Toská -Angústia escrita por Tia Lina


Capítulo 20
Nada nunca mais ficou bem


Notas iniciais do capítulo

Olááááá, enfermeira ^^ Recuperados do baque? Então senta que lá vem outro.

Antes de lerem, quero pedir duas coisas: Perdoem-me e não me matem, por favor.

BoA leitura ^^



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A muito custo, Bucky conseguiu convencer Steve a tomar uma ducha antes de fazer seus curativos, e enquanto o loiro lhe obedecia, o moreno separava alguns aparatos da maleta de primeiros socorros que ele mantinha em seu quarto. Rogers saiu do chuveiro enrolado pela cintura com uma toalha que o Barnes proveu, e era tão bonito observar a pele branca lisinha do outro que demorou alguns segundos a mais para que o moreno se desse conta de que Steve estava esperando que ele lhe desse o que vestir. Estendeu-lhe uma de suas cuecas limpas e esperou.

— Sente-se. – Apontou a cama.

Steve seguiu em silêncio até lá, aguardando o que quer que fosse da boca do amigo, mas nada veio. Por muito tempo, os únicos sons ouvidos eram as respirações que se misturavam em algum ponto e as reclamações de dor que Steve deixava escapar num sussurro de quando em vez. Bucky tomou todo o cuidado de limpar todos os cortes e arranhões com soro fisiológico antes de passar um líquido cicatrizante que ardia como um inferno, finalizando com gazes e esparadrapos e faixas. O corte do lábio ficou na tonalidade cobre do remédio amargo, e enquanto Bucky desinfetava o outro no supercílio, o Rogers suspirou derrotado, ganhando finalmente alguma atenção que não fosse direcionada às suas feridas. Barnes arqueou uma sobrancelha enquanto continuava a limpar-lhe o corte com uma mão e sustentar a cabeça do loiro com a outra.

— Vai, pode falar, eu sei que está doido pra dizer. – Não era necessário mais que um sussurro para fazer-se entender.

— Esses machucados não desaparecerão magicamente, seus pais irão perceber de qualquer jeito. – Bucky não deu muita atenção à provocação do outro, repetindo o que dissera a Steve na primeira vez que se viram. O loiro, percebendo, riu soprado.

— Percebeu que você tá sempre aqui quando eu volto todo machucado?

— É, talvez eu seja só um maldito de um masoquista mesmo. – Deixou escapar no calor da raiva que começava a tomar conta da parte racional do seu cérebro.

— Não está assim tão ruim, você já viu piores.

— É esse o problema, Steve! É exatamente esse a porra do problema, inferno! – Ele terminou os curativos e jogou com força a pinça que utilizava na maleta, fechando-a bruscamente. – Você sempre volta machucado e, ao invés de querer solucionar isso, trata suas feridas como comparativo da briga anterior, merda! Eu nem sei porque caralhos te deixei entrar!

— Dá pra parar de usar tanto palavrão? – O Rogers estava surpreso com o acesso de fúria do outro.

— E eu cheguei a pensar que as aulas de karatê mudariam alguma coisa nessa sua cabecinha loira, pft! – Riu de escárnio. – Quanta ilusão! E esta Peggy? Agora vocês serão um par de encrenqueiros? A dupla da confusão? O casal delinquente?

— Ah, aí está! Era exatamente aí que eu queria chegar! – Ele sorriu de viés, de maneira zombeteira. – Era isso o que eu estava esperando! Eu sabia que jogaria a culpa nela, sabia!

— Não estou jogando a culpa nela, porque eu sei que você não precisa de ninguém para começar uma encrenca, só estou apontando uma possibilidade não muito irrealista.

— Peggy não tem nada a ver com isso, ok? – Ele suspirou.

— Ah, é? E me diz como foi que se meteu numa briga então. – Ele cruzou os braços. – Porque eu duvido muito que você tenha pulado na frente de alguém e começado uma confusão a troco de nada. Eu tenho certeza que alguém começou a mexer com ela e você se sentiu na obrigação de intervir.

