Sangue nas Areias do Foguete escrita por Pierre Ro


Capítulo 3
"Meu nome é Alice"


Notas iniciais do capítulo

E aí? Preparados para a introdução de mais personagens e de uma revelação importante?
Então, boa leitura!



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Dias atuais

Beatriz Drummond se distraía na janela de seu carro, admirando a paisagem que surgia em sua frente. Seus olhos azuis esverdeados brilhavam. Passaram por uma serra, onde árvores cercavam a pista. Deixava o vento bater em seus cabelos longos, tingidos de louro, com um tom natural. Seus traços eram finos e sua boca pequena. Definitivamente, era muito bonita. 

            Respirou fundo e sorriu. Aquele ambiente lembrava a sua escola que, após quatro anos – já que repetiu o segundo ano –, terá que se despedir. Sentia-se um pouco triste com isso. Afinal, apegou-se aquele lugar e àquelas pessoas. 

— Pensando na vida, Bia? – Disse Christian, seu irmão, que estava do outro lado no banco do passageiro, tirando a atenção da moça na natureza. A relação entre os dois não era muito boa, mas ambos não costumavam entrar em conflitos. Ambos nem se falavam, eram bem diferentes. Beatriz discordava de muita coisa dos membros de sua família.

— Lugares assim me acalmam – respondeu ela, sem dar o trabalho de se virar para ele.

— Falei que não seria uma boa ideia te colocar no COFAC! Está virando uma caipira! – Rodrigo Drummond, o pai dos dois, falou, seriamente, enquanto dirigia até a Região dos Lagos com o seu luxuoso carro. Todos planejavam aproveitar a semana nas praias daquele lugar. 

            Não foi difícil para Rodrigo se livrar de dez dias de trabalho para se divertir.

— E olha que ela fez informática, hein! – Comentou Christian, rindo. Beatriz se virou para ele e fez uma careta. Não achava a menor graça.

— Ah, foi bom para ela. Ela teve uma ótima educação e conheceu muitas pessoas diferentes. – Explicou Emily, a madrasta de Beatriz e Christian e terceira esposa de Rodrigo. Vestia uma blusa chique, bem decotada, e uma calça jeans de marca. Abusava nas joias. Usava tudo o que podia. Colares, pulseiras, anéis, brincos e relógios. Fora a maquiagem, que às vezes chegava a ser exagerada. Dona de uma pele branca e cabelos loiros artificiais na altura do ombro, era chamada pelos seus afilhados de “perua”, pelas costas.

— Uma educação marxista, você quis dizer! Não suporto esses conteúdos que o MEC dá! Sorte deles que o colégio é federal e eu ainda – dizia Rodrigo, enfatizando a última palavra – não me tornei presidente. Fora que ela teve que estudar com gente da cota. Se fosse para escola particular não teria que se sujeitar a isso.

            Beatriz já estava cansada dos discursos do pai, considerados muito ridículos e preconceituosos, por ela. E era pior quando ele se metia e mandava em sua vida. Dizendo que ela devia estudar e encontrar um homem rico. Ela gostava da escola e ponto, não queria sair. Não que a garota não tivesse seus preconceitos a respeito de pobres, pois tinha, mas tentava mudar seu pensamento, diferentemente de seu pai.

            “Se pelo menos ele fizesse outra coisa que não fosse me criticar...” Pensava ela.

— Eu nunca entendi direito esse negócio de educação marxista, para falar a verdade... Só ouvi falar – comentou Christian, lembrando-se dos tempos de sua escola, que era privada e o dono fazia parte dos amigos de seu pai. Lá, assuntos voltados à esquerda política eram expressamente proibidos de serem abordados para não influenciarem os alunos.

 – Nem precisa entender, meu filho! É melhor assim! – Disse ele, autoritário.

— Hum, pelo menos, você pode usar isso na sua campanha. “Minha filha não é como os filhos dos outros. É humilde e estuda em colégio público” – ponderou Emily e depois a viagem voltou a permanecer no silêncio. Rodrigo pareceu gostar da ideia, mas não falou nada. 

