Minha vida em pequenas Escalas escrita por Iset


Capítulo 34
O seu porto seguro


Notas iniciais do capítulo

Capítulo dedicado a Myh senha e a Stefanni que estão sempre me apoiando e dando motivos pra não desistir de escrever



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O Seu Porto Seguro

Depois que minha mãe deixou a enfermaria, não parei de pensar nas palavras dela. Seria muito mais fácil fazer o que ela queria, voltar para uma vida confortável no Canadá, sem ter que me preocupar com contas, afazeres domésticos, sem ter recusar todo o que convite de happy hour que recebia, sem entrar em pânico por não ter com quem contar quando a Emma ficasse doente. Seria muito mais fácil, mas certamente não o bastante, não o correto, não algo que faria a Carolina ou mesmo a Emma se orgulhar em de mim.

Sei que poderia ter sido um parceiro melhor para Carol, no começo, quando ela deixou a Flórida para ficar comigo no Canadá, e eu só fiz mentir para ela para não admitir que eu não havia conseguido largar totalmente dos meus vícios. Mas principalmente quando soubemos da gravidez, ela estava tão feliz e empolgada com tudo e eu só sabia fazer cara de tédio ou desespero. Não posso mudar o que passou, não posso mais ser o cara incrível que prometi que tentaria ser para Carol na noite do baile. Mas por mais que minha mãe tentasse me convencer do quão prejudicial eu podia ser para Emma, e estando ciente dos meus defeitos, todas as vezes que vi a Emma sorrir e me olhar como se eu fosse a pessoa mais importante do mundo, mesmo cansado,  descabelado, fedendo, depois de enfrentar um dia de trabalho e um metrô lotado, me inspiravam a continuar lutando por ela e pelo que eu achava ser o melhor para ela.
E eu não conseguia ver a vida financeiramente confortável que tive, como a melhor escolha.
Ter pais bem sucedidos, babás com ensino superior, brinquedos e escolas caras, não me trouxeram mais que frustrações e mágoas, que aprendi a entorpecer com álcool, cigarros e drogas cedo demais.  E foi numa escola pública, sem ter um tostão no bolso, com meu tio de classe média, por um “castigo” dos meus pais, que descobri amizades verdadeiras, valores verdadeiros, tudo o que realmente importa. Talvez eu não possa dar tudo que a Emma mereça, mas mesmo que queiram me convencer o contrário, sei que sou tudo que ela precisa.

No início da tarde, Vick apareceu na companhia de um carcereiro. Ela disse que graças a minha surra, conseguiu apressar a audiência de fiança, com base no risco que eu vinha correndo numa penitenciária. Bem, se eu soubesse disso, não teria passado dias evitando apanhar. Ela me traz um dos ternos do Derek, para um look mais sério e diz para mim parecer cansado e dolorido apenas, e não com a cara de maníaco psicótico depressivo, que eu estava no momento. Então visto o terno com cuidado para não amassar, prendo meus cabelos,  que estão sem ver um pente há dias, mas não faço a barba, porque eu queria parecer um pouco mais maduro e responsável.  Vou até o fórum, num carro da polícia e chego algemado até a frente do juiz. Vick já está a postos, alisando a barriga enorme com uma cara de dor, Derek, Lacey e Joseph estão na primeira fila, no outro lado apenas um promotor e sua assistente.

Me sento no local indicado e a audiência começa.

—Estamos aqui reunidos para decidir sobre o direito do réu Noah Stevens Johnson, residente nesta cidade, rua Agostini 116, o direito de responder em liberdade sob uma fiança estipulada por esse tribunal, as acusações de sequestro internacional da menor, Emma Carolina Smith Johnson, agressão contra uma agente social e desacato a autoridade. Diante dessas acusações como o réu se declara?

— Foi só um empurrãozinho, não uma agressão, aquele policial foi totalmente arbitrário na sua abordagem e pelo amor de Deus é ridículo dizer que eu sequestrei a Emma, ela embarcou legalmente no Canadá, fizemos check-in eu não atravessei com ela dentro de uma mala. — me defendo.

— Você só precisa dizer se se declara culpado ou inocente senhor Johnson — diz a juiza me olhando por cima dos óculos de grau.

— Inocente meritíssima, totalmente inocente.

— Ótimo senhor Johnson, a promotoria quer apresentar suas considerações?

