Old Habits escrita por kelly pimentel


Capítulo 4
Despedida




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Entre os enjoos e o trabalho eu não pude de fato ajudar muito com a festa de despedida de Ellen, mas Tina, que tem horários mais flexíveis, cobriu para mim e quando cheguei ao bar do Rony tudo já estava devidamente organizado. Anderson montou uma estrutura de som incrível e, obviamente, vai animar a festa junto com Tina.

—Grande Lica! – Anderson afirma me dando um abraço assim que entro. – Você está melhor? – Ele pergunta. Olho para Tina curiosa, me pergunto se ela contou ao noivo, mas tenho quase certeza de que não e isso se confirma quando ela balança a cabeça negativamente na minha direção.

—Estou um pouco melhor. Obrigada. – Respondo sorrindo. Em seguida cumprimento Guto e Benê, minha amiga está sentada confortavelmente ao lado do namorado, e eu me inclino para abraçá-la.

—A Ellen ainda está lá em cima se arrumando com a Keyla. – Benê conta ajustando os óculos. -Acho que vou lá checar elas, as pessoas já estão chegando e perguntando por ela.

—Fala para ela trazer aquela o traseiro dela para cá.

—Só o traseiro? – Benê pergunta com sua já reconhecida expressão de confusão.

—Não. Ela pode trazer o corpo todo. – Falo sorrindo.

—Você está bem? – Tina pergunta me puxando para longe de Guto e Anderson.

—Eu achei que o Anderson sabia. – digo encarando-a.

—Bem, ele sabe mais do que eu. Ele me contou que você e o MB terminaram.

—Disse por que?

—Não. Eu não acho que ele e o MB têm conversas profundas e significativas sobre os status de relacionamentos, você conhece bem as duas peças, mas me diga, você está se sentindo melhor?

—Estou ótima! Fantástica.

—Fantástica Lica?

—Ok, eu estou exagerando, mas eu não estou horrível. Os enjoos diminuíram.

—Você conseguiu ter aquela conversa?

—Não.

—Já decidiu o que vai fazer?

—Já! Decidi que não quero falar sobre isso agora porque estamos numa festa. – Afirmo. Tina me olha com uma dose extra de recriminação, o que me faz lembrar de MB. –Anderson, essa festa vai começar ou quê? – Pergunto.

—Demorou. Vou descolar um som que você vai gostar. – Ele fala piscando para mim.

A festa toda foi incrível, muita gente veio se despedir de Ellen, antigos amigos da época de escola, amigos de trabalhos. Tina preparou uma surpresa com uma apresentação de fotos nossas, que além de incrível fez com tanto eu quanto Ellen acabássemos chorando abraçadas.

—Que tal se dormimos todas aqui? - Keyla sugere enquanto a maioria do pessoal já está se despedindo.

—Não sei. - Benê diz. Sabemos bem que a condição de nossa amiga faz com que ela preze por certas rotinas, lembro de quando a casa dela alagou na escola e ela teve dificuldades em se acostumar com a ideia de dormir na casa de Keyla. Testemunhamos toda batalha que foi o envolvimento dela com Guto e o quanto foi complicado para ela aceitar morar com ele alguns anos atrás.

—Benedita, você já dormiu na minha antiga cama antes, vamos, por favor. Vai ser a última vez que vamos estar todas no mesmo país em muito tempo, quem sabe quando poderemos fazer isso novamente? - Keyla insiste.

—É uma ótima ideia amor. - Guto afirma. Ele passa a mão no rosto da namorada que sorri.

 -Você não vai sentir minha falta? - A beleza de Benê é o modo como ela sempre é honesta ao falar, ela sempre diz a verdade, ela sempre fala do modo mais honesto possível. Qualquer pessoa neurotípica, que é como portadores de asperger chamam os que não estão no espectro autista, diriam algo como: “Vai ficar bem sem mim?” ou “Tudo bem por você?”, mas Benê não tem medo de ser dizer o que sente, ela não sabe esconder isso. E eu acho que todo mundo deveria ser mais como a Benê nesse sentido.

—Claro que vou, mas você vai estar se divertindo com as suas amigas. Eu vou ficar bem. -Ele afirma beijando-a. -Além disso, eu venho te buscar e te levo para o treino, que tal? –Ele pergunta carinhosamente. Benê acena a cabeça positivamente.

