Arrão ou Ferroz? escrita por Laís Cahill


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Esta história surgiu de uma postagem do face. O que eu estou fazendo da minha vida?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/738467/chapter/1

Logo cedo de manhã, numa prateleira de supermercado, lá estava o arroz Branco. Depois de uma longa viagem até o supermercado junto com os outros arrozes, ele estava todo dolorido. O caminhão virava de um lado para o outro e ele sempre colidia com os outros.

  — Ô branquelo, sai pra lá — Dizia o arroz Integral, o empurrando. — Olha só esses grãos fininhos. Fracote. Por quantas sessões de polimento tu teve que passar pra ficar assim?

E então os outros arrozes riam do Branco, e era assim desde que ele se conhecia por grão. Todo dia era a mesma coisa. O maior motivo do bullying, no entanto, não era as várias sessões de polimento que ele gostava de marcar.

  — Ei, Branco, tá tristonho? — disse o macarrão Parafuso, da outra fileira, em tom de deboche. — A transa com o Carioca não foi boa, ontem?

  — Cala a boca, Parafuso! — Branco se irritou. — Você sabe que eu e o Carioca não temos nada. Não tenho nada com nenhum feijão, aliás. 

  — Nossa, que dó! — Disse o arroz Parboilizado, choroso — Eu te entendo. Mas, se a Mãe Terra quiser, um dia você vai encontrar o feijão certo pra você!

O arroz Branco revirou os olhos e retrucou:

  — E se eu não quiser me misturar com um feijão? E se eu quiser ficar sozinho, ou sei lá, ser um arroz à grega?

  — Arroz à grega? — chocou-se Parboilizado, e deu umas risadinhas afetadas. — Não sabia que você tinha essas tendências! Safadinho.

Branco deu um tapa na própria cara.

  — Ah, tá dando uma de "arroz asiático" agora? — disse Parafuso.

  — Me deixe fora disso. — reclamou o arroz Japonês. — E sim, estou muito bem sozinho.

Em todo o supermercado, no entanto, rolava um boato de que Branco e Carioca estavam se pegando. As bolachas compartilhavam fanarts e fanfics às escondidas. As laranjas riam, especulando sobre quem era o seme e quem era o uke.

  — É óbvio que o Carioca vai por baixo! — exclamou Lima, escandalizada. — É assim que acontece com os feijões, certo? Por isso que se fala feijão com arroz e não o contrário, porque o feijão vem primeiro.

  — Nada a ver! — a laranja Baiana retrucou. — É porque o feijão é seme, por isso o nome vem primeiro! E o arroz sempre vem primeiro e prepara a cama, para o caldo do feijão não espalhar muito. — E olhou de um lado para o outro, sorrindo. — Se é que você me entende.

  — Mas gente, e se o arroz e o feijão ficarem um do lado do outro? — perguntou a laranja de Burro, intrigada. Baiana levou a mão à testa.

  — Ai, que nada a ver, de Burro! Tu é mó burra!

  — É! Um sempre vai por cima do outro! Aposto que você nunca assistiu a uma refeição.

  — O que é uma refeição? — perguntou de Burro.

  — Minha Mãe Terra do céu...

Do outro lado do supermercado, neste momento, Branco estava alheio a toda essa fofoca. Sabia que elas existiam, mas não queria detalhes. De que importava, mesmo? Suspirou. O Carioca nunca ficaria com ele, com tanto arroz mais interessante, mais saudável, mas natural do que ele por aí. Além disso, todas aquelas sessões de polimento tinham acabado com a sua casca.

Naquele mesmo dia, quando o supermercado já estava fechando, Branco ainda estava sentado na sua prateleira, à espera do momento em que Carioca passaria pelo corredor e poderia admirá-lo. A maioria dos arrozes e macarrões do corredor já tinham ido embora, mas Branco fingia que checava seu código de barras uma segunda vez. Ele estava tão distraído que só notou que o arroz Integral tinha chegado quando ele estava bem na sua frente.

  — O que ainda tá fazendo aqui, mané?

  — I-integral! — Branco se assustou. — É-é que me-meu código de barras está dando problema...

  — Mentira! — Integral urrou. — Você está esperando o Carioca, não está?

O Branco fez que não com a cabeça, mas de nada adiantou. O arroz Integral lhe deu um soco que o fez até cair da prateleira, e o seu saco rasgar.

  — Você nunca, nunca vai ficar com o Carioca. — Integral disse, às suas costas. — Está me entendendo? Ele é meu.

Branco agonizava de dor, sentindo cada grão de seu corpo que deixava o saco. Chorava de tanta raiva. Quem aquele arroz achava que era para se meter entre ele e o Carioca? Eles nem namoravam.

  — O que está acontecendo? — perguntou uma voz de feijão, do fim do corredor. — Integral?

Era o Carioca, com seus amigos Preto e Farofa.