— Não foi exatamente assim... – Ele desviou os olhos para o próprio colo, o que arrancou uma gargalhada esquisita do outro.

— Pelo menos você tem a decência de corar!

— Encontramos Dylan. - Steve revelou com um suspiro.

— O quê? – Bucky retesou seus músculos com a menção do nome, assumindo uma postura mais tensa.

— Estávamos saindo do cinema, ele nos abordou e começou a fazer comentários ofensivos. Direcionados a você também.

— E o que ele disse?

— Não vale a pena. – Steve desconversou, visivelmente desconfortável e arrependido por ter confessado.

— Valeu a pena apanhar, mas não vale a pena me contar? Você não sabe medir muito bem o valor das coisas, não é mesmo? – Zombou. – Anda, Stevie, o que foi que ele disse?

— Disse que achou bem feito eu ter te trocado pela Peggy.

— E você achou isso ofensivo? – Uniu a sobrancelhas. – Ou você só está dourando a pílula porque está com medo da minha reação?

Steve expirou e inspirou demorada e profundamente.

— Ele disse que não valia a pena eu gastar a minha adolescência com a sua bunda feia quando tinha uma bem mais interessante na jogada, e que eu estava de parabéns por ter trocado uma putinha como você por alguém que realmente tinha algum valor.

— E você se sentiu ofendido porque um desqualificado de merda como aquele babaca do Dylan me chamou de putinha? – Bucky custava muito a entender onde Steve queria chegar com aquela história, quase tanto quanto custava a entender o motivo de ter se envolvido em uma briga por um motivo tão frívolo quanto algumas ofensas baratas vindas de alguém que sequer valia o esforço.

— Ele disse que você não valia a pena e que deveria apodrecer na Rússia e nunca mais voltar. E também que... – Steve mordeu o lábio inferior.

— Que...? – Instigou-o a prosseguir.

— Que, se tivesse muita sorte, morreria logo, como os seus pais. – Ele sussurrou a última parte, na ânsia de que o moreno não fosse capaz de ouvi-lo. Mas ele ouviu.

Steve imaginara que o amigo ficaria irritado, que sairia berrando pelos cantos da casa, que chutaria paredes e móveis... Ele tinha se preparado para todos os cenários, incluindo aqueles no qual ele descontava a fúria toda em cima de si. Steve só não se preparara para o pior cenário de todos. O silêncio. Frio, denso e cheio de significados. O brilho nos olhos de Bucky havia apagado e ele não parecia mais que uma sombra parado à sua frente. Quando o Rogers fez menção de encostar em seu pulso para chamar-lhe atenção, ele se afastou inconscientemente, chacoalhando de leve a cabeça e tentando retomar o raciocínio anterior.

— Nós sabemos que esse monte de bosta não vale o esforço, na próxima vez, você o ignora. – Sua voz era firme, mas não parecia ser aquelas as palavras que sua mente queria dizer.

— Bucky? – Steve chamou num tom ameno.

— Você pode dormir no meu quarto, tenho dormido no dos meus pais de qualquer forma. – Deu de ombros, recolhendo a maleta de primeiros socorros e dando as costas para o loiro.

— Eu não vou te deixar sozinho. – Steve atestou firmemente.

— A outra opção é dormir comigo. – Fez questão de encará-lo, arqueando uma sobrancelha, tentando soar zombeteiro e descontraído. – E eu realmente não acredito que esta seja a ideia mais genial do momento. – Completou com ar já meio cansado.

— Eu não vou te deixar dormir sozinho agora. – Repetiu o loiro, com um pouco mais de incerteza desta vez. Bucky percebeu a incerteza na voz do loiro e soltou um riso soprado, daqueles meio doídos e quebradiços.

— Eu não vou me matar durante a madrugada. – Revirou os olhos, voltando a caminhar em direção à porta. – Você pode vir checar se não conseguir acreditar em mim.

