Filhos da Noite escrita por Rick Batista


Capítulo 13
Coisas que se Quebram


Notas iniciais do capítulo

Um dos capítulos mais intensos entre Adam e Claire. Talvez seja tempo de se reconciliarem enfim.



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Era uma noite de céu estrelado, com a garota desfilando sorridente pela sacada de seu quarto, muitos metros acima do chão. A vista era impressionante! O ar puro da vegetação encheu seus pulmões, da mesma forma que seu coração se encheu de felicidade.

— É até difícil crer que tudo isso seja nosso.

— Pedra por pedra, coluna por coluna, flor por flor — disse ele, segurando as delicadas mãos dela. — É o nosso lar, longe de toda a dor, sangue e morte.

Ela beijou o amado com ternura. Um homem com roupas de séculos passados, mas a mesma face que ela tão bem conhecia. Ele a abraçou forte, seus braços lhe trazendo paz e segurança.

— Nossa casa, que nos protege da chuva e do sol, e que será testemunha de toda felicidade que nos aguarda daqui em diante — cada palavra dele era uma promessa que ela tomou como profecia. Não houve lugar ali para medos ou dúvidas.

Eles estavam juntos, e essa era a maior e mais improvável vitória que poderiam ter tido.

— Ainda não acredito que estamos casados, que sou uma jovem senhora a começar nova vida em terra distante. — Ela tocou no colar dourado, o maior presente que ele lhe deu. Tão valioso quanto cheio de significados. — Que sou sua, de corpo e alma. Que podemos enfim viver como sempre sonhamos.

— Não faz ideia do quanto sonhei com esse momento, meu amor. O quanto a desejo, o quanto a amo. — Ela mal podia se aguentar de emoção enquanto ouvia as palavras — Meu anjo, meu amor, minha Alice.

***

A jovem acordou de má vontade, ainda com aquela gostosa sensação de nostalgia. Outro sonho com ele. O terceiro na semana. Ela levou as mãos a face, respirando profundamente, tentando afastar-se daquele mundo onírico e abraçar a realidade. Por mais amarga e tediosa que ela fosse.

Claire não compreendia, desde que parou de vê-lo os sonhos começaram a vir. Fragmentos apenas, às vezes uma fala, um sorriso, um beijo especialmente bom... E agora, uma conversa completa. E o mais estranho neste último foi a forma como ele a chamou: Alice. Isso apenas a fez lembrar-se da dor daquela noite em que terminaram, afastando toda a alegria que sentiu no sonho.

Sonhos esses que eram cada vez mais vívidos, como se fossem lembranças recuperadas. Obviamente, uma conclusão que não fazia sentido, e por isso mesmo descartada por uma mente como a dela. Uma psicóloga era uma cientista, não uma mística ou charlatã. Quando Freud lançou seu clássico "A Interpretação dos Sonhos", o que ele propôs não era desvendar revelações de uma força superior, previsões do futuro ou visões do passado. Era apenas um método para o autoconhecimento dos seus pacientes, uma tentativa de decifrar aquilo que o próprio inconsciente revelaria através dos sonhos. E o pior é que Claire nem mesmo era adepta da Psicanálise, para início de conversa.

— Como se sente sobre esses sonhos? — questionou sua psicoterapeuta, sentada em uma cadeira de frente para a cadeira de Claire.

Uma profissional e velha conhecida, a quem a estagiária de tempos em tempos recorria, quando sentia que precisava cuidar de si mesma.

— Não sei dizer ao certo — respondeu ela, após alguma hesitação. — Durante o sonho a sensação é muito boa, um clima de paz e tranquilidade, sabe. Mas depois que eu desperto, depois que percebo que nada foi real...

— Que o Adam do seu sonho não existe na sua vida.

— É, ele não existe. É só uma projeção, eu sei, só o Adam que eu quero que exista. — Ela olhou para os pés, pensativa. — Um cara que eu acreditei que fosse real, mas no fim, foi tão falso quanto esses meus sonhos.

— Mas enquanto você sonha, ele permanece com você, não é verdade? — a mulher de cinquenta e tantos anos perguntou, com olhar sereno e postura calorosa.

— É. Nos sonhos ele continua comigo. Nos sonhos ele é o homem que eu preciso que ele seja. No sonho.

