Crescendo escrita por August Martinez


Capítulo 3
Capítulo 3




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"Quando a morte vem chegando, parece que as pessoas ficam em paz. Param de lutar contra ela e se entregam com uma docilidade quase incompreensível."- Zevi Guivelder

        Os meus olhos estavam doloridos, a minha cabeça estava pesada e doía ao toque. Pestanejei com grande custo, sem os abrir totalmente, e fiquei assim por alguns segundos. Olhando o teto pálido, por entre a minha fina camada de cílios, agora totalmente úmidos por uma espessa mistura de lágrimas e suor. Ouvia alguns passos próximos, e alguns toques leves no meu antebraço esquerdo. Me afundei mais naquela extremidade almofadada, franzindo o cenho, me perguntando de quem se trataria. Tossiquei algumas vezes, e depois de ouvir uma voz sussurrando algumas palavras inaudíveis, decidi finalmente olhar em redor. Me encontrava numa cama, definitivamente essa era a única coisa da qual estava certa. A pequena sala estava demasiado iluminada, tomando um estranho tom amarelado e nauseante. Do meu lado direito haviam dispostas mais camas, todas iguais e de um tom igualmente pálido e aspeto antigo, e do meu lado esquerdo estava Adriel. Tinha uma vaga lembrança do seu rosto, parecendo uma lembrança muito distante e confusa. Ele segurava um minúsculo papel no meu braço, com apenas dois dedos, e parecia bastante concentrado nessa tarefa. Pelo menos o suficiente para não dar conta do meu olhar que se dirigia a ele. Aproveitei esse curto espaço de tempo para o apreciar com mais clareza e detalhe. O seu cabelo loiro chegava nos ombros, e tinha um rosto bastante jovem, quase infantil, que lhe atribuía uma imagem dócil e amigável. Tinha uma pele sardenta, e extremamente bonita, muito semelhante à de Jean-Pierre. Assim que aquele nome passou pela minha mente, pigarreei bastante alto, como numa tentativa falhada de a afastar. Pela primeira vez, desde que acordara, ele olhou para mim. Os seus olhos castanhos estavam agora presos em mim, e vi o seu rosto mudando bruscamente de expressão, abrindo um sorriso tímido. Largou o meu braço demasiado rápido, e depois gritou por uma enfermeira. Uma enfermeira? Onde estava eu?
        Passados alguns segundos, vi uma pequena mulher de ar exótico, entrando na sala. Vestia um uniforme branco, e na sua mão trazia uma pequena agenda azul. O seu rosto transmitia uma mistura de preocupação e carinho. Depois de contornar as várias camas que se acumulavam ao meu redor, finalmente chegou perto de onde me econtrava. Me remexi na cama, olhando Adriel em busca de respostas, mas ele estava concentrado novamente no meu braço, que percebia agora estar ferido. Senti uma dor lancinante na cabeça, e soltei um pequeno gemido devido à mesma.

 —Não se mexa assim tão repentinamente, querida!- advertiu ela, levantando a mão bruscamente. -Vá devagar, um passo de cada vez. Você levou um valente tombo.

  -Um tombo? O que aconteceu?- a confusão atolava a minha cabeça, e todas as informações dançavam nela, a uma velocidade alucinante.

—Você não se lembra?- perguntou ela em seguida. Ao ver a minha expressão preocupada, decidiu reformular a frase inicial.- É natural, não se preocupe. Hoje de manhã, aqui o seu amigo Adriel, a trouxe aqui porque havia desmaiado no segundo andar. Você se lembra disso, querida?- estremeci ao ouvir a palavra "desmaiado", recordando tudo o que havia acontecendo naquela manhã. Senti um arrepio incontrolável percorrendo toda a minha espinha, e logo em seguida o terror regressou.

Olhei em redor assustada, e em seguida me levantei de um impulso, sentindo uma enorme pontada de dor no braço. Os dois se precipitaram na minha direção, me trazendo de novo para a posição inicial.

—Não...eu me lembro de ter caído. E aí ele me pegou...e não me consigo lembrar de mais nada.- acabei por responder por fim, tentando controlar a minha respiração descompensada.

