Soundtrack escrita por Mia Lehoi


Capítulo 3
Track 2: My Favorite Accident


Notas iniciais do capítulo

My Favorite Accident é uma música da banda Motion City Soundtrack (https://www.youtube.com/watch?v=0SJOsYnqud0)



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Just when I thought I had forgotten
(Justamente quando eu achei que tinha esquecido)
You came back soft without a sound
(Você voltou suavemente sem fazer barulho)

Do Contra acordou no outro dia com a luz do sol batendo em seu rosto. Depois de alguns segundos de confusão ele finalmente percebeu que tinha chegado tão cansado que nem se lembrou de fechar as cortinas. O relógio despertador mostrava que eram pouco mais de nove da manhã e embora odiasse acordar cedo, ele se levantou porque estava com a garganta seca demais para continuar deitado sem beber um pouco d’água.

Encontrou a mãe assistindo um daqueles programas matinais de domingo que ele odiava e ela estranhou o fato de ele estar de pé tão cedo (para os padrões dele, é claro) e lhe disse que o pai tinha saído para fazer a feira e que Nimbus ainda dormia.

Quando voltou ao próprio quarto ele encontrou uma bagunça tremenda, com roupas amontoadas em cima da cadeira do computador e uma pilha de papéis da faculdade prostrada na mesa. Examinou o cômodo rapidamente à procura do celular, rapidamente percebendo que não estava em lugar nenhum. Olhou nos bolsos da calça que usava ontem e por fim se deu por vencido percebendo que não conseguiria dormir sossegado até que encontrasse o aparelho.

Desceu até a garagem e vasculhou o carro, sem sucesso. Tentou ligar usando o telefone de casa, mas apenas ouviu uma mensagem avisando que o telefone estava desligado. Depois de tantas horas, mesmo que ninguém tivesse pegado, com certeza já estaria completamente sem bateria. Vasculhou a casa inteira, fazendo o irmão acordar aborrecido por conta da barulheira que ele fazia.

— Se tá procurando sua dignidade, você não vai achar aí. – Nimbus comentou, de cara feia.

— Cala a boca, idiota. – o outro respondeu, aborrecido. – Você viu meu celular?

— Não. Deve ter caído no carro, ou ficou na sua jaqueta, sei lá. – respondeu, arqueando as sobrancelhas. O irmão tinha uma mania maldita de guardar as coisas em lugares estranhos e nunca lembrar disso depois.

De repente ele teve um estalo. Tinha olhado vários lugares possíveis, mas não se lembrara de checar os bolsos da jaqueta. Com certeza tinha ficado lá. Bem mais tranquilo ele seguiu até o quarto, só então se lembrando de um detalhe importante: tinha se esquecido de pegá-la de volta de Carmem.

A loira acordou cedo como em todos os domingos. Depois de fazer toda sua higiene matinal e tomar um café da manhã saudável ela foi para a academia privativa da família e fez sua costumeira aula de pilates com o instrutor. Estava com uma ressaca terrível, mas os exercícios sempre a ajudavam a relaxar um pouco. Após a aula tomou um banho demorado de banheira, com direito a seus sais de banho favoritos e um par de velas aromáticas. Por mais que soubesse que não era nenhuma ocasião especial, se sentia bem triste e esperava que aquilo a ajudasse a ficar melhor.

Os domingos eram quase sempre os dias mais solitários e tristes de suas semanas. Quando era criança, ela e os pais costumavam tomar longos cafés da manhã no jardim, mas conforme ela crescera esse costume se tornara menos comum. Depois do divórcio eles ficaram ainda mais distantes, enquanto a mãe saía com jovens personal trainers e o pai saía em viagens que hoje em dia ela nem sabia mais se eram de negócios.

Era uma rotina bem vazia.

Sem ter muito o que fazer, ela ligou o computador e procurou por alguns minutos um filme bom para ver na Netflix. Escolheu uma comédia romântica qualquer, mas desistiu logo nos primeiros minutos, impaciente. Então selecionou uma playlist no Spotify que fizera para momentos como aquele e ficou lá deitada sem fazer nada, evitando pegar no celular porque não queria falar com ninguém e muito menos ver fotos de ontem. Permaneceu assim por alguns minutos até alguém bater na porta de seu quarto. Só pelo toque suave e cuidadoso ela já sabia que era Ana Maria, a governanta que trabalhava na casa há muitos anos.

— Oi tia Ninha, pode entrar! – a loira respondeu, usando o apelido que adotara para a mulher desde criança.

