Sangue nas Areias do Foguete escrita por Pierre Ro


Capítulo 1
"Vamos, Alice! Deixa ele pra lá!"


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capítulo! Espero que gostem. Qualquer dúvida, consideração, sugestão, coloquem nos comentários!



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11 anos atrás, em Brasília

— Ele está chegando, Carol! Ele está chegando! – Sussurrou a pré-adolescente de onze anos, para a amiga da mesma idade, ao avistar, pela frecha da porta de ferro, a causa dos pesadelos de ambas.

— Espero que dê certo, Alice! – Disse a outra, em um misto de medo e esperança. 

            As duas esperavam com muita aflição o momento do homem, que, por três anos, as mantinha em cativeiro, chegar ao recinto para praticar mais uma de suas maldades. Maldades que variavam entre tapas a estupros.

Viviam enjauladas em uma sala branca, com uma área de trinta metros quadrados. Vazia se não fosse por duas camas cujo os colchões já estavam desgastados. Eram alimentadas com apenas o suficiente para se manterem vivas, de forma que pudessem continuar servindo ao seu sequestrador sempre que ele ia à capital do país. Sentiam-se sujas, pois eram tratadas como um mero objeto que servia apenas para a diversão de seu senhor. Sem sentimentos. Sem direitos. Sem sonhos. Sem a menor ideia do que acontecia no mundo enquanto isso.

Foram vários os desejos de dar cabo a própria vida, mas resistiram a estes.

Todavia, naquele dia, elas necessitavam ter a esperança de que sairiam dali e viveriam novamente as suas vidas. Sabiam que haveriam traumas, mas teriam uma a outra para se ajudar.

O plano de fuga já estava em execução. 

            O homem se aproximou um pouco mais e as duas já se posicionavam em seus devidos lugares, conforme o planejado. 

            Carol foi direto para a sua cama e se cobriu totalmente com o cobertor. Alice fez o mesmo, mas não se cobriu, ficou sentada, aguardando.

            Então, ouviu-se um barulho de uma chave abrindo uma fechadura e, finalmente, a face do homem foi revelada. Vestia um blusão xadrez, óculos escuros e uma calça jeans azul. E, em volta do pescoço, o grosso crucifixo que sempre usava.

            Elas estavam ansiosas. Já tentaram escapar outras vezes, em vão, mas tinham que crer que conseguiriam sair dali naquele dia. 

— Por que a Carol está coberta, Alice? – Questionou ele, arqueando as sobrancelhas e olhando diretamente nos tristes olhos verdes da menina. 

— Ela está com muita febre, senhor. Acho que precisa de um médico – respondeu a garota, de cabeça baixa.

— Deve estar de frescura, isso sim! – Comentou, bruscamente, tirando o cobertor da garota sem a menor cerimônia. Ela se sentiu meio incomodada, mas não falou nada. Já estava acostumada. Passou a mão na testa dela e se certificou de que ela estava certa. Sua pele estava quente e se queixava de dor. – Bem, é. Parece que é verdade.

            Ao dizer aquilo, as garotas se aliviaram. Lembraram imediatamente do pano preto que expuseram no fino feixe de sol da manhã. Esquentado, foi só passar na face da menina para simular uma febre. Todavia, ainda precisavam saber o que ele pretendia fazer sobre o fato.

            Então, ela pegou uma outra pequena toalha e assoou o nariz.

— Acho que também estou meio resfriada. – Explicou. Ao terminar, deixou a toalhinha cair no chão. – Oh, pegue para mim de volta, por favor!

            Ele assentiu, resmungando. Agachou-se e apanhou o objeto. Nesse momento, ele não percebia, mas Alice já estava bem atrás dele, em pé. Aguardando aquele momento. 

            Antes mesmo de ele se levantar de novo, sentiu o crucifixo ser puxado contra o seu pescoço, sufocando-o. Percebeu, que tudo não passava de um plano das meninas. Carol se levantou rapidamente, olhando o rosto dele com ódio. Enquanto ele se contorcia, Alice apertava com força, impedindo o fluxo de ar.

O plano era as duas fugirem quando ele não tivesse mais fôlego, mas Carol observou uma boa oportunidade para ferir seu rival. No meio do cordão, viu que o crucifixo era pontudo. Não perdeu tempo. 