—É natural, meu doce. Você apagou totalmente depois disso, mas quando isso aconteceu, acabou batendo a cabeça numa das vitrines do corredor...- ao ouvir a última frase, levei a mão à cabeça, onde senti uma espessa camada de um tecido que não consegui identificar.

— Não! Não toque na cabeça, querida...não é nada de grave, mas esse curativo está bem instável, e precisa que ele continue aí para proteger a ferida, tudo bem?- as suas palavras se misturavam com o medo que me assolava naquele momento. E olhando para as minhas mãos machucadas, decidi fazer a pergunta que mais me preocupava no momento.

—Por...por quanto tempo eu estive apagada?

—Faz agora precisamente 7 horas...- respondeu, enquanto olhava o seu relógio de bolso.- Oh, não se preocupe querida. O que importa é que você descanse bastante agora, e que só saia daqui quando se sentir pronta, tudo bem? Entretanto, acho que deveria agradecer ao seu amigo. Ele não se afastou da enfermaria nem por um segundo.

— Isso é verdade?- perguntei, olhando para o mesmo pela primeira vez, desde o início da conversa. Ele baixou o olhar, visivelmente envergonhado, e depois sorriu timidamente para mim.

—Bom, penso que o meu trabalho aqui esteja terminado. Regresse à enfermaria na segunda, entendido? Precisaremos de mudar o seu curativo de novo.- disse a enfermeira quebrando o silêncio que ali se havia formado.- Assim que se sentir capaz pode sair, querida.

—Muito obrigada.- agradeci. Ela sorriu e depois virou costas, se dirigindo para a porta de saída, desaparecendo depois de vista. Pousei o meu olhar em Adriel de novo, e ele já não me encarava como à pouco. Estava agora ajeitando as cobertas da minha cama.

 —Isso é verdade?- insisti novamente. Vi o seu rosto enrubescer, e depois de coçar a parte de trás da sua cabeça, acabou por assentir.- Obrigada, Adriel.

     -Não tem de quê...eu só fiz o que me competia.- respondeu, ainda embaraçado com toda a situação.- Fiquei sabendo que o seu nome é Elisabeth...bom, muito prazer.      

—Lis, apenas Lis.- emendei, tentando me levantar. Ele saltou da cadeira onde estava sentado, e se colocou do meu lado, me emparando.- E mais uma vez,  muito obrigada.        

—O que aconteceu hoje mais cedo? Você me assustou de verdade.- mudou ele de assunto. Caminhávamos agora lentamente até à porta, onde parámos devido a uma pequena tontura.        

—Eu...Eu não sei para dizer a verdade.      

—Tem pânico de escuro?- perguntou um pouco inseguro, antes de a sua expressão preocupada se amenizar.- Não tem razão para sentir vergonha disso...       

—Eu não sei, eu só...eu só...- deixei a frase em suspenso, e ele não fez questão de continuar aquele assunto.        

—Mas foi um apagão e tanto! A escola toda ficou completamente às escuras!- continuou ele, mudando de assunto, assim que cruzámos a porta da enfermaria. Já conseguia ver as grandes escadarias, lotadas de estudantes. Sair naquela figura não me ajudaria em nada, por isso mesmo decidi parar no meio do corredor. Me encostei na parede, e esperei que Adriel continuasse. Ele copiou todos os meus movimentos, e se sentou no chão, recostando a cabeça na parede fria. Tirei alguns segundos para examinar as minhas mãos, machucadas mas porém sem vestígios de sangue. Passei a ponta do indicador, seguindo uma das linhas, até chegar no pulso.- Ah, não mexe aí! Você se deve ter machucado quando as lâmpadas explodiram.       

—Hum, é...devido ao apagão.- respondi insegura. Várias imagens daquela manhã passaram pela minha cabeça. E sentindo as minhas forças falhar por alguns segundos, me sentei junto dele.        

—Na verdade foi tudo bem estranho...as explosões.- esclareceu ele.- Mas o que importa é que você está bem.       

