quando os fechava.

Adam estava apenas com suas calças, já surradas. As correntes prateadas prendendo seus pés ao chão e as mãos uma a outra. Seis noites haviam se passado desde que perseguiu e confrontou o pai, apenas para descobrir que sua nova condição o tornou incapaz de tocar nele. Não era uma ameaça ao monarca, pelo contrário. Naquele momento, era apenas um prisioneiro cuja existência dependia da boa vontade dele. Algo extremamente humilhante.

Ele sentiu sede, cada vez mais intensa. Sede essa que já sabia não poder ser saciada com água ou bebida forte. Era sede de vida. Algo profano, que o fez lembrar-se de suas já tantas vítimas em tão curto tempo. Lágrimas molharam seu rosto, mais ainda quando lembrou do prazer que sentiu ao fazê-lo. Quando seus instintos de predador assumiram o controle.

Adam não tinha companhia alguma em seu enclausuramento. E como não precisava de alimentos ou tinha necessidades físicas comuns, pouco trabalho dava a seus carcereiros. Por isso mesmo, nunca os via. Adam sabia que todos os dias eles vistoriavam sua cela, mas por conta do sono diurno a que estava condenado, não testemunhava tais momentos.

Vez por outra ouvia seus passos pelos corredores próximos. As vezes alguma conversa ou risos, mas nenhuma palavra sequer dirigida a si. E então, na sexta noite, sons de diferentes passos quebraram por fim o silêncio. Algo de madeira tocando o chão no mesmo ritmo de um caminhar vagaroso, lembrando uma bengala. Adam fez questão de limpar as lágrimas vermelhas antes de ser visto, buscando aparentar o máximo de dignidade possível.

Quando o visitante se fez visível, ele não pôde esconder a surpresa. Era um homem muito velho, como raramente se via, aparentando estar na casa dos setenta anos. Vestia roupas clericais, apoiando-se na bengala ricamente ornamentada e andando com a dificuldade que o peso da idade lhe impunha. Seu olhar era pesaroso como o de um avô que observasse um neto posto de castigo.

— Sua alteza Adam Tepes, me dói o coração vê-lo nessas condições.

A voz apenas confirmou o que Adam deduziu ao ver aquela face: aquele era o padre Nicolae, seu principal tutor durante suas aulas no mosteiro. O sábio e bondoso homem de Deus que instruiu sua mãe na Santa fé e a ele mesmo, anos depois. Um rosto nostálgico que Adam não via há quinze anos.

— Padre Nicolae... não esperava ver seu rosto novamente, quanto mais, aqui — confessou, com um sorriso triste.

— A despeito de meus muitos anos, Deus quis conservar-me nessa terra, alteza. E me enviou até aqui, para cumprir a vontade dele.

O velho retirou das vestes uma chave que encaixou na fechadura, abrindo a porta da cela.

— O que está fazendo, santo padre?

— Vim libertá-lo, alteza.

Adam ficou por alguns momentos parado, tentando entender o que acontecia.

— Sabe o que sou, Nicolae? O que meu pai é?

O velho apenas confirmou com a cabeça.

— Ainda assim me dará a liberdade? Não teme a ira do príncipe?

Nicolae levou a mão ao rosto de Adam, beijando sua testa.

— Estou aqui por ordem de seu pai, alteza.

— Meu pai? O homem que me transformou em um monstro, me acorrentou e jogou nessa cela... O senhor diz que ele é quem o enviou para me tirar dessas correntes?

— Não, alteza. Não. Não vim para soltar correntes ou tirá-lo deste lugar — respondeu o velho, a face inalterada. — A liberdade de que precisa é interior. Libertar-se do fardo da humanidade que carrega.

Adam não soube dizer se foi seu afeto pelo homem que o impediu de ver, ou se só naquele momento aquele aspecto sinistro se revelou, mas as íris do velho homem revelavam-se rubras. Uma sensação perturbadora acometendo o prisioneiro, se dando conta de que aquele velho homem teria de estar ainda mais abatido pela passagem dos anos.

— Não! Você era um homem santo, um bom homem. Como se tornou outro maldito demônio!?

