Dragões do Norte escrita por Snowfall


Capítulo 9
Warg




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/737206/chapter/9

A primeira criatura que saiu de entre as árvores foi uma criança. Uma menina que ainda não devia ter dez anos. Os olhos azuis brilhavam em um rosto que faltava a mandíbula.
Por um momento ninguém fez nada. Os gigante formaram um círculo ao redor da fogueira. As mulheres e crianças, se é que poderiam ser chamados assim, ficaram no centro. Deviam haver uns cinquenta gigantes fazendo proteção mas todos eles se contraíram quando a menininha avançou contra eles.
Um deles jogou uma tocha. As chamas derreteram a garota como cera de vela. Enquanto derretia, ela ainda persistia. Só parou quando as pernas deixaram de existir.
Em um mundo justo, as criaturas atacariam uma de cada vez para que os gigantes tivessem alguma chance. Mas este mundo estava longe de ser justo, então logo, mais criatura deixaram a floresta. Ás dúzias. As tochas acabaram rapidamente.
“A mente humana é a coisa mais curiosa do mundo, Jon. Sempre capaz de coisas maravilhosas e outras tantas, inexplicáveis”.
Jon tinha que concordar com Miestre Lwin. Que outro motivo teria ele para está pensando nas injustiças do mundo enquanto estava no meio de gigantes, sendo atacado por mortos.
As criaturas eram pisoteadas, queimadas, jogadas a sete metros de distância mas persistiam. Viu um gigante ser cercado e enquanto ele se debatia, meia dúzia de cadáveres lhe subiam pelas roupas. No fim toda força do gigante não foi de muita ajuda para ele. Uma das criaturas alcançou seu pescoço onde cravou os dentes.Ele arrancou o morto das suas costas mas a cabeça continuou grudada em sua garganta. No fim caiu de joelhos, o sangue que jorrava da sua jugular, espirrava a metros de distância.
Ver isso fez Jon sair da paralisia em que entrara. Olhando ao redor viu que os mortos já haviam quebrado a barreira de gigantes. Quando isso aconteceu toda e qualquer organização se desfez.
O garoto procurou por seu arco e as flechas, mas estavam do outro lado do acampamento, bem onde foram jogados quando os gigantes tiraram dele. Olhou para Toregg, que ofegava ao seu lado. Baforadas de gelo saiam rápido de sua boca.
—Temos que sair daqui!- Jon agarrou Toregg pelo braço e começou a puxá-lo para longe.
Não se distanciaram muito. Logo tiveram seu caminho bloqueado por uma das criaturas. Quando ela avançou, Jon só teve tempo de empurrar Toregg para um lado, antes de sentir as mãos frias em volta da sua garganta. O ar lhe deixou e começou a sufocar.
Quando sua visão começou a ser polvilhada de pontos escuros, Toregg pulou nas costas da criatura, que cambaleou e foi puxada para o chão pelo peso do garoto.
Assim que conseguiu se desvencilhar, viu que o morto tinha se virado contra Toregg. Quando Jon tentou puxá-lo foi surpreendido por mais cadáveres. Assim que Jon tentou puxá-lo deu por si de costas no chão. Sentiu uma dor lacerante no ombro esquerdo. Um dos mortos havia lhe mordido. Ouviu a pele sendo rasgada. O peso dos corpos o deixaram sem fôlego.
Mas uma vez sua mente tomou um rumo inexplicável. Pensou em Fantasma. Ficou feliz por tê-lo deixado em Solar Ruivo. No momento só pensara que o lobo poderia estranhar os gigantes e causar problemas, por isso não o trouxe. Agora sentiu alívio por ele não ser mais uma vítima da sua curiosidade imprudente. Era sua culpa que ele e Toregg fossem morrer ali.
Sentiu unhas sendo cravadas na carne de sua perna direita. Foi então que soltou o grito que estava preso em sua garganta. Mas o som foi abafado por um bramido ensurdecedor que fez doer os ouvidos de Jon.
