Minha vida em pequenas Escalas escrita por Iset


Capítulo 2
Castelo de areia


Notas iniciais do capítulo

Cap tenso... Preparem seus lencinhos e boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/735920/chapter/2


—Uauu. Ainda somos bons nisso. - Digo deitando ao lado dela, com a respiração ainda alterada.

— Só porque vamos ser pais, não significa que o sexo tenha que ser ruim. Eu preciso de um banho. Você vem? - Ela diz levantando - se, e ficando tonta logo em seguida.

— Opa! Você tá bem? - Pergunto acariciando suas costas.

— Estou, é só aquela tontura de novo.

— Aconteceu várias vezes essa semana, não devia ligar pro seu médico?

— Não, é normal. Eu estou inchada, com quinze quilos a mais e um bebê dentro de mim. É muito corpo pra bombear o sangue. Já passou, viu. Vou pro banho.

— Eu vou fazer uma torrada, estou morto de fome. Quer uma? - Digo saltando da cama e vestindo um pijama.

— Torrada essa hora? Eu não sei como consegue ficar magro, comendo desse jeito.

— Eu fui abençoado pelos deuses, morra de inveja gata.- Digo enquanto ela adentra o banheiro.

Vou pra cozinha, ainda há sobras do chá de bebê, da semana passada na geladeira. Experimento um pastel e decido que é hora de jogar aquilo fora, pego os frios e me ponho a preparar as torradas. Sim vou preparar duas, afinal, ela nunca quer, mas sempre acaba devorando as minhas coisas, entre uma mordida e outra.

Arrumo tudo num prato e vou pro quarto, antes dou uma passada no quarto do Davin, finalmente pronto, com as gavetas organizadas e eu perdi a conta de quantas vezes ví Carolina desdobrando e dobrando de novo. Ela estava muito ansiosa, queria que tudo saisse perfeito. Eu já não tinha tanta ansiedade assim, gravidez era um saco, e eu não tenho certeza que ter um bebê em casa, melhoraria as coisas. Nesses cinco anos, nunca brigamos tanto quanto agora, é tipo uma tpm superpoderosa, que não passa nunca, eu não sei como agir com ela. Às vezes meu humor a faz rir e em outros dias ela abre a maior DR, me chama de imaturo e infantil e diz que vai voltar pro Brasil com o nosso filho.

Meus amigos do trabalho, dizem que só vai melhorar quando o bebê tiver por volta de três anos, aí ela vai decidir dar um irmãozinho a ele e vai começar tudo de novo. Eu não me importo de ter um filho único, nunca tive muito jeito com crianças, mas o Davin, parece gostar de mim. Ele chuta forte, toda vez que toco na barriga dela e ela diz que se meche muito quando ouve minha voz, acho que ele me ama ou me odeia e tá me mandando ficar longe da mãe dele. Quero acreditar na primeira opção. Falta menos de um mês pra ele chegar e tudo que eu queria era ter me preparado melhor, não desistido do grupo de pais e passado da página cinco do livro sobre bebês que Carolina me deu. De qualquer forma eu tenho ela e sei que ela vai fazer as coisas funcionarem como devem, tudo que eu preciso fazer e não pirar e fazer o que ela mandar. Aliás tá aí uma coisa que concordo com meu pai, se você fazer o que sua esposa manda você reduz nuns 85% a chance de fazer merda.

Volto pro quarto e como eu previ, ela pega uma das torradas e começa a comer zapeando a tv.

— E é melhor você se comportar na europa ou eu juro que Davin vai ser a única pessoa com um pênis nessa casa. - Ela diz do nada.

— Relaxa não vou ter tempo de ir pra Amsterdã. - Digo e ela me fulmina com o olhar. _ Não que eu queira conhecer a rua das vitrines, mas o Derek precisa. Ele é solteiro e tá apaixonado por uma garota que tem um namorado, e sem falar que depois dessa dica de quarto gay que ele te deu, eu tô começando a suspeitar que meu irmaozão joga no outro time. Será que o Bryan tá solteiro?

— Não tente mudar de assunto, é sério se comporte. Nada de bebedeiras, brownies alucinógenos e muito menos garotas.

— Nossa você fala como se eu fisesse esse tipo de coisa. Desde o baile de formatura eu me comporto como um monge tibetano. - Reclamo

— Ta bom senhor monge tibetano, me dá um pedaço desssa sua torrada que a minha já acabou.

— Como será que eu consigo ser tão magro comendo tanto? - Pergunto e tenho um sorriso amarelo como resposta.

— Vai negar uma torrada ao seu filho? 

— Eu sabia que você viria com essa. Você sempre vem com essa chantagem. - Digo rindo. 

— Para, pode comer. Se seu filho nascer com cara de torrada a culpa é sua. E amor? Você não tá com medo? Do bebê, de tudo que está por vir?

