Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 17
Aquilo que se esconde


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, os próximos capítulos vou me esforçar pra postar semanalmente, como foi definido.
Claire, Evelyn, Paul, Jeanne, Andy, Mandy...além de gente nova no pedaço. Vamos dar uma olhada em como estão Claire e Jeanne, cada uma ferida a sua própria forma.



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Claire estava diante dos livros, tentando inutilmente estudar para as provas de fim de período. A verdade era que sua mente ia longe, voando por lembranças recentes, sonhos fantásticos e fragmentos de memórias. Em comum, todos se ligavam a um homem em específico, o mesmo por quem estava perdidamente apaixonada: Adam Turner.

Ela fez anotações em uma folha de caderno, tentando chegar até alguma conclusão, coisa que pareceu ainda muito distante de acontecer.

— Irmãos Fremman. — Ela circulou os nomes dos dois irmãos desaparecidos, ligando esse círculo ao nome de Adam. — Não pode ser coincidência, é óbvio demais!

Os dois sumiram na mesma noite em que Adam surgiu na cidade, e foram vistos pela última vez na casa dele. Disso a cidade toda sabia. O que nem todos sabiam, é que eles a doparam para abusarem dela. Só de lembrar daquilo, a garota sentiu um embrulho no estômago. Seus próprios colegas de faculdade e vizinhos de tantos anos, capazes de algo tão desumano e sujo, e justo com ela!

Por um tempo, Claire não teve certeza, mas aos poucos a mente foi clareando, e logo tudo se tornou um fato. Depois, flashes de memórias com Adam em meio a uma luta com eles. Barulho de tiros, palavras desconexas, gritos de dor... Tudo ficou confuso demais, mas indicava que ao contrário do que o homem disse a ela, a estudante precisou sim de um salvador naquela noite. E esse salvador foi ele mesmo.

— Ele matou vocês dois... de verdade? Seria capaz de cometer um duplo-homicídio, algo assim tão drástico, e por uma desconhecida? — ela pensou alto, olhando para o caderno. — E qual sua relação com ele, afinal?

A loira se fez essa pergunta ao circular o nome de Jeanne, o ligando ao de Adam. Aquela femme fatale fez questão de falar com ele na festa, e talvez não fosse só por conta de uma paquera, refletiu. Claire ouviu um boato sobre eles terem discutido nos fundos, e independentemente disso, a mulher confessou o assassinato dos irmãos, segundo saiu na internet.

— Se for verdade, então foi ela que matou eles, e não o Adam. Ou no mínimo são cúmplices no crime! — ela bebeu um chá bem quente, tentando aquecer os neurônios. — Mas por que droga ela confessaria isso assim pra polícia? Segundo o site, ela confessou ainda no hospital, e inocentando o Adam.

Claire tinha certeza de que a fonte anônima era a policial Emma, logo, confiável. Era esse tipo de coisa que nublava tudo. Turner era rico, herdeiro de um casarão histórico em uma cidade em que nunca pisou, mas da qual sabia muita coisa sobre a fundação. Não tinha redes sociais, se negava a dar detalhes sobre a família, viagens ou negócios, e tinha aquele jeito excêntrico de falar e se portar sobre tudo que fosse moderno. O próprio homem não fazia muito sentido, como compreender suas ações sem sequer compreendê-lo minimamente? E isso vinha de uma mulher que quase fez amor com ele.

Ela mastigou uma salsicha empanada, enquanto circulou outro nome: Paul Davis.

— Por que tanto interesse no homem, professor? Você inventou que a motivação era o casarão, mas mal focou a conversa nele, parecia mais querer encurralar o Adam em algum assunto que o denunciasse como um impostor. Ficou pressionando, além de ter algumas atitudes no mínimo estranhas, mesmo para um nativo dessa cidade.

Suspirando profundamente, moveu de forma lenta e preguiçosa a caneta para circular a última palavra: "EU".

— Não entendo o que você sente por mim... Não entendo o que sinto por você. É só "química"? Mas por qual motivo esses sonhos malucos não me deixam?

"Não se pode fugir de um amor que transcende o tempo". De novo aquele pensamento, de novo aquele sensação invasiva de que havia uma outra voz soprando essas palavras ao seu coração. Claire se ergueu, jogando o caderno na parede.

