Estávamos sentadas à mesa de sempre, Morgana, Jéssica e eu. Distraída olhei para as mãos remexendo no anel do indicador.

— Você vai ou não vai contar como foi a conversa? - Jéssica perguntou novamente.

Eu não queria contar. Sabia que elas ficariam irritadas tanto quanto eu ficara irritada. Rich estava confuso, fazendo merda. Mas ainda era o meu Richard. Eu ainda o amava. Eu ainda o queria de volta. E a maior prova disso era aquela maldita história com o Fred.

Oh! Céus! Fred...

— Fred vem para a nossa mesa. Ele vai almoçar conosco. - falei numa respiração só.

E nesse exato momento o assunto Richard foi terminantemente esquecido.

— Ele vem para a nossa mesa? - Morgana perguntou arregalando os olhos e o sorriso satisfeito antes que Gabriel chegasse arrastando aquelas calças sob o tênis e se sentasse conosco. - Por quê? Você decidiu ficar com ele?

— Ei Lizzie... - o garoto de cabelos encaracolados me cumprimentou e silenciou o assunto de vez quando informou: — Fred disse que vem pra cá depois.

Meu coração disparou. Ele falou abertamente sobre isso? Sobre almoçar comigo? Oras... não imaginaria nunca que Fred era do tipo de garoto que fica seriamente com alguém. Na verdade nunca o vi almoçar com uma garota em especial. Ele estava sempre rodeado por várias garotas, no plural.

— O que ele vem fazer aqui? - Jéssica perguntou com ar de desagrado me encarando. - Achei que você estava brincando quando falou sobre ele vir para cá.

— Nós estamos ficando. - não havia meios de fazer aquilo de forma mais amena. Por isso, informei, sem me preocupar que Gabriel ouvisse.

Jéssica apertou os lábios. Tentei ignorar, detestava quando ela bancava a minha irmã mais velha. Ou minha mãe.

— O que aconteceu no seu encontro com o Rich?

— Foi um desastre completo. - expliquei pela metade.

— E aí você decidiu...

— Decidi botar a fogueira pra esquentar. - expliquei decidida. O quanto antes Jéssica compreendesse que não importava o que ela me dissesse não me faria mudar de ideia, melhor.

Um longo suspiro e ela começou a bater com a unha na mesa, naquele movimento irritante que só acontece quando está zangada.

— Você agora vai passar a frequentar os jogos de hóquei como Savana e Morgana? - Jéssica me perguntou em tom de recriminação.

— Se a gente começar a sair sério, sim. - falei determinada vendo Morgana afagar os cabelos cacheados de Gabriel.

— Por que isso Liz? - Jéssica insistiu – Pensei que você estava determinada a escolher outro... - cochichou espiando Gabriel com o canto do olho – outro tipo de garoto.

— Exatamente porque Richard me fez essa mesma pergunta: Porque beijei Fred?. Apesar do que você pensa, ele não gostou. E esse é o cara certo para provocá-lo – retribuí o cochicho. Não queria que Gabriel ouvisse e falasse para Frederic, talvez ele não se incomodasse, provavelmente não se incomodaria em ser usado, mas também poderia acabar contando para outras pessoas e a verdade fatalmente chegaria aos ouvidos de Richard.

Percebi que minha amiga aceitou a explicação, mas não concordou com ela. E atipicamente, quando se trata de Jéssica, não ouvi mais recriminações diretas. Apenas percebi olhares de descontentamento.

Enquanto os minutos passavam me vi atenta a porta, a espera do garoto de cabelos desgrenhados e olhos cor de mel. Ele estava demorando. Se não se apressasse o almoço acabaria e todos iriam embora antes de nos ver juntos na mesma mesa. E de preferência nos beijando.

Opa! Os beijos anteriores foram bem públicos. A prova disso era que Rich já sabia. Então. Iriamos reforçar o que falei ao meu ex naquela manhã ainda. Que eu sabia cuidar de mim. E que estava ficando com o Frederic.