— Não, você é linda e eu não sou de se jogar fora. O bebê não corre o risco de parecer com o sherek.

— Não é disso que eu tô falando.

— Eu sei, mas relaxa. Eu também estou com medo, mas vamos ficar bem, é só um bebe eles são tipos cachorros, você alimenta eIes, Iimpa o coco e eles babam em você e mijam nos seu móveis, a gente pode fazer isso! Só precisamos de fraldas, ração e plástico pra cobrir tudo! A gente já ganhou até uma gaiola pra bebês, o que pode dar errado?

— Aquilo se chama cercado.

— É só um nome bonitinho pra gaiola. 

Adormecemos abraçados e acordo sentindo algo molhado, esfrego os olhos tentando afastar o sono e sacudo levemente o ombro de Carolina.

— Amor, acho que você fez xixi na cama de novo. - Digo estendo o braço até o interruptor.

Acendo a luz e Carolina permanece imóvel, tento acordá - la por diversas vezes e ela permanece inconsciente, levanto os cobertores e vejo o lençol molhado, sangue e um líquido amarelado se espalham pela camisola e cama. Meu coração dispara, pego o celular e ligo pra emergência, visto um casaco e coloco um roupão na Carolina ainda inconsciente. A ambulância chega em alguns minutos e pouco tempo depois estamos a caminho do hospital, minha mulher está pálida e o paramédico coloca uma máscara de oxigênio em seu rosto, enquanto me faz diversas perguntas sobre ela e o bebê.

Chegamos ao hospital e ela é encaminhada ao bloco cirúrgico, uma enfermeira me avisa que ela está com pré eclâmpsia e que será necessário adiantar o parto. Sou encaminhado a uma outra sala e me dão roupas verdes e uma máscara, sou levado até a sala de parto e pro meu alívio carolina está acordada numa mesa e rodeada por médicos e enfermeiras.

— Olhá só o papai chegou, fique do lado dela, logo vamos ver esse pequeno certo? - Diz o médico simpático.

Me posiciono ao lado da Carolina e beijo seu rosto, digo que tudo vai ficar bem e seguro sua mão, enquanto observo os médicos cochicharem que não ouvem os batimentos do bebê e sobre a pressão extremamente alta da Carolina.

Respiro fundo e tento não ser tomado pelo desespero, Carol permanecia em silêncio olhando pra mim com os olhos marejados e minutos depois o médico retira uma criança imóvel e completamente roxa de dentro dela. Sinto meu coração acelerar ainda mais quando o vejo entregar o bebê nos braços de outra médica, que o coloca sobre uma mesa de aço, enfia instrumentos pela sua boca a narinas e depois se põe a fazer uma massagem cardíaca.

Volto a olhar para Carolina e ela tenta virar o rosto ao máximo pra ver o que se passa, ela solta minha mão e eu entendo o que quer. Vou para o lado do bebê e acompanho de perto os movimentos da médica e enfermeira, que não poupam esforços e palavras de incentivo para trazer a criança de volta. E depois dos quatro minutos mais desesperadores de minha vida eu ouço um choro baixo, e respiro aliviado deixando algumas lágrimas rolarem pelo meu rosto, enquanto vejo o bebê que agora percebo se tratar de uma rechonchuda menina, tomar cor e berrar cada vez mais forte. Volto o olhar para Carolina e ela tem um leve sorriso nos lábios, os médicos ainda estão apreensivos e falam baixo. A enfermeira encosta o bebê por alguns segundos no rosto dela, e eu me abaixo pertinho das duas dando um beijo na resta de cada uma. Pela primeira vez em vinte três anos, eu tinha uma família, verdadeira e completa. A enfermeira diz que precisa levar o bebê para procedimentos e exames, eu continuo ao lado da Carol, vendo os médicos trocarem olhares preocupados e quando os aparelhos começam a apitar descompassados sou retirado meio que a força da sala por um dos enfermeiros. Ele me leva a sala ao lado onde posso observar tudo por uma janela de vidro. Vejo os médicos apressados enquanto fazem diversos procedimentos, Carol é entubada e uma enfermeira bombeia manualmente ar para seus pulmões. Depois de alguns minutos eu vejo o monitor disparar e um bipe continuo preencher meus ouvidos.

Carolina estava morrendo.

Os médicos tentam reanimá - la com desfibriladores, mas nada acontece. Eu me afasto da janela, me recostando na parede. Meu mundo para naquele instante. Aquilo não poderia estar acontecendo, não foi assim que planejamos. Era um pesadelo e eu precisava acordar. Quando o despertador vibrasse eu acordaria, Carolina estaria ao meu lado brava por eu estar atrasado para pegar o avião. Dentro de um mês, Davin viria ao mundo num parto natural como ela sonhou.