  — Carioca! — exclamou o arroz, soltando Branco imediatamente — Eu estava tentando ajudar o Branco! Ele caiu da prateleira, tadinho!

Carioca olhou bem para os dois arrozes. Viu Branco moribundo no chão, fungando e mal conseguindo encará-lo, e respondeu:

  — Você derrubou ele, não é?

  —  Não, claro que não! — Integral fingiu horror. — Como pode achar isso? Você não confia em mim?

O arroz se aproximou do feijão e fez beicinho, agarrando seu braço.

  — Eu não sou burro, Integral. — retrucou Carioca, desvencilhando-se. — Não tem nada entre nós faz muito tempo, e mesmo assim você insiste em afastar todo mundo que chega perto de mim.  Eu nunca achei que você fosse capaz de se rebaixar tanto.

Integral, sem encontrar resposta, xingou Carioca de todos os nomes possíveis, disse que nunca gostaria de um feijão velho e bichado como ele e foi embora, como todas as pessoas (e grãos!) fazem quando são rejeitadas. Então, o feijão se abaixou e se dirigiu ao outro arroz.

  — Desculpe pelo meu amigo. Posso te levar pra enfermaria?

  — Ca-carioca-senpai! — Branco exclamou, maravilhado. — Por favor.

  — Preto, Farofa, podem ir andando — o feijão disse para seus amigos. — Eu vou ficar por aqui mais um tempo.

Na enfermaria, uma etiqueta de supermercado foi o suficiente para estancar o vazamento. O plástico logo iria se regenerar.

  — Obrigado, Carioca. — Branco agradeceu, olhando para baixo — Ele está sempre no meu pé. Não quero pensar no que teria acontecido se você não chegasse.

  — Não fiz mais do que meu dever. — o de casca marrom respondeu. — Eu já deixei você sofrer demais.

O arroz olhou para cima, para os olhos do feijão.

  — Pensa que eu não reparo quando você chega aqui todo amassado? — Carioca continuou. — No fundo, eu sabia que era o Integral. Só não queria acreditar.

  — Ca-carioca...

Branco não conseguiu terminar a frase, pois recebeu um beijo logo em seguida.

  — Vamos para o armazém. — sugeriu o feijão, e o arroz concordou com a cabeça.

Enquanto os dois iam para lá, todos os mantimentos restantes no supermercado queriam entrar de penetra para descobrir se o feijão vai por cima ou por baixo, mas Carioca fechou a porta antes que qualquer um pudesse bisbilhotar.

Assim que se viram sozinhos, o feijão empurrou Branco na parede e disse em seu ouvido, com as mãos em sua cintura:

  — Você é muito mais gostoso que o arroz Integral.

Branco ficou tão envergonhado que achou que o seu nome logo mudaria para Vermelho. Ele não queria parar, mas segurou as mãos do outro.

  — Mas você não tinha um caso com a Farofa?

  — A Farofa é só uma diversão. — Carioca riu. — Não é nada sério, e faz tempo que não fico com ela. Você é minha alma gêmea.

O arroz sentiu todos os seus grãos se arrepiarem com essa afirmação.

Pouco a pouco, os dois tiraram suas embalagens e começaram a se misturar. Logo foram parar no chão do armazém, que estava imundo, mas ninguém liga. Carioca se posicionou por cima do Branco, e o arroz sentiu os seus grãos dilatarem e seus poros abrirem, sob o peso do feijão. Os grãos de feijão caíam um por um em cima dele.

  — Ca-carioca! — Branco exclamou. "Que grãos grossos!", ele queria dizer, mas não soaria bem. — Pa-para, tá doendo!

Tão pouco ele disse isso e o caldo do feijão começou a descer lentamente, penetrando todos os seus poros, até chegar na base.

Branco, que até agora nunca tinha se misturado com nenhum feijão, estava exausto. Este fim de tarde no armazém sujo e cheio de baratas foi, de longe, a melhor experiência de sua vida miserável até agora. Melhor ainda que sua infância nos campos de arroz, sendo banhado por agrotóxicos todo dia.

O arroz e o feijão achavam que estavam seguros e que não tinha como ninguém descobrir o que tinha rolado ali. Não podiam estar mais enganados. Recentemente haviam instalado câmeras de segurança por todo o supermercado como prevenção de sequestros, inclusive no armazém. Da sala de controle, uma lata de cerveja viu tudo o que tinha acontecido. A notícia se espalhou rápido entre as latas de cerveja, sempre exageradamente alegres e falantes, até o supermercado inteiro ficar sabendo que o feijão vai por cima do arroz. E não se discute mais o assunto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

#TimeFerroz
#FeijãoÉPorCimaDoArroz
#ArrozIntegralÉHorrível

Print da postagem: https://3.bp.blogspot.com/-_AZfCdrn8qg/WXNsvEbvAgI/AAAAAAAAA-s/ybZkbSsUwkwnNd8nzQxiqeuy70aNo7QvACLcBGAs/s1600/print.png