Foi um movimento rápido aquele do sacerdote, em que enfiou a haste pontuda da bengala no peito do jovem vampiro. A madeira penetrando a carne enquanto seu alvo gritava de dor.

— Há muito a lhe ensinar, jovem Adam. Sua alteza é novamente como uma criança entregue em minhas mãos para ser guiada nas veredas da verdade. Uma nova verdade. — A cada frase, a haste penetrando mais um centímetro. — Somos parte integrante do plano de Deus. Lobos predadores de suas ovelhas.

E após dizer aquilo, retirou a haste da carne do prisioneiro. Adam caiu, sem forças. Seus olhos se fecharam, apenas os sons dos lentos passos lhe servindo de canção de ninar.

A sede era muito forte. Outra noite se passou desde a visita do padre, e nem mais uma palavra fora dirigida a ele. Era enlouquecedor! Ele resistiu o quanto pôde, mas não havia mais lugar para seu orgulho. Apanhou enfim o rato que passou por cima de seu corpo inerte e frio como o de um morto, afundando as presas e sugando até a última gota daquele sangue fraco e amargo. Era repugnante, e muito aquém do que seu corpo necessitava, mas era alguma coisa. A tática se repetiu por outras duas vezes, antes que os próprios ratos passassem a evitar sua cela. Criaturas espertas.

Outras duas noites de muita sede se passaram, antes que o Padre retornasse.

— Creio que já jejuou por tempo o bastante, alteza. Ter bebido de tantos em uma só noite lhe manteve ainda forte por tantas outras, mas vejo estar em seu limite. E também sem mais ratos — disse ele, acompanhado de guardas. — É hora de cear.

E dito aquilo, os guardas empurraram para dentro da cela uma mulher jovem, com um casal de crianças. Elas não deviam ter mais que seis anos, chorando e se agarrando a mãe. A mulher relutou bastante em entrar na cela, suplicando piedade para si e os filhos enquanto era trancafiada junto ao vampiro.

— O que está fazendo? Maldito, o que pensa estar fazendo? — Adam questionou, furioso.

— Esse é seu banquete, alteza. Somos vampiros, os filhos da noite. Os homens são nossos peões, servos e alimento. Essa é a nova lei entregue por Deus através de seu pai. — Os guardas saíram, apenas o velho ainda parado. — Resista pelo tempo que quiser, mas sua nova natureza vencerá. Apenas aceite-a.

Adam gritou, forçando inutilmente as correntes que apenas o queimavam em resposta. Mas notando no processo, que elas agora o permitiam chegar até as grades. E com isso, até suas vítimas. Conforme seus carcereiros saíram, recuou para o mais longe possível daquelas pessoas, com medo de si mesmo.

— Não se preocupem, eu não ferirei vocês. Ele está errado.

A mulher olhou para o vampiro com olhos arregalados, trêmula. O choro das crianças lhe tirando do silêncio ao qual já estava habituado. E após horas lutando contra a sede, aquela noite findou.

Quando abriu os olhos na noite seguinte, sentiu cheiro de urina e fezes. A sujeira enrolada em um pano e lançada pela grade tão longe quanto puderam. A sede era intensa, forte a ponto de doer. E Adam desejou como nunca um camundongo que fosse a lhe cair nas mãos. O cheiro daquelas pessoas assustadas e inocentes era inebriante, e manter-se distante exigiu cada vez mais esforço de sua parte. Mas apesar de tudo, aquela noite findou.

O vampiro despertou com os cânticos, hinos religiosos que o levavam até sua infância no mosteiro e sua posterior consagração como cavaleiro, tantos anos depois. As crianças o olhavam, assim como a mãe. Espremiam-se o mais longe dele quanto conseguiam, sussurrando com os olhos inchados de chorar. Adam concentrou-se nas letras dos hinos, meditando se eles se viam como o profeta Daniel na cova dos leões, sendo ele a besta fera de quem Deus iria livrá-los. Adam rezava para que assim fosse, que eles pudessem sair de lá milagrosamente vivos, e ele então devorasse os malfeitores dados a ele em troca. E entre cantos, esperança e fé, outra noite findou.