—Então combinado! Festa do pijama. - Tina comemora.

Quando estamos todas alojadas no antigo quarto de Keyla, eu me deito na cama e peço pela atenção das meninas.

—Um discurso agora? - Keyla pergunta. -Não vai me fazer chorar novamente vai?

—Não. Não é um discurso. Eu preciso contar uma coisa a vocês, e eu queria poder fazer isso olhando para Ellen, cara a cara, sem uma tela intercedendo e quilômetros de distância, sem contar o oceano. Eu… eu estou grávida.

—Grávida?! - Ellen repete obviamente surpresa.

—Grávida, tipo, esperando um filho? - Keyla questiona ainda me encarando.

—Tem outro tipo de gravidez Maria Keyla? - Tina pergunta.

—E você não está surpresa. Já sabia? - Ellen observa.

—A Tina fez o teste comigo. - Conto. -Eu queria contar a todas vocês, mas toda a situação é complicada.

Explico o que aconteceu comigo e com MB, a briga, o término, falo de Felipe, convenientemente deixo o tópico Samantha de fora. Elas me olham atentas, obviamente cheias de perguntas. E a chuva de questões começa assim que termino de falar.

—Quer dizer que você transou com camisinha com MB e achava que tinha transado com o Felipe mas não lembrava? - Keyla pontua. -E você não tomou uma pílula? Você é sempre tão cuidadosa Lica. Na verdade, a palavra certa é paranoica.

—Tomei. Ou pelo menos achei que tinha tomado. Eu pedi para minha assistente me comprar uma pílula, mas acontece que a idiota, coitada, eu nem deveria chamá-la disso, me deu uma aspirina. Eu perguntei a ela sobre isso ontem.

—Você vai ter esse bebê? - Ellen pergunta. Sendo sempre a mais prática de todas.

—Quando eu achei que estava grávida do Felipe eu queria me jogar da janela do meu prédio, mas a ideia de ter um filho do MB, por mais louca que pareça, não é ruim.

—Você acha menos ruim a ideia de ter um filho do MB do que do Felipe? - Benê pergunta. -Até eu sei que tem algo errado nisso.

—Não tem Benê, mas eu entendo seu ponto. O fato é que o Felipe pode ser mais fofo e algo perto de namorado ideal, mas é do MB que a Lica gosta. – Tina diz. - Você não trocaria o Guto pelo Felipe trocaria?

—Não. Claro que não, mas eu amo o Guto, sempre amei. Porque se a Lica gosta do MB como você diz, eu não entendo porque ela está sempre dizendo uma coisa e fazendo outra em relação a ele.

Ficamos todas em silêncio por um tempo. As palavras de Benedita não afiadas como uma navalha, mesmo para toda a dureza e as tensões que protegem a minha superfície. Não fico triste, nem chateada, Benê está apenas sendo verdadeira, talvez se alguém já tivesse feito essa observação antes, talvez eu não estivesse na situação na qual me encontro. Eu sei que gosto de MB, mas realmente há algo de discrepante na coisa toda, algo que me segura, que me impede de me deixar envolver como deveria.

—Porque a Lica, assim como eu, a Keyla e a Tina, adoramos esconder o que sentimos. – Ellen afirma. Penso como Ellen deve estar com Jota na cabeça neste momento, principalmente considerando que amanhã ela embarca numa viagem de catorze horas em direção ao mesmo lugar que ele trabalha, a mesma empresa. Eu não gosto de acreditar em destino, acho idiota a ideia de que, de alguma forma, o universo conspira e faz esforços para unir duas pessoas, acho que se elas não estiverem dispostas a isso, nunca vão ficar juntas, mas não posso deixar de pensar em destino ao encarar Ellen. - Mas vem cá Lica, você tem certeza que está pronta para isso?

—Não. Eu não tenho certeza de nada, mas, embora eu suporte totalmente o direito ao aborto, eu não acho que seja isso que eu quero. Talvez isso seja uma coisa boa no final das contas.

—Já contou ao MB?  - Keyla pergunta.

—Não. Nem sei se eu tenho coragem de ligar para ele e contar isso.