Claire estava frustrada. Tinha feito de tudo para seguir sua vida, se dedicando totalmente a faculdade, para não ter sequer tempo livre para conseguir pensar nele. Primeiro começou puxando outras matérias, para compensar os dias que ficou sem sair de casa, depressiva. O resto de seu tempo era dedicado ao estágio no hospital da cidade, e não bastasse isso, assim que os sonhos começaram, decidiu voltar ao atendimento com sua terapeuta particular, uma excelente profissional e ser humano.

Entupida de tarefas como estava, realmente tinha pouco tempo para pensar no homem que partiu seu coração... Ao menos até dormir. E sonhar. Os sonhos eram uma tortura, pois logo ela se pegava suspirando por coisas que ouviu de um Adam que habitava em sua mente, e não do Adam real. Já era difícil para ela se esquecer dos momentos que teve com ele, não precisava de mais momentos imaginários.

— Garota, sempre com ele e com roupa de época e tudo? Isso parece coisa de outras vidas! — decretou Evelyn, após Claire finalmente compartilhar com ela seus sonhos repetidos. — Você devia ir num daqueles caras que trabalham com regressão, tipo, "terapia de vidas passadas".

A loira não conseguiu deixar de rir daquela ideia sem cabimento.

— Para ele usar hipnose e eu sair acreditando que lembrei do que quer que ele queira que eu lembre? Nem sonhando.

— Você tem que deixar a mente mais aberta pra essas coisas, ClarzinhaPode acabar descobrindo que o mundo é bem mais bizarro do que parece.

A verdade é que Claire era esperta demais para acreditar naquilo. Hipnose era algo real, reencarnação não. A garota nem mesmo era cristã devota, indo a igreja apenas em ocasiões especiais, como batismos ou casamentos. Pois se tinha uma coisa que detestava era gente supersticiosa, por isso jamais se rebaixaria ao nível delas, acreditando em qualquer bobagem.

Nada de enriquecer picaretas, usar talismãs, acompanhar o horóscopo ou ler a sorte. Nada de acreditar em fantasmas, lobisomens, vampiros ou bicho-papão. O problema é que mesmo sabendo de tudo aquilo, os sonhos continuavam lá, testando seu ceticismo e capacidade de ignorá-los. Sonhos que a atraiam cada vez mais para certo alguém. Sonhos que lhe obrigavam a se fazer aquela terrível e perigosa pergunta: mas, e se for real?

***

Hospital Central, aniversário da cidade.

A jovem estava no refeitório, bebendo chá quente ao som de um noticiário devidamente ignorado por ela, perdida nos próprios pensamentos. Sua rotina era atender aos pacientes mais fragilizados por doenças ou acidentes. A última fora uma mulher mais velha, com um sorriso gentil que lembrava o de sua mãe.

Claire tentou focar apenas nos momentos bons que passou ao lado da mãe, mas era impossível não se lembrar de seus últimos momentos. Eles eram bem nítidos em sua memória, com ela morrendo, completamente abandonada pelo homem que amava. Ela sabia que foi usada, sabia que tudo o que ele lhe dizia eram mentiras e promessas vazias, que ela nunca seria a única na vida dele. E ainda assim...

Ainda assim ela queria vê-lo, queria estar com ele acima de tudo. Uma boba, assim como ela mesma era. A garota que tanto temia se ver na mesma situação, tanto fugia de uma relação em que não fosse a única, em que não tivesse absoluta certeza de ser importante, logo ela, agora não conseguia tirar da cabeça um homem que não hesitou em usá-la. Pensava nele, sonhava com ele, o deseja, o amava... Ela lutava contra esse pensamento, algo inconcebível! Jamais amou homem algum, não podia ser ele o primeiro, não justo o homem que brincou com ela.

Uma lágrima molhou seu rosto, logo enxugada pela garota. Ela respirava fundo, soprando seu chá e o bebendo, tentando aquecer o corpo, e o coração.

— Ei, garota — disse a faxineira, surgindo da porta ao lado. — Você não vai acreditar em quem trouxeram!

Claire nem respondeu, apenas olhou para a mulher de forma desinteressada.

— O tal Turner, em pessoa! — falou a funcionária, para uma jovem apática. — Ouvi que o coitado tá todo sujo de sangue, cortado e até mordido.

— Como é!? — Claire gritou, se erguendo por impulso e deixando cair no chão a xícara com o líquido que não era mais capaz de aquecê-la. — De-desculpe, depois eu limpo.