— Não! Eu vou esquecê-lo, eu vou deixar esse cara pra trás, de qualquer jeito! — A jovem inspirou fundo, tentando voltar a um estado controlado e reprimir a vontade de choro. — Não vou mais chorar por você, senhor Turner, não vou mais pensar em você como nada além de um grande mistério que desejo desvendar, para enfim me ver livre dele.

E foi com essa ideia fixa que ela foi atrás da amiga, buscando distrair a mente. A encontrou no banheiro, terminando de se depilar, mas logo a conversa seguiu para o quarto que dividiam, já com Evelyn menos nua.

— Não esqueço de quando tua mãe viu nossas conversas no Whatsapp. — Ela riu sem parar, demorando a recuperar o fôlego. — O nude que o boy que eu tava pegando me mandou... a coroa ficou muito sem graça, depois daquilo.

Claire gargalhou, corando ao lembrar daqueles momentos com a mãe. Sentindo-se bem mais leve.

— Mas, e você, senhorita Evelyn, algo interessante pra me contar? Alguma travessura nova?

— Você me conhece... sempre tem. Comecei a sair com um cara bacana, bem diferente do meu padrão. — Claire a encarou com ar de deboche, fazendo ambas rirem. — E sim, sua loira burra, eu tenho um padrão, por mais que não pareça.

— E o que o gostosão tem de tão especial?

— É judeu! Só não usa aquele treco na cabeça, e graças a Deus, não tem a nariga grande. Falar nisso, ele passa aqui já, já, pra me buscar.

— Um judeu, parabéns. Lembro que você arrastava asa para o professor Davis, que bom que achou um disponível.

— E não é? Tô doida pra saber como é fazer com um cara circuncidado.

Então a campainha tocou repetidamente, com Evelyn enrolando para ficar pronta.

— Atende pra mim, miga! O safado é pontual — pediu a jovem de cabelos cacheados. — Só não faz muito charme, pra ele não pensar em me trocar por você.

— Darei uma olhada, e dependendo da qualidade do material, decido se fico com ele pra mim ou não — brincou.

Ao abrir a porta, se deparou com um velho conhecido. Lá estava Paul Davis, conjunto social escuro e uma postura relaxada.

— Boa noite, Winnicott — cumprimentou um homem que não pareceu surpreso ao vê-la ali.

— Boa noite, prof... Paul. Um bom tempo mesmo — respondeu Claire, sem jeito. — Desculpe minha cara de surpresa, mas é que a maluca não me falou que era você.

Eles apertaram as mãos e entraram.

— Sobre meu relacionamento com ela... — ele iniciou, aguardando a reação dela.

— Pode ficar tranquilo, é tudo confidencial. Por mim, ninguém fica sabendo — ela respondeu, o levando até a sala.

— Vou pedir que o senh... você, aguarde aqui no sofá enquanto ela se apronta. Pode ligar a tv se quiser — a garota falou, depois indo até o quarto ver a amiga.

Quando entrou e fechou a porta atrás de si, encontrou Evelyn terminando a maquiagem, de roupa de baixo e sem muita pressa.

— Então, gostou dele? — a garota de lingerie perguntou, sem tirar os olhos do espelho, mas com um sorriso zombeteiro na face. — Acha que devo usar o vestido lilás ou o vinho?

— Você é uma safada, mesmo, não podia ter avisado que era ele? Paguei maior mico, lá — resmungou, Claire. — E a propósito: o vinho.

— E perder sua cara? Nem pensar.

— Você é doidinha mesmo. Mas agora me fala: vocês já fizeram?

Evelyn sorriu ao ajustar o vestido ao corpo, aparentemente constatando o quão atraente ficou nele.

— O que acha, miga? Já não bastasse o homem ser gostoso, ainda realizou minha fantasia de pegar um professor. Dei até dizer chega.

Claire não conseguiu segurar o riso após aquilo, então questionando:

— E o lance com a esposa?

— Desaparecida, faz quase três anos já. Deve tá mortinha, ou vai ver, foi lá lutar no Estado Islâmico sem avisar a família — a garota disse, confiante. — Tô nem ai. Depois do que vou fazer com ele na cama hoje, não vai ter assombração de ex que não suma.

