Detesto Pessoas Corajosas escrita por Izzy Hojou


Capítulo 2
A Dor da Alma é Refletida nos Olhos


Notas iniciais do capítulo

Certo, aqui está o seguimento desta trama. O seguimento da vida do Doutor só.



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O soldado mais velho, vestido em armadura que teria tom vermelho não fosse a quantidade de talhos, rasgões e demais desgastes, adentrou a nave de seu povo puxando o Doutor pelas algemas, o que fez o Senhor do Tempo perder bruscamente o equilíbrio e tropeçar. Isso foi o suficiente para outros soldados Zward sorrirem e zombarem. Alguns mais escandalosos gargalharam, outros cobriam suas bocas para falar seja lá o que fosse.

Tudo aquilo era rapidamente assimilado pelo Doutor, que observava a enorme nave onde estava. Já havia descoberto o caminho para dois módulos emergenciais de escape, e vinha contando quantas vezes virou para a esquerda e direita; quantos corredores seguiu em linha reta. A raiva passou no instante em que se deu conta de estar sendo levado sob custódia por um povo que mal reconhecia. Sabia da existência da raça, mas não recordava de ter estado na presença deles.

Passaram por um corredor que não tinha máquinas ou salas de treinamento. Em seus lugares, haviam celas, em sua maioria com detentos – de toda a galáxia, era possível presumir. Andava de cabeça baixa para que os soldados não notassem suas observações. Tal estratégia também serviu para evitar hostilidades e deixar que pensassem numa vitória gloriosa imaginária qualquer, enquanto o Doutor analisava as possibilidades de fuga.

Porém havia um problema: a Tardis ficou do lado de fora sem nenhum controlador e com a porta destrancada. Geralmente ela ficava parada no espaço, mas o Doutor nunca passara pela experiência de deixá-la tão sozinha. Estava preocupado com aquilo até o instante milagroso pelo qual passaram por uma pequena escotilha. Como dizem os americanos... Sempre fiel fez uma alusão aos fuzileiros navais estadunidenses enquanto perdia sua casa de vista, não percebendo que a Tardis o seguia do lado de fora da nave hostil, como imãs se seguem por entre um vidro espesso.

— Vai um jantar, senhor? – ouviu alguém se dirigindo a si enquanto passavam pelo refeitório.

Pararam no meio das mesas lotadas de zwards, que comiam provavelmente comida parecida com a humana, pois eram de um tipo humanoide e guerreiro.

— Contemplem! O Senhor do Tempo é nosso! – queriam humilhá-lo, só pode, pois junto da frase de efeito, veio uma mão enluvada e levantou com força as algemas nos pulsos do Doutor o suficiente para que ele precisasse suspender os braços.

Deixou o show prosseguir, abaixando a cabeça sem olhar nenhum presente, esperando que assim seus algozes o levassem logo a sua cela onde poderia pensar melhor. Gesto equivocado. Sentiu respingos fortes em suas costas e ouviu um copo cair no chão. Gritos estrondeavam no refeitório quando o que parecia ser algum tipo de massa lhe foi arremessado de modo a quase não permitir desvios, com alguns fiapos parando em seu ombro direito e manchando de molho a camisa.

De intimidados a corajosos. Qualquer um bate em cachorro acorrentado, o Doutor concluiu quando outros se levantaram para lhe atirar comida. Por sorte, deveriam ser soldados vesgos, visto que a maior parte do cardápio caiu ao chão antes de aterrissar no alvo. O outro soldado chamou o mais velho para que seguissem em frente, pedindo para deixarem as vanglórias de lado, e empurrou o colega enquanto puxava as algemas do Doutor com força. Ele desta vez realmente quase caiu ao escorregar em um de seus dardos, algo que se assemelhava muito a um hambúrguer. Escutou as vociferantes gargalhadas, e antes que deixassem o local em definitivo, o Timelord tinha uma fatia de carne que escorria por sua perna esquerda, marcando a calça xadrez com gordura. 

A caminhada prosseguiu por mais três ou quatro corredores – uma súbita fúria convenceu o Doutor a deixar as contas de lado – até se depararem com uma porta fechada. Colocaram-no de frente para ela e digitaram o código de entrada no dispositivo que deveria também reconhecer digitais, abrindo assim a passagem para o trio.

Na cabine de comando, um indivíduo muito mais alto que o próprio Senhor do Tempo aguardava. Em sua armadura cor de chumbo haviam grandes talhos, provavelmente advindos de batalhas e guerras, já que pelo jeito esse era o único forte do povo Zward.

— Ora, ora, se não é o Doutor! – exclamou o outro, abrindo-lhe os braços em sarcástica recepção – O que o traz a esta humilde nave? Ah - fingiu surpresa – É verdade, você não é nenhuma visita. Prisioneiro sim, visita não. E olha só, o melhor de tudo é ver essa sua cara de perdido, como se não tivesse ideia do motivo que o trouxe até aqui.

O comandante tirou o elmo que cobria sua face apenas para exibir uma grosseira cicatriz acinzentada, que lhe percorria em linha reta toda a face esquerda. De repente um pouco daquilo fazia sentido. Puxando pela memória, o Doutor conseguiu se lembrar de um de seus primeiros atos políticos.

“Eu jurei não me meter na vida de ninguém estando de posse de uma Tardis, mas depois de ver aquilo em um planeta como aquele, não pude evitar. Eram crianças. Indefesas, sem pai ou mãe, sem amigos, agarradas a animais de pelúcia e cobertores de ráfia barata. Algumas choravam, pediam ajuda ou colo. Havia até as que eram pequenas demais para andar sozinhas ou realizar quase qualquer tipo de tarefa com independência; essas provavelmente seriam vendidas a famílias ricas.

Não foi minha intenção. 