E assim ela correu pela porta, o coração acelerado, aos olhos de uma faxineira que devia estar bastante arrependida por ter avisado.

***

Adam e Jeanne estavam no setor de emergência, onde uma médica e uma enfermeira prestavam o atendimento básico. A médica estava na casa dos sessenta, negra e de cabelos longos e cacheados. A enfermeira era uma jovem na faixa dos vinte, bastante magra e de cabelo encaracolado. A garota pareceu um pouco tensa, enquanto a médica olhava para os dois de forma desconfiada, pois a quantidade de sangue nas roupas e corpo, além dos trapos, sugeriam ferimentos muito mais graves do que os que elas observavam.

— Vocês foram atacados por cães, foi isso que ocorreu? — inquiriu a doutora, enquanto a enfermeira ajudava o casal a tirar as partes das roupas em pior estado ou que cobriam os principais ferimentos.

— Lobos, para ser exata. Seis lobos grandes e raivosos — disse Jeanne, rosto sujo de sangue e tom zombeteiro, enquanto a enfermeira rasgava a parte da calça em que ela foi mordida. — Isso depois do carro ter capotado, claro.

***

Pouco antes.

Adam apenas suspirou, tentando decidir o melhor curso de ação para aquilo tudo. Eles precisavam de descanso e sangue, e fugir com ela na frente da polícia era um risco grande demais. Matar policiais, fora o dilema moral, gerava problemas maiores ainda, de modo que preferiu o caminho mais fácil. Enquanto os profissionais desceram o barranco com lanternas, Adam se concentrou em forçar o corpo a sarar o máximo possível de ferimentos, mesmo que isso o deixasse no limite de suas forças... E faminto. Quanto a Jeanne, estava ferida em muitos pontos, e tinha pouco sangue para se curar. Mas aos poucos, ainda que lentamente, o corpo daquela imortal começou a se regenerar de todo aquele castigo. Estando, quando chegou ao hospital, ao menos trinta por cento melhor do que antes, o que causou confusão em quem a acompanhava.

***

As profissionais seguiram seu trabalho. Eles foram separados por cortinas brancas, cada um em um leito, por conta da necessidade de se despirem. As roupas do homem foram trocadas por um uniforme de hospital, os ferimentos foram limpos e a enfermeira que cuidou dele encarou algo que deve ter achado estranho e perturbador.

— Se... seu braço — gaguejou uma garota de olhos arregalados. — Eu jurava que o corte estava bem pior, quando limpei, faz cinco minutos.

— Impressão sua — disse o imortal, afastando o braço que lentamente se recuperava.

A jovem se afastou bastante nervosa, procurando por algo em uma das estantes. Mesmo faminto, e quase sem sangue no corpo, a carne morta do monstro buscou superar os ferimentos causados. O processo era lento, porém perceptível, e ele sabia disso. Naquele momento, a cortina ao lado foi aberta por uma sugadora deitada em um leito, apenas de roupa de baixo, e cheia de ferimentos que deixariam um ser humano normal, inconsciente ou sentindo muitas dores. Jeanne apenas sussurrou, em um tom que ele pudesse ouvir.

— A minha também parece bem desconfiada, acho bom você cuidar disso, Tepezinho. Meus métodos são mais sangrentos e menos sutis.

Adam desviou o olhar do corpo da parceira, novamente balançando a cabeça em negativa e com um meio-sorriso. Quando a enfermeira retornou, deu de cara com o demônio de pé. Com um olhar penetrante e sorriso sedutor, ele segurou nas mãos dela, falando suavemente, usando seu último recurso e poder:

— Samantha, eu e minha parceira estamos bem. Você é uma excelente profissional, poderá ser uma grande médica se quiser. É só enfaixar as partes machucadas que podemos ser liberados. — A garota pareceu totalmente perdida nos olhos dele, incapaz de discordar, totalmente cativada.

— Mas... você parecia tão ferido, tem certeza que não precisa de mais nada, senhor Turner? — perguntou ela, jogando o cabelo para trás com uma mão.

— Sangue. Precisamos de muito sangue para ficarmos realmente bem — disse o faminto vampiro.

***

De volta a praça, Andy Valentine e Mandy Duncan assistiam a Jimmy vomitar pela segunda vez seguida. Após uma briga de casal, o sujeito decidiu beber para esquecer. Mas esqueceu demais.

