Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 77
Capítulo 77




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/737700/chapter/77

Quando o expediente acabou, eu liguei para Rafael que me atendeu no primeiro toque.

— Oi meu amor. Como tá seu pai?
— Nada bem. Tá na UTI.
— Sério?
— Sério. Os médicos disseram que ele é um paciente em fase terminal. Da pra acreditar? – ele riu nervoso – meu pai tá morrendo.
— Não, não fala assim.
— É a verdade. Os médicos disseram que não há muito o que fazer. Só deixar ele confortável e... esperar.
— E como você tá?
— Perdido. Não sei o que fazer. Queria tirar minha mãe e minha irmã daqui, mas elas se recusam a ir pra casa.
— A Marcella tá grávida, tem que ir pra casa, descansar, se alimentar direito. Não pode ficar ai desse jeito. Faz mal para o bebê.
— Eu falei isso para ela. Mas é o nosso pai. Não queremos deixa-lo sozinho.
— Vou ai ficar com você.
— Não. Não precisa. Não sei quanto tempo isso vai durar. Não tem nada pra fazer aqui a não ser ficar sentado na sala de espera gelada. Vai pra casa e descansa. Preciso de você na Duarte amanhã.  O Dan vai precisar de você.
— Tem certeza?
— Tenho. Eu te ligo caso aconteça alguma coisa.
— Não vai acontecer – eu disse com pouca convicção.
— Ana? Posso te fazer uma pergunta?
— Quantas você quiser.
— Como você lidou com a morte da sua mãe? – não esperava essa pergunta.
— Eu não lidei. É uma luta diária. Às vezes parece que a saudade vai me sufocar. O luto passa. Aquele momento em que as pessoas dizem que sentem muito mesmo não sentindo. O que mata mesmo é a ausência depois. É a constatação de que não vai mais abraçar, beijar, brigar, sentir o cheiro... Essa é a pior parte.
— Mas um dia você se acostuma né? – Não, eu quis dizer. Mas não era isso que ele precisava ouvir. Em momentos assim precisamos ter esperança, porque sem a esperança o mundo não tem mais sentido.
— Sim. Um dia você se acostuma. Pra mim foi mais difícil. Eu só tinha a Alice. Você não tá sozinho. Nunca vai estar. Nunca mais.
— Você me disse isso uma vez.
— Vou continuar dizendo para sempre. Eu te amo.
— Eu também te amo. Muito. Muito mesmo. – ele disse e eu sorri do outro lado da linha. – Minha avó tá aqui. Vou levar ela em casa e voltar pra cá. Posso passar na sua casa antes?
— Claro. Eu estou saindo da Duarte agora , chego lá em dois minutos.
— Dois minutos?
— Alice vai dirigir...
— Ah – ele riu – tá bom. Te vejo em alguns minutos. Beijo.

Fui pra casa e fiquei pendurada na janela do quarto de Alice esperando Rafael. Quando o carro dele estacionou, eu sai correndo de casa e entrei no elevador. Quando as portas se abriram, lá estava ele. Um pouco abatido, um pouco triste, um pouco magoado, um pouco menos vivo, mas ainda era o meu Rafael. Ele entrou no elevador e assim que ele começou a subir, Rafael apertou um botão para pará-lo. Quando ele me olhou, seus olhos estavam marejados. Eu o abracei, e ele desmontou em meus braços. Um homem daquele tamanho... nunca pensei que fosse possível. E eu nunca pensei que fosse doer tanto vê-lo sofrer assim.

— Tá tudo bem – eu disse em seu ouvido, sentindo as lágrimas que saiam dos olhos dele caindo no meu ombro – Nós estamos bem.

Dr. Duarte faleceu às 17h37min após cinco dias do meu encontro com Rafael. Dan anunciou o luto na empresa e a Duarte não ia funcionar por três dias. Camila e Marcella estavam inconsoláveis ao passo que Rafael estava totalmente sem emoções. Ele não comia, não falava, não dormia e, principalmente, ele não chorava. Era como se ele estivesse bloqueando todo o luto e eu tinha medo, pois ele não resistir sempre. Uma hora ele ia sentir. Meu medo era de que quanto mais tempo se passasse, mais ele ia sofrer.

O enterro foi muito bonito, se é que algum enterro pode ser bonito. Pessoas renomadas de todas as esferas sociais compareceram em peso para demonstrar solidariedade à família Duarte. Foi naquele dia que eu comecei a ter noção do que essa família significava. Eles eram muito mais do que uma família. Ou talvez eu apenas nunca tivesse entendido bem o significado de família já que a minha se resumia a minha mãe e a Alice.

Rafael se enfiou em um casulo, em uma caverna, e ninguém conseguia tirá-lo de lá. Ele estava totalmente focado no trabalho, totalmente entregue. E se dedicava muito a mãe e a irmã. Ele não queria que elas sofressem e as ajudava de todas as formas possíveis. O problema é que ninguém o via. Ele ocultava os próprios sentimentos e parecia que estava tudo bem. Mas eu sabia que não estava. Até comigo ele mudou. Seu beijo não era o mesmo, o sexo também não. Ele ficou frio e distante, repelindo todas as minhas tentativas de me aproximar dele.

No fim de semana posterior à morte de Dr. Duarte eu fiz a prova para conseguir a bolsa de estudos. Mas Rafael não saia da minha cabeça de modo que eu não consegui me concentrar totalmente na prova. Mas no fim das contas deu certo. Não consegui a bolsa integral, mas consegui 80% de bolsa, e isso pra mim já era uma vitória e tanto.

Eu ainda não sabia como falar com Rafael. Do jeito que ele estava, eu sabia que pedir demissão não era uma das melhores coisas que poderiam acontecer no momento. Mas eu ainda tinha um mês antes do semestre começar, de forma que eu poderia me preparar para conversar com ele e, se eu tivesse sorte, Rafael voltaria a se parecer um pouco mais com o homem que eu amava.

Duas semanas depois, Rafael simplesmente desapareceu. Estava incomunicável. O celular desligado, não respondia os e-mails e não apareceu na Duarte por dois dias. O mais estranho era que ele sumiu e nem falou com Dan ou comigo, pois geralmente quando ele não pode estar no comando da Duarte, Dan assume e eu fico o ajudando. Mas ele não comunicou nada a ninguém. Simplesmente desapareceu. Eu estava muito preocupada. Até que Marcella me ligou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!