|RAFAEL|

Antes de tudo preciso lhe contar uma coisa: Informações são ditas apenas quando há uma grande necessidade, por isso não sei todos os detalhes de algumas coisas, por exemplo de como viemos parar aqui, em um lugar cheio de pessoas e que cada um tem seu lugar, na qual é chamada de Zonas, moro na Zona 33 e somos proibidos de sair dela, claro para nossa própria segurança, até porque tudo é cercado por muros. Sei dizer que nem sempre foi assim, éramos livres, assim como os pássaros, diferente deles nós estamos nessa situação de aprisionamento devido as condições externas, onde tem animais e monstros uns mais perigosos que os outros e tudo o que nos resta são essas áreas de segurança onde todos somos uma comunidade. Não sei dizer quantas Zonas existem, o plano original é que algum dia todos nós possamos viver livres novamente, espero que algum dia isso possa acontecer.

 Informações são importantes, por isso algumas são mantidas em segredos, ouvi dizer que a Zona 22, conhecida por Zona Fantasma 001, foi dizimada depois que uma informação foi espalhada e todas as pessoas interpretaram de forma errada o que ela significava, isso gerou pandemônio geral, por isso só é nos dito informações necessárias à nossa sobrevivência. Dito tudo isso, o que aqui for dito é o que sei e o que precisarei descobrir também será revelado, esse será nosso segredinho.

            Meu nome é Rafael, tenho dezessete anos, bem, é isso que precisa saber, o resto é informação desnecessária, estou sentado aqui em frente ao portão sul, por onde os caçadores saem para fazer seus papéis, procurar comida, é um trabalho perigoso, algumas pessoas nem voltam, mortos por animais ou monstros, isso me assusta, meu pai é chefe dos caçadores, e sempre que sai fico preocupado, com medo dele não voltar mais, e hoje é um dia desses, faz mais de quatro horas que ele saiu, normalmente ele volta mais cedo, temo que alguma coisa ruim tenha acontecido. O céu hoje está nublado, provavelmente tem uma tempestade vindo por aí, os ventos estão mais intensos do que ultimamente. Alguma coisa está acontecendo, meu está coração acelerado, tento me aclamar, talvez só estejam atrasados ou não acharam comida ao redor da muralha, não há porque temer, todos os cidadãos tem uma pulseira que diz exatamente onde estamos, é só falar com Jeb, o chefe da segurança  que ele dirá onde está meu pai.

— E ai Rafa, ainda por aqui? – pergunta Pablo, meu melhor amigo, o pai dele também trabalha com o meu – ainda não voltaram?

— Eu sei que é bobagem minha, mas tem alguma coisa me incomodando, há algo errado.

— Eu também sinto isso, mas relaxa deve ser só impressão nossa.

Pablo era alto, tinha uma pele morena clara, assim como sua mãe, seus olhos eram castanhos claros, quase como cor de chocolate, seus cabelos longos e encaracolados nas pontas, ele não era exemplo de corpo magro, mas não estava acima do peso, temos a mesma idade e nos conhecemos no dia que perdemos nossas mães, quando elas não retornaram das minas. Houve um acidente, justamente no dia que elas ficaram até mais tarde, nossos pais nunca se recuperaram da perda, na época só tínhamos cinco anos, desde então éramos inseparáveis. Eu o considerava mais como um irmão do que amigo.

— Ansioso pelo fim de semana? – perguntou ele.

— Pelo Dia da Divisão? – o dia em que todos éramos escolhidos para alguma área. – Um pouco com medo. E se me mandarem para as minas? – Aquele lugar me deixava deprimido.

— Eu duvido muito, eles têm muitas pessoas por lá. Fiquei sabem que há muitas vagas para segurança e agricultura e que este ano não terá vagas para caçadores, o time está cheio.

— Ótimo, ir para agricultura seria bom, segurança é um saco. Coitados deles, ficar vigiando esses muros, ouvi dizer que há uma taxa alta de mortes nos muros, além do mais quem se arriscaria sair desta Zona? Só os caçadores mesmo.

— Eu gosto da agricultura – disse Pablo olhando para o grande portão de ferro, mais especificamente para a guarita, onde Paes, o segurança responsável pelo lado sul, está olhando em sua máquina alguma coisa – mas a terra não é meu forte. Segurança seria legal, eles têm mais aventura.

