Os saltos altos batiam contra o piso da área de desembarque, a mala absurdamente pesada era arrastada atrás de mim, enquanto eu procurava ansiosa pela minha carona.

Eu estava cansada e irritada. Passar um mês inteiro na companhia de toda a minha família era sempre exaustivo. Porém uma tradição anual e irrecusável. Minha barulhenta linhagem gostava de se reunir uma vez por ano. Aquela típica reuniãozinha familiar onde apontávamos os defeitos e fracassos uns dos outros, quem tinha finalmente enlouquecido, quem eram os novos agregados e quem havia sido desligado da função de “parente”. A diferença era que o meu retiro familiar durava um mês inteiro.

Religiosamente, durante todo o mês de junho, todos os Harunos e adjacentes se encontravam na casa de veraneio dos meus bisavôs, ainda vivos. Este ano eu apareci sem Sasuke. O que logo me acarretou três diferentes perguntas sobre porque eu o tinha largado e se ele havia chorado muito.

Eu não podia culpa-lo por inventar um compromisso de última hora. Vez passada fora apavorante o suficiente para que o Uchiha anunciasse que sua presença nestes encontros seria no máximo bissexta. Nas palavras dele “apenas um evento importante o suficiente para alterar o calendário o faria passar por aquilo novamente. Eu já era assustadora demais sozinha para ficar andando por aí acompanhada dos meus parentes”. No final das contas eu ainda era uma Haruno e sangue não se nega.

Consegui ver uma juba loira, desgostosamente familiar vindo em minha direção. Eu já tinha coisas demais na cabeça para ainda ter que lhe dar com Naruto...

— SAKURA! – aquela garganta era um dom. Conseguia ser mais escandaloso que meus pais, e isso por si só já era um grande feito.

— Mais baixo Uzumaki, eu ainda estou terminando de recuperar a audição do meu ouvido esquerdo.

— Tsc, credo Haruno, você está cada dia mais parecida com o Teme.

— Sei que deveria me sentir ofendida, mas não estou. – suspirei — e por falar nele, onde é que ele está e porque você está aqui?

— Sempre a mesma ingrata! Não mudou nada nestes dois últimos anos.

— O que apenas significa que sou uma pessoa muito constante.

— Cruzes...

— Tudo bem, muito obrigada por me receber Naruto, de verdade.

— Você é debochada demais para a sua própria segurança. Mas como o meu coração é o único sinceramente bom aqui, eu vou te perdoar.

— Meu herói...— apressei o passo o deixando para trás. Talvez o meu amigo tivesse mesmo razão e eu estivesse ficando parecida com Sasuke, e não de uma maneira boa.

— Sakura... – e por falar no diabo.

— Onde é que você estava? Ande logo e segure isso para mim! – atirei minha mala em sua mão enquanto lhe dava um beijo rápido e pegava o seu copo de café – obrigada.

— Boa viagem? – ambos corriam para acompanhar meu ritmo. Meu namorado como se o que estava acontecendo fosse a coisa mais normal do mundo e Naruto sem entender bem a situação. Eu estava quase com pena. Quase.

— Sempre ótima! — olhei para trás esperando que Sasuke me indicasse onde estava o carro— então... porque ele faz parte do comitê de recepção?

— Achei mais seguro te encontrar com alguma testemunha por perto.

— Você deve estar mesmo desesperado para ter recorrido ao Naruto.

— E vocês dois podiam parar de falar de mim como se eu não estivesse aqui! – o loiro começou mais um de seus chiliques atraindo um pouco de atenção— o que foi que o Teme fez dessa vez?

— Você não perde a oportunidade de uma fofoca! – me virei no banco decidida a ignorar Sasuke e me focar no ocupante do banco de trás.

— Vai pra porra Naruto!

— Ahá! Eu devia saber. Sasuke vive falando de mim, mas não consegue passar uma semana sem supervisão.

— Mas que caralho! Eu não fiz nada!

— Não fez nada!? VOCÊ ASSASSINOU O GUMBALL!

— Pelo amor de Deus Haruno, aquilo era só um peixe! Se a sem serviço da Ino não tivesse te contado você não ia nem perceber a diferença entre ele o que está lá agora.

— Eita que o Uchiha matou o enteado! – as palavras do meu, admito, melhor amigo foram proferidas com tanto peso que não consegui segurar o riso.

 — Não seja difícil Sakura...

Aquela implicância só ia piorar mais as coisas, então só preferi deixar para lá. Era algo que eu fazia muito desde que havia me enfiado naquele relacionamento. E não me refiro apenas ao namoro com Sasuke, as amizades que vinham no pacote eram tão desgastantes quanto.

— Podemos chama-lo de Gumball Jr. – pus a mão sobre a coxa do meu namorado e pude sentir seu corpo relaxar.

— Você está cada dia mais impossível.

— E nós sabemos de quem é a culpa – finalizei a conversa com um dar de ombros.

Estávamos quase chegando em casa quando Naruto resolveu nos brindar com mais uma de suas pérolas. Dessa vez mais assertiva até do que ele imaginava.

— Porque vocês não chamam de Gumball II?

— Dobe, eu demorei exatamente 13 dias para acabar com essa discussão, não me faça ir aí atrás e te fazer engolir essa sua língua grande.

— Sabe o que é Saky – o incompetente resolveu continuar como se Sasuke não o encarasse pelo retrovisor— é que vai ser mais fácil dar continuidade a linhagem quando esse morrer. Aí é só batizar o próximo de Fulano III e por diante!

— Que mal gosto! O peixe é um recém nascido ainda!

— Pior ainda! Sasuke não é capaz de cuidar de um peixe adulto quem dirá de um bebê! Imagina quando vierem os filhos...

Pelo quanto do olho pude ver o moreno retesar as costas e apertar o volante como se sua vida dependesse disso. Aquela palavra sempre o apavorava: Filhos.

— Está entregue Uzumaki. – Pude sentir uma freada brusca e o carro parar.

E enquanto eu ouvia o barulho da porta traseira ser fechada e a risada escandalosa de Naruto, muito satisfeito por ter atingido o seu objetivo, o meu celular vibrava com uma notificação. Uma que eu sabia muito bem o que dizia.

“7 dias atrasada”.