***

Enquanto aguardava no sofá, com mãos sobre os joelhos, Paul refletiu sobre os próximos passos que daria. Ele andava em terreno escorregadio, sabendo que qualquer passo em falso o colocaria em risco direto, e que uma queda seria fatal. Mas ao mesmo tempo em que isso o assustava, também excitava, afinal, não era todo dia que tinha a oportunidade de se aproximar de uma loba. Perigoso, sem dúvidas, porém, um risco necessário. Ele faria qualquer coisa para conseguir o que queria. Qualquer coisa.

Através daquela aluna atraente e fogosa, ele se aproximava da Alcateia de lobisomens da cidade, ao mesmo tempo em que se mantinha informado sobre Claire, a paixão do vampiro Tepes. Sem dúvidas uma diversão útil.

A gata se esfregou carinhosamente em sua perna. Ele afagou o pescoço da criaturinha, que ronronou como símbolo de sua satisfação. Gatos, cerca de nove mil e quinhentos anos de domesticação, e ainda assim mantinham grande parte de seus instintos. Aos olhos daquele sujeito, comparada a uma gata de rua — sempre alerta e que caça para sobreviver — aquela bola de pelo e preguiça era uma espécime lastimável! Com prazer ele a jogaria na rua, apenas para testar seus instintos de sobrevivência, sua capacidade de recuperar algo de sua ferocidade natural. Uma criatura que deveria ser um exemplo de predador, e não passava de uma presa medíocre.

Mas ao contrário do pobre animal, os alvos que agora perseguia não perderam seus instintos. Eram predadores, vampiros, parte de uma seita com centenas de anos de existência. Eram a Ordem do Dragão, aqueles que Adam temia e para quem os lobisomens trabalhavam.

E a cima de todos... era o Padre vampiro. Se escondendo em igrejas de onde podia observar sua cidade: seu território. A qualquer sinal de perigo, mudando de toca e de máscara. Um monstro antigo e ardiloso. Um fanático astuto e traiçoeiro. O alvo maior do professor.

Aquele que o Golem devia matar.

***

Cidade de York.

Era uma noite abafada, mais uma de um inverno que não entregou o frio que prometeu. As estrelas no céu competindo com as luzes da cidade, e perdendo, se não em beleza, ao menos em quantidade e variedade de cores. A música alta era algo com o qual já deveria estar acostumado, mas por algum motivo nunca ficou. Mudavam os ritmos, as letras — quase sempre para pior, ele cria —, como se a qualidade diminuísse na mesma proporção em que o volume aumentasse. Talvez fosse apenas a idade falando, ou talvez ele simplesmente estivesse cansado demais de tudo aquilo. Provavelmente, as duas coisas.

Sexta-feira, noite em que os pubs ficavam cheios, o cenário ideal para ele. Seu conjunto social de tom vinho contrastava com a pele pálida. Sua aparência e idade, contrastava com a daqueles ao seu redor.

Ele vagou acompanhado de dois de seus servos, por uma infinidade de jovens cheirando a álcool e tabaco. Ele nunca gostou de multidões, mas com o tempo aprendeu a utilidade delas: discrição. Em meio à multidão ele não chamava tanta atenção, em meio à manada, ninguém se importava com o que fazia. E sendo quem era, sendo o que era, discrição era vital.

Quando já considerava a noite perdida, ele a encontrou: uma mulher bonita, de cabelos loiros e olhos claros. Ou seja, alguém que cumpria os requisitos básicos para atraí-lo. Alguém que se encaixava no seu padrão. Não houve dificuldades em fazê-la beber com eles numa das mesas. Ao menos ali a música não era das piores, uma boa distração enquanto seus acompanhantes fingiam prestar atenção as bobagens que jorravam dos lábios dela, e ele fingia não prestar. Um elogio aqui e ali, um sussurro ao pé do ouvido, e a jovem já estava mais que disposta a acompanhar o mais charmoso deles para onde quer que desejasse levá-la. Uma pena, pensou ele. Essa noite desejava resistência, buscava desafio.