Então ele chegou. Não pude evitar de sorrir quando topei com os olhos dele diretamente sobre nossa mesa. Com passadas longas ele caminhou até o balcão, pegou a bandeja, e no trajeto foi cumprimentado por quase todos, garotas, garotos, professores. Tive medo que acabasse mudando de ideia e sentasse com outros. Mas, quando concluiu a sequência no balcão tomou nossa direção. Me acomodei de lado dando lugar para ele. Jéssica ficou em pé e falou baixo:

— Preciso sair daqui...

Sequer olhei para ela, Fred se sentou e eu senti o aroma dele. Aquele mesmo que me invadira durante o primeiro beijo e que se reforçara no segundo.

— Ei Fred... - Gabriel cumprimentou me mostrando que seu repertório de cumprimentos não era muito grande.

— Gaby. - foi tudo o que Fred falou antes de se voltar para mim.

Algo esquisto aconteceu. Fui tomada por uma emoção estranha quando aqueles olhos cor de mel se fixaram nos meus. Pareciam destituídos de qualquer ironia, deboche ou provocação. Então percebi que continuava a sorrir e que ele correspondia ao sorriso.

Mal notei quando o rosto dele se aproximou. Só senti os lábios sobre os meus, o cabelo dele sob meus dedos, a mão dele na minha cintura me puxando. Deslizei pelo banco e fui colada no corpo masculino.

— O que você pretende com essa brincadeira Beth? - ele perguntou bem próximo ao meu ouvido - Provocar seu ex namorado?

Gelei.

Ele continuou:

— Estou acostumado a ser usado, você sabe... as garotas me usam para o prazer, para sair, para se divertir. Mas com certeza essa é a primeira vez que estou sendo usado para fazer ciúmes a outra pessoa.

Ele sabia.

— Você se incomoda? - perguntei acariciando os cabelos dele, era bom demais passar as mãos pelos fios finos e perfumados. Foi nessa hora que compreendi porque ele estava sempre descabelado. Com certeza não era a única garota que gostava de fazer aquilo.

— Não... desde que possamos aproveitar muito bem esse tempo... - ele encarou meus olhos determinado – você sabe do que estou falando não é?

Eu sabia.

— Sim... e aceito. - falei sem ponderar se estava disposta a pagar o preço.

Ele sorriu mais abertamente, me beijou novamente, desta vez com um ímpeto maior. Mas foi um beijo rápido antes que o coordenador viesse em nossa direção e nos carregasse para o setor de orientação. Certamente todos, minhas amigas, meu ex e até minha mãe acreditaria que naquele momento, com as atitudes que tomava, deveria realmente ser orientada.

**********************

Naquela noite meu telefone não parou de funcionar. Primeiro foi Morgana. Ela queria todos os detalhes da minha decisão. Queria saber por que Rich e eu não voltamos depois da conversa do intervalo. Acabei contando meia verdade.

— Por que ele apenas queria saber o motivo de eu ter ficado com o Fred. Ele acha que o Fred não serve para mim. E foi por isso que o escolhi no fim de tudo.

A risadinha de Morgana do outro lado da linha confirmou que ela aprovava minha decisão. Me senti satisfeita. Era bom não estar só nessa empreitada pois sabia que era bem possível de dar merda.

— Savana vai surtar quando souber. - comentou ainda em tom risonho. - Já a Jéssica está passada com essa história.

— Eu me acerto com a Jéssica... pode deixar. - garanti confiando no meu taco.

Mas não foi tão fácil quanto eu esperava. Quando me ligou, Jess parecia muito insatisfeita. Para ela não havia comparação entre os dois. Para ela eu estava errada. Para ela eu deveria ter fingido que acatava a opinião de Rich e optado por outro garoto.

— Não concordo. - retruquei. - Se Fred o perturba, deve ser o Fred. E além do mais já está tudo acertado entre mim e ele.

Ela suspirou tão alto que consegui ouvir.

— Pense bem Liz... se você tivesse ouvido o que ele dizia Rich perceberia que você ainda considera a opinião dele.