— Eu acredito em você.

— Então você dorme aqui e eu durmo no quarto dos meus pais.

E, como era de costume, Steve obedeceu mais uma vez.

A noite avançava rapidamente e, àquela altura, o silêncio era cortado vez ou outra por algum veículo que passava calmamente pela rua. Depois de se revirar na cama por incontáveis vezes, Steve estava agora encarando a janela do amigo, vislumbrando o seu próprio quarto escuro. Entendia que, nos últimos anos, não tivera uma vida muito privada por conta daquilo, e ele descobrira naquele momento que não se incomodava com esse fato. Chegou a rir soprado das vezes que Bucky entrou atropelando tudo o que via pela frente pela sua varanda porque o viu desanimado ou mesmo chorando sozinho no confinamento de seu quarto em alguns momentos no passado. Ele realmente estivera sempre ali por ele, sempre por perto, pronto para oferecer um sorriso e alguns minutos de conversa para distraí-lo. O que é que eu estou fazendo?, essa pergunta não queria desaparecer de sua mente.

Depois de passar pela porta de seu quarto nas últimas duas horas para checar se o amigo estava bem, Bucky finalmente desistira. Era óbvio que ele estava dolorido e que não dormiria naquela noite, dado todos os acontecimentos que antecederam aquela briga estúpida, mas ele não imaginava que seu sono seria assim tão turbulento. Estava estirado na cama de seus pais, com os braços atrás da cabeça e encarava o teto há muito tempo quando soltou um suspiro cansado. Ele também não conseguiria dormir naquela noite. Levantou-se vagarosamente e tomou rumo até a porta entreaberta. Das outras vezes, ele somente espiara de fora, porém, quando ele não ouviu o barulho dos lençóis, julgou que o loiro estivesse dormindo há algum tempo. Adentrou o quarto cautelosamente e, pé ante pé, dirigiu-se até a cama. Steve parecia ter encontrado, finalmente, o mundo de Morfeu. Seu peito subia e descia calmamente e ele não parecia sentir dor. O moreno sentiu-se tentado a afagar-lhe os cabelos loiros e macios, mas se reteve e se sentou no chão, em frente ao amigo.

Dormindo tão pacificamente, era difícil imaginar que aquele toquinho de gente era composto de pura raiva e uma língua afiada. Chegou a rir soprado com a constatação, mas o riso morreu ao se recordar do motivo que o levara ali aquela noite. Bucky suspirou novamente e, embora não tivesse exatamente certeza de que ele permaneceria dormindo, começou a falar baixinho.

— Lembra quando tínhamos dez anos e achávamos que o mundo era bem menor do que realmente é só porque subíamos no telhado de casa para assistir ao pôr do sol? – Riu soprado novamente com aquele gosto acre da nostalgia o dominando. – Mamãe ficava louca! Ela queria me matar por metê-lo em confusões, era a única pessoa que acreditava em você, que achava que as pessoas eram ruins só porque você era pequeno. Papai sempre ria, achava graça da inocência dela. Ele costumava dizer “eles são garotos, arrumam confusão como quem encontra pedregulhos no caminho de volta pra casa”. Eu acho que nunca entendi muito bem essa comparação, mas ele nunca foi muito bom com elas mesmo. – Parou para suspirar. – A vida era bem mais fácil naquela época, não é mesmo, Stevie? Tudo o que precisávamos fazer era nos preocupar em chegar a tempo para o jantar e sempre tínhamos a certeza de encontra-los à mesa, aguardando com um sorriso todos os dias. – Ele suspirou novamente, e percebeu que foi um suspiro entrecortado. – Você não entende a falta que eles me fazem, você não faz ideia da dificuldade que passei naquele maldito país. – Riu soprado, com amargura.

Bucky parou por um momento e observou o Rogers, ele parecia ter encontrado um sono profundo e não dava sinal nenhum de que despertaria. Então ele continuou.