Logo o peso das criaturas deixaram seu corpo, empurradas para longe pela força das presas de Bahuk. O mamute os atacava com fúria.
O garoto olhou ao redor e não viu Toregg. Os mamutes invadiram o acampamento e o que antes era uma bagunça virou caos.
Então ouviu um grito. Toregg engatinhava pelo chão, fugindo de um novo tipo de inimigo. Este tinha feições humanas, mas Jon soube na hora que se tratava de algo totalmente diferente.
Um Vagante Branco.Yawmun Lak. A morte que anda. Ele se aproximava de Toregg com calma, em passos lentos. Parecia não ter pressa.
Então ergueu a lança. Pronto para dar o golpe fatal.
—Não!
O grito de Jon chamou a atenção do Vagante. Os olhos se fixaram nele. Por um instante o garoto viu reconhecimento neles. Outra tolice pregada por sua mente. Por que haveria um Vagante Branco de reconhecê-lo?
O Outro se virou e avançou na direção de Jon, ignorando Toregg completamente. O garoto viu que não conseguiria fugir. Pensou na segunda melhor opção. Viu seu arco e sua aljava apenas uns vinte metros de distância. O problema é que estavam na direção do inimigo. Então correu.
Tinha a sensação de que suas pernas não funcionavam direito e que seu arco se afastava enquanto ele se aproximava. Quando chegou no lugar certo, o Vagante já estava a cinco metros de distância.
Alcançou as flechas primeiro, puxou uma e a ponta reluziu. Quando se virou para o arco, sentiu o sangue deixar suas extremidades. Não percebera de longe, mas agora viu que a corda do arco se partira.Só teve tempo de ver o Outro erguer a lança.
Nunca pensara muito em como morreria. Só achou, agora que isso estava prestes a acontecer, que era muito injusto ter sobrevivido ao Bem Aventurado, a tempestade e vindo parar no norte da Muralha, só para morrer ali.
Nem se mexeu. Todos os barulhos pareceram distantes e sua visão só focava no Outro. Até que algo escuro entrou entre ele e o Vagante. Bahuk, que se pôs nas patas traseiras, enquanto tentava atacar com as dianteiras.
O Outro preparou sua arma e Jon se desesperou. Tinha que ajudar o mamute. No momento que teve esse pensamento, sentiu-se deslizar de seu corpo. Quando deu por si olhava o vagante de outro ângulo. De cima. Sua visão estava escura mas o cheiro era o era pior. Se a morte podia ter um cheiro, era esse. Não era podre, era frio. Se é que frio pudesse ter cheiro.
O Outro avançou para atacar e Jon soube instintivamente onde seria. No peito, bem entre a pata e o começo do pescoço. Bem no coração. Só teve tempo de baixar as pernas dianteiras. A lança atravessou sua pata esquerda e uma dor imensa atravessou seu corpo, então ele caiu.
A dor fez Jon voltar ao seu próprio corpo.
O Outro já havia contornado Bahuk, e agora seu alvo era ele. Com a lança enfiada na perna do mamute, o Vagante não teve escolha senão acabar com Jon com as mãos nuas.Elas se fecharam em volta da garganta do garoto, tão frias que chegavam a queimar.
Jon estaria morto nesse instante se o Outro não estivesse prolongando o momento. As mãos se contraiam devagar. Os olhos azuis brilhantes o encaravam, enquanto o garoto esperneava.
Foi quando se lembrou da flecha que ainda segurava em sua mão. Recordava de um dito Braavosi que lera uma vez. Só tem uma coisa para se dizer para a morte:
—Hoje não.
Segurou a flecha com força e cravou no peito do Outro. O Vagante Branco só teve tempo de deitar um olhar de surpresa, que Jon saboreou avidamente, antes de se desfazer em um monte de neve.
