Soundtrack escrita por Mia Lehoi


Capítulo 5
Track 4: Razorblade


Notas iniciais do capítulo

Razorblade é uma canção da banda The Strokes (https://www.youtube.com/watch?v=ZBRQ1zpNdSE)



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I know exactly what you're thinking
(Eu sei exatamente o que você está pensando) 
You won't say it now
(Você não vai dizer agora) 
But in your heart it's loud
(Mas no seu coração está claro)


Do Contra deixou o carro num estacionamento a duas quadras de distância da entrada do Lemoni Empire, só porque a grandeza daquele lugar (e a ideia de um manobrista pegando o seu carro) o assustava.

Ele nunca tinha entrado no hotel, embora quase diariamente passasse em frente ao enorme e imponente prédio, que ficava bem no meio da principal avenida do Limoeiro. Aquele era o tesouro da família de Carmem, a hospedagem mais cara e clássica do bairro, que eles provavelmente mantinham só para lembrar a todos de que poderiam mandar em tudo se quisessem.

Assim que cruzou a porta de entrada, não conseguiu evitar pensar que deveria ter escolhido uma roupa mais arrumada para a ocasião. Os tênis pretos surrados contrastavam ridiculamente com o piso branco lustradíssimo do lobby de entrada. O garoto tentou se concentrar em seu objetivo ao cruzar o espaço em direção ao balcão de atendimento, ignorando prontamente os homens engravatados e as mulheres chiques que passavam por ali o olhando com expressões esquisitas.

— Bom dia senhor, no que podemos ajuda-lo hoje? – um dos recepcionistas o cumprimentou, com um sorriso amistoso que parecia ensaiado. Aquilo era muito estranho. O homem usava um uniforme preto com detalhes em azul, daquele tipo clássico que os funcionários de hotéis vestem nos filmes e falava com todos de uma maneira tão polida que até soava meio robótica.

— Eu... Er... – começou, sem saber ao certo o que dizer. Nem ao menos se lembrava de já ter sido chamado de senhor alguma vez na vida. – Vim falar com a Carmem. – concluiu, ainda se perguntando se aquilo era informação suficiente.

— Ah, certo! A senhorita Carmem avisou que o senhor viria. – o homem continuou, digitando algumas coisas em um computador. Em seguida lhe entregou um cartão branco, no qual se lia a palavra “VISITANTE” em letras garrafais azuis.

— Ahn... Obrigado. – Do Contra respondeu, pegando o cartão sem entender nada. – E isso é...?

— Para o elevador.

— Ah! Ok Valeu, er... Senhor... Fernando. – completou, lendo o nome no crachá do atendente, antes de sair praticamente correndo dali, constrangido.

Seguiu para um dos dois elevadores (que só funcionavam depois que ele passasse o cartão numa leitora) e subiu até o último andar, se xingando mentalmente de todos os palavrões que conhecia por ter inventado aquela idiotice. Atravessou o corredor com carpete luxuoso e entrou pela porta de serviço assim que a viu. Havia um único lance de escada e uma porta vermelha de ferro no final, como Carmem tinha dito. Por um instante ele se perguntou se aquilo era algum tipo de pegadinha e ela ia trancá-lo dentro de um armário de vassouras ou numa sala cheia de produtos químicos tóxicos e depois dizer para todo mundo que ele morreu acidentalmente. Era melhor do que aceitar que ele mesmo tinha tido a cara de pau de pedir para fazer parte de um plano para separar Mônica e Cebola e, pior ainda, que a maluca tinha aceitado.

Mesmo pensando em tudo isso ele subiu os degraus e abriu a porta, logo notando que estava mesmo aberta. E não, não era uma sala escura e esquisita, muito pelo contrário. Era o terraço do prédio, um espaço amplo, com alguns geradores, caixas d’água e antenas gigantescas, todo cercado por um parapeito largo o suficiente para que alguém se sentasse em cima, no qual a loira se debruçava displicentemente, contemplando a cidade. Perto dela haviam uma mesa e um par de cadeiras de plástico vazias, além de uma bolsa cor de rosa que devia custar uma fortuna.

O garoto parou ao lado dela, contemplando as luzes dos carros passando na avenida, mais de dez andares abaixo deles. O céu estava todo pintado de laranja e azul, já prestes a escurecer, e algumas luzes acesas nos prédios próximos já estavam visíveis por suas janelas. Ele se pegou imaginando o que aquelas pessoas deviam estar fazendo e concluiu que mesmo que tudo desse errado naquele dia, a vista tinha valido à pena.

Desde muito pequena Carmem amava aquele hotel. Era seu refúgio secreto, o lugar onde ela brincava de se esconder pelos corredores com seus primos quando criança e se escondia para chorar suas mágoas na adolescência. O nome não podia ser mais perfeito. O Lemoni Empire era realmente seu império e aquele terraço era o quarto mais alto da torre mais alta. Apenas alguns funcionários e ela mesma tinham a chave da porta vermelha, uma vez que nem mesmo seus pais frequentavam aquele espaço e sem dúvida nenhuma pessoa da turma havia estado ali antes. Era ridículo que ela tivesse chamado Do Contra para ser o primeiro a conhecer, mas sabia que não se sentiria confortável com a ideia de ser flagrada junto com ele em algum lugar e muito menos queria estar em um ambiente que fosse dele. Ali ela que dava as cartas.