— Sim meritíssimo.  Bom o jovem em questão depois de assinar os papéis de guarda, retirou a menor de sua tutora legal no meio da noite. Susan, como uma mãe amorosa esperou e tentou convencê-lo a devolver a menor, porém o meliante, retirou a criança do país deliberadamente e quando desembarcaram em Roma, ele agrediu uma funcionária do serviço social e desacatou um policial, enquanto tentava fugir com a menor em questão.  Além disso temos uma queixa por briga e outra por agressão a um deficiente mental, sem contar a ficha extensa que o réu cultivou no Canadá e EUA,  que inclui brigas, agressões, destruição de patrimônio público e particular, consumo e venda de drogas ilícitas, falsificação ideológica com carteiras de identidade com a idade alterada, passagens por clínicas de recu…

— Protesto meritíssimo, todas as acusações que a promotoria relata foram julgadas e a maioria delas aconteceu antes de meu cliente completar 18 anos, não tem relevância nenhuma no caso em questão. Além do mais essas informações deveriam estar protegidas, dito que são delitos que foram cometidos por um menor. Como a promotoria conseguiu essas informações sem um mandado? Muito menos uma questão pessoal como uma internação,  peço que retire tudo isso dos altos pois a promotoria está tentando induzir o júri,com antecedentes irrelevantes a esse tribunal.

— Protesto aceito, promotoria atenha-se aos fatos do caso —fala a juiza e eu tenho que controlar minha boca para não soltar um “toma essa!”

Chegou a vez de Vick falar, ela vai a frente alisando a barriga com um sorriso terno.

— Senhores, meu cliente. Este jovem pai que estão vendo aqui, só cometeu um grande equívoco, que nem pode ser considerado crime. Ele não tinha idéia do que estava fazendo quando a mãe lhe pediu para assinar alguns papéis, depois de presenteá-lo com um carro.  Quando ele retirou a menor do Canadá, não tinha idéia de que estava cometendo um crime, e quando foi abordado por policiais e agentes sociais fez o que qualquer mãe ou pai faria. Tentou proteger a sua filha, que foi arrancada de seus braços por homens armados. Tomei a liberdade de anexar ao processo palavras de algumas pessoas que presenciaram a cena, se me permitir gostaria de pedir para que meu cliente as lesse.

— Concedido, seu cliente pode ler — ela fala e Vick retira uma folha de dentro da pasta, entrega cópias para a juiza, para promotoria e outra para mim.

— Pode ler Noah — ela fala e eu encaro o papel.

— Emílio Matarazo, comissário de bordo — leio meio gaguejando — Foi a cena mais triste que presenciei nos sete anos de embarques e desembarques, aquele casal parecia desesperado, assustado, e o bebê também. Ela chorava muito e se agarrava ao pescoço do pai — sinto meu peito apertar e meus olhos encherem de lágrimas.

— Continue Noah.  

— Eles estavam cercados no estacionamento, a moça morena olhava assustada, enquanto o rapaz com o bebê no colo, segurava o bebê contra o peito. Eles desistiram de fugir e os policiais e as agentes, arrancaram o bebê de seus braços, eu a ouvi chamar papai, e vi o olhar mais temeroso que já presen…— começo a gaguejar e as lágrimas rolam incontroláveis — presenciei nos olhos daquele pai. — paro de ler lembrando de tudo que havia acontecido — por favor me deixem ir eu só quero ver a minha filha, ela deve estar tão assustada, desde que ela nasceu eu cuido dela, ela tem problemas para dormir, só dorme bem se eu colocar a cabecinha dela do meu peito. Ela é manhosa para comer e ela não gosta muito de tomar banho, eu tenho que entrar na banheira com ela porque senão ela chora o tempo todo… Nós só nos separamos quando meu pai morreu e eu ligava todos os dias, ela deve estar pensando que eu a a abandonei… E eu não quero que ela se sinta assim, porque é ruim para caralho.— Desabafo — Eu não consigo mais ler isso.

Depois da minha crise de choro, o juiz pediu um recesso para a decisão e eu queria matar a Vick, por ter me colocado naquela situação.

— Porque me fez ler aquilo? Porque não leu você, porra!

— Porque eu sabia que você ia chorar a juíza era uma mulher de cinquenta anos com um cordão com um anjo no pingente na audiência preliminar, aí eu fiz minha lição de casa e descobri que o filho dela morreu de overdose, tinha sua idade. Então vazei sua ficha criminal e seus antigos problemas com narcóticos para promotoria, e agora hora depois daquela emoção toda, você é um garoto que conseguiu vencer o que matou o filho dela e não merece que as pessoas te julguem por isso.— Ela fala.

— Porra, nunca pensei que você fosse uma vadia cruel e frívola que se aproveitasse de sentimentos tão humanos para conseguir um objetivo favorável. Derek se você não se casar com ela eu caso.