— O que provocou a falha na eletricidade?- perguntei, enquanto tentava a todo o custo retirar o meu casaco.      

—Eu não saí de perto de você, Lis. Mas a enfermeira falou que se deveu a um avalanche numa montanha próxima, que derrubou um poste de eletricidade.- explicou ele.- Mas não se preocupe, os geradores centrais já foram restaurados.     

—Isso é bom...- comentei sem entusiasmo.    

—Tem certeza de que não precisa ficar por mais algum tempo? Eu não me importo de lhe fazer companhia...- continuou ele extremamente cauteloso, enquanto passava as mãos pelas suas calças, inquieto.     

—Não, eu estou ótima, de verdade.- respondi sorrindo agradecida.- E de qualquer das formas, creio que os meus amigos devem estar preocupados.        

—Sabrine e...Drake, não é isso? Eles estiveram aqui faz poucas horas, super preocupados com você.- abri lentamente a boca, devido ao espanto.

      -Como eles souberam?- perguntei ainda incrédula.

     -A minha tia, Cassandra, falou com eles minutos depois do acontecido.

    -Você é sobrinho da diretora Cassandra?- perguntei mais rápido que o suposto. Depois dessa pergunta desnecessária, tentei manter a compostura. Esperando o momento certo, para fazer a pergunta que mais esperava.    

—É, eu sou.- o seu leve rubor havia regressado ao seu rosto.- Bom, na verdade, a minha mãe se casou com o irmão dela...mas para todos os efeitos, sim ela é minha tia.   

—Isso faz de você primo do Jean-Pierre...- não aguentava mais evitar essa pergunta. Ele me olhou por alguns segundos, levantando ligeiramente as sobrancelhas.    

—Hum, sim...Você o conhece?- perguntou, usando um tom de voz indecifrável. Engoli em seco, tentando manter uma expressão e voz igualmente neutros.     

—Ah, não muito. Nós temos aula de música juntos.   

—Ah, sim...a aula de música.- comentou ele, soltando uma pequena gargalhada melodiosa. Depois disso toda a conversa cessou. Ele olhava os seus sapatos, e eu as minhas pernas, agora cruzadas. O olhei algumas vezes, tomando coragem para perguntar algo que me estava inquietando no momento.       

—Qual é o problema dele?- perguntei bruscamente. Ele me olhou surpreso e depois os seus olhos se encheram de compreensão. Baixou o olhar em seguida, e suspirou profundamente.    

—Ele é um caso complicado, Lis...Mas porquê?- perguntou ele, anormalmente preocupado.- Não me diga que ele foi grosseiro com você.    

—E para quem ele não o é?- respondi irônica, me contendo para não contar tudo o que havia acontecido no dia anterior.- Mas está tudo bem.           

—Claramente, não está! Preciso falar com a minha tia sobre o seu comportamento.- respondeu ele, abanando a cabeça em sinal de reprovação.      

—Acredito que ela já esteja informada...- respondi, relembrada da discussão entre ambos, a que havia assistido na primeira noite.- Você sabe o porquê de ele ser assim?   

—Como eu disse, Lis, ele é um caso complicado. Mas acredito que já tenha ouvido boa parte da história.- aquela informação não me satisfazia. Estava sedenta por informação, e agora que tinha a minha fonte, não conseguia evitar senão perguntar.   

—Que história? Eu sou nova aqui , eu cheguei ontem de manhã, não creio que saiba de história alguma...   

—Oh, entendo...bom, na verdade não sei como contar isso. Sempre fui contra a que essa história fosse espalhada pela escola, mas visto que o seu palco tomou lugar aqui, foi inevitável.- começou ele, tomando impulso para continuar.   

—O que aconteceu, Adriel?   

—Você sabia que Jean-Pierre tinha uma irmã?- tinha? Senti os meus olhos se arregalando, e depois neguei com a cabeça, pedindo para que prosseguisse.- Bom, ele tinha sim, o seu nome era Pamela. Ela frequentava essa escola, era o seu primeiro ano aqui, ela tinha apenas 15 anos. Ela era uma menina muito aventureira, sabe? Sempre metida em encrenca.- sorriu com alguma lembrança escondida na sua mente.- E um dia, ela decidiu se aventurar nas montanhas à noite com algumas das suas amigas.   

