Querido São João escrita por Paloma Machado


Capítulo 2
O beijo do correio elegante - Kim


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui é a Misaki ^^

Esta OneShot é Shoujo-ai, esteja avisado(a).

Boa leitura.



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Desde que a professora anunciara os preparativos para a festa junina, a sala tornou-se um formigueiro em expediente de intensa produção. As meninas passavam a maior parte do tempo falando sobre seus vestidos e os pares da quadrilha. Os garotos planejavam as pegadinhas e como burlariam o sistema para que o quentão fosse de fato feito com vinho, e não com suco de uva barato.

— Só estou preocupada em conseguir os pontos – dizia Kim, minha melhor amiga – e ter que participar da quadrilha para isso já é um sacrifico e tanto.

— Claro... – dou tapinhas em seu ombro.

Conheço Kim desde a terceira série e não me lembro dela ter tirado uma boa nota se quer em matemática, apesar dos meus incansáveis esforços para ajudá-la, nas inúmeras tardes de estudo.

— Renata?

— Hm?

— Você vai participar? – ela pergunta como se fizesse uma súplica.

— Não. Tenho que ajudar no correio elegante – lamento.

— Boa sorte – Kim debocha da minha cara. – Quem sabe eu escreva um recadinho para o Nathaniel e peça que Melody o entregue.

— Por favor, já sofrerei o bastante sem isso – choramingo.

— Sem essa – ela abana o ar.

— Você é cruel – nós rimos e saímos para o intervalo.

Uma semana antes da festa, os cartões e adereços do correio elegantes devem estar prontos para averiguação. Eu cumpro minha cota diária de fabricação e deixo Melody resmungando sobre “ela ter que fazer tudo sozinha”, a verdade é que faz isso pra puxar o saco da diretora e no fim acaba perdendo a maior parte da diversão. Um dia ela vai se arrepender por ser tão travada. Tenho pena dela por isso.

Vou até o ginásio para ver o ensaio da quadrilha, soube que um dos meninos fraturou a perna e que Kim terá de substituí-lo. Assim que termina, eu aceno e a morena vem em minha direção chutando pedras.

— Vejo a felicidade estampada em sua cara – provoco.

Ela faz uma carranca digna daqueles filmes de terror que passam de madrugada na tevê.

— Ah vai lá. Não é tão ruim – tento minimizar.

— Confesso que será mais fácil vestindo calças do que um vestido bobo cheio de babados – Kim detesta trajes jeca.

— Você vai ficar “o maior gatinho” – cutuco-a com o cotovelo.

— Mereço – ela revira os olhos e bagunça meu cabelo.

Kim é uma garota muito bonita e divertida, às vezes eu me pergunto por que nunca sai com alguém. Em parte eu entendo, os garotos da nossa escola são realmente chatos, os poucos que se salvam são gays ou comprometidos.

O fim de semana chega. A escola parece um lugar totalmente diferente, cheio de barracas, bandeirinhas e lanternas de papel colorido penduradas por todos os lados, pessoas vestidas de caipira com seus bigodes e sardas falsas. As crianças correm uma atrás das outras com as mãos cheias de estalinhos. Juro que se acertarem meu pé com aquilo, chuto uma longe.

Como estou trabalhando no correio elegante, meu vestido é branco e cheio de corações vermelhos recortados, Melody usa o mesmo “modelito”, diferido apenas pelas fitas azuis e rosas que ela acrescentou às barras. Tento ligar para Kim, mas o telefone nunca tem sinal nessas horas, queria tanto assistir sua apresentação da quadrilha, ver a cara engraçada dela seria minha maior satisfação nesse momento.

Olho para o lado e vejo minha companheira de barraca andando de um lado para o outro feito uma barata tonta com um cartão nas mãos.

— Está me deixando enjoada... – digo debruçada sobre o balcão de atendimento.

— Tenho problemas maiores do que seu pequeno desconforto – ela diz sem sequer me olhar.

Eu a olho, atônita. Desconforto é o que ela vai sentir quando minha mão encontrar a fuça dela.

Olho por cima de seu ombro para ver o nome escrito no papel vermelho. “Para Nathaniel. Com amor”.

— É sério isso? – digo com voz esganiçada, assustando Melody. – Esse nervosismo todo por causa de um garoto?

— Claro que você não entende, vive grudada com aquela moleca da Kim – ela faz cara de nojo.

Minha mão está coçando. Mas se eu bater nela, perco os pontos.

— Tenho que entregar isso ao Nath, é a chance perfeita de finalmente conquistá-lo – Melody continua com sua fantasia.

— Ok. Eu facilito pra você – arranco o cartão de suas mãos e saio correndo. Ouço-a gritando, olho para trás e me divirto com sua cara de desespero.

Vejo o topo da cabeça loira de Nathaniel a poucos metros, numa barraca de pinhão. Um grupo de crianças corta a minha frente, eu giro o corpo para o lado numa tentativa de não atropelar os capetinhas e paft!

— Ai! – toco minha têmpora dolorida.