Adam despertou com o cheiro. Era sangue. Sangue escorrendo dos braços de cada um deles. A mulher esfregava partes arrancadas das roupas para limpar e estancar aqueles sangramentos nos filhos, rezando baixo. Causados pelos guardas, pelo padre? Não importava. O sangue estava lá, chamando por ele. Sedutor, o instigando a saciar sua verdadeira natureza. Mas ele disse não. Adam resistiu, no limite de suas forças, suprimiu a besta. E por mais improvável que fosse, outra noite findou.

Foram mais duas noites até finalmente perder o controle. Até saltar sobre eles como um animal faminto, destroçar sua pele, encravar as garras e presas e se refastelar no sangue. Até drená-los por completo.

E foi assim que sir Adam matou uma mulher inocente com suas duas crianças. E foi assim que descobriu que não era forte o suficiente para superar sua nova natureza. Que era um monstro bebedor de sangue, e isso estava além de qualquer honra ou orgulho. Era maior e mais forte que ele.

— Como se sente, alteza? — o padre questionou, na noite seguinte.

— Sinto o peso da vergonha sobre meus ombros. A culpa martelando forte em meu peito — respondeu ele, cabisbaixo. — É assim que me sinto.

— Sua parte humana pode dizer isso, mas... o que sua nova natureza diz? — insistiu o velho, apoiado em sua bengala. — Não é verdade que se sente revigorado? Que seu corpo está fervilhando com uma energia que o faz sentir-se invencível? Que seus extintos estão ainda mais afiados, como se espera de um verdadeiro predador?

Adam fechou os olhos e os ouvidos. Não queria ouvir aquilo, pensar naquilo.

— Será assim, agora? Me forçarão a praticar atrocidades, vez após vez?

O homem apenas balançou a cabeça, Em negativa.

— De modo algum. A cada semana um mortal lhe será entregue para que possa se alimentar. Deverá beber dele um pouco por noite, fechar sua ferida com gotas de seu próprio sangue, até secá-lo por fim, na sétima. Isso lhe ensinará disciplina, auto-controle e desapego.

— Uma atrocidade aos poucos a cada noite e uma maior a cada semana. Mate-me de uma vez! Não farei parte disso, velho demônio.

— Sim, alteza. Fará sim. Seguirá sua nova natureza, aprendendo a ser um perfeito predador, ao invés de uma besta faminta e descontrolada. Fará, pois o filho do grande mestre não pode comportar-se como um animal doente e fraco. Sim, fará. Pois caso se negue, o que lhe será sacrificado não será adulto, velho ou criança.

Um movimento e a ponta da bengala novamente tocou o peito do jovem, mas dessa vez não penetrou a pele. A mão do vampiro a deteve, usando toda a força para segurá-la. Nicolae sorriu, sua mão forçando a haste mais para dentro, forçando Adam a usar ambas as mãos para impedir o estaqueamento.

— O sangue e apenas o sangue, o torna forte, alteza. Lembre-se disso. Pois quando esquecer... — Apesar da resistência, a haste voltou a entrar na carne, fazendo Adam gritar. — Será de um bebê que ceifará a vida.

A dor o fez apagar, acordando apenas na noite seguinte. Adam passou as horas pensando naquilo que viria, e no que poderia fazer a respeito. Mas sem formular qualquer plano genial. O padre não estava lá então, apenas os guardas a lhe jogar o prisioneiro cela a dentro.

Adam hesitou o quanto pôde, se negando a responder as muitas perguntas do homem. A noite avançou cada vez mais, enquanto o vampiro postergava, na vã esperança de algo que o livrasse daquele terrível fardo. Mas quando o dia já se aproximava de nascer, cumpriu sua obrigação, dando vazão a seus instintos animalescos.

Saltando sobre o homem que se debatia, usou sua grande força para subjugá-lo, encravado os dentes em seu pescoço. O sangue era delicioso, e capaz de lhe tirar qualquer noção de moral ou hombridade. Adam deixou-se levar por ele, e ao dar por si, tinha apenas um corpo sem vida em seus braços. E assim ele descobriu o quão difícil era não matar quando o monstro assumia.