—Você não precisa. O MB vai estar aqui em Sampa em uns dias, ele vai acompanhar a gravação do clip novo do Anderson.  – Tina conta. Engulo seco, a ideia de MB em São Paulo novamente me deixa ao mesmo tempo ansiosa, numa perspectiva positiva, e angustiada.

—Ok, eu vou lidar com isso quando for necessário. Que tal falarmos sobre outra coisa agora? Ellen, entusiasmada com a mudança? – Pergunto.

—É Ellen, entusiasmada em saber que vai encontrar com o Jota? – Keyla questiona. Essa continua com uma personalidade infantil, graças a Deus.

—Não particularmente. – Ela responde. – Eu quero aproveitar essa experiência, financeiramente vai ser excelente e vai me permitir fazer coisas que eu venho querendo fazer em um bom tempo, mas não, eu não estou entusiasmada ou qualquer outra coisa positiva em relação aquele idiota.

—Lica, pode vir me ajudar com o sorvete? – Tina pede me encarando.

—Claro. – Levanto. – O que você quer me perguntar? – Questiono assim que saímos do quarto.

—Tem algo que não faz sentido nessa história. Por que vocês dois brigaram? Por uma garota qualquer que estava ligando para ele? Você não é ciumenta, quer dizer, você é, mas não costuma demonstrar.

—Era Samantha. – Confesso. – Ele estava encontrando com ela no Rio tem um tempo e eu fiquei puta quando vi aquela ligação. – Tanto Ellen quanto Tina tiverem no passado seus momentos de ciúme com relação a Samantha, era difícil não ter, ela era aquela garota liberal que dormiria com qualquer pessoa e parte de mim tinha certa inveja dela por não ser tão evoluída, eu sabia que tinha sentimentos por MB, por Felipe, eu não queria estar com ninguém além deles, não de verdade, mas tinha inveja da habilidade de Sam em não se apegar. Ela nunca tinha chamado atenção de Tato, e Guto é, até hoje, seu melhor amigo, eles são como irmãos, então Keyla e Benê nunca tiveram problemas com ela.

—E você não quis contar isso porquê?

—Porque ela é o melhor amigo do Guto e a Benê provavelmente questionaria a relação entre MB e Sam com Guto. Além disso, eu não queria parecer uma idiota que, até hoje, guarda magoa de uma garota que de fato não me fez nada de mal.

—Eles estão juntos? – Ela pergunta me olhando com certa apreensão.

—Eu não tenho certeza. – Confesso.

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Dois dias depois...

—Como vai a vida sobre as ondas? – Pergunto encarando a tela do tablet dividida entre minhas quatro melhores amigas numa chamada de vídeo.

—Pouco paradisíaca. – Ellen responde. – Aqui é longe da praia e está fazendo frio.

—Esse é seu apartamento? Tour, por favor! – Keyla pede.

Ellen se levanta e vai nos mostrando os cômodos, é uma grande aparamento com janelas enormes e uma vista incrível, o fuso é de quatro horas de diferença então ainda está no final da tarde por lá.

—E então, já encontrou com aquele-que-não-pode-ser-nomeado? – Pergunto.

—Já, brevemente, mas mal trocamos duas palavras. E você, já falou com a sua versão do Lord Voldemort?

—Eu não acho que o Maurício se enquadra como um Voldemort nesse cenário. – Benê diz.

—É, a Benê tem razão, ele está mais para um Severo Snape. – Pontuo.

—Dá para vocês três pararem com esse papo super nerd? – Keyla pergunta. – Vai Ellen, fala mais sobre como são as coisas por ai.

—Não tem muito que dizer. Eu cheguei ontem, nem tive tempo de desfazer as malas e já comecei a trabalhar, tem muita coisa que precisa ser feita e eles estão super empolgados com a minha chegada. Ah, e eu vi essa loja incrível de animes que o Tônico ia adorar.

—Algum gringo gato? – Tina pergunta.

—A cidade inteira é basicamente formada homens que ainda são basicamente crianças, é isso que é o Vale do Silício, então não exatamente.

—Anderson, vem aqui. Vem falar com a sua irmã. – Tina diz. Então um Anderson sem camisa aparece na tela e começa a conversar conosco também.