—O que aconteceu?- perguntei, sentindo um calafrio cada vez mais forte.   

—Ninguém sabe ao certo...Os corpos de todas elas foram encontrados passados alguns dias de investigação...- a sua voz transmitia uma tristeza profunda, e falava de maneira quase inaudível.- E desde então que paira uma núvem negra por aqui...

   -Eu...eu não sabia.- a minha cabeça girava com tanta informação. Ela latejava, as dores haviam voltado. Mas temia que ele parasse de falar, por isso mesmo engoli um pequeno gemido que se tentava soltar a todo o custo.- Eu lamento imenso. Eu nem consigo imaginar a quantidade de dor por que a sua familia passou...por que ele passou...- acrescentei baixinho.

 -Foi um momento muito duro para todos nós.- garantiu ele, baixando o olhar.- Mas principalmente para ele...ele era de fato muito próximo dela. Faziam tudo juntos...eles eram inseparáveis. E ele se culpa por não a ter protegido naquela noite. O Jean pensa que a culpa foi dele, pensa que ele deveria ter estado ali com ela para evitar tudo isso.       

—Isso é tão injusto! Ele não pode fazer isso com ele mesmo...- respondi abruptamente. A minha voz saiu mais consternada do que esperado, e sem prévio aviso, senti uma pequena lágrima escorrendo pelo meu rosto. A limpei automaticamente, imaginando o que passaria pela cabeça de Adriel naquele exato momento.     

—Você tem razão, Lis. Mas ele não percebe isso...- comentou Adriel, enquanto me observava atentamente. Conseguia sentir a dor nas suas palavras, em cada uma delas.       

—Quando foi que isso aconteceu?- perguntei, assim que ganhei coragem.      

—Faz três anos esse mês.- respondeu ele, e ouvi a sua voz falhar por um milésimo de segundo.       

—Eu lamento imenso...Eu não fazia ideia.- disse sincera.      

—Bom, agora já sabe.- respondeu rápidamente, abrindo um sorriso fraco. Caminhámos juntos em silêncio até às escadarias, e depois de um suspiro cansado, Adriel o quebrou.- Se sente em condições de seguir sozinha para o seu quarto, ou prefere que eu a acompanhe?    

—Ah, não. Já incomodei o suficiente, de verdade.- respondi agradecida, enquanto avaliava a sua expressão exausta, provavelmente devido às horas passadas esperando que finalmente abrisse os olhos.- Muito obrigada novamente, mas penso que consigo ir sozinha a partir daqui.

      -Tudo bem, então. Vou procurar o meu priminho.- respondeu, abrindo um sorriso irônico. Era um sorriso irônico muito diferente dos do seu primo, era divertido, extremamente engraçado. Não agressivo e quase insolente.- As melhoras, Lis. Nos vemos por aí.
            O observei enquanto se afastava, me perguntando sobre o que falaria com Jean-Pierre. Temia que aquela conversa fosse gerar uma discussão. E assim como o vento leva as folhas, senti esse pensamento voar para bem longe, sendo substituido por um outro. Pamela Colleen. Não conseguia parar de pensar naquele assunto. Pobre menina, tão jovem para morrer daquele jeito. Mas que jeito? O que havia acontecido com ela? Isso não estava certo.

—Ah, que bom que já acordou! Que alívio!- ouvi a voz de Drake, vinda do cimo da escadaria. Vários alunos fixaram os seus olhares em mim, depois dessa frase, e eu me enconhi envergonhada.

 -Olá Drake.- respondi, vendo aquela figura tão excêntrica descendo as escadas. Os seus cabelos roxos estavam desalinhados, e vestia um pijama de flanela rosa. Me abraçou com força, e depois focou o seu olhar no meu rosto.       