Fecho meus olhos e escorrego as costas pela parede curvando os joelhos até sentir o piso gelado, deslizo as mãos pelo meu rosto até os cabelos e a ficha cai, eu não acordaria daquele pesadelo. Bato algumas vezes com as palmas das mãos contra as minhas têmporas, tão forte que sinto minha pele arder e desabo em lágrimas, o urro de dor saiu incontrolavelmente pela minha garganta, rasgando meu peito, dilacerando minha alma. Carolina se foi e tudo que eu poderia desejar, era ir com ela.

Horas mais tarde eu estava sentado numa sala de espera, exausto, destruído. Eu não consigo mensurar o tamanho da dor que sentia. Minha mãe se aproxima com o rosto pesaroso e se senta ao meu lado.

— Eu já cuidei de tudo querido, a funerária vem buscar o corpo daqui a algumas horas. Precisa mandar roupas pra eles a vestirem. Você já viu o bebê?

— Ainda não.

— Vamos vê - la? A enfermeira disse que é uma menina.

— Vai você eu preciso ir pra casa. - Respondo tentando nào me entregar as lágrimas mais uma vez.

— Você precisa ser forte querido. Tem uma filha agora.

— Eu não sei se eu posso fazer isso mãe, como eu vou cuidar de um bebê sem a Carolina pra me dizer o que fazer? Eu não vou conseguir. Eu matei o nosso peixe dourado, como eu vou cuidar de um bebê?

— Eu sei querido e eu queri poder te ajudar, mas você sabe que eu nunca fui muito maternal e estou sempre no trabalho. Mas você não precisa fazer isso, se acha que não pode.

— E o que eu faço? Deixo ela no hospital até ter seis, sete anos?

— Tem muitos casais que querem um bebê meu querido, casais preparados. Já era loucura você e a Carolina terem um filho tão jovens e ainda com tanta coisa pra fazer, você sozinho criar essa menina é uma insanidade. Tem que pensar no melhor pra ela. Pensa nisso, agora vai pra casa e toma um banho. Tente dormir.

Volto pra casa e me afogo numa garrafa de vodka, quebro algumas coisas de raiva. Culpo a mim, culpo a Deus, culpo aquele bebê, antes de capotar sobre o sofá da sala.

Desperto mais tarde com minha mãe a porta, ela fica furiosa quando vê o cheiro de álcool e começa a me xingar. Eu deixo que ela fale e brigue, não tenho ânimo pra discutir. Tomo um banho, visto um terno preto e vou para o velório me despedir da Carol. Permaneço por horas a fio numa cadeira, recebendo as condolências de amigos e conhecidos, não sou capaz de me aproximar do caixão onde ela repousava, bela, tranquila, parecia dormir.

No fim da tarde dois rostos conhecidos se aproximam dela, Thomas Smith e Alec Mcallister, agora com mais cabelos brancos do que eu me recordava.

Tom se aproxima e beija o rosto da filha, ele se debruça sobre o caixão enquanto é confortado por Alec que acaricia seu ombro. Minutos mais tarde Thomas caminha na minha direção, eu me levanto e ele me dá o abraço mais sincero e apertado que me deu na vida.

Eu nunca fui o genro preferido do Tom e eu sabia muito bem o por quê, mas nem os anos me comportando e me dedicando a Carolina e a faculdade fizeram mudar sua opnião sobre mim.

— E o bebê?

— Vai ficar no hospital alguns dias. Mas vai ficar bem.

— Graças a Deus, ela conheceu a filha?

— Sim. Ela ela viu e sorriu pra ela.

— Ótimo. Ela já tem um nome? -  Ele diz tentando conter as lágrimas.

— Era pra ser Davin, ainda não pensei nisso.

— Uma vez mandei uma boneca pra Carolina no natal, ela lhe deu o nome de Emma. Segundo a mãe ela não desgrudou da boneca até ficar moça. - Diz tom limpando o rosto.

— Emma, é um nome bonito.

Alec se aproxima de nós e me cumprimenta, me dâ os pêsames com um olhar triste. E eu faço o mesmo. Alec foi o primeiro amor da Carolina e embora tivesse pavor e muito ciúmes daquela pinta de galã de meia idade que ele ainda impunha, eu aprendi a admirá - lo com um tempo, era um homem de sentimentos nobres, tão nobres que não pensou duas vezes em abrir mão do amor da Carolina em prol da felicidade dela. Ou pelo menos do que ela acreditava ser a felicidade dela, afinal ela talvez ainda estivesse respirando se eu não tivesse cruzado na história dos dois.

— Eu sinto muito Noah, se precisar de algo, sei que moramos longe, mas não hesite em ligar eu farei o possível pra te ajudar.

— Obrigado. - Respondo e antes que fechem o caixão vou até ela, dou- lhe o último beijo, cheiro seus cabelos e sinto o toque de sua pele, agora fria e rígida.

— Me perdoa meu amor, me perdoa. Eu te amo tanto, por favor me leva com você. -  Digo caindo em lágrimas e me debruçando sobre ela.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então? Emocionados... ?