— Então, qual é o plano? – ela perguntou, de repente, acordando de seu transe.

— Eu vim aqui pra saber. – ele respondeu, arqueando as sobrancelhas. – Eu nunca fiz nada disso.

— Eu sei, você não é desses. – ela sorriu, surpreendentemente sem o deboche de antes. – Vocês realmente acham que eu passo o dia arquitetando planos pra atrapalhar a vida da maravilhosa turma da Mônica, né? – riu baixinho.

— Você provavelmente acha que o meu objetivo de vida é achar defeito em tudo o que vocês gostam só pra poder reclamar, então acho que estamos quites. – ele rebateu, dando de ombros.

— Justo. – sorriu – Você pelo menos sabe se tem alguma chance com ela?

— Como é que eu vou saber? – perguntou, franzindo a testa. – Não é como se eu já tivesse perguntado isso pra ela.

— Eu sei, idiota. – girou os olhos – O que eu quero saber é se ela te dá algum sinal, entendeu? – perguntou, logo vendo a expressão dele se tornar mais confusa ainda. – Tá, já vi que você não faz ideia.

— E você por acaso sabe quais são as suas chances? – ele perguntou, em tom desdenhoso, só para aborrecê-la.

Ela o encarou, tentando achar uma resposta para aquela pergunta que não a expusesse muito. Sim, ela sabia. Era óbvio que Cebola a achava linda e que ficaria com ela sem pensar duas vezes se tivesse a chance. Mas não de um jeito apaixonado e duradouro. Para ele seria só uma ficada de fim de semana da qual ele se gabaria pros amigos por alguns dias e depois esqueceria, assim como Titi tinha feito. Não era isso que ela queria.

— O primeiro passo é descobrir se ela tem intenção de voltar com ele. – a loira instruiu, ignorando a pergunta. – Você já ficou com ela, não é? Acho que isso aumenta um pouco as chances...

— Não muito se você considerar que eles começaram a namorar pouco tempo depois. – respondeu, aborrecido.

— É, mas não durou quase nada. – respondeu, sem expressar emoção alguma – Eu vou chamar as meninas lá pra casa no final de semana, perguntar algumas coisas.

— E eu faço o que? – ele perguntou, sem entender nada.

— Espera. E tenta não me atrapalhar, claro.

— Então a minha parte do plano é só não fazer nada? – fez cara de espanto.

— A não ser que você possa fazer uma festinha do pijama com o Cebola pra conseguir informações, por enquanto é. – ela respondeu, com uma expressão tão séria que o fez rir involuntariamente.

— Será que isso vai dar certo? – ele perguntou, voltando a encarar o céu, só para não ter que olhar para ela.

— Não sei. – a garota respondeu, dirigindo o olhar rapidamente ao rosto dele, que se esforçava para parecer sério, mas ainda sustentava um resquício de sorriso nos lábios. – Eu não acredito que aceitei participar disso. – Carmem girou os olhos. Aquele definitivamente não era um cenário previsível.

— Eu não acredito que te chamei para fazer isso. – ele respondeu, sinceramente. Ela assistiu o sorriso dele aumentar um pouco. Não de um jeito alegre, ela notou. Era um sorriso resignado, de quem abraça uma ideia absurda, mesmo sabendo que tem tudo para dar errado.

Os dois se entreolharam por um breve segundo, antes de voltarem a contemplar a cidade e se perderem em suas próprias questões interiores. Havia algo quase poético naquela cena, com o anoitecer, as nuvens, os carros e o fato de estarem ali sozinhos. Mas ambos sabiam que por baixo da superfície, aquela cena não era nada cinematográfica. Não eram um casal apaixonado, uma dupla de amigos trocando confissões, ou dois inimigos travando uma batalha. Eram apenas duas pessoas sem nada em comum.

No entanto, por mais estranho que pudesse soar, aquele encontro tinha sido bem menos esquisito do que ambos haviam imaginado.


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Notas finais do capítulo

Heeeeeey
Bom, sobre a escolha musical de hoje: eu sou apaixonada por essa canção desde a primeira vez que ouvi, há um bom tempo. E é engraçado como eu não tinha associado ela a essa fanfic em nenhum momento, até que hoje, por acaso, me deparei com ela numa playlist e percebi que combina DEMAIS com esses dois. Tem outros trechos da letra que eu também colocaria nessa fanfic, já que ela fala bastante sobre um casal que meio que se ignora e não aceita que são bons juntos. Além do mais ela tem um clima meio poético que... Bom, seria legal pra observar a cidade do topo de um dos prédios mais altos! hahaha
Agora sobre o capítulo em si: É aqui que o “plano” dos dois se inicia e eles realmente começam a conviver. Carmem e DC ainda não sentem nada um pelo outro além de curiosidade e talvez (bem talvez mesmo) um pouquinho de simpatia.
Ok, antes que eu fale demais, queria novamente agradecer pelos comentários e favoritos, vocês são 10! Me divirto muito vendo outras pessoas embarcarem nesse casal comigo!
Kisses ♥



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