— Você está bem? – pergunta a pessoa com quem trombei.

— Sim eu só... – abro os olhos e fico sem fala.

É um garoto da minha idade, um pouco mais alto que eu, os olhos verde-claro em um contraste fascinante com sua pele escura. Eu me apaixono instantaneamente.

— Puxa! Eu tenho que ir – ele diz olhando no relógio de pulso. – Falo com você mais tarde.

— Certo... – acompanho com os olhos sua silhueta sumindo em meio à multidão.

Quem será ele? Deve ser de fora. Volto a me concentrar na missão catastrófica de entregar a mensagem elegante de Melody. Quando entrego o papel vermelho a Nathaniel, ele reconhece a letra e respira profundamente, deixando os ombros caírem em chateação e guarda o cartão no bolso sem lê-lo.

Vejo que Melody está espiando por de trás de uma barraca, seus olhos lagrimejam e ela sai correndo. Volto ao correio elegante e a vejo furiosa picotando vários corações numa chuva de vermelho sangue.

— Olha Melody... – eu tentaria consolá-la.

— A culpa é sua! Eu quem devia ter entregado – a tesoura escapa de sua mão e corta a ponta de seu dedo – ai!

— Eu tenho um curativo aqui – procuro dentro de minha bolsa.

— Não precisa... – ela cobre o corte com uma fitinha. – Alguém deixou isso ai para você – diz apontando para o balcão.

Há um cartão com meu nome, tenho a impressão de reconhecer a letra. Mas de quem?

 

Viva o arraial,

Viva o amendoim,

Quando esbarraste em mim,

Apaixonei-me por ti.

 

Foi aquele garoto. Ai meu São João!

Viro pra trás a procura de Melody, preciso saber o nome dele, mas a santificada já escapuliu. Não há uma alma penada perto do correio. Dane-se! Preciso saber quem roubou meu coração.

Não demoro muito para achar minha companheira de barraca, pois vejo uma fila enorme na barraquinha do beijo. Aparentemente Melody está lançando seu ultimato numa tentativa cômica de chamar atenção. Olho para a fila, o próximo garoto é... O meu garoto!

Pulo a cerquinha e empurro Melody para o lado.

— Oi! – digo para o meu gato de olhos verdes. Minhas pálpebras tremulam com o nervosismo.

— Ahm... Oi. Eu só ia perguntar se ela tinha te entregado o cartão – ele coça a nuca sem jeito.

— S-sim! E eu adorei... – fico vermelha – Mas... Achei que queria um beijo dela.

— Não! Não... – ele começa a rir. – Mas o seu eu aceito.

Congelo de imediato. Ele vira o rosto em minha direção. O que eu faço agora? Eu mesma me meti nessa situação. Os outros começam a reclamar da demora.

Ok. Respira Renata. Vamos garota!

Eu seguro o rosto dele entre minhas mãos e dou-lhe um selinho apertado. Ele se afasta subitamente e me encara com grande surpresa.

— O-o que foi isso guria? – ele pergunta e sai correndo.

Espera... Só tem uma pessoa que eu conheço que fala assim.

De repente eu tenho uma epifania. A Kim estava na quadrilha, no lugar de um menino.

Ai senhor! Eu acabei de beijar a minha melhor amiga vestida de homem.

Saio correndo atrás dela, esbarrando nas pessoas, ela está indo em direção à saída.

— Kim! Me espera! – eu grito, mas ela parece não ouvir.

Pego um atalho pulando o muro da escola. Atravesso a rua e alcanço-a do outro lado, num campinho gramado.

— Ei... – seguro ela pelo pulso. – Me desculpe, eu não te reconheci. Estupidez minha, mas você está idêntica a um garoto, tão linda e... e...

Ela se vira, com os olhos vermelhos devido ao choro. Meu coração acelera e começa a doer, e eu sei que não é por causa do esforço físico.

— Eu sempre tentei esconder Renata, mas daí você me beija daquele jeito... – ela soluça – Não consigo mais... Eu... Eu gosto de você.

— Eu também Kim... – digo enxugando seu rosto.

— Como amiga, mas o que eu sinto é diferente... – ela tenta soltar o braço, mas eu aperto ainda mais.

Vê-la daquele jeito, tão indefesa, sem aquela armadura resistente que fazia até os garotos correrem. Eu finalmente entendi e aceitei.

— Não é diferente, é exatamente a mesma coisa, eu só demorei a perceber – acaricio seu rosto e faço-a olhar para mim. – E agora eu tenho certeza disso.

Me ergo na ponta dos pés e a beijo, desta vez mais devagar. Kim retribui, me segurando forte pelos braços. Ouço os fogos de artifício explodirem no céu e a grande fogueira ser acesa, mas nada disso me importa agora, pois acabo de receber uma grande benção.

São João não precisava me trazer a pessoa amada, pois ela sempre esteve ao meu lado. Eu apenas tinha que deixar de procurar com os olhos, para poder sentir com o coração.


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Notas finais do capítulo

Eu adorei. Espero que você também tenha gostado :3

Beijos :*



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