—Olhe para você! Está horrível!- comentou ele pasmo, me arrancando uma gargalhada. Senti um laivo de dor na cabeça, e logo decidi parar de rir.    

—Bom, não me vejo no espelho faz algumas horas, mas julgando pelo seu comentário, creio estar tudo no seu formato normal.- respondi divertida, tentando abrir um sorriso no meio de tantas feridas e pequenos golpes.   

—Idiota! Vem, vamos subir, a Sabrine já está quase subindo pelas paredes de nervosismo! Precisa de ajuda para subir?- perguntou ele, quando me viu subindo o primeiro degrau.

  -Tenho a cara quebrada, não as pernas Drake.
      

Ele soltou uma breve gargalhada, e depois me segurou pela cintura, ignorando todos os meus pedidos. Tagarelava sobre um encontro que havia agendado com um garoto da sua cidade, ele parecia verdadeiramente feliz. Sorria de vez em quando, para tentar manter a ideia de que estava realmente prestando atenção. Mas os meus pensamentos estavam muito longe disso.

 —Finalmente!- berrou Sabrine, mal Drake entrou comigo no seu quarto. Correu para junto de nós, e me abraçou com demasiada força. Gemi de dor, e depois de se desculpar rápidamente, começou a falar.- Você não sabe como eu estava preocuada com você! O que foi que aconteceu? Falaram que você tinha apagado, não que tinha sobrevivido a um catástrofe natural! Olhe para você...

   -Calma, são só alguns machucados, eu estou ótima. Respira...- respondi. Ela me olhava preocupada, e depois pegou numa cadeira e me ordenou que sentasse. Suspirei derrotada perante tal exagero, e depois me sentei.       

—Eu falei que ela estava dando em louca nesse quarto. Quer me parecer de que precisa da Vivian aqui, para se controlar mais!- disse Drake irônico. Vi Sabrine fechando a cara para ele, e me perguntei sobre o porquê de elas não serem amigas.      

—Eu preciso perguntar uma coisa...- iniciei eu, vendo ambos se sentando juntos na cama dela. Eles não pareciam ter me ouvido, pelo que continuavam a tagarelar sobre o encontro de Drake.
        -Ele é muito gato! Você não acha, Sab?- perguntou ele, mostrando algo no seu celular para a pequena garota de óculos.
         -Muito, muito mesmo!- respondeu ela divertida.        

—Pessoal?- chamei eu um pouco mais alto que o necessário. Ambos me olharam sem entender do que se tratava. Drake foi o único a responder.
          -Sim?       

 -Eu preciso perguntar algo para vocês...- expliquei. Os dois se entreolharam perante a minha expressão insegura e apavorada.         

—Claro, fala de uma vez Lis!- pediu Sabrine.        

—Tudo bem...- concordei, respirando fundo em seguida.- O que vocês sabem sobre Pamela Colleen?

 Drake deixou o seu celular cair no chão, num estrondo horrendo, que ecoou na minha cabeça por muito tempo. Olhei instintivamente para a cara de Sabrine. Ela estava estática como pedra, e as suas faces estavam extremamente vermelhas. Ela me olhava irada, conseguia ver o seu peito se movimentando de forma descompensada. Olhei para Drake, que a tentava acalmar com pequenas caricias na perna.

—Como você sabe sobre ela? Foi o Adriel?- perguntou ela visivelmente irritada. Eu a olhava atonita, sem reação. Olhei para Drake, que me olhava de volta preocupado.- Foi ou não, Lis?

 -Sim...- respondi por fim. Ela abriu um sorriso irônico, e sussurrou um "Claro".         

—Será que ninguém sabe ficar calado nesse inferno de escola?- Sabrine gritava alto, tinha quase a certeza de que todos os alunos dos restantes quartos a poderiam ouvir.       

—Sabrine!- chamou Drake, tentando manter a situação sob controle. Ela me olhava furiosa, e eu não conseguia desviar o meu olhar dela.      

—Sabrine, eu...- tinha começado a falar, quando a sua voz me cortou rispidamente.       

