Obsessão escrita por Lucy Devens


Capítulo 3
Adrenalina




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A semana foi longa e eu havia conseguido fazer tudo o que precisava: fiz algumas entrevistas de emprego, fiz compras no supermercado, desempacotei todas as caixas e ainda sobrou tempo para comprar uma roupa para o show de sábado. Ally insistiu em fazer compras comigo. Ela me explicou que Sean era o rapaz que ela estava interessada e havia alguns meses que eles estavam conversando. Eu sabia que ela tinha alguma esperança de que algo a mais fosse acontecer no show.

Ela ficou mais do que feliz em se arrumar comigo, eu sabia que era importante para ela. Não só por Sean, mas por ver que eu estava melhor. Ela havia ido me visitar várias vezes em Ilinois, queria ver meu progresso e minha melhora. Depois que eu recebi o temido diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós Traumático as coisas ficaram esquisitas para mim, como se eu fosse uma impostora na minha própria vida. Ally sempre me ouvia, sempre me abraçava quando eu precisava e dava a maior força para o meu progresso e não me deixava cair na espiral de que um diagnóstico pudesse me definir. Eu sabia que era importante para os outros que eu ficasse bem e eu realmente me sentia melhor.

Eu vesti uma saia preta com uma meia calça grossa, uma bota de cano curto e salto alto, além de uma blusa beje e alguns acessórios como brincos e colares. Também passei um batom vermelho matte, algo que eu não usava há séculos. Minha amiga optou por um vestido vermelho e colado. Ela estava linda. Ela passou algumas boas camadas de rímel para ressaltar seus olhos e ela ajeitou seu cabelo para que parecesse uma bagunça organizada, selvagem porém linda. Isso descrevia bem como minha amiga era e como estava com aquele visual.

Nos arrumamos e pegamos um táxi até o pub em que eles estariam se apresentando. Era um lugar legal, nas paredes haviam fotos de famosos como Johnny Cash, Mark Damon e Kurt Cobain. Eu soube na hora que aquele definitivamente seria um pub que eu frequentaria. Pedimos uma cerveja cada uma e ficamos sentada no bar.

—Ai, meu deus. Eles vão começar - Minha amiga tomou um gole da cerveja e olhou animada em direção ao palco.

Eu sorri e olhei também. Ainda bem que eu estava sentada, pois senti minhas pernas ficarem bambas quando vi quem estava no palco.

— Boa noite, Nova York. Meu nome é Cameron e somos a banda Riots in The City.

Não pude acreditar nos meus olhos. Muito menos nos meus ouvidos. Por um segundo pensei que aquilo fosse alguma alucinação. Talvez eu não estivesse tão bem quanto imaginava.

Ally deu um berro para animar a banda e eu percebi que aquilo não era uma alucinação. Ele estava lá. Cabelos escuros, corpo esguio, jaqueta de couro e, apesar de não poder ver do lugar que eu estava, sabia que ele tinha olhos verdes.

—Esses são Sean Mawn no baixo, Larry Lickens na bateria e eu mesmo, Cameron Neil no vocal e na guitarra.

Eu mesmo, Cameron Neil no vocal e na guitarra. Suas palavras ecoavam na minha cabeça enquanto eles contavam para começar a tocar. O show começou com uma música do Arctic Monkeys que se chamava Fire and the Thud. Eu aproveitei cada segundo da primeira música assim como fiz com o resto do show. Cameron tinha uma voz grossa e quando cantava parecia um pouco rouco. Era um bom som. Seus dedos eram ágeis na guitarra. Não conseguia tirar os olhos dele enquanto ele tocava e parecia estar em transe com a música no palco.

Ally não tirava o sorriso do rosto e nem os olhos de Sean, percebi que ele olhava em sua direção hora ou outra. Fiquei feliz por ela e aliviada por mim. O pânico que estava em mim foi  se substituindo por êxtase a medida que eles tocavam uma 

O show deve ter durado mais ou menos uma hora e eles terminaram ao som de Stairway to Heaven, do Led Zeppelin. Não teria como terminar melhor do que aquilo. Logo que anunciaram o fim do show Ally saiu correndo em direção a Sean para um grande abraço. Eu fui me sentar em um dos bancos altos do bar e pedi uma dose grande de Whisky para acalmar os nervos. Enquanto esperava minha bebida eu ouvi alguém se aproximar.

— Vodka hoje, Cameron? - O barman sorriu.

— Você me conhece bem, Joe - Um arrepio subiu pela minha espinha quando ouvi sua voz.

Respirei fundo e tomei coragem. Faria sentido cumprimentá-lo depois do show. Talvez ele nem fosse se lembrar de mim.

— Vocês mandaram bem - Olhei para ele usando todas as minhas forças para parecer que eu estava calma.

Ele ainda estava sorrindo para o bar quando se virou para mim. Olhou diretamente nos meus olhos e seu sorriso se desfez aos pouco. Sua expressão estava entre surpresa e confusão. Assim que vi que o barman colocou minha dose na mesa eu a virei em um instante.

