San Francisco escrita por Nikki Meyers


Capítulo 1
números ímpares




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No começo eu era apenas um.

Nunca soubemos realmente o que nos havia levado até aquela cidade que pareceu ter sido fatídica quanto aos nossos destinos ou até mesmo o verdadeiro momento em que passamos de apenas eu para nós. Talvez se não tivéssemos nos encontrado nos pecaminosos anos trinta ou até mesmo no fundo de um poço sem maneira alguma para sair, talvez pudesse ser diferente. Em outros tempos, em outras circunstâncias com outros nós. Oh deus, como seria diferente.

— Eu sou Dakota, como o estado.

Talvez, apenas talvez, eu não encontrasse a garota dos olhos tempestuosos em circunstâncias duvidosas, e talvez não houvesse bebido algumas cervejas a mais naquela noite. E apenas então não acordaria com minhas mãos ao redor de seu pescoço em um quarto de motel vagabundo, com um coração em seu peito que por um breve momento bateria somente por mim.

— Você pode me chamar de Teddy.

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Passamos então a sermos dois, talvez não na primeira ou nem mesmo na quarta, tenho uma forte opinião que talvez tenha sido na décima.

Ou ainda essa seja um opinião completamente errônea, nunca fomos tolos o bastante para pensar em um para sempre, o pouco que possuímos bastava.

Ted e Dakota. Dakota e Ted.

Éramos um péssimo par, mas ainda éramos um.

Deixamos o tempo escapulir por entre nossos dedo miseráveis, afinal, como poderíamos lutar contra ele? O destino nunca conspirou a nosso favor, querida.

Contudo em algum lugar de sua história eu a havia conhecido realmente, havia esperado ansiosamente seu beijo todas as outras noites carregado com um forte cheiro de cigarros e licor de cereja, a sensação de que em algum lugar estrelas explodiriam para nós. E então éramos como Bonnie e Clyde, éramos melhores trapaceiros da cidade, e fizemos jus aos nossos nomes a cada golpe que demos, éramos como deuses abusando de nossa sorte. De novo, de novo e de novo.

 

3

 

Logo depois eu o conheci. O garoto com madeixas tão escuras quanto a noite e um ego impressionante. E por breve momento ele foi o melhor amigo que algum dia cheguei a ter, não havia melhores trapaceiros que os três, os irmãos de sobrenomes diferentes com uma garota ao seu lado, sempre juntos, mesmo quando estavam separados. Fiéis em tudo, até que não eram mais.

 

Não éramos mais dois, passamos a três.

 

Ted, Dakota e James.

 

Oh, como eu odiava ímpares. Um sempre estaria destinado a encontrar-se sozinho, receio que esse tenha sido eu. Não sei como e nem quando, apenas havia acontecido. Eu a havia perdido tão rapidamente quanto alguém cai no sono. Rápido e inesperadamente, e não havia nada que pudesse fazer. Como uma explosão que sabíamos todos que iria acontecer e tentávamos ao máximo reduzir os danos, eles abafaram seu caso o máximo que conseguiram, porém não foi o suficiente, nunca é.

 

— Sem ressentimentos, certo?

 

Mas quando se é deixado de lado você não pode deixar de perceber. Primeiro, foram os olhares, era para James que ela olhava após uma grande vitória ou uma de suas decepcionantes derrotas. Depois, vieram seus sumiços inexplicáveis e desculpas esfarrapadas. Por fim, era inegável a maneira como pareciam estar sempre juntos, como se qualquer minuto em que estivesse separados fosse quase insuportável.

 

— Sem ressentimentos.

 

Eu só gostaria que houvessem sido honestos, talvez retirar o band-aid aos poucos fosse pior do que com um puxada só. E foi então que as coisas começaram a dar terrivelmente errado.