O garoto caiu, quando se ergueu, percebeu o silêncio. Viu vários corpos no chão. A força que movia os mortos,seja lá qual fosse, se foi quando o Outro morreu. Dezenas de cadáveres agora cobriam o chão. Se entristeceu quando reconheceu os corpos enormes de gigantes entre eles. Foi quando se lembrou de algo importante.
—Toregg!
Não ouve resposta. Procurou, mas não havia sinal do garoto. Só gigantes andando desorientados, sem saber o que havia acontecido. Os mais próximos a ele, que tinham visto o que se passara, olhavam para Jon espantados.
Sua atenção recaiu sobre Bahuk. Que ainda estava no chão, aparentemente em dor. Jon se arrastou até o mamute ignorando a dor na perna e no pescoço, sentia as roupas húmidas onde o sangue se espalhava.
Puxou a lança da perna do mamute com força e Bahuk soltou um grito de agonia.
—Calma garoto. Acabou. Ninguém vai machucar você agora- passava a mão no pelo do mamute tentando acalmá-lo. Bahuk tocou seu rosto com a tromba e o garoto sorriu. Lágrimas de alívio desceram.
Então o toque do mamute se tornou insistente.Até que Jon entendeu o que ele queria. Com cuidado, para não machucar ainda mais sua perna, subiu no pescoço de Bahuk.
—Vamos lá. Você é rei por aqui.Seu lugar não é no chão.
Bahuk entendeu. Tremendo e com dificuldade, se pôs de pé.E Jon se viu a vários metros do chão. Todos os gigantes se juntaram ao redor, feridos e machucados mas pareciam não ligar para isso. Todos olhavam para ele.
Bahuk soltou um bramido estridente, que foi seguido por outros mamutes. Um gigante alcançou um corno que carregava na cintura e o soprou com muita força. Os outros gigantes também começaram a fazer barulho. Os que não tinham cornos para soprar, batiam as suas clavas.
Jon não entendia o que passava mas sentia que Bahuk agora era dele assim como Fantasma. Também entendeu o que ele era. Warg. Um troca-peles.
......
Toregg estava bem. Estava com olhar perdido ao seu lado, enquanto observavam as fogueiras. O outro garoto estava desgrenhado e ferido. Jon achou que sua aparência não devia está muito melhor.
Já estava amanhecendo quando queimaram os corpos. Todas as criaturas foram empilhadas e incineradas. Sete gigantes foram cremados em suas próprias tendas. Os doze mamutes que morreram foram esfolados. Não havia por que desperdiçar boa pele.
Todos os gigantes se juntaram ao redor da fogueira no centro, não conversavam muito. Ás vezes lançavam olhares estranhos a Jon, parecia uma mistura estranha de medo e fascinação. Quando se sentou com Toregg em um canto, viu o mesmo olhar no outro.
—O que foi?- Jon não gostava dessa situação.
—Como fez aquilo?- Toregg se virou para encará-lo. Parecia assustado. Demorou um pouco para Jon perceber que estava assustado com ele.
—Fiz o quê?
—Matou um Outro.
—Só enfiei uma flecha- tentou explicar- E ele se desfez em gelo.
—Mas como?
—Eu não sei, tá bom? Tudo que fiz foi atingi-lo e ele morreu.
—Nunca ninguém matou um Vagante antes.
Jon se calou. Toda essa coisa de Vagantes era inacreditável. Nesse tempo em Solar Ruivo, tinha ouvido falar de criaturas na noite e a morte caçando, mas nunca se atentou para isso. O ceticismo de Miestre Lwin talvez tivesse entrado na sua cabeça mais do que pensou. Já devia ter aceitado o inimaginável quando encontrou o esqueleto do dragão.
Os gigantes se amontoavam em volta. Os olhos grandes fixos nele.
—E agora?- perguntou Toregg.
— Agora o quê?
— Você monta Bahuk. É Magnar Mag .
—Mas sou humano e só tenho seis... sete anos- se corrigiu, o dia do seu nome havia chegado duas semanas atrás.