— Precisa aprender a controlar-se, jovem Adam. Isso não pode se repetir — alertou o velho, na noite seguinte. — O mortal seria seu alimento pelas próximas seis noites, foi muita irresponsabilidade saciar-se nele. Agora jejuará até a próxima semana, o que exigirá ainda maior auto-controle para poupar o próximo.

E ele estava certo. Após tantas noites sem sangue, Adam não foi capaz de resistir a entrada daquele pobre ladrão. Caiu sobre ele com voracidade, bebendo até a completa saciedade.

E assim se passou outra semana sem mais qualquer gota de sangue. Porém na vez seguinte, o vampiro estava sob controle. O sabor era doce e convidativo. A sede era intensa e opressora. Ainda assim, Adam conseguiu parar. Bebeu mais do que devia, mas ainda muito menos que das vezes anteriores. O homem estava fraco, mas ainda semi-consciente. E Adam bebeu dele nas noites seguintes. Não falava com ele, não o olhava nos olhos... apenas forçava-se a vê-lo como um boi de quem um homem se alimenta. E por fim, na sétima noite, tomou sua vida. Bebeu até que o coração parasse e não houvesse mais sangue no corpo.

Sua consciência doía. Seu coração pesava pelas vidas inocentes que tirava. Mas a cada semana, a cada morte, menos difícil se tornava. E assim se passaram os meses, noite após noite da mesma repetição de acordar, receber um mortal, beber dele por seis noites para então drená-lo na sétima. Alguns aceitavam silenciosos. Outros lutavam. Outros ainda suplicavam por suas vidas. Mas fosse como fosse, todos viravam seu alimento.

Houve vezes em que Adam hesitou. Onde apenas o medo de ter de matar um bebê inocente o fizeram ir até o fim. Mas a verdade é que quanto mais o tempo passava, menos a ameaça pesava em suas atitudes. E após um ano daquela rotina, de fazer o mesmo, noite após noite, beber e matar tornou-se por fim, trivial.

— Vejo que agora entende por fim o que é. Sua natureza de predador — disse o velho vampiro, após tantos meses sem vê-lo. — Está por fim pronto para os próximos passos de sua conversão.

— Sim, eu sou um monstro, Nicolae. Assumo e entendo isso agora. Ainda assim, não me submeterei aos desejos de meu pai.

Nicolae apenas o observou com aquela mesma expressão de um avô que observa a um neto birrento.

— Sim, alteza. Se submeterá. Tornar-se á aquilo que está destinado a ser. Nem que sejam necessários os próximos catorze anos para isso.

Mas não foram. Assim como o tempo e rotina dobraram Adam quanto a matar os humanos de quem bebia, o dobraram quanto a todo resto. Foram anos de punições por prata, fogo e luz do sol. Anos de doutrinação a fé vampírica. Anos de histórias sobre seu pai. Anos sucedendo-se para transformar Sir Adam da Moldávia em Adam Tepes. Filho e herdeiro do Drácula. Seu maior cavaleiro, campeão da Ordem do Dragão.

Mais catorze anos para tornar Adam em um monstro do qual o pai pudesse orgulhar-se. E assim ele foi, por um longo, longo tempo.

Ao menos até encontrá-la. Até conhecer Alice Winnicott.

***

Submerso em um lago artificial recém construído, ele se entregava ao fluir da água, as vezes por horas a fio. Uma das vantagens de estar morto, percebia. A água o acalmava, o fazia esquecer-se do passado, das perdas e dos fantasmas que o atormentavam.

Esquecer-se da sede, e das muitas vidas que tirou para saciá-la. Esquecer-se da morte de sua amada mãe, da morte da Alice, e claro... esquecer-se da Claire.