— Tem um rapaz aí querendo falar com você, Carminha. – falou, colocando apenas a cabeça para dentro do quarto. Hoje em dia ela era a única pessoa que ainda usava aquele apelido com a garota.

— Rapaz? – ela arqueou as sobrancelhas. Não conseguia se lembrar de ninguém que pudesse querer visita-la. O único rapaz que aparecia em sua casa periodicamente era seu primo Felipe, mas ele não teria sido anunciado daquela forma.

— É. Eu acho que é o filho da Dona Keiko. – ela continuou. Conhecia todas as mães da turma. – Mas ele tá tão diferente... Todo mal encarado. – assim que ela terminou a loira arregalou os olhos, numa expressão de puro pavor.

Levantou-se da cama e se arrumou rapidamente, prendendo os cabelos num rabo de cavalo e trocando o short do pijama por um jeans. Enquanto fazia o caminho do quarto até a sala de estar, foi se recordando da noite de ontem. Da bebedeira, da carona e da maldita conversa. Será que ele se lembrava de tudo o que ela dissera?

Ele estava parado perto da porta de entrada, com os braços cruzados em frente ao peito e cara de poucos amigos, destoando completamente do ambiente. Não esboçou reação nenhuma ao vê-la descendo as escadas, apenas esperou pacientemente.

— Eu vim buscar o meu celular. – ele disparou, sem dar nem tempo para que ela dissesse algo. – Quer dizer, a minha jaqueta. E o celular que ficou nela. – completou ao ver a expressão confusa da menina.

— Ah. – ela murmurou, só então se lembrando que esquecera de devolver. – Está lá em cima. – apontou a escada, já virando-se para subir. Ele esperou um pouco, incerto se devia segui-la ou continuar esperando, mas decidiu ir atrás, sem saber exatamente o porquê.

Carmem logo percebeu que ele estava indo junto, mas não pediu que ele voltasse para onde estava. Sentia-se estranhamente constrangida com a presença do garoto, agora que ele sabia o segredo que ela guardava para si por tanto tempo.

Ele ficou na porta do quarto enquanto ela entrou. A jaqueta estava em cima de uma poltrona no canto do cômodo e não foi difícil de achar. Um ponto preto perdido na decoração toda em tons de rosa claro e branco. Ela rapidamente lhe estendeu a peça, mas puxou a mão de volta para si quando ele foi pegar.

— Espera. – suspirou pesadamente, tomando coragem. – Quanto você lembra do que eu te falei ontem?

— Eu não tava bebendo. – ele respondeu simplesmente.

— Por favor, não fala pra ninguém sobre aquilo. – ela continuou, parecendo bastante desesperada – Ou melhor, esquece que... – foi interrompida pelo próprio celular tocando. – Merda! – xingou, pegando o aparelho e fazendo sinal para que ele esperasse ali. – Oi pai! – disse ao atender, com um tom de voz mais doce do que o que usava antes. E então seguiu pelo corredor e entrou em uma das portas, fechando-a logo atrás de si.

Do Contra fez cara feia, notando que ela ainda estava com o celular e por isso não poderia ir embora de uma vez. Maldita hora que decidira dar aquela carona! Seguiu para dentro do quarto e se sentou na cadeira do computador. Já que ela ia fazê-lo esperar sabe-se lá quanto tempo, ele que não ia ficar de pé feito um idiota.

Olhou em volta, se sentindo um extraterrestre ali naquele mundinho dela. A decoração era toda luxuosa, com cortinas claras, móveis de madeira branca e lençóis que provavelmente custaram mais que uma prestação inteira de seu carro. Mas de uma maneira bem estranha, não era tão diferente de seu próprio quarto. Haviam livros e apostilas empilhados desorganizadamente na estante, sapatos largados no meio do caminho e um bocado de roupas amontoadas na poltrona onde sua jaqueta estava antes. Acendeu a tela do computador para olhar as horas e não conseguiu conter a curiosidade ao se deparar com a janela aberta na tela inicial do Spotify.

Sem pensar direito ele abriu o perfil pessoal dela, se deparando com várias playlists repletas de músicas famosinhas que tocavam nas rádios e ele não conhecia, mas se surpreendeu com várias outras marcadas como privadas e cheias de canções que ele mesmo conhecia e amava. Ela demorou tempo suficiente para que ele olhasse várias listas, rindo baixinho por conta da maneira engraçadinha com que ela as nomeava. Não fazia ideia que, dentre todas as pessoas que conhecia, logo Carmem fosse ter tantas canções em comum consigo.