—A lei diz que aquele que monta Bahuk é quem deve guiá-los.
Jon olhou ao redor enquanto digeria a informação. Nunca se imaginou nessa posição. Nem sabia se queria. Se pôs de pé, pronto a se recusar e dizer que cometiam um engano, quando percebeu a situação daquele povo.
Eram enormes, poderosos e extraordinários mas estavam expostos e vulneráveis. Talvez fosse por isso que existissem tão poucos de uma raça inteira. Teve certeza que essa não foi a primeira vez que eram atacados. Nem seria a última.
Pensou em quantos não estariam mortos se o Outro não tivesse morrido. Olhou Bahuk pastando à poucos metros dali e tomou sua decisão.
—Diga para levantarem acampamento. Saímos antes do meio-dia.
Quando Toregg repassou o recado. Os gigantes se puseram em ação. Jon percebeu várias expressões de alívio. Era o sentido de propósito. Ter algo para fazer desviava a atenção do horror da noite anterior.
Logo todos estavam prontos para partir. No total, Jon contou cento e vinte e seis gigantes. Montados nos mamutes, eles pareciam mais altos ainda. Todos esperavam por ele.
Jon se aproximou de Bahuk e pensou como montaria. Agora com o mamute em pé, a tarefa era muito diferente. Mas o Bahuk facilitou muito esse trabalho, inclinou a pata para a frente e o garoto teve onde apoiar, se lançar sobre o pescoço e sentar.
......
A chegada deles em Solar Ruivo pegou todos de surpresa, assim como deveria.
Varla foi a primeira que reagiu. Depois de se certificar de que ele e Toregg estavam bem, começou um sermão irado. Ameaçou prender os dois pelos tornozelos, se fugissem de novo. Só se calou quando um gigante avançou contra ela, quando chegou muito perto de puxar as orelhas de Jon.
Quando a história do que aconteceu se espalhou, uma confusão de vozes exaltadas encheram o lugar. Pouco depois, Jon estava sendo arrastado para o salão do conselho.
Anciões e guerreiros discutiam uns com os outros enquanto ele se sentou em um canto, junto com o gigante Win Tun, aquele que usava o arco. Para entrar no salão ele teve que engatinhar, o que Jon teria achado cômico se não fosse a situação deplorável em que se encontrava. Seu corpo ainda doía e estava coberto de sangue seco. A garganta tinha manchas roxas de dedos.
Se sentiu levemente melhor quando Fantasma entrou pela porta e se pôs ao seu lado, lambendo os seus dedos. A boca do lobo estava manchada de sangue, o que queria dizer que a caçada do dia tinha sido bem sucedida.
—Querem que eu acredite que esse moleque, que ainda tem a boca cheia de dentes de leite matou um Outro!? O que virá depois? Dirão que ele matou o Rei da Noite também?
A voz de Garth ecoava pelo salão. Ninguém pareceu acreditar, a princípio, que ele tivesse matado um Outro. Não que Jon pudesse culpá-los. Ele próprio ainda não acreditava.
—Calma. Devemos ouvir o garoto- quem falou foi o ancião que decidiu o destino de Jon da última vez.
—Calma? Pede calma, depois de tudo que aconteceu. Nunca em todos esses anos, os Outros chegaram perto dessa região. Eles nunca vieram tão ao sul antes. Deve ser só coincidência que apareceram logo depois do garoto?
Houve um barulho de aprovação vindo de um grupo de guerreiros. Jon tentava entender o que ouvia. Não era possível que tivessem vindo atrás dele, era? Que interesse os Outros podiam ter em um menino?
— Não estão vendo? O garoto é amaldiçoado. Vai matar a todos- Garth estava quase exasperado agora, tentando provar seu argumento.
—O alvo mais próximo seria a gente- comentou Tormund numa voz baixa- se tivessem cruzado o rio e atravessado as montanhas teriam feito o caminho mais curto e teriam chegado até nós. Mas eles fizeram o caminho mais longo, passaram a menos de um quilômetro de nós e foram atrás dos gigantes. Por quê?
