Terminei de lavar a louça e sequei as mãos no pano de prato. Bia estava no sofá, vendo alguma coisa na TV, com a maior cara de tédio. Passei por ela e fui até o banheiro do meu quarto, escovar os dentes e trocar de roupa.

Minutos depois, já pronta, fui até a cozinha, pegar uma comida pra levar para mim e o Lys.

— Vai sair de novo? — Bia perguntou do sofá, com a voz arrastada. Acho que o bichinho do tédio estava com alguém aquela tarde.

— Vou ver série com o Lys. — Peguei o Cheetos que eu já tinha deixado separado e a salada de frutas no potinho. Fazendo gordices e sendo saudável depois, porque ninguém quer ter problemas nas artérias tão cedo (mas o que?). — Vai sair? — perguntei pra Bia, enquanto pegava uma bala que estava sobrando lá e abria.

— Vou não. — E ouvi um barulho no sofá, provavelmente ela mudou de posição. — Vou ficar aqui, no tédio, alone, enquanto você e a Stelfs aproveitam a tarde — disse isso como se estivesse contando números. Ergui uma sobrancelha a essa frase.

— Ué, chama o Nathaniel pra te fazer companhia. — Joguei fora o papel da bala e peguei as comidas. Silêncio. E eu ri. — Viu, você não precisa ficar no tédio. — Passei por ela no sofá e soltei mais uma antes de sair. — Volto lá pelas cinco. Se quiser chamar ele, fica à vontade. Só não derrubem a casa — soltei essa brincadeira com um sorriso maroto.

— Ester! — Bia reclamou e eu dei tchau mesmo assim.

Fechei a porta do nosso apartamento e caminhei até a do vizinho. Dei um jeito de segurar o saco do salgadinho com o braço e bati na porta. Lysandre atendeu rapidamente.

— Boa tarde! — Cheguei na maior animação, provocando riso no Lys. Trocamos um beijo rápido e entreguei o pote com salada de frutas, enquanto eu entrava e ele fechava a porta. — Estão prontos, crianças? — Dei uma engrossada na voz, tentando imitar o cara da abertura do Bob Esponja.

Lysandre me olhou com uma sobrancelha levantada, enquanto eu passava o Cheetos pra ele.

— Era pra você responder: “estamos, Capitão! ”. — Ele continuou com a cara de não estar entendendo nada. — Credo, Lys, nunca viu Bob Esponja? — Meu namorado foi até a cozinha, onde deixou as frutas e pegou uma garrafa de Coca Cola, já que o Castiel é praticamente viciado nisso.

— Creio não me lembrar de tê-lo visto... — respondeu meio pensativo, enquanto colocava o refrigerante em dois copos. Fui até ele, parando atrás e o olhando pela lateral.

— Era de se imaginar — brinquei e rimos.

Abri o salgadinho e fui até o sofá, deixando-o na mesa de centro. Lys veio com os dois copos e fez o mesmo. Ele ia dar play no episódio, quando eu lembrei do pen drive que tinha no bolso.

— Lys, espera. — Ele parou com o controle na mão. — Vamos fazer diferente hoje? — E abri um sorriso divertido.

— Tem algum plano diferente em mente? — Ele abaixou o controle e perguntou.

— Então... — Afundei as costas no sofá, enquanto olhava pra ele. — Eu tava no facebook hoje mais cedo e vi que saiu um novo box do 8° Doutor, daí... — Segurei mais um pouco a frase e mostrei o pen drive pra ele. — Eu pensei, já que você nunca viu nada da clássica, que tal ver um pouco de um dos meus doutores favoritos? — Ele pegou o pen drive e dei uma de garota simpatia.

— Trouxe mais episódios? — perguntou, admirando o negócio bonitinho da HP.

— Não, é um filme, acho que eu até cheguei a comentar com você uma vez. Dá pra ver sossegado, porque não é ligado com os episódios da série, fica no meio da clássica e da moderna.

Fiz um bico, provocando um sorriso nele. Dei um beijo na bochecha e Lys foi colocar o pen drive na TV, para assistirmos.

— Acho que você vai gostar. O 8° lembra um pouco você. — Ele voltou a se sentar no sofá e eu me aproximei mais dele.

— Por que você acha isso? — questionou, com um tom curioso e divertido na voz. Me encostei nele, que me abraçou pelo ombro, nos aproximando mais.