            Beatriz pegou o celular de sua calça, para ver se tinha algo a mais na conversa do “KnowNow”. Checou e viu que sim. “Allieda”, uma das pessoas que mantinha contato na rede, tinha enviado uma mensagem. Clicou para ver o que era:

“Oi, já chegou em Cabo Frio? Estou louca para finalmente nos encontrarmos! ”

            A garota riu, e logo digitou o seguinte: 

“Ainda não, querida. Também estou curiosa para te conhecer. ”

            Beatriz nunca foi de gostar de falar com gente estranha, mas, com a agonia que sentia ao ser julgada a todo momento pelo pai, sem ter ninguém para contar suas inseguranças, queria encontrar um lugar para desabafar e ouvir relatos de outras pessoas. Encontrou isso no “KnowNow”, um aplicativo bastante famoso que permite fazer isso. Segundo os criadores do software, é bastante seguro na questão de invasores. Apesar de estudar para ser uma técnica em informática, iludiu-se, não queria seguir mais aquela área e muitas vezes passou raspando nas matérias referentes ao técnico. Seu desejo atualmente era fazer a faculdade de Nutrição.

            De repente, seu celular tocou. Curiosa, logo atendeu e viu que se tratava de Calista, uma de suas amigas da escola.

— Oi, amiga! Onde você está? – Perguntou Calista, sorrindo.

— Olá! Estou na serra ainda. E vocês?

— Já estamos em frente a casa de vocês, para falar a verdade. Como vocês estão um pouco longe, vamos procurar um lugar para almoçar e iremos voltar. Tudo bem?

— Claro. Quem mais está com vocês?

— O Hugo, a Débora, o Renan, o Tomas, a Micaela, a Isa e o seu motorista, o Jorge. Como a sua van era maior que a do Miguel, o Fernando também pode vir.

— Hugo e Tomas vão? Nossa! – Comentou ela, rindo, e ouviu a amiga fazendo o mesmo do outro lado da linha – Por essa eu não esperava! Fala para o Hugo levar protetor solar fator mil!

— Pois é! A primeira vez que ele vai pegar sol! E, bem, o Tomas veio depois de muito insistirmos. Parece que no último momento ele decidiu se divertir e se enturmar conosco.

— Antes tarde do que nunca, não é mesmo?

— Verdade. Vou desligar agora, Bia. Até mais! O Miguel está vindo com outro carro trazendo o resto do povo.

— Tudo bem. Até mais então, amiga!

— Até!

            Ao desligarem, Beatriz voltou a colocar o celular no bolso e tornou a observar a paisagem.

— Só quero saber quem você convidou, Beatriz! – Avisou seu pai, mas ela nem ouviu. Apoiou a cabeça no banco e adormeceu.

†††

            Uma hora e meia depois, o carro de Beatriz estacionou na garagem da casa de praia. Ninguém perguntou como o governador conseguiu autorização para construir uma moradia naquele lugar, pois era construída, literalmente, na praia. Não havia, sequer, uma rua para separar a casa da areia. Todavia, nunca houve nenhum acidente. Provavelmente foi planejada por um engenheiro bastante habilidoso. 

            Ela era estruturada sobre concreto, que perfurava a areia há muitos metros abaixo do solo para se manter firme. A água nunca havia chegado lá em cima, e mesmo se tivesse, certamente Rodrigo contrataria alguém para reparar o estrago rapidamente. Para o concreto não aparecer, ele foi envolvido com duas camadas de rochas, para um efeito natural. Embaixo, também foi colocado alguns arbustos.

            A casa, por sua vez, não era algo simples. Possuía três andares, era espaçosa e pintada de um azul claro por fora. Era murada e vigiada sempre com uma câmera de segurança na porta da frente.

            E a visão que se tinha do último andar era a melhor. Podia-se ver até a ponta da praia, chamada de Praia do Foguete. Possui esse nome devido a existência de uma caixa d’água em formato de foguete nas suas proximidades. Um lugar lindo. A areia era branquíssima e a água, cristalina, possuía um tom azul esverdeado. 

            Uma das grandes vantagens de estar lá era a paz que reinava sobre aquele lugar. Como era meio afastada do centro, raramente ficava lotada. Não haviam quiosques e existiam poucas pousadas. Para os curtidores de pesca, kitesurf e surfe, podia ser uma ótima opção. O mar era um pouco agitado, mas nada que atrapalhasse aqueles que só querem se banhar. Aliás, também haviam salva-vidas em vários pontos distribuídos pelos sete quilômetros e meio de extensão.

— Bia! – Exclamou Calista, que estava observando o mar, quando viu sua amiga chegando. Estendeu os braços e ela fez o mesmo, ao se aproximarem, deram um grande abraço.

— Calista!

— Esse lugar é mais maravilhoso agora! Ao vivo! 

— Sempre falo isso quando venho aqui! – Falou ela, e depois notou que seus outros colegas estavam atrás dela. Seu pai e irmão vieram atrás.