Outra como a maioria. Tão fútil, tão tola, tão... Igual a todas as outras. Os decotes exagerados eram outro ponto a desagradá-lo, deixando-a vulgar demais para o seu gosto. E embora seu instinto fosse descartá-la, ele se forçou a lembrar que não seria assim tão fácil encontrar outra loira natural de olhos verdes tão disponível quanto aquela. Com a prática ele aprendeu a identificar quando o cabelo era tingido ou os olhos exibiam lentes, e nisso ele nunca errava. Por isso passou a ser menos rigoroso quanto aos olhos, se aproximando de mulheres de olhos azuis, ou na maioria das vezes, castanhos. Não se podia ter tudo, afinal. Mas a cor dos cabelos era algo do qual não abria mão, só assim elas conseguiam fazê-lo sentir-se como antes. Só assim ele conseguia sentir-se vivo. Pelo menos por algum tempo.

Uma grande bobagem, sabia. Mas era a única bobagem que ainda o mantinha vivo, e por isso era tão necessária. Se a perdesse — e ele sentia que estava a ponto de perdê-la — perderia a batalha em definitivo. Fecharia os olhos para jamais se abrirem novamente.

Quando já estava conformado em sair de lá com seus acompanhantes, e saturado da verborragia irritante da mesma, seu celular tocou. Raramente alguém ligava para aquele número, o que significava que era importante. Ele atendeu, e como ninguém emitiu som do outro lado da linha, ele mesmo iniciou.

— Sim... — disse ele, esperando confirmar se a ligação era segura.

Ao ouvir a voz, respondeu de imediato.

— Boa noite — disse ele, ao seu contato. — Precisa mesmo me mostrar isso agora? Estou no meio de algo importante pra mim, algo de que preciso. Você sabe bem.

Ele olhou para a mesa, onde seu servo e a loira se beijavam. Depois arregalou os olhos, vendo a imagem que lhe chegava pelo celular, com a foto de uma mulher. Um grande sorriso se revelou em seus lábios. Ela não importava mais. Nada mais importava.

— Obrigado por me avisar. Muito obrigado, mesmo. Era exatamente o que eu estava procurando.

***

Casa dos Duncan.

Sentados à mesa para o jantar, se encontravam os donos da casa, Jammes e Mandy, Emma (a policial que passava um tempo hospedada na casa do noivo, devido a perna quebrada), e ele. O jantar foi macarrão com queijo, feijão doce e bacon, com refrigerante para completar a refeição rápida preparada pelo irmão mais velho.

Mandy deu a primeira garfada na comida, enquanto os rapazes se empurravam para pegar a maior parte do que restou, após elas se servirem. Pratos cheios e roupas fedidas perfumando a cozinha.

— Vocês deviam tomar um banho primeiro. Sério — disse Mandy, carregando o prato e o copo em direção a sala e tv.

Os dois se encaravam enquanto sentavam um distante do outro, logo começando a comer apressadamente.

— Crianças, não é por vocês serem lobisomens que tem que comer feito bichos. No momento vocês são gente, não estou certa?

— Se mete não, tia — reclamou ele, enchendo ainda mais a boca de comida.

Jimmy apenas riu.

— Você disse o que, pirralho? — perguntou a policial com a perna engessada, sacando a pistola da cintura e apontando para a cabeça do garoto. — Agora você passa o seu prato para o meu amorzinho, para aprender a respeitar as autoridades.

—... Saco. Toma ai, então essa merda. — E largou o prato na mesa, não sem antes cuspir nele.

— É só separar teu cuspe do resto, que dá pra comer! — provocou o barman. Quando foi cumprir o que falou, percebeu o cano da arma apontado para sua cabeça, e mudou de ideia. — Acho que é melhor deixar para o cachorro da rua, né.

Quando Andy chegou na sala, sentou ao lado da garota no sofá. Ela logo se afastou dele e sentou no chão, colocando a mão no nariz. Ele a ignorou, prestando atenção na reportagem que falava pela décima vez sobre o ataque à delegacia e sumiço da suspeita de dentro da cela.

— Tira dessa merda de canal e põe em algum com desenhos — Andy reclamou.

— Sem chance — respondeu a garota — Mas diz ai, Scooby: lobo, sanguessuga... acha que esse tal de Golem de quem a Emma falou, é o que?

— Tô pouco me lixando.

— Nossa, pra que fui perguntar! Mas só pra saber, a Emma acha que não é nem um nem outro. Que é só um humano mesmo. Seja como for, o Jimmy tá muito fulo com esse cara por quebrar a perna dela.

