Harry Potter e a Senhora do Tempo escrita por Mimis


Capítulo 27
Porte d' Aval




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Melissa sentiu seus pés baterem no chão fofo. Estava frio e um arrepio percorreu sua espinha. Tentou enxergar algo na escuridão da madrugada, mas foi seu olfato o primeiro sentido que deu uma pista de onde estava: o ar exalava uma suave – e inconfundível – brisa marinha. Lembrou-se de acender a ponta da varinha mas percebeu que estava sem ela, desesperando-se.

— Lionel, cadê você? Droga, não sei onde minha varinha foi parar.

— Calma, tô bem aqui. – Ela sentiu a mão quente do garoto encostando em seu braço. – Vamos acha-la ok?

Lionel acendeu sua varinha e ambos ficam alguns minutos procurando em silêncio. Finalmente Melissa a achou, e ao acender a sua própria varinha iluminou a cara enigmática do garoto.

— Algo me diz que você sabe onde estamos hein?

— Porte d’Aval. – Ele disse, e fez um gesto amplo. Melissa então viu que o campo aberto em que estavam terminava num precipício. Abaixo dele via enormes falésias com suas sombras escuras onde a luz das varinhas não conseguia iluminar, que terminavam numa enorme praia a perder de vista, cuja areia era engolida por ondas enormes de um mar muito agitado.

Ela estava tão impressionada com a imponência da cena que demorou pra perceber que Lionel olhava para a direção contrária. Ao se virar, se deparou com os contornos escuros de uma enorme mansão ao longe no alto de uma colina, vislumbres de várias construções menores por todo o terreno ascendente e mais perto deles uma construção arredondada toda de vidro. Melissa nunca vira nada parecido, era mais próximo de algo como uma estufa, porém seu telhado era feito de madeiras escuras e caibros de ferro, seria com certeza uma construção magnifica se não estivesse tão danificada pelo tempo. A garota aproximou-se em silêncio de Lionel.

— Por acaso estamos...

— Estamos.

— Então aquele colar era uma chave de portal...

— Era.

— E você acha que foi seu pai quem mandou o patrono, que o fez encontrar aquele colar pra te trazer até aqui? Sendo assim, seu pai deve estar ali dentro te esperando nesse exato momento.

Ele se virou e sorriu timidamente, apesar de toda a tensão que seu corpo emanava.

— Isso resume bem as coisas Granger...

— Certo, vamos então?!

Ela começou a andar em direção à construção de vidro, mais para encoraja-lo do que para encontrar Draco Malfoy. Depois de todas as histórias sobre o pai de Lionel que ela sabia - cortesia da mãe e de tio Rony principalmente – ele não parecia ser o mais adorável dos bruxos. Mas sabia que era algo realmente importante para Lionel. Ele logo a seguiu.

Caminharam em silêncio até chegar a enorme porta arredondada. Ao perceber a hesitação do garoto, Melissa tentou deixar a atmosfera um pouco menos tensa:

— Me diz uma coisa Malfoy como você tem toda essa certeza que aquele patrono era do seu pai? Eu sei que depois que seu pai decidiu se entregar é porque deve ter se arrependido e pôde enfim ter lembranças felizes, mas sabe...um leão...

— A senhorita tem alguma noção de francês? Lionel é um nome de origem francesa, que em latim significa leão. Minha esposa me disse na primeira vez que conversamos que a coragem não é um dom, é aptidão. E que o leão apesar de nascer com sua majestade, tem que provar que a merece, adquirindo entre outras coisas, a coragem...

Melissa e Lionel imediatamente se voltaram para o lado de onde vinha aquela voz rouca que ecoou no silêncio da madrugada, erguendo as duas varinhas que tremiam em conjunto. Lentamente elas iluminaram um homem de cabelos sujos alourados, estavam empastados e chegavam até seus cotovelos. Seus olhos claros brilhavam intensamente refletindo o brilho da ponta das varinhas dos jovens bruxos. Sua pele era extremamente branca, e parecia estar coberta de um limbo esverdeado. Usava vestes esfarrapadas, que pareciam panos usados para limpar banheiros públicos, o cheiro também parecia denunciar isso. Não esboçava um sorriso, não parecia irritado, bravo, ou mesmo emocionado. Mas não havia como negar: apesar daquele homem estar em péssimas condições, aquele era sem dúvida Draco Malfoy.

— Boa noite filho.