— Jorge, como foi a viagem? – Questionou Rodrigo ao notar seu motorista particular e colega isolado, de olho nos jovens. Era um homem que transmitia um certo ar de mistério e medo. Possuía uma pele branca, mas bronzeada. Um cabelo grisalho, penteado de um jeito bagunçado, com um estilo interessante, e uma barba do mesmo modelo. Vestia uma camisa social, como sempre.

— Foi boa. Tirando o fato de ter que aturar esses adolescentes! – Respondeu, ríspido. – Ainda bem que, na volta, quem vai dirigindo vai ser uma garota que veio da outra van!

            Rodrigo observou os sete jovens e revirou os olhos, lembrando-se do seu dever de conviver com eles por dez dias.

— Então, pessoal. São só vocês? 

— Não, ainda há mais gente para chegar. Uma professora, um estagiário, a nova psicóloga da turma e mais cinco alunos. 

            Por um lado, o governador odiou a ideia de mais gente habitando a sua casa. Por outro, ele gostou de não serem tantos adolescentes quanto ele imaginava.

— Então, ao todo, são catorze?

— Na verdade, somos vinte alunos. Porém, os outros seis não puderam vir – respondeu sua filha.

            Logo, um outro carro estacionou logo atrás do carro dos Drummond. A van de Miguel.

            Desceram rapidamente, animados para ver melhor a beleza que estava fora daquele veículo. Um sorriso se abriu no rosto da maioria das pessoas.

— Oi pessoal! – Disse Beatriz, sendo simpática com todos. 

— Bia! – Exclamou Sabrina, outra amiga sua, que correu para abraça-la também.

— Então, estão todos aqui? – Indagou o governador, fazendo um sinal com as mãos para se juntarem.

— É. Acho que sim. – Respondeu Miguel, o estagiário.

— Sendo assim, vou dizer algumas coisas. Iremos ficar dez dias aqui. Estamos na sexta-feira, voltaremos para o Rio no domingo da semana que vem. Vocês já devem me conhecer, sou Rodrigo Drummond, pai da Bia e governador do estado. – Explicava ele, tirando seus óculos escuros e exibindo seus olhos azuis. – Esse é o meu filho Christian e minha esposa Emily. – Falou, apontando para os dois – Alguns de vocês já conhecem, mas também preciso apresentar meu motorista particular e zelador da casa, o senhor Jorge Rodrigues. Ele estará nos apoiando no alojamento dele, que é aqui do lado. – Deu uma pausa para respirar, e prosseguiu:

— Agora, quero que se apresentem também.

            O pedido de Rodrigo deixou os estudantes meio confusos, não sabiam quem ia começar a falar. Ficaram sem jeito, afinal, era o governador deles. Gaguejaram um pouco, para decidirem quem ia começar, até que a professora Susana resolveu ser a primeira.

— Bem, senhor governador, eu posso me apresentar. Sou a professora de Literatura, Susana Moura. Trinta anos. Tenho doutorado e pretendo fazer o pós-doutorado ano que vem – respondeu ela, e logo encorajou os alunos a fazerem o mesmo. Mas Miguel foi mais rápido.

— Sou Miguel Cordeiro. Estagiário de Biologia deles há um mês. Tenho vinte e três anos e estou concluindo a graduação – Contou e depois tirou uma das mãos do bolso e a passou pelos seus cabelos pretos, que faziam um topete. Camila já se preparava para ser a próxima

— Bom, meu nome é Camila Barbosa, – começou a garota, de pele branca e longos cabelos lisos castanhos. Fazia uma voz simpática, apesar de já ter mostrado várias vezes que não suportava o governador – tenho dezessete anos e, como sabem, sou colega de classe da Bia. Pretendo cursar Ciências da Computação pois sou apaixonada por essa área – respondeu.

            Hugo Torres foi o próximo, queria falar logo. Disse a sua idade, dezoito anos e a sua aspiração na carreira, que é cursar Tecnologia da Informação.

            Em seguida, falaram Sabrina Findlay, Taís Pontes e Caio Bastos. Todos com dezoito anos.

            Na vez de Vinícius Dantas, ele revelou ter dezoito anos e estar indeciso ainda a respeito da faculdade que irá escolher, mas pensa em Direito.

— Meu nome é Fernando Minene – disse um garoto magro que ficava no fundo, pela sua aparência, tinha descendentes orientais. – Quero ser engenheiro e tenho dezoito anos.

— Sou Micaela Ribeiro – falou uma jovem de cabelos cacheados e volumosos. Seu corpo tinha curvas belas, e a pele era parda – tenho dezoito e quero cursar Letras.

