Os Primordiais escrita por Jeremias Silva


Capítulo 2
002| Eu odeio você


Notas iniciais do capítulo

Obrigado a você por estar aqui mais uma vez. Muito obrigado.



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|RAFAEL|

As horas seguintes se passaram despercebidas, pois a dor foi tão grande que parecia que eu tinha sido anestesiado, não ouvia mais os sons externos, tudo era meio vago, tudo o que consigo me recordar foi de sentir algo dentro de mim tão dolorido que me imaginei ferido, não sabia se conseguiria suportar de novo aquilo. Lembro também de Pablo ter vindo me ajudar e o afastei, não sei bem o que falei, porém foi o suficiente para afastá-lo. Anos atrás foi do mesmo jeito, quando soube da morte da minha mãe, eu tinha apenas cinco anos e foi o pior momento da vida, imaginei que nunca mais teria que passar por essa situação, doze anos depois estou aqui novamente no mesmo doloroso caminho. Perder quem se ama é o mesmo que arrancar as suas forças, de uma parte sua que não pode ser reposta, no início a dor é insuportável, depois que o tempo passa a dor vai junto, de tempos em tempos ela retorna, apenas para te lembrar que você está incompleto.

O pior de tudo.... Foi ele, o pai do meu melhor amigo, a pessoa em que meu pai mais confiava, eles perderam a esposa no mesmo dia, nunca os vi brigando, e agora ele matou meu pai, Jack Müller, e sei qual será sua sentença, o ódio e a dor não me deixam raciocinar no momento e tudo o que quero é que ele morra, sofra igual ao meu pai, mesmo sabendo que isso deixará meu melhor amigo pior do que eu. Nem mais amigo ele é, não depois de hoje. Não sei se terei coragem de olhar em seu rosto, vai ser difícil, mas não posso conviver com o filho do assassino.

A lei é clara: qualquer cidadão que for pego tirando a vida de outro é condenado a morte em praça pública. Ele vai ficar preso até o enterro do meu pai, depois disso será julgado e culpado, terá o mesmo fim daquele que ele tirou a vida. Continuo chorando enquanto penso isso, a chuva continua a cair sobre mim, alguém me levanta, Ana, uma amiga da família, quase como uma segunda mãe para mim, vejo que ela está chorado também, diferente de mim ela está tentando ser mais forte, algo que no momento não estou. Ela me ajuda a levantar e me leva para casa, onde sei que o corpo do meu pai estará em alguns momentos, não quero vê-lo neste estado, não quero me despedir, pois assim será declarado o fim, nunca mais o verei.

Ando cambaleante pelas ruas escuras e estreita do setor de moradia C, graças ao posto do meu pai tínhamos apartamentos de classe C, se não fosse por isso poderíamos estar em um D ou E, os piores, destinados aos mais pobres, aqui não é um A ou B, mas já é tão bom quanto. Agora não me importa as letras, pois qual sentido delas? Nada mais fazia sentido. Continuo andando enquanto sou observado por olhos curiosos e penosos, queria sumir naquele momento, me esconder de todos eles. Finalmente chegamos no nosso Bloco, entramos no prédio Rosa, onde a cor estava desbotada, já fazia um tempo que aquele lugar não sabia o que era tinta, naquela hora me pareceu normal, ignorei os rostos conhecidos e segui em frente, Ana continuava a chorar baixinho ao meu lado.  Quando chegou no décimo quarto andar, parei, alguns passos a frente e ali estava meu apartamento. E o pior de tudo é que meu pai não estaria ali como da última vez.

|Doze anos atrás|

Rafael não parava de chorar em seu quarto minúsculo, segurava o retrato de sua mãe, mesmo pequeno sabia o que era morte, a senhora má que levava as pessoas que mais amava, para um lugar de onde não poderiam mais voltar. Queria sua mãe de volta! Será que ninguém entendia? Uma batida na porta, era leve e paciente, sabia de quem era, do seu pai.

— Pode entrar – disse com a voz embargada.

O seu pai entrou, um homem baixo, forte e cabelos castanhos claros curtos, e um olhar outrora tão feliz, agora estava triste. Se aproximou de sua cama e passou a mão em sua cabeça, depois enxugou a lagrima que caia em seu rosto.

— Não fique assim Rafael, sua mãe não gosta de ver você chorar.

— Ela não está aqui – disse rancoroso – ela morreu...