Lionel não esboçava reação, parecia petrificado. Melissa olhava de pai para filho, era impressionante a semelhança entre os dois, mesmo em estados tão opostos. Sabia que era um momento muito importante na vida deles, mas começou a ficar intimamente incomodada com tamanha frieza das duas partes. Cutucou as costelas do garoto, que pareceu sair de um transe.

— Pai? É você mesmo?

— Com certeza Lionel. E quem é essa senhorita que está com você?

— Josie Spearson, ela é minha...minha amiga da escola.

Foi a vez de Lionel cutuca-la. Draco Malfoy estudou-a respeitosamente, e seu olhar se demorou ao encontrar com o dela, que o sustentou corajosamente. Ele fez um maneio com a cabeça, e esboçou um sorriso. Parecia que havia desaprendido a sorrir.

— Muito prazer Srta. Spearson, pelo visto são amigos bem...chegados.

— Sim, sim Sr. Malfoy...Somos inseparáveis desde que o Chapéu Seletor nos colocou... é...na Sonserina.

— Certo, devem ser mesmo para estarem andando juntos tarde da noite e ele te levar até a Floresta Proibida. Bem, entrem, temos muito que conversar Lionel.

Contornando os dois, Draco abriu a pesada porta que fez um enorme e longo barulho de dobradiças velhas. Melissa aproveitou para cochichar no ouvido do garoto.

— Justo a Spearson Malfoy?!

— Você queria que eu te apresentasse como a filha de Hermione Granger?!

— Lionel eu...

— Garotos vocês poderiam acender algumas velas aqui? Fico um pouco limitado sem minha varinha.

Entraram no que parecia ser uma enorme sala de estar e biblioteca. Rapidamente encontraram algumas velas usadas o que Melissa achou ser a muitos anos atrás. Apesar disso, o lugar parecia inexplicavelmente limpo, a não ser por muitos panos cobrindo os móveis e a ausência de quase todos os livros da estante. Lionel parecia extremamente impressionado com todo o espaço.

— Sua avó Anne-Marie Malfoy queria demolir tudo isso depois...depois que partimos. Foram as filhas que não deixaram, achando mais que agregaria algum valor à propriedade do que por memória à irmã. Quando souberam que tanto o testamento da mãe como do pai deixaram toda a propriedade para ela ficaram tão irritadas que simplesmente embarcaram no primeiro navio para a América Fiquei sabendo que se casaram com bruxos suspeitos do alto escalão do Macusa, enfim... sua avó Narcisa já tinha providenciado o envio dos livros para nossa biblioteca na Mansão Malfoy e sempre envia algum elfo doméstico para a limpeza. Agora... tudo isso aqui é seu filho.

— Meu?

— Sim, depois que sua mãe faleceu, a propriedade passou automaticamente para seu descendente direto, no caso você, seu único filho.

Melissa percebeu que Lionel não sabia o que responder. Draco Malfoy, apesar de seu estado parecia um homem extremamente educado e até refinado. E que apesar da frieza do primeiro encontro ele parecia realmente interessado no filho. Sentindo que eles precisavam de um tempo a sós, disfarçou parecendo interessada em alguns poucos livros restantes no extremo oposto da sala, eram títulos como “Pastelão de rins – segredos e temperos”,” Receitas práticas, bruxas descansadas” e “A nobre arte de descamar salmões”; entendeu porque foram deixados ali. Mesmo afastada, percebeu que o bruxo aproximou-se cautelosamente do filho, e não pôde deixar de ouvir a conversa dos dois.

— Antes de qualquer coisa que eu virá a falar ou fazer, quero que você me pergunte o que quiser Lionel.

Melissa sentou-se numa poltrona coberta por um pano branco amarelado. Pegou um exemplar mofado de “Receitas para a jovem bruxa inglesa – volume III”. Fingindo ler o prefácio, colocou o livro de modo que tinha a visão das costas de Lionel, seu pai de frente para ele o olhando com um educado interesse, as mãos juntas na altura do estômago. Ela viu a cabeça de Lionel girar por todo o teto escuro, contemplando cada sombra que as velas projetavam antes de voltar a encarar o pai.

— Eu...eu... – ela o ouviu suspirar, o jeito típico de Lionel quando está impaciente – Olha, eu esperei tanto por esse momento, eu imaginei mil perguntas, cheguei a ensaiar no espelho e agora...não sei o que dizer, por onde começar...

— Comece pelo começo. Por aquilo que você acha que precisa saber antes de tudo. – Melissa viu novamente a sombra de um sorriso perpassar nos lábios de Draco Malfoy e mesmo ao longe admirou novamente a semelhança entre os dois. – Pode apostar que o restante apenas...virá.