— Saquei. Por isso que toda vez que a gente cai na mão como lobo ele fica serião, batendo como se quisesse me matar. Só para quando acha que eu vou surtar. Porque sabe né, quem tem cu, tem medo.

Mandy riu até cuspir comida, então bebendo todo o refrigerante do copo para desentalar. Depois sentou-se ao lado do Andy, fazendo uma expressão sexy ao passar a mão pelo rosto dele. 

— Aposto que o tal do Adam Turner, o ricaço da mansão que você viu na viatura com a vampira, sabe quem é. A gente bem que podia fazer uma visitinha ao cara e obrigar ele a falar, você não acha? Um cara forte como você, eu sei que daria conta.

— Me erra garota! Tô fora de me meter nos problemas dos outros.

— Você quem sabe, mas vai perder sua grande chance de... — ela soltou a frase no ar, fazendo beicinho e o olhando de rabo de olho.

— Minha chance de...? — perguntou ele, finalmente interessado na conversa.

— Mas que merda é essa? — perguntou Jimmy Duncan, aos gritos. — Fica longe da minha irmãzinha, seu tarado. Só quem tem autorização pra trepar aqui dentro sou eu e a Emma!

E os dois rapazes voltaram a brigar.

***

Em um cômodo escuro, uma vampira se encontrava presa por correntes de prata, ligando seu pescoço, braços e pernas a parede. Ela estava completamente nua, exibindo ferimentos variados e visivelmente abatida. Deitada em um chão sujo, abriu os olhos com dificuldade, acordada pelo som de passos.

— Adivinha o que o papai trouxe para você? — Paul assobiou, como se chamasse a um cão. — Aposto que essa meninona está morrendo de fome, não está?

Jeanne procurou manter o que lhe sobrou de dignidade, fingindo desinteresse ao ver a gaiola exibindo uma dúzia de hamsters barulhentos.

— Esses são bem gordinhos, dá para você sugar bastante — disse o professor, enquanto pegava um deles pelo rabo e balançava diante da face da vampira. — prometo te dar três de uma vez, se colocar as patinhas para frente e latir como uma boa menina.

O sorriso sádico dele pareceu beber do ódio nos olhos dela. Jeanne se arrastou até o canto da parede, no limite da distância dele, e abraçou o corpo para tapar o que podia.

— Vamos, você sabe que não adianta fazer greve de fome, no máximo vai te deixar descontrolada como da última vez, e não queremos que aquilo se repita, não é?

Ele jogou o rato, ao que ela pegou por puro reflexo. Quando se deu conta, já estava sugando o último resquício de sangue da criatura, totalmente dominada pela sede. Então foi tomada pela vergonha e a raiva.

— Você sabe... — ela sussurrou, com a voz fraca. — Sabe que é só questão de tempo, até descobrirem onde eu estou. Você vai ter que me matar, querido, pois eu não direi mais nada.

Ela forçou um sorriso desafiador, buscando forças na determinação de não trair os vampiros com quem se importava. Ele apoiou a gaiola sobre a mesa, enquanto saboreava um sanduíche e bebia uma taça de vinho.

— Sabe, coisas boas devem ser apreciadas lentamente. Isso vale para um bom jantar, uma noite de sexo como a que tive hoje, um bom vinho, ou mesmo você. Me deu muito trabalho te capturar, por isso prometo saborear lentamente esses nossos momentos juntos.

— Você não vai tirar mais nada de mim, nada! — gritou, mais determinada, provavelmente por causa do sangue.

— Talvez você não me dê mais do que já deu, em termos de dinheiro ou nomes, acredito. Após as sessões em que a prata, fogo e luz do sol não tiraram mais nada de você, já me conformei com essa ideia. Mas... Nem tudo se aprende com palavras. — Ele então virou a tela do monitor, exibindo um arquivo cheio de tabelas e anotações. — Dá pra descobrir bastante coisa através de experiência empírica, da boa e velha tentativa e erro. Por exemplo, eu desconfiava que a prata não só queimava vocês, mas após algum tempo em contato direto com ela, os deixava fracos. Graças a você, pude confirmar. Descobri que o sangue de animais mortos é inútil para alimentá-la, assim como o tempo médio que leva para você se regenerar de ferimentos de acordo com a gravidade deles.

