Aconteceu escrita por Alanna Drumond


Capítulo 54
Capítulo 54




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— Mas... mas...
— Mas o que?
— Desculpa.
— Pelo quê?
— Por ter levado coisas da Duarte pro meu computador.
— Relaxa, não tinha como a gente descobrir. Por que não para de andar um pouco? Vai abrir um buraco no chão – ela parou. Sua expressão era de culpa e de medo, não gostei de ver aquilo em seu semblante. – Vem cá – estiquei a mão pra ela. Ela pegou e eu a puxei para que ela se sentasse no meu colo. – Vai ficar tudo bem.
— Eu facilitei as coisas pra ela. – eu tentei retrucar, mas ela não deixou – Seja qual for o plano dela, eu ajudei. Se acontecer alguma coisa, e minha intuição diz que vai acontecer, eu vou ser culpada.
— Não Ana. Você não tem culpa de nada. Não tinha como você saber que isso ia acontecer.
— Não, mas... – eu a interrompi
— Mas nada. Seja lá o que ela esteja tentando, não vai dar certo. Só temos mais dois dias aqui. E ai vamos voltar e tirar toda essa história a limpo.
— Se acontecer alguma coisa... – não deixei ela completar de novo.
— Não vai acontecer! Você confia em mim? – ela assentiu – Então pronto. Não vai acontecer nada. – ela me abraçou bem apertado – eu prometo. Nada vai acontecer com você. – dei um beijo no topo de sua cabeça. – Vou colocar o filme pra gente.

Eu olhava para a televisão sem ter noção nenhuma do que se passava na tela. Minha cabeça estava a mil por hora. Era tanta coisa pra pensar, tanta coisa acontecendo. Como tudo podia mudar tão rápido? Eu estava tão feliz há poucos dias, tudo estava dando certo. Por que essa mudança tão repentina e sem controle? O mundo estava desabando na minha cabeça.

Infelizmente, eu sabia que não ia parar. Algo me dizia que era só o começo, e com Ana que adormeceu ali nos meus braços no meio do filme, eu tive certeza que esse momento não era uma simples tempestade na qual o arco íris aparece depois.

No dia seguinte eu e Ana fizemos as malas e deixamos tudo pronto pra viagem de volta. Marcella havia me ligado e dito que meu pai passaria por uma cirurgia mais tarde. Segundo ela, a quimioterapia já havia sido começada, mas seria preciso que meu pai amputasse parte da perna esquerda. Eu conversei com ele e, por mais que estivesse nervoso e com medo, – e que sabia que estava pelo seu tom de voz – ele tentou transmitir tranquilidade e confiança. Não obteve sucesso.

— Vai ficar tudo bem – ele disse – é só mais uma coisa. Já passamos por tantas, já vencemos uma luta dessa antes, vamos vencer de novo. – era como se ele estivesse dizendo aquelas palavras em voz alta apenas para acreditar nelas.
— Claro que vamos pai. Eu sinto muito por não estar ai com o senhor.
— Eu sei. Mas tá tudo bem. Não quero que se preocupe comigo, filho. Faça o que tiver que fazer por você e pela Duarte. Eu confio em você.
— Eu já resolvi todas as questões da Duarte. Resolvi as minhas questões também.
— Está falando daquela bela moça morena?
— Sim. Eu... eu acho que tá na hora de seguir em frente, de recomeçar e não existe pessoa melhor que Ana para estar comigo.
— Eu fico feliz Rafael, eu gosto dela. Já era hora. Eu só quero que você seja feliz.
— Eu estou pai. Na medida do possível.
— Tenho certeza que o final dessa frase é por minha causa.
— Pai...
— Não. Não precisa negar. Eu sei. Eu te conheço Rafael. Sei o homem que você é e me orgulho muito de ser meu filho. Você, Marcella e Cecilia foram o meu maior acerto. – ele suspirou – filho eu quero te pedir uma coisa.
— Qualquer coisa, é só falar.
— Nunca desista de quem você é. Eu sei que já fui muito duro com você algumas vezes. Não te apoiei na maioria das coisas que você queria fazer, mas não pense mal de mim. Sou humano. Eu erro. Se errei, foi tentando acertar como pai. Eu quero o seu perdão. Perdão por ter sido tão falho como pai. Eu devia ter acreditado mais em você. Por isso eu peço pra não desistir de si mesmo. Você é um homem de valor, um homem correto e digno. Seus princípios, seus ideais são importantes demais para não serem levados me conta.
— Pai... – tentei articular alguma resposta sem sucesso, eu estava emocionado.
— Não. Não diga nada. Guarde suas palavras para quando chegar. Na verdade, não precisa de palavras. Eu só quero um abraço seu meu filho. Um abraço e o seu perdão. Eu te amo meu menino. – e então ele desligou
— Eu também te amo pai – disse mesmo sabendo que ele não poderia me ouvir.

Eu não gostei dessa conversa. Parecia uma despedida. Só fez aumentar ainda mais a minha vontade de ir embora. Eu precisava dizer a ele o quanto o amava, precisava dar o abraço que ele – e eu – queria. Precisava olhar nos olhos dele e vê-lo dizer que tudo ia ficar bem para, finalmente, acreditar. Passei o dia todo angustiado por conta dessa conversa.

Ana resolveu me recrutar para a cozinha. Segundo ela eu precisava me animar – e precisava mesmo – e cozinhar ajudaria. Eu não concordei, mas não reclamei. Foi até divertido ver a Mere enlouquecida por eu estar fazendo uma bagunça nos armários. Mas tinha alguma coisa me incomodando além da saúde de meu pai. Tinha alguma coisa no ar, eu não sabia o que era, mas sabia que não era coisa boa.

Depois do almoço, fui dar uma volta com Ana nos jardins de minha mãe. Roubei outra tulipa amarela pra ela que sorriu em agradecimento pra mim. Ela estava estonteante. O sol deixava seu cabelo bem iluminado e o seu riso estava mais fácil. Ela estava fazendo de tudo pra me distrair, pra me animar. Mas deve ter percebido que não estava tendo sucesso.

— Não fica assim – ela entrelaçou nossos dedos – Amanhã cedo nós embarcamos. Um dia. Na verdade, metade de um dia e uma noite. E então estaremos de volta.
— Eu sei. Desculpa, eu devo estar bem chato.
— Você já teve dias piores – ela riu.
— Como quais?
— Como nos dias em que tem videoconferência com os americanos. – foi minha vez de rir.
— Eles sim são bem chatos.
— Você pode parar de tirar as flores da sua mãe pra me dar.
— Ué, achei que você gostasse.
— Eu amo. A questão é que sua mãe ama esse jardim e pelo que a Mere falou ela gosta mais dele do que qualquer coisa.
— Isso é verdade.
— Então não faz isso. Ela nem sabe que estamos juntos ainda, não vai gostar de saber que você anda roubando as flores dela pra dar pra mim.
— Eu contei pro meu pai.


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