— Eu até agradeceria se carregar ele até em casa, mas sabendo que brincou e comeu graças à ele, não faz mais que obrigação — disse a garota, segurando a cabeça do irmão.

— A tira que ele tá pegando, ela sabe sobre o lance com lobos? — Andy perguntou, após testemunhar a policial ao lado de uma provável vampira na viatura.

— A Emma sabe de tudo, pelo menos sobre o Jimmy e eu — respondeu ela, se afastando do vômito que começou a escorrer em sua direção. — Só não sei se já sabe sobre você.

Ele fez sinal para que a garota se aproximasse, para que o irmão não ouvisse.

— O negócio é que vi ela levando um casal todo fudido na viatura. Só que na mulher, senti cheiro de vampiro.

— Tem certeza disso?

— Tô dizendo. E a matilha do Malcom estava envolvida, a coisa deve ser séria — disse Andy, para uma garota surpresa e tensa.

— Vou confiar em você e ligar pra avisar, hein. Mas só porque se trata da Emma.

***

A policial Emma Watson estava ao lado da porta que levava a enfermaria. Mão sobre o cabo da arma e postura atenta, bem ciente do risco que o casal poderia representar, caso a mulher fosse realmente vampira, como a ligação da cunhada alertou. E Emma apostava que era! A mesma intuição que teve sobre Jammes, de que havia algo de muito errado nele. Emma se perguntou como uma cidade tão pequena ficou infestada de gente esquisita. A vampira ao lado, o garoto novo...

— Emma? — Tão perdida ela estava em seus pensamentos, que não notou a aproximação da jovem de voz familiar.

— Senhorita Winnicott, como um dos grandes e fortes braços da Lei pode ajudar? — perguntou ela, já ciente do motivo da garota estar lá. Fofocas corriam rápido naquela cidade.

— Ouvi que o senhor Adam Turner foi levado a enfermaria. Como profissional de psicologia, e sabendo que ele acabou de passar por algo grave, preciso vê-lo. — Claire pareceu tentar disfarçar a preocupação na voz, tocando no crachá na altura do peito para enfatizar sua função.

— Olha, Claire, desculpa, mas isso não vai rolar. Você tem que esperar a médica terminar o trabalho dela — disse a loira, firmemente, enquanto analisava a estagiária que batia o pé nervosamente no chão.

Claire mordeu o lábio, nervosa, apertando forte os próprios braços ao encarar a policial, com olhos brilhantes.

— Emma, por favor... — pediu, abrindo mão da compostura. — Eu preciso mesmo vê-lo.

A policial olhou para cima e sorriu, desfazendo a fachada séria diante da garota de quem tomou conta em fins de semana por tantos anos.

— Tá bom! Não resisto quando você faz essa carinha de menina chorona — respondeu, apertando as bochechas de uma Claire envergonhada.

***

Claire Winnicott se viu diante da porta que levaria ao primeiro homem que já amou na vida, e o único que pôde machucá-la como ninguém mais poderia. Ela se lembrou da noite no casarão, da decepção, da raiva e da dor. Mas também se lembrou do primeiro beijo, do colar dourado e do que viu nos olhos dele. Por fim, se lembrou da mãe em seus últimos momentos com ela.

Ela estava doente, tão doente quanto a mãe, refletiu. Escrava de um sentimento que destruiria seu coração. E então abriu a porta.

***

Adam estava sentado no leito, com a enfermeira terminando de enfaixar seu antebraço. Vestiu as roupas de hospital, alguns curativos, ombro direito e uma perna enfaixados. Drenou do sangue hospitalar, capaz de restaurar suas feridas. Para evitar mais desconfianças, Jeanne foi com a médica até um quarto vazio, onde poderia drenar dos muitos pacotes sem ser vista. O corpo dele já estava quase totalmente restaurado, apenas alguns hematomas e arranhões ainda visíveis. As faixas eram apenas para manter aparências, o que no caso dele era mais simples.

Ele encontrou os olhos da amada com surpresa, sorrindo por reflexo. Sempre se surpreendia pela facilidade com que conseguia sorrir com ela. Claire se aproximou com passos lentos e inseguros, aos poucos aumentando de velocidade. Ele estendeu uma mão que ela ignorou, avançando para um abraço apertado e carregado de significado.