Ela escutava a tudo sem olhar para ele, lutando para manter as lágrimas de raiva contidas.

— Não acredito que o policial concorde com isso, ele não parecia ser como você. O que vai fazer quando ele descobrir sobre isso tudo?

— Ah sim, o bom Roger. Ele acredita firmemente que você está totalmente morta, eu cuidei disso após você resistir e não dizer mais nada de útil ao fim da primeira semana — Paul disse isso com um largo sorriso. — Ele acredita ter me visto dar um fim à você, então não terei problemas com ele.

—... E o Tepes? — perguntou ela, sem acreditar que ele concordaria com aquilo. — Ele me machucou, me entregou aos tiras, mas jamais me torturaria.

— Verdade. Pena que ele acredite que foram seus amigos que te tiraram de lá. Não o vejo batendo em minha porta, pelo menos.

E após ouvir aquilo, um grande cansaço pareceu se apoderar dela.

— Não se preocupe, minha querida. Você será meu animalzinho por muito, muito tempo. Tenho muitas perguntas, sobre sua fisiologia, sociedade e poderes, e você vai me responder todas elas. De uma forma ou de outra.

***

Já era madrugada quando Claire estava escorada na janela do quarto, lendo outro livro de Carl Rogers. Ele falava sobre a possibilidade do psicólogo se ver como um facilitador (ao invés de "psicoterapeuta"), alguém que tem uma relação real com seu cliente ("cliente", essa palavra no lugar de "paciente" já lhe dava náuseas), que abre mão das técnicas e direcionamento em prol de...

— Aahhh, vá se catar! — disse ela, jogando o livro dentro do quarto.

Chega! Ela não conseguia mais ler aquilo. Já perdera demais o controle das coisas, para ainda vir o norte-americano Rogers lhe dizer para abrir mão disso até na profissão.

Então ouviu batidas na porta de entrada da casa, seguidas pelo som de um assobio que lhe soou familiar. A rua estava calma, e a cidade era reconhecidamente um lugar pacífico, de modo que não viu motivos para ficar apreensiva. Claire desceu e abriu a porta, se surpreendendo com quem encontrou atrás dela. Um garoto na faixa dos dez anos, de cabelos loiros como os dela, olhos igualmente verdes e uma roupa social com um ótimo corte, de tonalidade vinho. Ele estava muito sorridente.

— Oi, posso ajudar você, garotinho?

Ele apenas a encarou entusiasmado, parecendo estranhamente animado em contemplar o rosto da estranha.

— Tom, meu nome é Tom — disse ele, enfim.

Claire sorriu sem graça, vendo o garoto entrar na sua casa sem permissão.

— Olha, Tom, ainda estou tentando entender o que você quer invadindo a minha casa à uma hora dessas — ela disse, tentando suprimir a vontade de pegar aquele moleque pela orelha e chutar para fora. Afinal, o garoto podia ter algum problema psicológico para agir daquela forma estranha. — Então, no que eu posso te ajudar mesmo?

— Essa é sua casa? Gostei da área, acho que posso me acostumar a morar aqui.

Claire apenas sorriu, sem acreditar no que ouvia.

— Olha só, Tom. Se você estiver perdido ou precisando de ajuda, posso te deixar usar o telefone, comer alguma coisa ou até te levar a polícia — dizia ela, nervosa, abrindo mais a porta e se posicionando de modo a mostrar a ele a saída. — Mas se tem uma coisa que posso te garantir, é que você não vai morar aqui. Aliás, nem ficar aqui mais que quinze minutos.

— Tenho certeza que vou, Claire. Vamos nos divertir muito juntos. Como fazíamos antigamente, quando você era chamada por outro nome.

Ela parou por um instante. Nada daquilo fazia sentido, o garoto obviamente devia ter algum problema, no entanto...

— Que... nome? — a pergunta saiu sem ela pensar, em meio a um medo inexplicável de ouvir aquele mesmo nome que ouvira da boca de Adam, que ouviu nos sonhos.

— Alice, Alice Winnicott — disse ele, exibindo um sorriso com presas. — Minha amada irmã mais velha.


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Notas finais do capítulo

E então, o que achou do capítulo? Está gostando? Entediado? Surpreso? Decepcionado? Rs, comentar não doí, e me fará um escritor mais feliz.
Abraços.



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