— E daí se Rich pensaria isso? Ele escolhe com quem se envolve e eu não posso escolher?

— Você está teimando com essa história.

— Se não der certo encerro a brincadeira o mais rápido possível.

— Com certeza é isso que vai acontecer. Quero ver você aturar a chatice e as manias do Fred, sem falar na falta de assunto.

Quando desliguei fiquei pensando no que Jéssica falou. Se havia algo que depunha contra esse plano, era o fato de Frederic William Price lll ser um jogador de hóquei estúpido. Metido a gostoso, egocêntrico, temperamental e safado.

Pelos céus. Como suportaria isso?

Como?

Passei horas pensando no assunto, quando finalmente dormi era praticamente madrugada e quase decidi que acabaria com aquele plano no dia seguinte. Jéssica queria o meu bem. Ela sempre me dava bons conselhos. Por que justo nesse assunto seria diferente?

Fred e eu não tinha nada, nada, nada a ver.

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Na manhã seguinte ele, Fred, me esperava no estacionamento. Recostado no carro, enrolado numa jaqueta, com uma manta a cobrir os lábios, boné nos cabelos desalinhados e óculos de sol sobre os olhos.

Óculos de sol! Num dia como aquele!

Meu Deus! Pensei em Jéssica e suas palavras. Estou mesmo ficando com esse garoto? Ele não tinha nada que me atraísse. Se vestia de maneira esquisita. Agia como o dono da verdade e não era considerado como um dos alunos mais cordatos da escola.

Caminhei em direção a ele. Os óculos saíram do lugar e ele ficou ereto. Fred era realmente alto. Especialmente se comparado a alguém como eu. Que não sou exatamente uma modelo no quesito altura.

— Bom dia Beth. - falou sorrindo de lado – Não sabia se deveria buscar você em casa. Por isso resolvi esperar por aqui.

— Eu... - comecei a falar e não terminei, ele me puxou pela mão e colocou nossos lábios. Foi envolvida por uma jaqueta quente e perfumada.

Quando ele finalmente me soltou o encarei séria, perdida, com a respiração ofegante.

— Está sem fôlego Beth? - ele perguntou ainda com aquele maldito sorriso maroto nos lábios – Depois de alguns dias disso você nem vai lembrar mais do nome do seu ex.

Ri do comentário como se ele tivesse contado alguma piada e bati com a mão enluvada no ombro recheado.

— Estou falando sério. Sou como uma droga. Todas que se achegam não querem mais ir embora.

— Vou lembrá-lo de que eu não sou as outras... para falar a verdade de ontem para hoje estou em dúvida se devo ou não continuar com isso.

Ele me olhou de lado, os cabelos escapando da manta e do boné.

— Você quem sabe. - disse me soltando.

Ele ia desistir facilmente se eu assim determinasse. E por que seria diferente?

— Por que está fazendo isso Fred? - perguntei vendo alguns garotos passarem ao fundo e entre eles estava Rich.

Ele seguiu meu olhar antes de responder.

— Gosto de uma boa diversão. E também não tenho nada mais para fazer. - aquilo parecia servir como desculpa.

— Nenhuma outra garota para ficar?

— Estava de olho em Brenda. - será que era verdade? – Seu namorado passou na minha frente. - e me olhou de novo – Sabe como a história deles começou?

Não, não sabia, mas gostaria muito de saber. Nem precisei perguntar.

— Ela estava com dificuldades em matemática e seu namorado, opa... ex namorado – salientou a palavra alterando o tom de voz - é tipo o gênio da escola em matemática, então, ele estava dando aulas a ela.

— Estava? - perguntei incrédula. Rich não me disse que estava dando aulas particulares.

— Parece que você e ele não se falavam como deveriam.

Desviei os olhos. Fred se moveu como se fosse sair dali sem mim.

— Espere... - pedi, ele me olhou e nada disse. - Eu quero continuar...

Ele recolocou os óculos no lugar e estendeu a mão para mim. A segurei e nós tomamos a direção da entrada principal. Era definitivo. Fred e eu éramos um casal.