— Porque deixar esse lugar com ela? Porque tira-la daqui? Digo...Porque não apenas viverem aqui. – A garota percebeu que as palavras saíram com uma velocidade que Lionel não previra. Seu pai porém não se espantou.

— Seria bem mais fácil não é? Seria perfeito. – Ele começou, passando as mãos nos cabelos sujos, sentando-se numa escrivaninha bem à frente do filho. – Esse lugar era mais que uma casa pra sua mãe Lionel. Ela raramente saia daqui, da propriedade.  Mesmo tento a mãe e as irmãs que tinham ela amava essas terras quase como uma pessoa. O mar dava uma sensação de imensidão à ela que contrastava perfeitamente com a enorme mansão, as construções menores e aqui...ela chamava esse prédio de “A cabana”, mas você pode ver que era muito mais.

“A única pessoa da família que ela se dava bem era com o pai. A mãe preferira sempre as gêmeas, mais belas, mais espertas, mais gananciosas que ela. Mirelle porém era mais inteligente, mais nobre, mais sonhadora, mais contestadora, era uma cópia do pai. E tinha uma beleza ímpar. Sua infância foi o período mais feliz e também o mais promissor pra ela. Sua mãe e seu avô Apollon Malfoy eram inseparáveis Lionel e tudo que ela aprendeu foi com ele, aqui. Ele morreu pouco antes dela fazer 11 anos e com certeza foi o único fato que a abalou realmente em sua vida. A morte de seu pai a abalou muito mais do que descobrir, logo depois, que era um aborto.”

Melissa segurou o livro mofento na ponta dos dedos antes que ele caísse com estrondo no chão, tamanho foi seu susto ao ouvir aquilo. Ela olhou para Malfoy mas não conseguia ver como essa informação o afetou, porém percebeu que ele apoiou uma das mãos numa viga grossa.

— Como você ficou sabendo disso?

— Ora, foi a primeira coisa que sua mãe me contou! – Draco sorriu displicente igual ao filho quanto este respondia uma pergunta durante uma aula qualquer. – Sua mãe não tinha vergonha nenhuma de sua condição, e sempre foi muito franca com relação à isso. Ela dizia que ser um aborto era como alguém que não tinha uma perna, ou como alguém com uma doença de pele de borbutéras permanente: são condições que não alteram quem a pessoa é, por dentro, só contribuem para quem a pessoa se torna dia após dia. Assim como quem eu era quando a conheci: um Comensal da Morte.

“Ela era uma pessoa com um extremo orgulho de quem era, isso era novo pra mim. Eu era apenas um nome e fui criado para isso, para prosseguir com ideais e pensamentos dos meus antepassados e repassa-los para meus descendentes. Eu era apenas uma linha contínua. Ela me fez enxergar que poderia seguir por novos caminhos.”

O bruxo parou de falar por alguns segundos, com certeza relembrando dos momentos que passara com sua esposa. Quando voltou a falar parecia pela primeira vez naquela noite emocionado:

— Eu apenas me apaixonei por ela e ela por mim. Ela me via como eu realmente queria ser visto, com meus defeitos e qualidades, como um bruxo além do meu sobrenome ou do meu status. E eu a via como a pessoa maravilhosa que ela era, bruxa ou não. Meus pais naturalmente não viram aquele relacionamento com bons olhos. Anne-Marie Malfoy fez questão de contar sua condição assim que nos apresentou, mas Mirelle se quer se abalou, ela nunca se zangava com a mãe ou as irmãs, apesar de todos os insultos e xingamentos. Meu pai já chegou doente e minha mãe não tinha escolha a não ser cuidar dele e fazer com que não nos expulsassem. Eles acabaram aceitando esse nosso relacionamento, certos de que assim que pudéssemos ir embora tudo entre nós acabaria. Eles só não contavam que Mirelle ficasse grávida.

“Nos casamos em segredo naquela praia ali adiante, assim que soubemos da notícia. E permanecemos assim por um bom tempo. Foi então que meu pai melhorou, e finalmente tomou uma decisão correta: ele decidiu se entregar. Não se arrependeu, não sei se até hoje se arrepende de suas ações até porque seus pensamentos e ideias nasceram e foram alimentadas sempre em prol do sangue puro, da família, do nome que sempre vinha em primeiro lugar. Mas o amor que ele sentia por mim e por minha mãe o fez se sacrificar para que pudéssemos sair livres de alguma maneira. Minha mãe nunca foi acusada de nada, mas o Ministério não queria que eu fosse simplesmente inocentado de tudo. No máximo, trocariam minha prisão perpétua – que obviamente meu pai pegou – por uns bons anos em Azkaban. Mas o que eu estava vivendo com sua mãe me fazia tão feliz que eu não tinha planos de seguir o mesmo caminho que ele.