Ninguém respondeu. Todos os olhares se concentraram em Jon. Bem, se estavam esperando uma explicação dele, ficariam desapontados. Não tinha respostas para nada.
— Estamos nos desviando do foco aqui- disse uma Esposa de Lanças- Como o garoto conseguiu matar um Vagante?
Jon puxou as flechas de obsidiana e mostrou a todos.
—Espetei ele com uma dessas.
As flechas foram passadas de mão em mão e ninguém pôde ver nada de especial nelas, a não ser que eram feitas de um material incomum.
—Onde conseguiu Vidro de Dragão? Não tem muito disso por aqui- perguntou o ancião.
—Em uma árvore coração.
—Simplesmente as encontrou jogadas no chão?- perguntou Varla incrédula.
—Não, estavam dentro da árvore. Dentro da boca.
—Ninguém procura em uma árvore garoto. O que tá lá dentro é sagrado-repreendeu Tormund.
—Mas foi um presente!- falou sem pensar.
Todos se calaram. Jon suspirou e achou melhor contar a história toda.
—Tive um sonho com a minha mãe.
—E ?
—Ela disse, no sonho, que tinha que me dá um aviso. Falou para procurar abrigo junto aos deuses, para sempre fazer fogo bem alto a noite, que chegaria alguém para ajudar. E também que haveria um presente para mim no rosto sorridente.
—Teve esse sonho quando ainda tava no barco?
—Sim. Quando cheguei na Costa Gelada, encontrei o represeiro e as flechas dentro dele.
Todos começaram a falar ao mesmo tempo.
—A árvore que sorri. Conheço esse represeiro. Aterrorizante...
— Há antigas lendas sobre Vidro de Dragão...
—As crianças da floresta usavam armas de Vidro de Dragão...
A cabeça de Jon estava a mil. Se armas de Vidro de dragão mata vagantes, então todos deviam está armados até os dentes com elas. Como podiam está desarmados com um inimigo daqueles lá fora?
—Onde conseguiam?
Houve silêncio.
—O quê?-perguntou Tormund.
—Onde as Crianças da Floresta conseguiam Vidro de Dragão?- elaborou.
Todos foram pegos de surpresa
—Ninguém sabe, garoto. Como dissemos, são apenas lendas- disse o ancião, por fim.
—Mas como esperam vencer os Outros, se não tem nem as armas certas para matá-los?
—Ninguém espera matar os Vagantes, menino.
—Então estão aqui esperando a morte?- Jon não compreendia como um povo tão valente, agia dessa forma.
—A única chance de sobreviver está ao sul.
—Então o plano de vocês é fugir.
Essa afirmação vinda de Jon, uma criança, fez todos se calarem.
—Tá chamando a gente de covarde, moleque?- Garth estava furioso.
—Essa é uma guerra que não podemos vencer Jon- disse Varla- só há esperança daquele lado da Muralha.
—Mas já sabemos como matá-los.
—O que sabemos é que matou um Outro com uma arma que não temos a menor ideia de onde conseguir- disse Varla.
Jon pensou no massacre que teria acontecido noite passada se o Vagante Branco não tivesse sido eliminado. Pensou nos massacres que aconteceriam hoje a noite mesmo, em algum lugar. Tinham que começar a se preparar. Se não lutassem, morreriam . Não importava em que lado da Muralha estivessem.
— Não há para onde fugir. O inverno está para chegar.
O lema Stark saiu de sua boca sem permissão. Mas depois que disse as palavras sentiu uma coisa que não se permitiu sentir todo esse tempo. Saudade de casa.
Mas Winterfell nunca foi a sua casa. Por isso o pa... Lorde Stark tinha mandado ele embora.
Olhou para o gigante ao seu lado. Aquele povo o conhecia a menos de dois dias mas o seguiram até ali. Confiavam nele para guiá-los.