Demos play. A narração do filme começou.

— Bem... — Comecei a pontuar com os dedos. — Ele também se veste com roupas vitorianas, é romântico. — Com essa, olhei pra ele e ergui uma sobrancelha. Um sorriso brincou nos lábios dele. — Misterioso, mas esse é um traço do personagem mesmo e... Não sei, mas sempre lembro de você quando vou ouvir um áudio dele.

— Bem, vou levar como um elogio o fato de ser comparado com um dos doutores. — Veio com essa e um pequeno sorriso travesso.

— Humm.... Mas não vai se achando não, viu? — brinquei, passando um dedo pelo maxilar dele. — Senão daqui a pouco você arranja uma Tardis e me larga aqui — disse com um bico.

— Então eu te levaria como minha companion. — Veio com essa e um olhar galanteador. Acabamos nos beijando, mas chamei a atenção dele de volta pra tela.

O filme ainda estava nos primeiros minutos, com o 7° Doutor e toda a introdução. Fui contando um pouco sobre ele pro Lys.

Tentava ficar quieta, pra não o atrapalhar de ver o longa. Mas era inevitável soltar alguns comentários vez ou outra.

— Mete bala mesmo! — Senti Lys rir. Tínhamos mudado de posição, com ele deitado no sofá e eu do lado, com a cabeça apoiada no peito dele. Às vezes, ser pequena tinha suas vantagens...

— Quer comer algo? — Lys ofereceu e pegou o pacote de salgadinho.

Comíamos enquanto continuávamos a ver o filme.

— E aqui você vê o final do 7° Doutor, sem ter visto nada dele — comentei, antes de colocar mais um salgadinho na boca.

— Quem sabe um dia, ainda chegarei lá — comentou e voltou o rosto pra mim.

— E, até lá, vou rever a série toda com você. — Tirei uma sujeirinha que havia ficado perto dos lábios dele e sorri divertida. Dear Lord! Eu sorria tanto quando estava com ele, que uma hora dessas ia acabar tentando câimbras.

Voltamos de novo a ver o filme.

— Ah, eu amo essa cena! — exclamei. Havíamos deixado a comida de lado e nos sentamos pra tomar o refrigerante.

Era a famosa cena de regeneração e eu tentei ficar sem falar nada, pra não atrapalhar o momento.

— Aquelas são cenas de Frankenstein? — Lys questionou, colocando o copo meio cheio sobre a mesa de centro.

— São sim. Eles fizeram uma analogia com elas e a cena de regeneração — afirmei, segurando o copo com as duas mãos. — Fica vendo.

Coloquei a bebida do lado da dele e voltamos a sentar mais perto do outro.

Não evitei conter o riso na parte do “it’s alive! ” e os socos na porta. Caímos os dois na gargalhada, por causa do gordinho.

E o filme continuou rodando, até parar naquela clássica cena do 8° Doutor e os “who am I?!”.

— Eita, McGann! Tinham que colocar o cara sem camisa ainda? Assim complica — comentei divertida e Lys ficou quieto. Olhei rapidamente pra ele, que estava com uma sobrancelha levantada. — Que foi? — perguntei, querendo saber o que o tinha intrigado.

— Nada — soltou essa frase sozinha, soando meio seca. Hum...

Voltamos a assistir ao filme. Continuava fazendo comentários engraçados e Lysandre permanecia quieto. Tirei os olhos da tela e fiquei encarando-o por alguns segundos.

— Algum problema? — ele perguntou, vendo que era observado. Quase mordi a bochecha pra segurar o riso.

­— Você ficou com ciúmes, Lys? — É, nessa hora não deu pra segurar.

Ele não respondeu e virou o rosto pra TV. Peguei o controle e dei pausa.

— Não, falando sério. — Ele desviou os olhos pra mim de novo. — Você tá com ciúmes de eu achar o ator bonito? — É, não deu pra disfarçar o tom risonho na voz. Balancei a cabeça, não acreditando naquilo.

— Quer um pouco da salada de frutas? — ofereceu, desviando do assunto e se levantando, me deixando lá com cara de tacho.

Sim, ele realmente estava com ciúmes. Coloquei a mão na boca, pra esconder o sorriso, enquanto ouvia o barulho da geladeira ser aberta. Levantei e fui até onde ele estava, antes que voltasse pro sofá.