— Nem se você nascesse de novo, cabeção. Agora se me dão licença, minha bexiga tá sendo massacrada por esse bebê.  

Quando voltamos a audiência, Vick parecia exausta e alisava ainda mais a barriga, mas de fato o plano dela funcionou e a juíza decidiu que eu poderia sair sob fiança e e eu senti um alívio e uma alegria gigantesca. Eu sabia que não poderia ficar com a Emma, mas pelo menos poderia visitá - lá e conferir com meus próprios olhos se ela estava sendo bem cuidada. Quando deixamos o tribunal, senti o ar mais leve, Lacey me abraçou e beijou, pela primeira vez na frente dos nossos familiares e foi maravilhoso até ouvir o ranger da garganta do Joseph e a cara sem graça de Vick e Derek, que fingiram estar surpresos com a nossa relação na frente do O'Connor.

—Joseph, eu sei que não quer a gente junto e é sério eu entendo. Eu faria a mesma coisa se tivesse no seu lugar, mas eu quero que saiba eu amo a Lacey e que eu eu sei que eu fiz muita burrada, eu não quero te desafiar, você é o meu pai, o pai da Lacey e sei que só quer ver a gente feliz. E a gente é feliz junto, me desculpa mas é isso.

— Pai… — Ela diz em tom de súplica — E ele corre os dedos pelos cabelos e coça a nuca, tal qual eu costumo fazer quando estou nervoso ou preciso pensar.

— Eu não acho que isso vai dar certo, mas você já botou ela na cadeia e ela insiste nisso, então, eu não vou ficar de mal com  os meus dois filhos porque eles são meio doidos e aparentemente perfeitos um pro outro. Vem cá — Ele fala me enredando num abraço.

— Eu te amo, mas se fizer ela sofrer, eu arranco o seu pau fora e penduro na estátua de David — Ele sussurra no meu ouvido.

— Acho justo — concordo — Agora eu, preciso ver a minha baixinha.

Me despeço de Joseph e Lacey e vou com Vick e Derek para o abrigo onde Emma passou os últimos dias.  Nos mandam esperar numa sala de onde de um vidro, vejo algumas crianças brincando, fico estático por um tempo pensando que eu poderia ter crescido num lugar como aquele, se Susan não tivesse me “adotado”. Por mais que minha infância não tenha sido grande coisa, e eu tenha ficado muito revoltado quando descobri que era adotado, certamente foi melhor que crescer sabendo que fui abandonado pelas pessoas que mais deviam me amar.

— Quando te contaram, que você era adotado? — Pergunto a Derek.

— Bom, meus pais são loiros de olhos azuis, eu tinha sete anos, mas eu já desconfiava. — Ele responde.

— Diziam que eu tinha sido feito num tubo de ensaio, eu até cheguei a desconfiar que o meu pai, podia não ser meu pai, achei que ele tinha usado esperma de um doador por ter problema sei lá, mas nunca me passou pela cabeça que a Susan não era minha mãe. A gente é até parecido.— Constato.

— Eu sei que está muito decepcionado com ela e tem razão de estar, mas ela ainda é sua mãe. E ela te ama Noah, só não sabe a melhor maneira de demonstrar isso — fala Derek com sabedoria.

— Ela quer que eu volte pro Canadá, eu ia voltar, por causa da Amber e do bebê, mas agora eu não sei. Se eu voltar sem lutar, eu só vou tá provando para ela e para todo mundo que eu continuo escolhendo o caminho mais fácil. Que eu não consigo fazer nada por mim mesmo, que eu continuo sendo um barco e não um porto. E eu eu tenho a Emma e logo vou ter outro, eu preciso para de andar conforme a maré, eu preciso ficar firme, ser forte, por eles. Como a Carol era pra mim.

— Sabe não vai ser fácil, não é?

— Eu sei, sei que eu posso perder. Mas eu preciso lutar.

— Vai dar tudo certo, irmão.  

Finalmente somos encaminhados a uma pequena sala, onde depois de alguns angustiantes minutos, aparece uma agente social com a Emma nos braços. Meus olhos se enchem de lágrimas mais uma vez ao ver Emma, que solta um gritinho e mexe braços e pernas compulsivamente ao me ver até a agente me entregá - lá nos braços e  sentir os seus “beijos” babados pelo meu rosto.

A aperto contra meu peito e beijo sua bochecha e ela me abraça sem protesto algum, o que me leva a uma felicidade sublime.

— Oi minha vikenzinha, papai sentiu tanta saudade — falo a enchendo de beijos e a afundando meu rosto no pescocinho cheiroso dela.