—Você não sabe de nada, Lis! Mas eu não vou permitir que o nome dela seja alvo de mais piadinhas e conversinhas! Ela não é um animal no circo, entendeu?- dei dois passos para trás perante o seu tom de voz, e olhei para Drake, que olhava para a situação assustado.- Não acredite em nada do que ele te falou!        

—Do que você está falando? Ele só me falou do acidente...- a sua gargalhada sarcástica e azeda me impediu de falar mais fosse o que fosse.           

—Acidente? Acidente?- falou ela entredentes.            

—Sabrine...- advertiu Drake, tentando manter a calma da situação.              

—Me deixem em paz! Todos vocês!- gritou ela, antes de sair do quarto, batendo a porta com demasiada força. Ambos fitámos a porta por alguns segundos, e depois senti a sua mão segurando o meu cotovelo, me puxando para a cama. Me sentei do seu lado e o olhei, enquanto ele verificava se o seu celular estava quebrado.

—O que foi que eu disse? Eu...juro que não foi minha intenção...- quebrei eu o gelo, tentando manter os meus pensamentos o mais claro possível. Vi Drake suspirando perante o seu ecrã totalmente estilhaçado, e depois me olhou por cima do ombro.
         —A culpa não é sua. Ela precisa desse tempo...
         —O que foi isso, Drake?- perguntei ainda confusa.
       —É complicado...Pensava que o assunto "Pamela" já estava encerrado fazia muito tempo.- confessou ele. As suas palavras pareciam sair com grande custo, como se doessem. Ele estava visivelmente incomodado com o comportamento da amiga.
         —Vocês a conheciam?- acabei por perguntar.
         —Eu não a cheguei a conhecer. Mas Sabrine era muito próxima dela, eram como irmãs, sabe?
         —Eu...eu não sabia...- parecia que as revelações não terminavam naquele dia.
         —Você só chegou ontem, Lis.- explicou ele.- E para além disso, penso que todos tenhamos feito um voto de "silêncio" sobre tudo isso. Todos preferem não tocar nesse assunto. É quase como se tivessem medo de que essa época regressasse...   

—Eu não fazia ideia disso. Eu não sabia...       

—Está tudo bem, Lis. É que esse assunto já não era levantado fazia muito tempo, e a Sab se habituou com isso.- disse ele extremamente triste.- É mais fácil viver no silêncio, do que encarar a verdade que as palavras nos trazem, por vezes.
       —Vocês sabem o que aconteceu com ela?- perguntei interessada, tentando recuperar uma respiração normalizada.      

—Provavelmente te contaram o mesmo que todos nós sabemos. Um grupo de alunas, nas montanhas de noite. Os corpos foram encontrados passados alguns dias?- eu assenti perante a sua pergunta retórica, e depois ele prosseguiu.- É tudo o que sabemos também...foi uma época difícil, Lis. Você tem sorte de chegar numa altura tão pacífica aqui na Academia Serenity Hill.    

—O que você acha que aconteceu com elas?- ele me olhou por alguns segundos, e depois o seu olhar vagou pelo quarto, pensando sobre o assunto.  

—Será que foi o frio? Ou uma queda? Quem sabe até se perderam, e morreram de fome...eu não sei, Lis. Ninguém sabe.- acabou por concluír com pesar. 

—Que situação horrível.- comentei.

—Foi bem horrível sim, mas...- Drake foi cortado por gritos vindos do exterior. Nos entreolhámos rapidamente, e depois corremos para a janela mais próxima. Não conseguia entender o porquê de tanta gritaria, devido ao grande aglomerado de estudantes que ali se agrupava, em volta de alguma coisa. Drake pegou nas suas chaves, e me puxou para fora do quarto. Corremos durante todo o grande corredor, e descemos as escadarias com a mesma velocidade. Ao chegar ao exterior, já podia ver a diretora Cassandra correndo para o mesmo sítio que nós, com uma expressão preocupada. Cortámos caminho por entre toda a rodinha que ali se havia formado, sentindo os meus pés se afundando na neve gelada. Os gritos constantes dos alunos estavam alastrando as minhas dores de cabeça, e eu mal podia as suportar. Assim que chegámos no centro, pude ver várias manchas de sangue pela neve. E pude perceber do que se tratava. Uma briga.