— Adam... O que aconteceu com você? — perguntou ela, envolvendo seu pescoço com os braços, e o molhando com suas lágrimas.

Ele queria poder colocar em palavras o quanto sentia a falta dela, o quanto pensava nela todas as noites, o quanto desejava estar com ela mais do que qualquer outra coisa que já pudesse ter desejado! Mas mesmo sem fazê-lo, ele sabia que ela podia sentir, e que certamente sentia o mesmo. Por isso a envolveu nos braços, também com força e afeto.

Sentindo seu cheiro, seu calor, o pulsar daquele coração contra o seu próprio, aquelas lágrimas puras em contato com sua carne. Não importava o quanto tentasse fugir e se afastar, ele logo se deu conta da enorme falta que ela lhe fazia. Do quanto doía se manter longe, uma dor que não podia mais suportar.

— Só uma fatalidade. Eu estou bem, ficarei bem — disse, por fim, se entregando ao momento com o qual sonhou desde que a magoou na casa que fora deles.

A enfermeira pareceu decepcionada ao ver a cena, logo saindo para trás das cortinas que levavam a outros leitos, em sua maioria vazios. Já devidamente convencida a cooperar e acreditar naquela cura milagrosa e estapafúrdia.

Sua racionalidade tentava convencê-lo a se afastar, protege-la, mesmo que para isso tivesse de feri-la novamente. Mesmo que precisasse fazer aquele coração, cheio de vigor e desejo, sangrar mais uma vez. Era uma voz distante e fraca, que logo se calou diante da força avassaladora do que ele sentiu naquele momento. Ele bendisse o ataque em pensamento, pois se era aquele o prêmio que receberia por ele, que viessem outros a cada noite!

Os dois se deixaram ficar naquele abraço, as lágrimas dela ainda descendo, molhando seu ombro enfaixado. As mãos tocavam as faixas com suavidade, entregando-se aquele gesto simples, mas que tanto dizia para os dois. Ela ergueu o rosto, lentamente na direção do dele. Os olhos de ambos se encontraram, brilhando, refletindo um amor capaz de resistir e superar qualquer obstáculo: fosse na vida, fosse na morte. Com a mão livre ele acariciou o rosto dela, movimentos gentis e cheios de afeto, que a fizeram fechar os olhos e sorrir em paz.

Um beijo suave em sua testa, em meio aqueles fios dourados. Os lábios então desceram aos olhos e nariz, até lentamente chegarem aos lábios, já cheios de ansiedade e desejo. Ele a beijou, ignorando à tudo e a todos! Fosse o local, as circunstâncias, as feridas e os medos. Um beijo desesperado, como se há qualquer momento fosse perder aquela felicidade tão tênue, aquela expressão tão intensa e fugaz do que guardava dentro de si.

O tempo deixou de fazer sentido. Como fora há séculos atrás, como na época em que eram um. Unidos por uma aliança de amor, confiança e fidelidade. Uma época sem mentiras, quando Alice conhecia o homem por trás da luta e do sangue, e o amava para além daquilo.

Ele enxugou as lágrimas do rosto da amada, enquanto ela segurou seu rosto. Não havia necessidade de palavras entre eles, pois o amor que os unia era algo visível e palpável naquele lugar. Apenas permaneceram assim por um longo tempo, todos os pecados perdoados, o sentimento queimando tão forte quanto antes.

— Eu estou doente, doente por algo que eu quero te dizer já faz algum tempo, e que nunca me perdoei por não o fazer antes — sussurrou ao ouvido dela, beijando seu rosto.

— Então você deu sorte, o remédio está bem ao seu alcance — ela sussurrou de volta, beijando suas mãos.

— É assim que você devia ter me beijado, Adanzinho — Interrompeu a vampira, saindo de trás das cortinas ao lado. Com uniforme hospitalar e partes enfaixadas, além de um sorriso debochado na face. — Um beijo digno de cinema.

Claire pareceu entrar em choque, atônita diante da chegada da mulher. Ela permanecia aconchegada ao vampiro, cujo ódio fluiu em uma onda capaz de arrepiar a sua igual.

— Parece que estamos sempre nos esbarrando, Cachinhos Dourados — disse ela, aproximando-se do casal, e colocando uma mão sobre o ombro dele. — Talvez seja por nós duas desejarmos o mesmo homem.