 

4

 

Aquele roubo possuíra tudo para ser apenas um entre tantos outros, mas eles não contavam com a velha espingarda que o lojista possuía debaixo de seu balcão e seu temperamento demasiadamente instável. E ele pode ver o desespero a bailar uma serena valsa por detrás dos olhos de Dakota quando o tiro acertou a perna de James, e então eu tentei, eu juro que tentei. Mas ele era pesado demais, o tempo estava correndo e as sirenes já podiam ser ouvidas. Ouvi dizer que as prisões de São Francisco não são lá tão acolhedoras.

 

— Me desculpe.

 

— Eu entendo, vocês precisam ir. Eu faria a mesma coisa no lugar de vocês. — mas seus olhos desmentiam suas palavras, James ficaria por eles, eu sei que sim.

Ele sempre fora o corajoso, possuía sim um ego enorme, mas um coração tão grande quanto. Era James quem mantinha as esperanças quando os três estavam próximos de desistir, quem cedia sua parte quando estavam quase morrendo de fome, o que acontecia quase sempre. Fora ele quem roubara sua garota, porém também quem o ajudava nas noites que combatia suas perdas com o álcool, noites em que ficava tão bêbado que não se lembrava nem de seu próprio nome.

 

Mas você me traiu, pensei que me sentiria melhor em saber que eu te trai também.

 

Ele pegou a mão da menina e correu, e em cada noite que deitava sua cabeça em uma cama qualquer e se preparava para dormir ele desejou que não o tivesse feito.

Aquela foi a última vez que havia visto James.

 

5

 

E então  éramos apenas nós dois novamente, dormindo em hotéis baratos e lutando para sobreviver nas ruas da cidade que havia nos acolhido e então nos abandonado para morrer. O choro da garota abafado por seu travesseiro quando pensava que ninguém poderia ouvir ainda reverbaria pelos seus ouvidos na manhã seguinte. Ele procuraria um emprego que pudesse sustentar ambos por um dia e então o abandonaria no seguinte. Assim, como todos o abandonam. Como seu pai o havia abandonado ao fugir com outra mulher após seu nascimento e em como sua mãe sempre o culpara por isso. Mas ele não havia ligado para isso.

 

Até que Dakota o abandonara também.

 

Ela partiu em uma manhã de domingo e o céu parecia notar sua ausência quando amanhecera cinzento. O par de policiais chamado as pressas pela dona do hotel adentrariam o quarto em que uma garota explodiu seus miolos e observariam a cena com total desgosto.

 

— Uma garota tão nova, possuía a vida toda pela frente, hein? — resmungava o policial para ninguém em especial. — Acho que não se fazem mais mulheres como antigamente, isso é o que eu acho.

 

Mas Dakota valia para Ted mais que todas as mulheres da cidade. E então fora deixado mais uma vez completamente sozinho, a mercê de sua própria sorte. Uma sorte que nunca se  contententara em lhe sorrir.

6

 

E então só sobrara ele.

Ouvi dizer que não viveria até os vinte cinco, até que chegou aos vinte seis. E todas as noites ele combatia tudo com o único modo que sabia combater, com a ardência do álcool a descer por sua garganta, mas ele não possuía mais James para levá-lo para casa e nem Dakota para lhe dizer que tudo ficaria bem na manhã seguinte.

Porque não ficaria.

Ele estava preso com seus fantasmas que não o abandonariam após uma noite ou duas, ele que sempre lutou como um miserável não tinha mais com quem lutar. Mas então, talvez encontrasse uma mão na sua, um sorriso onde antes havia apenas dor. Talvez o nome de sua mulher um dia fosse Caroline e talvez eles tivessem gêmeos para que pudesse partilhar as muitas histórias de um para sempre há muito acabado. E então ele contaria sobre os melhores amigos que um dia tivera e a maneira como o trairam sem explicação alguma. Ele guardaria sua arma no fundo de uma gaveta e tentaria esquecer o punhado de memórias que não poderia depositar ali.

Mas esses são apenas falsos contos sobre São Francisco.


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Notas finais do capítulo

A one começou com uma insônia, Bonnie & Clyde e a ideia de solidão. Eu morro de medo de ficar sozinha. Bem, é isso, espero que tenham gostado.



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