— Depois de um mês confinado em casa, chorando pelos cantos e quebrando qualquer coisa que eu conseguisse alcançar, eu finalmente percebi que a minha raiva e minha tristeza não me seriam suficientes para pagar as contas e me manter vivo. Eu tive que me reerguer e me obrigar a lutar para sobreviver. Depois de algumas semanas, consegui um emprego de meio período em um Starbucks próximo à estação de trem mais perto de casa, mas isso não era o suficiente para me sustentar, então eu conheci um pessoal meio esquisito e me envolvi com brigas clandestinas. – Ele sentiu dor ao dizer aquilo tudo, porque era justamente a parte que ele mais queria esquecer. – Era horrível, sabe? Nada de estrutura ou de um lugar meramente limpo para que os machucados fossem devidamente cuidados com alguma higiene, mas eu fazia mais dinheiro em uma luta naquele ringue clandestino do que em uma semana inteira de trabalho honesto. Eu passava metade da semana com o olho inchado e a outra metade tentando muito não pegar alguma infecção naquele lugar de bosta que cheirava a peido estragado.

“Eu consegui me manter por um tempo, me sobrava dinheiro para sair de vez em quando e, como eu realmente não me importei em fazer tantos amigos, eu aproveitava a maioria das noites sozinho. Às vezes eu saía com aquela turma com a qual me associei e isso nem sempre era boa ideia. Fomos parar na delegacia incontáveis vezes, algumas por depredação ao patrimônio público e outras tantas por arrumar brigas pelas ruas. Eu fui preso umas três vezes,  realmente não me importava com nada, eu só... eu só queria esquecer aquele maldito acidente. Com o tempo, eu percebi que nada do que eu fizesse apagaria a imagem que eu vi naquele carro. Havia tanto sangue, Stevie, tanto... tanto sangue.

Bucky fungou, ele mal notara quando as lágrimas começaram a cair, mas ele não se importava mais com aquilo, ele sentiu que só precisava botar logo pra fora, uma vez que já o iniciara.

— Meu pai não se mexia mais, ele não respirava. Eu tentei chama-lo diversas vezes, mas era tarde demais. A minha mãe, puta que pariu. – Riu novamente, mas de nervoso desta vez. – Ela estava numa situação pior, porque a cabeça dela tinha sido atingida. Ela tentava se manter acordada, mas eu percebia que doía cada vez que ela piscava. E ela chorava baixinho enquanto pedia para todos os santos que ela conhecia para que eu ficasse bem, para que eu continuasse vivo e conseguisse me manter bem na ausência deles. No final, não importou quantas vezes eu pedi, ela, aos poucos, foi desistindo de resistir e também parou de respirar. Ela morreu, Stevie, enquanto me olhava nos olhos e me sorria, me dizendo baixinho que tudo ficaria bem, mas adivinha? Nada ficou bem, nunca mais ficou bem.

Ele enxugou com raiva os olhos. Steve, cansado de fingir que ainda dormia, abriu os seus e o encarou. Ele vira Bucky chorar algumas vezes, mas  jamais o vira naquele estado. Seus ombros chacoalhavam ferozmente enquanto tentava não fazer barulho nenhum para não atrapalhar o sono do amigo. Quando o Barnes percebeu que estava sendo observado, não conseguiu engolir a dor e fingir que nada daquilo o afetava, ele apenas se entregou e continuou ali, chorando. Steve aproximou-se da beirada da cama e enlaçou o amigo pelos ombros, tentando oferecer-lhe um abraço meio torto. Bucky se sentiu tocado com o ato e se ajeitou no chão, trazendo o Rogers para mais perto de seu corpo, abraçando-o de volta. Aquilo não resolveria nada, Steve sabia disso, mas era tudo o que poderia oferecer naquele momento, e ele ofereceria qualquer coisa para que o amigo voltasse a sorrir de novo.


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Notas finais do capítulo

Desculpa pela dor causada Ç_Ç

Obrigada pela companhia e até breve ♥ XoXo ;*



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