— Pode trazer mais uma - Eu afirmei para Joe, o barman - Acho que vou precisar.

Cameron ainda me olhava surpreso, mas se sentou no banco ao meu lado. Ele se sentou virado para mim, parecia que se ele tirasse os olhos de mim eu poderia sumir a qualquer momento. 

— Chloe, não é? - Ele esboçou um sorriso.

Fiz que sim com a cabeça.

— E você é Cameron. É um prazer finalmente conhecê-lo.

Eu sorri para tentar descontrair, pois sentia todos os meus músculos rígidos. Eu estava diante do homem que me encontrou perdida no meio de uma rodovia no meio de uma noite chuvosa e me levou para o hospital.

Eu me lembrei daquela noite, quase como se meu cérebro fizesse um click, fizesse questão de invadir minha mente com uma memória que estava bloqueada até aquele instante. Ele estava nervoso, mas não tanto quanto eu. Naquela noite eu não conseguia parar de chorar e tremer. Cameron Neil me levou par um hospital na entrada de Nova York. Ele me acompanhou até que meu pai chegasse e depois disso eu nunca mais o vi, nunca tive notícias dele. Apenas ouvi seu nome uma vez em um noticiário e nunca mais. Meu nome era o que estava exposto em todos os lugares. Fui assunto dos jornais por um mês e depois disso era como se eu nunca houvesse existido. Eu preferia quando eu não era a atração bizarra de onde quer que eu estivesse.

O barman colocou nossas bebidas no balcão. Levantei meu copo como que num brinde e ele fez o mesmo. Não sei ao certo pelo que estávamos brindando.

— Já conheceu Cameron? - Sean se colocou no espaço entre nós com Ally em seus braços - Garota esperta.

Eu sorri e olhei para o copo na minha mão.

— Hey, Chloe - Ele disse novamente - Eu sei que esse é o seu primeiro fim de semana na cidade, mas eu queria muito levar sua amiga para os meus aposentos, se me permitir.

Cameron deu uma risada que fez com que meu corpo estremecesse. Como se eu houvesse levado um choque de alívio. Foi uma boa sensação.

— Acho melhor não - Disse Ally. Seu sorriso era sem graça, mas era sincero - Eu não posso deixar minha amiga sozinha.

Sean fez bico. Ally estava planejando sair com Sean há meses, eu não iria permitir que isso fosse arruinado. Além do mais eu não gostava de fazer com que os outros se sentissem responsáveis por mim. Não era mais criança e não precisava desses cuidados.

— Tá tudo bem, Ally - Eu pisquei para ela - Eu queria ficar um pouco sozinha em casa.

— Mas você vai voltar sozinha? - Minha amiga perguntou.

— Por que você não leva ela para casa, Cameron? - Propôs Sean - Ela mora a alguns quarteirões daqui. É caminho da sua casa de qualquer jeito.

Engoli seco.

— Estou aqui para isso - Cameron sorriu - Você se importa? - Ele perguntou pra mim.

Dei de ombros sinalizando que não me importava. Não disse nada, mas eu até gostaria da companhia.

— Tudo resolvido, crianças - Disse o homem que estava agarrado na minha amiga - Vejo vocês amanhã. E espero que com que boas notícias.

Ally riu, depois fez um obrigada com a boca. Eu levantei meu copo para ela e bebi o resto do meu whisky.

Cameron me acompanhou até em casa. Não trocamos uma única palavra. Eu estava nervosa demais para dizer alguma coisa. Ainda não acreditava que estava diante do homem que me encontrou. Talvez ele estivesse tão nervoso quanto eu. Eu ficava pensando em qualquer coisa para dizer. Falar do tempo parecia trivial demais, além de impróprio, já que ele me encontrou no meio da chuva, falar da cidade parecia uma bobagem. Eu queria perguntar alguma coisa, mas não conseguia formular uma pergunta completa na minha cabeça. A ansiedade parecia me paralisar e eu não conseguia pensar em nada para puxar assunto. Talvez ele também estivesse ansioso, talvez ele também não soubesse o que dizer, já que tudo o que preenchia o silêncio entre nós dois era o barulho da cidade.

Ao chegar na frente do meu prédio eu abri a porta, mas não entrei. Eu achava que queria ficar sozinha ali, mas pensar no apartamento escuro me trouxe uma sensação esquisita.

— Obrigada - Eu me virei para Cameron.

— Sem problemas. - Ele colocou as mãos nos bolsos da calça.

Respirei fundo.

— Não só pela companhia hoje, mas...

Não consegui terminar minha frase e nem precisei.

—Você está bem? - As palavras dele saíram carregadas. Eu sabia que ele não estava falando de agora, sabia que estava falando do último ano, de como eu estava desde a última vez em que o vi.

— Bem melhor, na verdade - Ele sorriu e eu não consegui controlar meus impulsos. - Você quer entrar? Eu comprei cerveja e vinho.

Ele deu de ombros, descontraído.

— E por que não? - Ele disse e eu sorri.

Entrei prédio em direção ao apartamento e ele entrou em seguida, deixando para trás todo o peso que havia entre nós do lado de fora.


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