Jon deixou o salão seguido por Win Tun. Tormund veio logo atrás.
—Como se espalha uma mensagem por aqui?- tinha certeza que o povo livre não mandava corvos.
—O que pretende fazer?
—Descobrir onde encontrar Vidro de Dragão. Pode ser que consigamos deixar esse lado da Muralha mas até que isso aconteça temos que nos preparar. Estamos sendo caçados e está na hora de reagir.
—Sabe garoto, por algum motivo acredito em você.
—Acredita?-isso deixou Jon feliz.
—Acredito. Vou mandar mensageiros nas vilas mais próximas a procura de qualquer coisa sobre Vidro de Dragão. A notícia vai se espalhar e em breve todo norte vai saber.
....
Os dois meses seguintes passaram rápido. As tribos de gigantes ao leste chegaram no décimo primeiro dia. A notícia de um novo Magnar Mag se espalhou mais rápido do que Jon imaginou.
Nunca ficou tão nervoso como quando o líder gigante chegou diante dele e o avaliou de cima a baixo. O garoto fez tudo o que pôde para sustentar seu olhar. No fim o grande Tan Mung, como Jon o chamava já que seu nome inteiro era muito grande, apenas se virou e se afastou. Pelo jeito levaria um tempo para aceitarem um senhor de gigantes que não era gigante.
O acampamento foi instalado a trezentos metros de Solar Ruivo. Tinha agora mais de quatrocentas tendas. Jon vinha aprendendo algumas palavras na língua antiga. Tinha começado com os básicos, sim e não, mas estava aprendendo mais a cada dia. Aprendeu, por exemplo, que os gigantes chamavam a si mesmo de povo Kortan. Que significava ,mais ou menos, Os Primeiros.Também ficou sabendo que era chamado de Pequeno Matador.
As crianças gigantes o seguiam por toda parte, o que Jon achou muito irritante no começo, até que achou uma utilidade para elas. Ensinou-as como fazer arcos e flechas. Logo tinham mais arcos do que precisavam. O próximo passo foi ensiná-las a atirar. Por sorte aprendiam rápido, em poucos dias haviam mais flechas fincadas nos alvos do que na paisagem ao redor. Depois até adultos estavam praticando.
Isso era bom, queria garantias de que todos pudessem se defender em um possível ataque. Jon esperava ansioso, o dia que chegasse uma notícia sobre Vidro de Dragão. Tinha que haver obsidiana em algum lugar.
Ele agora tinha uma nova tenda, no centro do acampamento gigante. Tinha levado quase todas as suas coisas para lá, apenas os ovos de dragão continuavam escondidos no fogareiro de Varla. Jon esperava a oportunidade certa para removê-los sem chamar sua atenção.
Essa oportunidade apareceu menos de uma semana depois. Houve um alvoroço entre os gigantes. Jon soube que uma giganta estava grávida e que esse era um acontecimento. Gravidez vinha se tornando uma coisa rara entre o povo Kortan. Principalmente depois que os outros se tornaram mais ativos.
Naquela noite haveria uma grande festa e Jon aproveitaria para mover os ovos.
Jon assistia os preparativos de uma distância segura. Os gigantes estavam agitados e pareciam felizes. Concluiu que eles não tiveram muito motivos para comemorar recentemente.
—Jon- chamou Tormund se aproximando - Chegaram visitantes.Querem falar com você.
Finalmente. Esperava que fosse alguém com alguma informação.
Quando os viu ficou desapontado. Eram apenas duas crianças montadas em um alce . Dois meninos, o mais velho com uns doze anos e o mais novo com menos de cinco. Quando sentiu um arrepio, soube exatamente o que eram.
—São Wargs.
— É você o rei dos gigantes?-perguntou o mais velho. O menor apenas escondeu seu rosto. Em seu ombro havia um corvo.
Antes que Jon respondesse, Tormund tomou a palavra.
—O que querem aqui?