—O que você contou para ela?- gritava Jean-Pierre furioso, acertando um golpe no estômago de Adriel, que caiu no chão em seguida.- O que você contou para a Elisabeth?- repetia ele várias vezes, repetindo também o golpe.

—Hey! Parem os dois imediatamente! O que vem a ser isso? Jean-Pierre!- a diretora Cassandra gritava no meio de toda a confusão, tentando chegar junto deles. Os meus olhos pairavam sobre os dois, observando toda a situação em panico. Vi Adriel se levantando, tentando avistar a sua tia, quando foi acertado com outro soco no queixo, o fazendo cair de novo. Vi o seu sangue jorrando na neve pálida, e não controlei um grito aterrorizado.
       -Adriel! - o meu grito saiu tremido e esganiçado, devido às lágrimas que insistiam em escapar. Sentia Drake me segurando pela cintura, me impedindo de intervir. Jean-Pierre e um Adriel ensanguentado olharam na minha direção. Vi a expressão furiosa de Jean se modificando, se tornando numa de embaraço e vergonha. Ele olhou os seus nós dos dedos ensaguentados e feridos, e me olhou novamente, incrédulo com a própria atitude.

—O que vem a ser isso?- gritava a diretora Cassandra, finalmente chegando perto dos dois. Os olhou profundamente desiludida, e depois apontou para cada um deles, pedindo para que fossem ter com ela ao seu gabinete. Jean-Pierre se limitou a pegar na sua mala que se encontrava junto dos pés de alguns estudantes, que agora reclamavam pelo término de toda a ação. E depois de o fazer, simplesmente saiu dali correndo, entrando no imenso mato verdejante. Deixando uma "plateia" inteira desiludida.

Corri na direção de Adriel que limpava agora a sua boca cheia de sangue, com a manga do seu casaco. Fiquei surpresa ao vê-lo sorrir quando me viu, me ajoelhando para o ajudar a se levantar.

—O que foi isso? O que vocês pensam que estão fazendo? Vocês estão loucos, é isso?- gritei completamente descompensada. Ele cuspiu uma grande quantidade de sangue no chão, e depois se desculpou.
        -Peço desculpas por ter visto isso acontecendo. Penso que o meu primo não tenha ficado feliz por ter contado sobre Pamela.
        -O quê?- perguntei sem poder acreditar. Toda aquela confusão, se devia a isso?
       -Acho que seria melhor ir falar com ele, Lis...Talvez ele se acalme mais, quem sabe.
        -Olhe para a sua cara!- berrei, olhando o seu olho roxo e lábio rebentado. Ele sorriu divertido, parecia gostar daquela situação, e depois pegou um pouco de neve colocando junto da boca.
        -Vejam só quem fala!- comentou ele dando uma risada, apontando para a minha testa recentemente machucada.- Vá ter com ele, duas caras quebradas num dia já é o suficiente.
       -Você tem que ir na enfermaria, agora!- insisti. Ele riu perante a minha preocupação e depois percebeu o olhar que a sua tia lhe lançava ao longe. Suspirou, deixando cair a neve ensaguentada, e depois assentiu.
        -Parece que tem mais alguém querendo falar comigo. Falamos mais tarde, Lis...- virou as costas, e começou a andar na direção contrária.

—Hey!- chamei eu, pegando no seu braço, o fazendo olhar para mim novamente.- Porque você não revidou?

—Nunca machucaria quem amo,Lis.- respondeu calmamente.

Depois de o dizer, abriu um sorriso carinhoso, e retirou gentilmente a minha mão do seu braço. O vi se afastando pela segunda vez naquele dia, e pensei por alguns segundos no que fazer.

—O que você vai fazer, Lis?- ouvi a voz de Sabrine vinda do meu lado. A olhei por alguns segundos, já não parecia tão irritada. Pelo contrário, parecia bastante preocupada.

—Vou resolver tudo isso.- disse decidida.

 

 

 


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