Fico pensando em suas palavras, uma folha cai em minha cabeça e logo cai no chão, seguranças são responsáveis por manter a ordem, de impedir que pessoas saiam ou que criaturas entrem, ouve um caso, no passado, de um ataque de monstros, ninguém sabe direito o que são esses monstros, porém é necessário ter cuidado com eles, perdemos duas pessoas, o chefe da segurança ficou tão arrasado que desistiu do cargo e foi para as minas. Cada cidadão sabe o seu lugar aqui dentro, se falham com o seu dever, é necessário reconhecer o seu fracasso e pedir para sair, um ato vergonhoso, porém necessário. Se eu fosse escolhido para a segurança seria eu capaz de suportar um ataque de monstros? E o que faria depois? Com certeza faria o mesmo que todos, iria para as minas, minha mãe era a chefa dos seguranças, ela falhou, por isso foi para aquele maldito lugar, onde perdeu a vida, e esse seria o meu destino se eu falhasse.

— Eu acho que vai chover – disse Pablo, espantando os meus pensamentos para longe – espero que voltem logo. Ah, também trouxe isso para você.

Eu olhei para sua mão e quase não acreditei, era uma barra pequena de chocolate, a Zona tem uma pequena plantação de cacau e por isso tínhamos chocolate, mas eram caros, aquela barra deveria ter custado muito. Olhei para ele e sorri, ele retribuiu com um sorriso e peguei a barrinha de chocolate.

— Não acredito Pablo! – Falei admirando o pequeno pedaço de paraíso – Você é maluco demais! Como conseguiu isso?

— Oras, economizando, essa semana foi ótima, consegui vários serviços, com o dinheiro deu para comprar essa barra. E você sabe porquê?

Tentei lembrar, não era meu aniversário, o que seria? Olhei para ele que fazia cara de triste, então sorri, cheguei perto dele e o abracei, era dia do amigo! Como eu pude esquecer? Era uma promessa, todo ano trocamos presentes nessa data, não no natal, nem no ano novo, eu sou um idiota mesmo. A sorte que o presente dele já estava pronto.

— O seu está lá no meu bloco, não esqueci. Vou guardar e a noite eu farei bom uso dele.

Ele sorriu e voltou sua atenção ao portão, Pablo era assim, calmo e na dele, sempre observador, naquele momento acho que ele percebeu antes de mim o que estaria por vir, pois sua expressão mudou.  alarme tocou uma vez, o que significava que os caçadores voltaram, só que diferente das últimas vezes mais uma vez se ouviu o som alto e agoniante da sirene, havia alguma coisa errada. Me aproximei do portão, o guarda clicava freneticamente no seu computador e o portão se abriu, mais pessoas se aproximavam, meu coração acelerou, um vento frio soprou forte, algum pássaro cantou ao fundo, o mundo estava agitado. Quando o portão abriu quatro pessoas estavam trazendo um corpo.

Que não seja ele! O meu coração acelerou mais ainda. Que não seja ele! Cheguei mais perto e vi os olhos de um dos caçadores, ele me olhou tristemente e naquele momento eu soube: Era ele! Que não esteja morto! Que não esteja morto! Todo o mundo ao meu redor parou, todos os sons ficaram em segundo plano, eu vi o rosto, era realmente meu pai. E ele estava inconsciente. Havia sangue por todo o seu corpo, um monstro tinha atacado ele, só poderia ser isso, fiquei ofegante, minha cabeça girou, quase cai, Pablo foi mais rápido e me segurou. Olhei para seu rosto, estava preocupado e assustado, ele olhou para cima e ficou paralisado, me levantou e eu soube o motivo no mesmo instante. Não foram os monstros que mataram meu pai.

No final o pai de Pablo, estava amarrado, sendo trazido por mais dois caçadores, ele estava de cabeça baixa, todo ensanguentado, mas vivo, e amarrado com cordas, quando passou por mim ele me olhou e balbuciou alguma coisa que soava alguma coisa como: eu sinto muito!

A chuva por fim começou a cair, junto com minhas lágrimas.