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Estou no trabalho quando recebo uma mensagem de Tina avisando que MB acabou de chegar no estúdio e que deve ficar lá até tarde com Anderson e o pessoal do clip. Saio então mais cedo e entro no carro determinada a ir até lá e contar tudo, mas acabo dirigindo até a casa da minha mãe. Dona Marta me recebe contente.

—Duas semanas que você não dá as caras aqui. – Ela afirma me dando um abraço. – Eu te liguei, mandei mensagens.

—E eu respondi todas elas avisando que estava cheia de trabalho mãe, não começa. Além disso, eu estou aqui agora. -Digo me sentando no sofá.

—O que está errado? – Ela pergunta me acompanhando.

—Alguma coisa precisa estar errada?

—Não precisa, mas eu sou sua mãe Heloísa, eu acho que ainda sei dizer quando tem algo te preocupando. Anda, me conta o que foi. É por causa do convite? Porque você não precisa ir se não quiser.

—Convite? – Pergunto. - Ah, sim. O casamento da Clara. Não, não é isso, mas eu ainda nem sei se vou. A ideia de encontrar com o Edgar...

—Você não precisa ir querida. Não importa o quanto as pessoas achem que você deveria perdoar o seu pai por tudo que ele fez, no final das contas, essa é uma decisão só sua, de mais ninguém.  -Abraço minha mãe novamente e sinto uma vontade enorme de chorar. -Ok, agora você definitivamente precisa me contar o que está acontecendo, dois abraços em menos de cinco minutos?

Me afasto o suficiente para encarar minha mãe. Não quero contar a ela por duas razões, a primeira é o fato de que, caso mude de ideia e decida que não quero ter esse filho, prefiro que ela nunca saiba, a segunda delas é o fato de que minha mãe costumava adorar MB, ela até falou comigo várias vezes me acusando de brincar com os sentimentos dele quando eu era mais nova. Além de não ser a maior das fãs de Felipe por acreditar que eu só me envolvia com ele para provocar ainda mais Clara, mas depois que MB bateu o carro e quase matou uma pessoa, minha mãe é exatamente a presidente de seu fã clube.

—Não é nada demais. – Minto. – Quer dizer, é algo com o MB.

—Vocês ainda estão juntos então? – Ela pergunta passando a mão nos cachos.

—Não estamos mais juntos.

—Aconteceu alguma coisa com ele então? Uma recaída? – Ela pergunta parecendo genuinamente preocupada.

—Não. Ele está ótimo nesse aspecto. Mais de dois anos sóbrio, mas é bom saber que você se importa.

—Claro que eu me importo querida. O Maurício sempre foi um bom rapaz, só acho que você é boa demais para ele. – Minha mãe diz me encarando. É claro que ela acha isso, mães são programadas para achar que seus filhos são melhores do que de fato são.

—Não sou. O MB tem aquele jeitão dele, mas ele é essencialmente uma boa pessoa. E além disso, ele... ele me ama. – Estou um pouco incerta sobre essa afirmação.

—Eu sei disso, eu sei que ele te ama. Eu sei disso já tem alguns anos querida, pelo jeito como ele te olha, mas um relacionamento não deveria ser tão cheio de dificuldades, deveria? Eu também amava o seu pai, ele também tirava o meu fôlego e o sexo...

—Mãe!!! Não, pelo amor de Deus. – Peço fazendo-a rir.

—Ele tinha tudo que eu achava que precisava num homem, mas eu nunca fui tão feliz como sou com o Luís.

—Mas o MB não tem nada do que eu acho que preciso. – Confesso.

—Tudo bem. No final das contas a decisão é sua, e você é uma mulher forte que é capaz de tomar decisões inteligentes. Isso se parar dois minutos e respirar antes de agir, claro. – Minha mãe afirma debochando da minha impulsividade. -Quando você encontrar a pessoa certa, a pessoa com a qual se imaginar querendo todas as coisas que considera como ridículas, como ter um filho, você vai saber. – Ela diz passando a mão carinhosamente nos meus cabelos. É claro que ela está me dando um conselho ótimo, mas que não se aplica na minha situação, afinal de contas, eu já estou vivendo as coisas que considerava como ridículas.


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