Claire então se afastou, parecendo confusa e envergonhada. Ela via a vampira com ele, como no aniversário da Evelyn. Olhou para Adam com um olhar suplicante. Ele sabia que ela buscava desesperadamente por uma resposta, por algo que a impedisse de ir embora e sofrer novamente. Uma esperança, uma mentira, qualquer coisa. E ele pensou em muitas coisas que poderia dizer, coisas que poderiam mantê-la ao seu lado. Mas então se lembrou dos lobos, dos caçadores e da Ordem do Dragão. E por mais doloroso e cruel que fosse, decidiu não dizer nada. 

Ela desviou o olhar, diante do silêncio dele e do sorriso sádico da vampira.

— Isso... isso foi um erro. Um grande erro — disse ela, caminhando em direção a porta de onde veio.

A ponto de sair, virou-se para encarar o homem que a amava, o mesmo capaz de deixá-la destroçada daquela forma.

— Um erro que nunca mais se repetirá.

Quando ela saiu, deixou o casal de vampiros sozinhos, num mar de silêncio e tensão.

— Algo me diz que te impedi de falar o que não devia pra garota, hein, queridinho. E não fique tão chateado, ela logo ia ficar sabendo que a gente estava junto hoje — disse a vampira, passando a mão pelo seu rosto e com um beijo em seus lábios. — Cidade pequena, lembra?

Mas para a visível surpresa dela, o vampiro a segurou pelo pescoço, sua mão apertando forte o suficiente para quebrar ossos humanos.

Levitando próximo ao teto, ele a ergueu com violência.

— Você se esquece de quem eu sou. Do que eu sou. — Ela gemeu de dor, sangue escorrendo de seus lábios, enquanto os ossos estalavam. — Eu disse para ficar longe dela, você não tinha o direito de fazer o que fez, de fazê-la sofrer!

— Testemunhas... polícia... Claire... — Jeanne sussurrou, astutamente o fazendo lembrar-se das consequências de levar seu ódio as vias de fato.

Ele a deixou cair, frágil e assustada. Capaz apenas de vê-lo olhando-a de cima e cuspindo palavras cheias de desprezo:

— Nossa aliança está desfeita, senhorita Hilton. Após essa noite, você jamais pisará nessa cidade novamente. Além de manter seus amigos e contatos bem longe de mim. — Ele então abaixou-se na altura dos olhos dela, ainda caída. — Isso, se quiser manter o coração morto ainda dentro do peito.

E segurando sua face com as mãos, olhos nos olhos, resolveu colocá-la sob sua vontade.

— E apenas para garantir isso...

***

Um carro importado parou diante da porta do hospital, de dentro dele saiu o motorista Carlos, que calmamente foi na direção de seu patrão.

— Vim o mais rápido que pude, chefe — disse o homem, olhando preocupado para ele.

Na porta, a policial parecia estupefata! Não devia acreditar nas palavras que ouviu saírem da boca de Jeanne Hilton. "Eu matei Leonard e Barry Freeman, eles sabiam demais". "Adam desconfiava de mim, por isso eu o estava ameaçando".

Adam usou toda sua capacidade para manipular a mente da vampira. Ele sabia que o efeito não duraria muito tempo, mas ao menos isso ajudaria a mantê-la longe da cidade, se não quisesse ficar realmente atrás das grades. O que era um grande problema para alguém que só desperta após o anoitecer.

A policial pareceu desconfiada sobre aquilo tudo, mas se limitou a dizer:

— Não saia da cidade, senhor Turner. Logo será convocado para prestar depoimento.

Adam parou diante da porta aberta por seu funcionário, fingindo necessitar da ajuda de uma muleta.

— Não tenho nada a esconder, policial.

Minutos depois, já no carro, ele ligou para alguém em especial. Um pouco mais acostumado a mexer na tela do smartphone.

— Creio que gostará dessa notícia. A parceria com a senhorita Hilton está desfeita. Ela confessou o assassinato dos irmãos Fremman, e a polícia está com ela, agora.

— Não gostava nem um pouco dela — disse ele, voz sorridente. — Seremos uma boa dupla, Tepes. Me lembre de te levar um bebê rechonchudo de presente, para o jantar.

Adam desligou.

"Perdoe-me Claire, é hora de me concentrar em meus inimigos", pensou ele. "Quem sabe um dia haja tempo para nós."


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo, hora de conhecermos melhor o enigmático Paul Davis.



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