— Eu acho, que você está com ciúmes. — Parei, encostada na bancada, e cruzei os braços. Emendei uma frase logo direto, não dando tempo pra ele responder. — Não adianta negar, mister... — Brinquei, fingindo um “sotaque britânico” na última palavra. — I think... — Com o começo da frase em inglês, consegui que ele olhasse para mim. — I think, que não há necessidade disso. — E ri, da mistura de idiomas que eu fiz na mesma frase.

— Bem, talvez... — E ele virou pra frente, pegando duas colheres da gaveta. — Talvez eu esteja um pouco, sim...

Deixou a frase no ar e eu me aproximei, parando do lado dele. Lysandre colocou as colheres no prato e então me fitou. Estava com as bochechas coradas. Por que ele tinha que ser tão fofo? Não pude evitar sorrir, de novo.

— Eu acho... — Nessa hora, ele ficou de frente pra mim e eu brincava com o dedo nos botões do casaco dele. — Eu acho que isso não tem necessidade, sabe por quê? — Ele negou com a cabeça e eu me aproximei, não desviando o olhar do dele. — Porque, mesmo que você não seja imortal, nem viaje pelo tempo e espaço, nem nada disso... É de você que eu gosto. — Nessa hora, ele abriu um sorriso lindo. — E, além do mais, seria eu quem teria ciúmes com tanta menina bonita naquela Tardis com você.

Ele riu e segurou meu rosto. Nos beijamos por alguns minutos ali, esquecendo os ciúmes e qualquer outra coisa, só nos perdendo em nós dois. Entre qualquer lugar do tempo e espaço, o meu favorito era ali, do lado dele.

...

Com um certo contragosto, convenci-o a terminar de ver o filme comigo. Levamos o pote com a salada de frutas e ficamos lá. Claro que eu continuava fazendo comentários, só que dessa vez ele ria comigo.

Depois de quase uma hora e meia de filme, acabou. Enquanto os créditos subiam, Lys se levantou e foi até a TV, tirar o pen drive.

— Sabe, Lys, eu queria que você fosse o 8° Doutor. — Ele se virou pra mim com uma cara de “o que raios você tá falando, garota?!”. Eu ri da expressão dele, quando entregou o meu pen drive. — Mas só pra eu ser a sua companion. — E completei, com a mesma piadinha que ele tinha dito antes.

— Você me deixou intrigado com essa afirmação. — Ele desligou a TV e se sentou ao meu lado.

Aproveitei e o abracei. Logo, senti seus braços em volta de mim. Ele me puxou e deitamos no sofá.

­— Na verdade, eu me expressei errado. Você seria o 8° e eu a Charley.

Recebi um olhar confuso dele.

— Ela é uma companion dos áudios — expliquei, aproximando meu rosto do dele.

— E ela foi responsável por algum feito heroico? — questionou, com o nariz a centímetros do meu.

— Sim, mas não é por isso — respondi em um sussurro e me afastei um pouco. — Eu pensei nela porque eu poderia viver no século XX, apesar de ser no meio da Primeira Guerra. — Consegui tirar um sorriso dele com essa. — E iria me aventurar num dirigível, que ia cair. — Lysandre ergueu as sobrancelhas com essa, estranhando. — Porém, ia vir você, o 8°Doutor, e me salvar, mesmo que precisasse fraturar o próprio tempo pra isso. — E soltei um dos braços do abraço, levando a mão até o rosto do Lys e acariciando-o com os dedos. — E então nós viveríamos grandes aventuras pelo tempo e espaço, até que, uma hora... ­— Soltei um suspiro e dei uma pausa antes de continuar. — Até que uma hora, eu ia me apaixonar por você e você por mim. — Finalizei com um sorriso doce.

Lysandre tirou a mão das minhas costas e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, ficando com a mesma mão no meu rosto.

— E eles ficam juntos depois? — perguntou e voltou a aproximar o rosto do meu.

Respirei fundo, absorvendo aquele perfume suave e que eu tanto gostava.

— Não. — Soltei e ele me deu um olhar confuso. — Mas nem tudo precisa ser como a ficção, né não?

Ambos trocamos sorrisos e juntamos nossos lábios com ternura, apenas aproveitando que o outro estava ali.

Pra que passado e futuro se o mais interessante era estar com ele?