Passamos as próximas duas horas juntos, percebi que Vick não parecia muito bem, mas eu não queria perder um segundo só daquela visita. Brinquei com a Emma, dei mamadeira e a fiz dormir, senti meu peito dilacerar mais uma vez ao ter que deixá-la naquele berço. Conversei com as cuidadoras e apesar de elas disserem que ela estava bem, a senti mais leve e com um olhar cansado durante a visita. Certamente não estava se alimentando e nem dormindo tão bem quanto deveria e isso fazia eu me sentir ainda pior por colocá-la naquela situação. Certamente se eu tivesse sido um pouco mais responsável, menos brigão e voluntarioso durante minha adolescência e vida adulta, minha mãe teria mais facilidade em acreditar que eu posso cuidar da Emma. E por mais que eu tentasse culpar a Susan, por tudo que estava acontecendo, no fundo eu sabia que eu era o único culpado. Eu, e minha mania de me vitimizar, delegando a minha mãe, ao meu passado, as minhas perdas, toda a responsabilidade pelos meus atos impensados,  minhas palavras duras e minha falta de empatia com as pessoas. Era minha culpa. De certa forma, minha mãe tinha razão em temer pela Emma, afinal, ninguém sabia mais do que ela o quanto eu conseguia ser um completo filho da puta, egoísta e cruel às vezes, estive prestes a desistir da Emma quando ela nasceu, a culpei pela morte da Carol, me afoguei na bebida sem pensar que eu tinha um bebê que também havia perdido o que lhe era mais importante na sua vida.

Quando chego ao estacionamento vejo Derek amparando a Vick, que parece estar cheia de dor.

— Tudo bem aí?

— Tudo bem, são só contrações de treinamento.— Ela responde com a respiração entrecortada. — Ainda vai levar dias pro bebê nascer. — Ela fala e eu vejo uma água escapar por baixo da saia lápis e manchar o chão.

— Tem certeza porque ou você fez xixi ou isso foi a sua bolsa que estourou. — Digo pasmo.

— Ah meu Deus, o bebê vai nascer — fala Derek com cara de pânico.

— Calma, esta tudo bem, respira Derek. Depois que a bolsa estoura ainda leva horas pro bebê nascer, então vamos para casa pegar a mala e depois vamos pro hospital — ela fala tentando manter-se calma.

— Eu não sei não,  mas não acha melhor a gente ir pro hospital e depois pensar nas roupas do bebê? — Digo ela começar a se contorcer com uma contração.

— Os bebês não nascem como nos filmes, leva horas… Aí. . Que dor — Ela fala pegando a mão do Derek e apertando com tanta força que o faz se contorcer junto com ela na próxima contração.

— Passou — ela fala enquanto o Derek sacode os dedos doloridos.

Entramos no carro e como discutir com uma mulher em trabalho de parto é sentença de morte, decidimos passar em casa antes de seguir para o hospital.

Entramos desesperados, pegamos a mala da Vick, e dá bebê, Derek pegou uma garrafa de vodka.

— Para que isso?

— Eu não acredito, ela vai ter mesmo um bebê — Ele fala em pânico dando um gole na garrafa.

— Jura que não desconfiou que uma grávida, uma outra ou outra acaba tendo um bebê? — Falo e ouço a buzina do carro de Derek soar.

— Eu não sei se eu tô pronto para isso. É um bebê… E as vezes que eu fiquei com a Emma foi horrível,  ela chorava… e eu tinha vontade de trancá- la na dispensa e sair pela porta. E quando ela fazia cocô eu achava que ia vomitar em cima dela. Como eu vou ajudar a Vick nisso? Eu não tô bem, eu tô sem ar.

— Derek, respira tá bom? Cara é assim mesmo! Calma.

— E se acontecer algum coisa? E se o bebê nascer doente ou se acontecer alguma coisa com acontecer Vick?  Por Deus o que eu faço?! O que eu faço?

— Derek olha para mim, não vai acontecer nada, a Vick tá bem e o bebê tá bem, o maior susto que podemos levar e a neném  nascer com a cara feia do Thomas, okay? — falo o segurando pelos ombros — Você não precisa fazer nada, só estar lá, segurando a mão dela e dizendo que tudo vai ficar bem, você vai esquecer de todo esse medo quando ver as duas juntas. Vai ser a melhor coisa que você vai ver na sua vida. Porque eu sei que essa menina que vai nascer é tão sua quanto é da Vick. Olha para mim, respira fundo irmão, você vai ser pai!


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