Puxou o objeto um pouco para si e apontou a parte pontiaguda para ele e, em um movimento rápido, cravou a cruz em seu peito, esbanjando um pouco de sangue. 

O homem urrou com o ferimento.

Para a surpresa das meninas, o cordão se arrebentou, mas felizmente, pela ação de Carol, o sequestrador não pode agir rapidamente devido a profunda dor que sentia.

Com o coração pulsando mais rápido que o normal, Carol pegou do bolso do homem a chave do portão e correu em direção a fechadura. Ao abrir, seus olhos brilharam de felicidade. Finalmente ia fugir desse pesadelo! 

Virou-se para falar com a amiga e se preocupou ao ver que ela ainda estava lá, parada, olhando fixamente o seu sequestrador gemer de dor. Ela o encarava com ódio.

— Vamos, Alice! Deixa ele pra lá! – Gritou ela. Os olhos pretos de Alice avistaram os verdes de Carol. Ambas podiam voltar a sorrir. Mas, antes, a menina fez algo que queria muito fazer. Puxou bastante saliva de sua garganta e lançou no rosto do sequestrador. Meio paralisada ainda, resolveu correr para fora do cativeiro, enquanto sua amiga, Carol, ia na frente.

†††

Dias atuais

17 de novembro de 2017

— Você tem certeza que sabe como ir, não sabe, Miguel? – Perguntou Sabrina Findlay, em tom de brincadeira, para o rapaz que estava no banco do motorista. Ele riu e fez que sim com a cabeça.

                Era hoje o dia da comemoração dos alunos da turma 33 do Colégio Federal Afonso Cerqueira. Praticamente todos estavam animados com a viagem tão esperada que estavam prestes a fazer. Após meses de discussões e propostas de todos os tipos para comemorarem a formatura, eles chegaram à conclusão de que a melhor opção para que todos pudessem se divertir seria um passeio de dez dias para a Região dos Lagos. Mas não foi fácil chegar a essa decisão. Houve muita enrolação e acabaram deixando para a última hora.  

                Por sorte, eles tinham Beatriz Drummond na turma, que é, simplesmente, a garota mais rica e popular do colégio. Também, não é para ser diferente já que é filha de ninguém mais, ninguém menos, que o governador do Rio de Janeiro, Rodrigo Drummond. E a mesma tem uma mansão de frente para a praia de Cabo Frio. Então, depois de muito pestanejar, a jovem conseguiu convencer o pai a deixar que ela levasse seus colegas para lá. 

Apesar de o fato de uma filha de um político estar estudando em um colégio público pode soar estranho, ela mesma escolheu isso. Não para demonstrar humildade, mas sim porque é a escola mais conceituada da região. Melhor que muito colégio privado.  

— É legal saber que finalmente visitarei a Região dos Lagos! – Comentou Vinícius, um rapaz que estava sentado no fundo da van de sete assentos. Ajeitou seus cabelos pretos e lisos com as mãos e observou a janela, que estava fechada. Podia ver seu rosto no reflexo. Tinha a pele cor de oliva, bronzeada. Seus olhos eram castanhos, assim como o de todos naquele carro. 

                Como não tiveram muito tempo para pedir um ônibus que levasse todos os alunos, eles optaram por cada um se organizar para irem de carro. Miguel, um estagiário querido pela maioria dos estudantes, conseguiu uma van alugada para fazerem a viagem. O resto da turma fez o mesmo.

— Eu já fui uma vez para Búzios. Mas é claro que prefiro Paris. Mil vezes! – Disse Camila, a jovem que se sentava ao lado de Vinícius.

— Mas você nunca foi para lá, Camila. Como você sabe? – Foi a vez de Taís Pontes perguntar. Uma garota única. Conhecida por ser bastante inteligente. No entanto, sua inteligência era esquecida, já que sempre foi excluída de boa parte das pessoas por estar muito acima do peso e ser negra.  

— Ah, pelas fotos que vejo já dá para afirmar isso – respondeu ela, rindo da própria resposta, deitando sua cabeça nos ombros de Vini. – Além do mais, um dia eu irei! Aliás, conhecerei toda a Europa! Podem apostar! 