—A mãe disse que o senhor dos gigantes era um Warg e que tinha matado um Outro. Ela disse para virmos para cá.
—E onde está sua mãe?
—Ficou pra trás pra atrasar os caçadores- disse o irmão mais velho simplesmente. Jon notou que o rosto sujo tinha manchas secas de lágrimas. Viu Varla e Tormund trocarem olhares. Os garotos estavam sendo caçados e a mãe ficou para trás para salvá-los. Devia estar morta agora.
—Mas por quê?- acabou perguntando em voz alta.
—As criaturas começaram a rondar nossa aldeia a noite. Os homens disseram que era nossa culpa. Que vinham atrás de nós. O pai queria nos matar diante de uma árvore coração mas a mãe fugiu com a gente.
Jon sentiu o peito se fechar.
—Ela disse pra vir pra cá. Que aqui estaremos seguros.É verdade?
Jon se recuperou a tempo de responder.
—Desçam. Vamos achar algo para comer.
Enquanto desciam, Jon escutou alguém se aproximando rápido.
—Eles não podem ficar aqui. São malditos Wargs!
Garth segurava um martelo de guerra e parecia pronto a defender sua opinião com ele. Jon se forçou a permanecer calmo e não se deixar intimidar.
—Eles ficam comigo. A decisão não é sua.
—Olhe aqui, moleque maldito. Quer encher o lugar de wargs amaldiçoados assim como você?! Não vou permitir...
Garth não avançou nem dois passos quando foi bloqueado por Win Tun, que nunca estava longe. O movimento foi tão brusco que Garth caiu antes mesmo que o gigante o tocasse, para a diversão dos expectadores.
O homem se levantou num pulo. E se afastou, não sem antes lançar a Jon, um olhar de ódio.
....
Jon ouvia com atenção, as músicas cantadas na língua antiga durante a festa. Tinha começado assim que anoiteceu, e a maioria dos homens já estavam saturados de leite de cabra fermentado. Ele tentava entender as palavras mas era difícil. Para pronunciar era pior, tinha que fazer um som estranho no fundo da garganta para conseguir falar cada palavra. Mas tinha que aprender, não podia liderar os gigantes sem entender o que diziam.
Os dois garotos wargs se sentavam em um canto, os olhos do tamanho de pratos, observando tudo ao redor. Jon pensou em quantos como eles não haviam por aí. Troca-peles sendo excluídos ou perseguidos por serem o que são.
Achou que era a hora certa de buscar os ovos. Ninguém prestava atenção. Passou por Fantasma que estava preso em uma árvore. O lobo ficara inquieto a tarde toda. Devia ter sido a chegada do alce. Ele conseguia sentir seu cheiro, mesmo agora que saíra para pastar.
A tenda de Varla estava escura mas Jon conseguiu se orientar o suficiente para encontrar o buraco de cinzas e se pôs a desenterrar os ovos.
Estava tão entretido no que fazia que só percebeu o vulto atrás de si quando foi tarde demais. Quando se virava só teve tempo de distinguir a silhueta de um homem antes de sentir uma dor aguda na testa quando seu atacante lhe atingiu forte com um machado.
Num instante estava caindo na inconsciência e no seguinte estava no corpo de Fantasma, que lutava para se soltar da árvore. Pelos olhos do lobo viu Garth deixar a tenda.
O homem puxou uma da tochas fincadas no chão e começou a pôr fogo na tenda. As chamas começaram a subir nas paredes finas de pele.
Jon se desesperou. Tinha que voltar para seu corpo e sair dali, antes que fosse queimado vivo. Lutou para deixar o corpo de Fantasma mas era novo nessa coisa de Warg. Só quando viu a parte de cima da tenda ruir , foi que sentiu que retornava. Esperava sentir várias coisas quando voltasse ao seu corpo. Principalmente dor. Mas a sensação foi de cair num poço.
E não teve tempo de sentir mais nada, antes de ser engolido pela escuridão.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dragões do Norte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.