— Débora Magalhães – foi a vez de uma menina com cabelos castanhos e lisos e curtos. Estava um pouco acima do peso e sempre usava um batom chamativo.

— Tomas Fagundes – começou o último dos alunos. Bufou antes de dizer, pois sempre foi antissocial e solitário. Não se enturmava e só tirava notas medianas. Tinha uma pele negra que logo foi notada por Rodrigo, que fez o governador ter um estranhamento maior quanto a ele – dezenove anos e, bem... Quero fazer medicina ou enfermagem...

— Dezenove? Então é o mais velho da turma, não? Repetiu de ano? – Questionou Rodrigo, franzindo o cenho para ele. Os outros notaram o racismo escancarado dele, mas não falaram nada.

— Sim, repeti – respondeu o rapaz, estressado.

— Assim como eu também repeti, não é mesmo, papai? – Lembrou Beatriz, para evitar que seu pai prosseguisse com comentários preconceituosos.

— E você, senhorita? Qual o seu nome? – Indagou ele para a última.

— Ah, meu nome é Alice Ferreira, a irmã do Vinícius. Também sou a nova psicóloga da escola. Ofereci-me a trazê-los de carro e assim o farei na volta. Já gosto muito desses alunos. Terminei a graduação ano retrasado, mas já pretendo fazer um mestrado – respondeu, olhando no fundo dos olhos do homem, como se tivesse esperando alguma reação. Porém, ele não fez nada. 

            Certamente não se lembrava da aparência da moça que conheceu há catorze anos atrás.

†††

Onze anos atrás

Vamos, Alice! Deixa ele pra lá! Gritou Carol. Os olhos pretos de Alice avistaram os verdes de Carol. Ambas podiam voltar a sorrir.

            Mas, antes, a menina fez algo que queria muito fazer. Puxou bastante saliva de sua garganta e jogou no rosto do sequestrador. Meio paralisada ainda, resolveu correr para fora do cativeiro, enquanto sua amiga, Carol, ia na frente.

            Carol continuou a correr o mais rápido que podia. O portão da casa estava trancado, mas ,felizmente, no chaveiro que ela pegara, também continha a chave de lá. Após algumas tentativas, ela acertou a chave correta. Abriu a porta e deu de cara com uma estrada praticamente deserta em um lugar cheio de montanhas.  A menina olhou para trás e não viu a sua amiga. Não tinham decidido ainda o que aconteceria depois que tentassem fugir.

            Deu dois passos para trás e se virou, correndo para saber onde estava Alice. A jovem logo apareceu ofegante por trás da grande casa. Carol respirou aliviada, por saber que ela estava bem. Voltou para a rua e avistou um carro simples se aproximando. Sem perder tempo, acenou para ele, na expectativa de que seu condutor lhe oferecesse ajuda para sair.

            Então, de repente, ouviu-se um tiro.

            As pupilas de Carol recuaram. Um frio correu pela sua barriga. Virou sua cabeça para trás e viu que seu plano dera errado.

            Alice estava com os olhos marejados e sua camisa suja de sangue. Perdeu o equilíbrio e rapidamente caiu no chão, expondo o lugar que foi baleada. No tórax. Carol não soube o que fazer. Colocou a mão na boca e se desesperou. Chegou, até, a se esquecer do caminhão que parava para que ela pudesse entrar.

Vá! Pediu a menina deitada, até perder a consciência.

            A jovem se virou. Seu sequestrador estava vivo e armado. Logo ia querer fazer o mesmo com ela. Lançou-se mais ainda para a pista. Tarde demais para o motorista parar, levando em conta que não fazia muito tempo desde que reduzira a velocidade.

            O veículo atingiu a jovem em cheio. Lançando-a para frente da estrada. Imediatamente, o carro estacionou, e o homem de meia-idade, preocupado, foi ver o que aconteceu. Desesperado, ele carregou a menina e a colocou dentro do automóvel.

            Assim que partiu, o homem responsável por tudo aquilo apareceu, ainda machucado com o golpe no peito, e observou Carol fugir.

            Falou meia dúzia de impropérios. Seus olhos azuis fitaram Alice dar seu último suspiro de vida. Como vingança, ele cuspiu no corpo da garota.

Como ousam me desacatar dessa forma? Logo eu, Rodrigo Drummond, deputado federal pelo Rio de Janeiro! Reclamou e entrou para a casa.


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Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Detestaram? Estão surpresos? Já esperavam por isso? E quanto aos personagens introduzidos? Podem contar tudo nos comentários, ficarei feliz em respondê-los!