Consegui ajudar. Consegui enganar os guardas idiotas apenas com hologramas e coloquei cerca de cinquenta crianças para dentro da Tardis. Mas sabe como as coisas teimam em sempre dar errado. Um garotinho ficou para trás. Tropeçou no tecido que eu insistia em chamar de cobertor e ficou lá, fungando baixinho sem levantar do chão. Senti meus batimentos aumentarem espantosamente enquanto corria até aquela criança ao mesmo tempo em que mandava as outras ficarem dentro da Tardis. 

Então ele apareceu.

Um soldado zward tomou conhecimento da grande escapada e antes que eu chegasse, pegou o garoto de maneira grosseira para carregá-lo de volta às celas, aparentemente sem se importar ou perceber que eu estava lá para impedir. O humanoide só me olhou quando ouviu o som da chave de fenda sônica, e de um salto eu o derrubei no chão e apanhei a criança, saindo em disparada na direção da Tardis.

O soldado não era tão fraco como imaginei. Nem tão lento. Assim que soltei o garoto na porta da Tardis, o outro me virou para si pelo ombro e apenas senti o soco no rosto. 

Resumindo bastante, acabei achando um estilhaço de qualquer coisa no chão e acertei o Zward no rosto para atordoá-lo. Me levantei do chão e corri para a Tardis, escapando do planeta em seguida. E me arrependo até hoje pelo ataque.”

— O Doutor tem conhecimento da lei que proíbe outros povos de abater violência sobre zwards em nosso planeta? – o comandante não esperou resposta – Claro que não sabia, esta lei só veio a ser pensada e aprovada após a sua agressão – ele apontou a própria cicatriz – Desde então, viemos caçando e prendendo todo tipinho que ousou um dia nos agredir. Graças a você, deixamos de ser um povo do comércio para aprender a arte da guerra.

— Isto é antiético. Não se pode prender pessoas a partir de uma lei que não tinha validade, aliás, sequer existia na data do ocorrido – a sensação de anestesia por causa do nome Clara sumiu por um instante – Vocês não são guerreiros. São gatinhos medrosos se escondendo atrás de suas pequenas garras afiadas – o Doutor insinuou o corpo na direção do comandante, mas foi imediatamente contido por um soldado.

— Podem colocá-lo no Espectro – o comandante abanou a mão desdenhosamente, sem prestar atenção aos demais protestos do Timelord.

Espectro aparentava ser algum tipo de prisão – talvez uma câmara de tortura – cheia de fios com diferentes espessuras. O cubículo revestido por vidro temperado permitia a visão em 360° do ocupante. Os braços presos acima da cabeça eram clara maneira de expor e humilhar o ocupante (no caso, o Doutor), deixando-o em posição desconfortável e vulnerável.

— O que pensa fazer agora que conquistou sua vingança? Vai me torturar e se divertir com meus gritos? – a voz do “prisioneiro” saía bastante abafada.

— Não se preocupe, farei algo consideravelmente melhor. Pode ligar – o comandante fez sinal para que a Máquina entrasse em funcionamento.

Os fios conectados aos pulsos do Doutor liberavam mínimas cargas de eletrostática, o que a princípio não afetava em nada o organismo do senhor do Tempo. Foram cerca de quinze minutos assim. O comandante mandou que a potência total do Espectro fosse ativada, e então as coisas mudaram drasticamente.

As veias de energia regenerativa do Timelord foram abertas à força, e não demorou para o primeiro gemido de dor ser escutado na sala. A energia era sugada em ondas cada vez mais fortes, e a dor lancinante se espalhava pelos braços e peito do Doutor, como se bisturis afiados lhe rasgassem a pele, músculos e veias. 

— AAAAAH – o rosto do Doutor se contorcia pela dor; seus braços sendo lentamente queimados pela máquina, que liberava muito calor na câmara interna. 

O Doutor queria perguntar como conseguiram criar uma máquina capaz de abrir veias regenerativas e delas retirar a energia, mas com a dor que sentia, pôde apenas soltar um grunhido desconexo enquanto mais uma pontada interna atingia seu tórax. “Vou ter uma parada cardíaca. Quiçá duas com essa amperagem de eletricidade.” Ele concluiu quando sentiu as pontadas no peito se intensificarem.

Por sorte – não que fosse realmente sorte, provavelmente o Comandante que era apenas um exibicionista barato – o Comandante soltou uma risada quando percebeu que o Doutor literalmente mordeu a língua enquanto se esforçava para falar.

— Está tentando me perguntar como consegui criar a Espectro, não? Claro, claro que eu lhe explico. Tenho certeza de que o senhor conhece Trenzalore, não? – a pergunta era carregada de sarcasmo – estivemos por lá meio sem querer, e acabamos trombando em restos de suas máquinas do tempo e consequentemente, com os corpos dos seus queridos compadres de Gallifrey. Junte um mais um e já deve ter deduzido o resto – ele abanou uma mão em sinal de desdém, caminhando lentamente até a ponta da cabine para mexer no painel de controle – Guntarr, vá buscar outro tanque. Ao contrário de nossos cadáveres, esse aqui tem bastante energia. 

 

Enquanto o soldado procurava o tanque reserva da Espectro, pensou ter ouvido um barulho, como se algo estivesse se esgueirando pelo pequeno anexo da sala de comando. Era difícil enxergar se realmente havia alguém ali, pois a salinha era atulhada de coisas. Procurou mais um pouco pelo tanque reserva.

— Aí está você, espertinho – ele disse quando encontrou dois tanques reserva no canto da sala.

Acontece que o soldado não encontrou só os tanques reserva, porém não teve tempo de perceber como aquela garota lhe acertou com um direto de esquerda.

 


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Notas finais do capítulo

;)



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