Foi então que Mirelle começou a ficar distante de mim. A medida que sua gravidez se adiantava ela não me queria tanto por perto, o silêncio tomava conta de todos os espaços. E então eu entendi: ela me amava tanto que queria que eu me libertasse da vida que vivera até ali, do Comensal da Morte que, mesmo arrependido, ainda sofria por todos aqueles crimes. Apesar de ela também me amar enlouquecidamente como eu a amava, ela queria que eu aprendesse a viver também por completo como ela, não apenas sobreviver. E para isso precisaria virar a página, não sem antes enfrentar meus medos e os medos que impus à outras pessoas.

Ela já passava dos 8 meses quando nos sentamos eu, Mirelle e minha mãe aqui mesmo, nA Cabana. Avisei que iria voltar para a Inglaterra, me entregar aos Aurores e aceitar minha sentença. E, que quando voltasse, estaria novamente completo para recomeçar, para viver realmente uma vida a que tinha direito, com minha família. A princípio minha mãe me achou um louco, mas ao ver o misto de risos e lágrimas de Mirelle ela finalmente entendeu o que eu queria, o que nós queríamos para nós e para nosso filho. Ela disse que ficaria ao lado dela me esperando, cuidando de seu futuro neto e até prometeu tentar se dar bem com a nora...Aqui mesmo nos despedimos, e eu finalmente entendi que estava indo, mas estava deixando minha verdadeira família aqui, e que eles estariam me esperando até quando fosse. Só não sabia que seria a última vez que veria sua mãe Lionel...”

O bruxo olhou para o chão tentando disfarçar as lágrimas. Melissa viu Lionel levar aos mãos ao rosto, certamente limpando as dele. A garota já não disfarçava mais que estava lendo aqueles livros velhos, parecia hipnotizada por cada palavra, mas os dois pareciam nem se lembrar que ela estava ali. Draco então respirou fundo e continuou.

— Como você sabe sua mãe morreu dando a luz à você. Não pude me despedir dela, nunca fui autorizado a conhecer você. Alguns meses depois minha mãe fez um pedido ao Ministério, se eu poderia me corresponder com meu filho, o que foi aceito. Eu sempre fui um preso exemplar, assim como meu pai, tanto que pudemos dividir a cela. Minha mãe cumpriu o que prometeu, cuidando de você com todo o amor que me dedicou, seguindo na medida do possível os ideais de Mirelle, apesar de não concordar com a maioria deles, e pelo visto fez um bom trabalho.

Ele parou abruptamente a narrativa, levando uma das mãos à garganta.

— Filho, você poderia me emprestar sua varinha para eu poder conjurar um copo d’água? Parece que fazem dias que não coloco nada na boca...

Lionel instantaneamente ofereceu sua varinha ao pai. Ele a pegou delicadamente, fazendo um floreio gracioso e conjurando um copo de vidro com água. Bebeu todo o conteúdo e colocou-o numa mesinha ao lado, sendo observado pelo filho, que estendeu a mão para receber a varinha de volta. O bruxo porém tinha os olhos fixos na varinha em suas mãos.

— Bom filho... – Ele começou, e Melissa percebeu que alguma coisa estava errada. O mais silenciosamente possível, ela se levantou e começou a caminhar lentamente em direção à Lionel. – Agora que você já ouviu o que queria, agora precisa saber o que vim fazer aqui. Acho que vou ficar com ela por enquanto. E quanto a senhorita, Srta Spearson – Draco virou-se, apontando a varinha para ela -  acho que mesmo sem meu filho saber ele trouxe uma das peças fundamentais para que meu plano possa dar certo. Desculpe pelo que farei agora. Expelliarmus!

O bruxo a desarmou de maneira rápida e eficaz, fazendo sua varinha voar para longe, fazendo da varinha de Lionel sair cordas douradas que a amarraram firmemente, e a fez sentar numa cadeira de frente para ele e para uma estupefato Lionel, que simplesmente não sabia o que fazer.


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Notas finais do capítulo

Estou tão emocionada com esses capítulos, o que vcs estão achando?? Comentem!



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