Quando finalmente saiu da água, encontrou uma toalha e roupas limpas, obra de Teresa, como de costume. Teresa, a mulher que dedicou a vida a aguardar por uma lenda, e agora se dedicava a ela com devoção e cuidado, mesmo quando seu patrão se mostrava perdido e sem motivação para nada além de passar horas olhando para quadros antigos ou as luzes da cidade. Passaram-se trinta dias, desde que viu Claire pela última vez. Quando se entregaram novamente a um momento de paixão, quando ele esteve disposto a abrir-se para ela, revelar ao menos parte da verdade sobre a relação deles, para logo em seguida tudo ser destruído por conta das provocações da Jeanne.

Jeanne, aquela que seguidamente testou seus limites, e acabou pagando caro por sua língua. Após a raiva abrandar, a verdade é que Adam se sentiu mal pela forma como a machucou. Ele nunca gostou de ferir mulheres, hesitando mesmo contra inimigas reais. Não gostava quando perdia o controle, quando agia como um monstro. Quando se assemelhava aquele que o criou. Desfazer a aliança, dominar sua vontade como estratégia para mantê-la longe... todos métodos aceitáveis. Sua explosão de violência, não.

Desde aquela noite, Adam se sentia um prisioneiro. Diariamente os lobisomens uivavam diante da mansão, um motivo a mais para que o vampiro não pusesse os pés para fora de sua casa. Ele sabia que eles poderiam tentar um ataque direto, mas provavelmente preferiam enfrentá-lo na floresta, ao invés de entrar em território desconhecido e favorável ao vampiro. Isso, aliado a seu estado de espírito abatido, o fizeram desligar-se do mundo, como quem simplesmente aguarda ser levado pelos movimentos da maré. Dispensou todos os funcionários, pagando para que ficassem hospedados na própria cidade até segunda ordem.

— De meus dois únicos aliados, apenas um restou, e justo o menos confiável deles — disse ele, já vestido e ciente da aproximação de Mendes. — Sinto que meus inimigos estão se movendo enquanto eu apenas sou forçado a recuar. Sou hoje menos forte do que já fui, a ponto de temer uma matilha de lobos. Jogado de volta em um mundo que mal reconheço, obrigado a confrontar inimigos que nele tem habitado desde sempre. Ela apenas parou diante dele, olhar sério.

— Desde que despertei nesse tempo, essa manhã foi a primeira vez que tive um sonho com meu pai. Uma lembrança dele. — Adam apertava as mãos, tenso. — Da última vez que isso aconteceu, foi pouco antes de invadirem essa casa e matarem todos os meus, incluindo minha esposa. — Ele levou as mãos a cabeça, depois olhou com olhos tristes para sua empregada. — Talvez devesse ir embora, Teresa.

Para surpresa do vampiro, Teresa Mendes apenas abaixou-se em sua direção, o abraçando gentilmente. Apesar da humana já ser uma senhora, e da aparência de Adam remeter a seus eternos vinte e quatro anos, ele viveu muito, muito mais que qualquer humano poderia viver. Portanto era Teresa quem deveria ser tratada daquela forma por ele, e não o contrário.

— Você não está sozinho... eu ainda estou aqui, senhor Adam. Sou só uma mulher sem nada de especial, mas prometo trabalhar com todas as minhas forças para que seja feliz nessa nova vida. Tem a garota, a doce Claire, que nós dois sabemos que o ama de verdade. Sei que ela está magoada, mas também sei que vai continuar o amando assim mesmo, e esperando. — Ela dizia aquelas palavras, enquanto afagava os cabelos do vampiro. — Você vai achar uma saída. Mesmo que tenha de construir uma.

Adam ouviu cada palavra, enquanto lágrimas rubras molhavam sua face. Aquilo não fazia qualquer sentido, era até mesmo um grande atrevimento daquela mulher, mas a verdade é que ao menos por um momento, quis se sentir novamente como um filho sendo consolado pela mãe. Por isso se deixou ficar naquele abraço. Se deixou chorar um pouco mais. Apenas por aquela noite, voltou a ser aquele jovem e inocente garoto a ser consolado pela mãe. Voltou a se sentir como aquele cavaleiro na Moldávia, antes de pisar no castelo do Drácula.

Mas infelizmente para ele, seus inimigos de fato estavam se movendo.  


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Notas finais do capítulo

O próximo é do Andy. As coisas vão começar a acelerar a partir de agora.



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