                Todos riram. Após Sabrina se acomodar na parte do meio, Miguel acelerou e começaram a viagem. 

— Ah, podem parar! Estou ficando de vela! – Alfinetou Caio Bastos, o rapaz que estava no outro lado de Camila, brincando ao ver os dois tão próximos. 

— Não implica com eles, Caio. Você seria assim com a Beatriz se ela tivesse te dado oportunidade! – Rebateu Sabrina, fazendo uma careta para ele depois.

— E... Na realidade, nós terminamos faz um tempo – esclareceu Vinícius, meio tímido.

— Ok, mas eu já não tenho expectativas com a Beatriz também! – Alertou ele – Está claro demais que não é a praia dela!

— Beatriz é lésbica? – Indagou-se Susana, a mais velha entre eles. Estava sentada na janela na esquerda do veículo, observando a paisagem. Sua pele era negra clara, bronzeada, e seus cabelos castanhos lisos esvoaçavam um pouco com o vento. Era a professora de literatura.

— Ao que tudo indica... – Contou Taís.

— Mas ela não chegou a namorar o Renan? – Perguntou ela, curiosa para saber mais sobre a sua aluna.

— Eles namoraram nem por dois meses! E foi porque ele tentou muito. Foi até a casa do pai dela pedir para ele. Ela deve ter aceitado só para tentar não assumir a verdade e não ficarem falando mal! E por pena. – Disse Caio, a todos – Coitado.

— Boatos de que ela só faz natação para ir para o vestiário feminino com a Isabela! – Brincou Taís.

— Nossa, que situação! – Comentou Susana, surpresa com a história. – O pai dela, conhecido por ser um político ultraconservador ser famoso por ter uma filha homossexual? 

— Polêmica! Ele vai ser muito mal falado! – Falou Camila – Se bem que isso não seria ruim. Ele é ridículo! Não o suporto!

— Acho que ninguém gostou de vê-lo no poder. Tomara que nessas próximas eleições ele saia! – Taís disse, revirando o olho só de lembrar da imagem do governador do seu estado.

            Com esse comentário, ninguém mais falou nada sobre o assunto por alguns minutos, até Susana resolver falar algo.

— Ah, gente! Eu estou gostando tanto de ter sido convidada para participar da formatura dos meus alunos preferidos! Vou morrer de saudade de vocês!

— Oh, todos sentiremos falta da senhora, professora Susana! Foi a melhor professora de literatura que já tivemos! – Exclamou Taís, olhando para ela, que ficava agraciada com isso. 

— É verdade! – Disse Caio, sorrindo – Nunca achei que fosse gostar desses autores doidos!  

— Nem eu, Caio! – Gargalhou ela, e todos os outros em seguida. – Ah, como é bom poder ter momentos como esse com os alunos! 

— Imagino – falou a mulher do banco de carona, que permanecia calada até então. Passou batom roxo nos lábios e se encarou no retrovisor. 

Era difícil encontrar mulher mais bela que ela. Seus cabelos eram curtos, castanhos com mechas loiras, e lisos. Sua pele era ligeiramente mais clara que a pele de Vinícius e seus olhos eram tão escuros quanto. Exibia um brinco em formato de folha dourada e um vestido vermelho que ia a quatro dedos antes do joelho. Sua presença estava mais agradável do que o normal, pois utilizava um perfume cítrico bastante agradável.

— Ainda sinto falta da escola – disse, olhando para o espelho, avistando o rapaz do fundo – e sinto pelo tempo perdido longe de ti, irmão. E de nossos pais.

Ele sorriu, sem ter palavras para descrever a tamanha felicidade em ter sua irmã, que há anos tinha sido desaparecida, de volta para a família.

— E eu de ti, Alice!  

†††

Quarenta dias atrás

            Vinícius e Camila estavam no aeroporto Santos Dumont, prontos para receber Alice Ferreira. Diferentemente da moça, o rapaz estava empolgadíssimo. Não via a hora de reencontrar com a menina que só conheceu quando era bem pequeno.

            Aconteceu há catorze anos atrás. Aos seis anos, soube como é ter uma irmã desaparecida. Repentinamente.