— Ei – disse seu pai chegando mais perto – não fique assim, a vida é assim mesmo, cruel, amarga, mas tem momentos doces e felizes, sua mãe era a melhor pessoa que eu conheci e sei que ela não quer nos ver sofrendo. Não se preocupe, sempre estarei aqui com você.

Atualmente

—Ele mentiu pra mim – falei em voz alta – meu pai me disse que sempre estaria aqui comigo, mas não está.

— Rafael – disse Ana com o tom doce de sempre – há coisas que não está em nossas mãos, seu pai queria estar com você sempre, mas nem tudo é como desejamos. Infelizmente essa é uma dura lição que temos que aprender.

— Eu sei Ana, mas as pessoas deveriam parar de prometer aquilo que não podem cumprir. Eu sei que a culpa não foi dele, mas daquele... daquele... – não conseguia pronunciar mais a frase.

— Acalma-se, vamos entrar.

Entrei no apartamento e fui direto para minha cama, eu era uma criança novamente. Ana não foi até o meu quarto, ouvi seu choro na sala, baixinho. E a dor me alcançou novamente e não me lembro de mais nada.

Quando acordei não me lembrava de ter caído no sono, Ana estava na sala conversando com alguém, fui até lá e vi que era alguém da segurança, ele estava de costa para mim. Ana desviou o olhar e encontrou os meus, o homem se virou e quando me viu me olhou com tristeza.

— Olá docinho – disse Ana, ela chamava todos assim – o senhor Duarte veio dizer que seu pai será levado direto para o cemitério, vai ser daqui a uma hora.

— Tudo bem, obrigado Ana. Você pode ir para o seu apartamento se arrumar, daqui a pouco passo lá para irmos juntos para o cemitério.

— Tudo bem querido, se precisar de alguma coisa nesse meio tempo, já sabe, pode bater na porta.

Ana mora bem em frente ao nosso apartamento desde que me lembro. Assim que ela saiu, sento no sofá, aliás, praticamente caio, tudo isso que aconteceu hoje foi demais, a dor ainda estava presente, a cada momento eu lembrava do corpo do me pai sendo levado, do rosto do seu assassino me olhando, a expressão de dor, de vergonha, de quem matou alguém. Agora que estou mais calmo, consigo pensar melhor, lembro da expressão de Pablo de como ele estava  assustado, aquela situação o pegou desprevenido, ou talvez já sabia que naquele momento não somente o meu, mas também o pai dele estava morto. Eu não sei se poderia ser amigo do filho do assassino da pessoa que eu mais amava, passo a mão no bolso e pego o pedaço de chocolate e me lembro do presente que eu tinha feito a ele. Fico de pé e vou até um velho armário no meu quarto e abro uma gaveta, tenho que colocar um pouco de força, pois ela está meio emperrada. Tiro de lá um saquinho de couro,  de dentro tiro um colar, o pingente é um P, talhado em madeira e envernizado, passei dois dias fazendo aquilo, o material utilizado é difícil de conseguir, pois é raro e de boa qualidade, o cordão foi feito de couro, comprei um pedaço com um amigo que trabalhava com esse tipo de coisa, e era bom no que fazia, o presente era simples, mas a intensão não era essa, mas sim o quão ele demorou para ser feito. O chocolate é muito difícil de se conseguir, isso tomou muito tempo dele, eu fiquei uma semana para fazer essa peça. Ambos eram presentes dignos. O único problema é que com toda situação, não sei se ainda poderíamos continuar do mesmo jeito que éramos.

Não posso olhar mais para Pablo e não pensar que o seu pai matou o meu, não posso vê-lo e não sentir a dor, só de lembrar o seu nome já me doí, não sei mais o que fazer, para onde quero ser escolhido. Agora sou só uma folha lançada ao vento, apenas esperando que ele me leve para algum lugar.  Ouço uma batida de leve na porta, espero, mais uma, desta vez mais alta. Seria Ana? Mas ela não precisa bater, já é praticamente de casa. Saio do quarto, passo pela sala e paro na porta, ela é feita de madeira, já está bem velha, insisti com meu pai de que precisaríamos de uma nova, nunca ele me ouvia. Coloco a mão na maçaneta gelada, meu coração acelera, puxo para baixo e ouço o som indicando que a porta foi aberta e depois trago ela em minha direção, depois de aberta posso ver quem é. Tudo em mim para, o pensamento, o coração, o tempo, tudo isso é substituído por um único pensamento: EU ODEIO VOCÊ!


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capitulo.



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