— Do Contra, desculpa te fazer esperar, eu... – começou, chegando ao quarto. Mas se interrompeu ao ver onde ele estava. – O que você está fazendo?

— Vendo as horas, ué... – deu de ombros, como se não fosse nada demais.

— Idiota. – ela murmurou, jogando a jaqueta para ele de forma raivosa. – Já pegou seu celular, já bisbilhotou a minha vida... Agora pode ir! – continuou, claramente aborrecida.

— Ok, Vossa Alteza. – ironizou – Tem certeza que não tem mais nada pra me dizer? – abriu um sorriso debochado.

— Eu... – ela começou, corando levemente ao lembrar o que ia dizer antes da ligação de seu pai. – Esquece que me viu ontem, esquece que você veio aqui, esquece que me conhece! – gritou, apontando a porta.

Ela não se deu ao trabalho de acompanhá-lo até a saída, só para demonstrar a raiva que sentia. Quem aquele menino pensava que era? Um arrogante, pé no saco, cheio de se achar diferente dos outros. E pior ainda, um arrogante que em menos de 24 horas descobrira mais segredos sobre ela do que qualquer outra pessoa da turma.

Ao chegar no carro ele parou por alguns minutos, pensando no que deveria fazer. Estava entediado demais para ir pra casa. Sabia que a essa hora não conseguiria mais dormir, não gostava de assistir televisão e não estava afim de ler ou tocar bateria, então fez o que fazia em dias assim: colocou um de seus CDs para tocar e dirigiu rumo a lugar nenhum. (Porque sim, ele ainda gravava suas playlists pessoais em mídias físicas. Spotify e iTunes são coisas de gente comum.)

Coincidentemente, a primeira canção do mix aleatório que escolhera era justamente uma das que vira na playlist de Carmem mais cedo. Ele tentou ignorar aquele fato se concentrando em repassar as batidas da bateria na cabeça, já que as conhecia de cor e salteado. Mas por mais que tentasse ignorar, seu cérebro o fazia imaginar a garota sozinha naquele quarto gigantesco e todo enfeitadinho, cantando a letra que ele mesmo já berrara tantas vezes. Aquilo não fazia sentido nenhum.

Ela era bonita, isso garoto nenhum podia negar. Bonita tipo aquelas garotas da televisão que fazem os caras babarem. Mas era muito pouco interessante. Muito comum, toda perfeitinha. Ele não via graça nenhuma nela. Até se lembrava de algumas vezes na adolescência que ela jogara um charminho para ele, só porque era o único garoto da turma que não se interessava. Claro que isso ficara no passado. Hoje em dia os dois se tratavam como se o outro nem estivesse lá.

Aquele lado dela que vira na noite anterior era estranhamente inesperado. Quando seus colegas de banda foram embora da boate, ele não imaginara que logo ela apareceria do nada, ainda mais falando aquelas coisas. Tinha sido uma das conversas mais sem sentido que ele já tivera. Decidiu ir embora sem nem se importar (afinal, ela era Carmem Frufru e devia saber se virar), mas ao perceber que os funcionários já se preparavam para fechar o bar, não consegui deixa-la lá sozinha. Até pensou que se arrependeria (e bem, meio que se arrependera mesmo), porém tinha certeza de que se tivesse a deixado para trás teria passado o resto da noite se perguntando se ela chegara bem em casa.

Será que ela realmente teria coragem de por aquele plano maluco em prática? Era uma idiotice, ele sabia. Que tipo de pessoa manipularia alguém amado desse jeito? Maurício prometera para si mesmo que deixaria Mônica em paz caso ela escolhesse ficar com Cebola. Mas... E se... E se aquilo fosse uma chance de ele lutar pelo amor dela com todas as ferramentas que tinha?


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Notas finais do capítulo

Hey people
Esse capítulo demorou um tiquinho pra sair porque as minhas aulas voltaram e eu acabei deixando muita coisa acumulada pra fazer no fim de semana, mas agora tá aqui!
Bom, eu AMO essa música e essa banda de paixão. É menos “heavy metal” do que as coisas que eu imagino o DC ouvindo normalmente, mas eu acho a bateria das canções deles tão boa que acredito que ele ouviria numa boa! :P
Tem algumas músicas meio desconhecidas (e outras mais famosas, lógico) nas que vou citar ao longo da história, mas isso é muito porque a trilha sonora é meio que uma mistura do gosto musical da Carmem e do DC. (Agora fica a cargo da mente de vocês imaginar quem gosta do quê hahaha)
Acho que por hoje é só isso que tenho a dizer!
Besíneos ♥



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