            Como de costume, a garota ia sozinha para a escola às seis e quarenta e cinco da manhã, a pé, já que a distância era curta. Nunca houve problema quanto a isso. Todavia, naquele dia, ela simplesmente não retornou. A mãe, desesperada, foi até o colégio tentar saber o porquê de sua filha não ter voltado para a casa e soube que ela não havia ido para a escola.

            Aos poucos, confirmou-se que ela foi sequestrada pela manhã e já era tarde demais para resgatá-la. Já estava bem longe dali.

            Não existiam palavras para descrever o desespero e o sofrimento daquela família. Que nunca tiveram fim. Nem mesmo nesse momento, que, pelas redes sociais, conseguiram localizá-la. Afinal, criaram-se cicatrizes profundas em todos.

            Agora, ele tinha dezessete e ela, vinte e dois. A expectativa para a paz era grande. Seus pais estavam animadíssimos, porém, optaram por não buscar a filha no aeroporto para organizar uma festa para celebrarem o retorno da filha perdida.

— Tem certeza que não se trata de alguma golpista, Vinícius? Ainda não entendi a história – falava a namorada do rapaz, entediada de tanto esperar.

— Claro que não. É a minha irmã. Não vejo a hora de vê-la novamente... 

— Mas, o que aconteceu com ela nesse tempo todo?

— Pelo que ela me disse, ela foi sequestrada por um louco, deixada em cativeiro e molestada por ele várias vezes. Porém, um dia, conseguiu fugir de lá. Encontrou uma família que a apoiou. Mas pouco tempo depois eles morreram. Como o filho deles morava longe, deixou que ela ficasse por lá enquanto estudava e trabalhava. Conseguiu concluir o Ensino Médio, um técnico em informática e já acabou a faculdade de Psicologia. E pelo que me disse, já está quase certa uma chance de emprego aqui – falou, com orgulho.

— Nossa, isso que é uma história de superação! – Disse, com desânimo. Vinícius apenas concordou.

— É...

            Permaneceram em silêncio por alguns minutos, quando este foi cortado repentinamente.

— Vinícius? É você? – Falou uma voz desconhecida, mas já querida, de longe. Ele levantou a cabeça em direção a voz e viu sua irmã, que já exibia um belo sorriso branco no rosto. Ela largou suas malas e estendeu os braços. Com a emoção, ele correu até ela para lhe dar um forte abraço, e assim o fez, demonstrando todo o seu afeto guardado pela moça. Os dois ficaram abraçados por um bom tempo, até se soltarem – Como está grande! Maior do que eu, até!

— Digo o mesmo para você! – Comentou ele, sorrindo.

— Ah, é verdade! – Ambos riram. 

            Com um pouco de timidez, Camila também se aproximou, meio sem jeito.

— Oh, essa aqui é a Camila. Camila, essa é a minha irmã, Alice! 

— Prazer! – Cumprimentou ela, com um abraço mais rápido.

— Nossa, seu rosto não me é estranho! – Comentou Camila, franzindo as sobrancelhas para a sua cunhada.

— Sério? Alguns dizem que eu me pareço com a Sophie Charlotte, imagina? – Falou, brincando.

— Talvez, um pouco, mas vamos! Nossos pais estão esperando. – Lembrou ele, pegando a mala da irmã e conduzindo-a até um táxi. 


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Notas finais do capítulo

Bem, realmente eu sei que deve ter ficado meio confuso, mas garanto que tudo vai se esclarecer com o rumo da história. Ou embolar mais ainda kkk. Podem comentar o suas expectativas quanto a história, personagens (inclusive, o que acharam deles), a cena tensa da Alice e da Carol, etc.

Já suspeitam de algo? O que tem a ver esses personagens de atualmente com os de 11 anos atrás? Façam suas teorias!

Também coloquei uma imagem no início de cada capítulo. E aí? Gostam da ideia?

Aliás, gostaria de saber a opinião sobre esse tempo nada cronológico. Por enquanto, todos os capítulos, até o crime principal, serão assim. Mas nada que não esteja sujeito à mudanças.

Elogios? Críticas? Sugestões? Por favor, digam!