Ao seu lado escrita por nanacfabreti


Capítulo 19
Sem ar




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Um mês. Trinta e dois dias para ser mais exata, era o tempo que Ian e eu estávamos separados, só que parecia muito mais. Minha rotina estava prestes a voltar ao normal, ou quase isso, afinal, as aulas recomeçariam em poucos dias e eu infelizmente teria que voltar para o apartamento da minha mãe. Era muito mais perto do colégio, além do mais, meu pai retomaria suas viagens de trabalho, e não dava para eu me virar sozinha.

Ela por sua vez, estava quieta, até de mais para o meu gosto, isso me causava medo, eu estava sempre alerta, para mim, estava arquitetando alguma coisa.

Combinamos , meu pai e eu , que a qualquer sinal deum novo  surto de Denise, ele interviria sem hesitar, sem contar que minha maioridade estava tão perto que eu já sentia o cheiro doce  da liberdade.

—Ian, eu estou igual a um presidiário, estou marcando com palitinhos os dias que faltam para ver você. –Confessei em uma de nossas conversas através daquele aparelho que já fazia parte de mim,o telefone.

—Sinto tanta falta desse seu jeito absurdo de colocar as coisas. –Ele riu.

—Só disso? –Provoquei.

—Claro que não... –ele sussurrou.Certamente sua irmã estava por perto. –sinto falta do seu cheiro, da sua pele, dos seus beijos...

—Tudo bem, pode parar. –Intervim sabendo exatamente do que ele estava falando e pior, sabendo que teríamos ainda dois longos meses até podermos enfim matar nossa saudade.

—Então está mesmo certo, você vem depois do seu aniversário?

—Sim, faço dezoito hoje e amanhã já estou aí. –Eu nem tentaria fazer aquela viagem antes, com certeza minha mãe já tinha uma ordem judicial pronta para, caso eu tentasse.

— Vai passar rápido. –Ele disse num tom triste.

—E você?Como está se sentindo hoje? –Perguntei um tanto preocupada, Ian já havia começado o tratamento e, alternava dias bons com ruins, os medicamentos eram muito fortes e às vezes ele me dizia que sentia-se como se tivesse sido colocado dentro de uma máquina de lavar.

—Hoje até que bem, tirando o fato de eu me sentir como um rato de laboratório e, um pouco enjoado... – ele respirou cansado – os médicos dizem que é normal. –Ele não parecia muito animado.

—Sinto tanto não poder estar aí para te dar colo. – Senti-me triste e impotente. – Só lembre-se que eu te amo, muito.

—Eu também, e veja seu e-mail, mandei uma foto daquele casal com o bebê, que comentei com você.

—Claro, vou ver.

Ian havia conhecido na clínica, um casal, ambos, portadores do vírus HIV, ela engravidou sem saber disso, então, iniciou um tratamento para impedir que o bebê fosse contaminado, tinha dado certo. Ian me contou com tanta empolgação aquela história , era bom, para ele e para mim, ver que mesmo tendo tudo para dar errado, algumas histórias tinham final feliz.

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Voltar para aquele prédio não foi tarefa fácil, mas não tinha outro jeito mesmo, entrei em meu quarto e foi como se eu tivesse caído em um buraco fundo.Imaginei como seria no colégio, sem Ian ali comigo eu teria que ser dez vezes mais forte que de costume.

Não sabia como as pessoas me tratariam, e já esperava que fosse ficar isolada, mas, sinceramente, isso pouco me preocupava, falsas amizades, como a de Julia e Leonardo se mostraram ser, eram totalmente dispensáveis.

—Tome o café com calma –Denise colocava a mesa –vou levá-la ao colégio.

Olhei para tudo ali e nada me apeteceu, peguei uma maçã e segui sem dizer nada a ela.

—Vou sozinha, como sempre fui. –Respondi seca antes de fechar a porta.

Estava adiantada, dava tempo de ir caminhando, comia minha maçã a contragosto,menos de cinco minutos depois, um carro parou ao meu lado.

—Isso só pode ser brincadeira... – Sussurrei e continuei caminhando, era o Leonardo.

—Anda Liv, eu te dou uma carona. –Ele parecia ter esquecido a nossa conversa na noite de réveillon.

—É sério isso? –Parei e encarei a ele que me seguia lentamente. – Vai ser sempre assim ou é só hoje? Me avise, porque aí eu mudo dessa droga de colégio, antes de te mandar ir para o inferno, Leonardo.

Ele não me respondeu nada, permaneceu com olhos fixos em mim, mas dessa vez, não parecia surpreso.

Voltei a caminhar, peguei um fone de ouvidos e liguei meu celular. Se quilo fosse uma premissa do que seriam meus dias, era bom eu me preparar.

Leonardo continuou me seguindo,e eu até podia desviar o caminho, entrar numa rua contramão só que seria um desgaste a toa.Ele era mesmo persistente e estava se mostrando o tipo de pessoa que eu não gostava.Mesmo.

Como já era de se esperar, eu era o mais novo animal do zoológico, por qualquer parte do colégio que eu fosse, sempre tinha alguém olhando para mim, e não vou dizer que todos eram olhares preconceituosos, mas mesmo assim, eram todos muito incômodos.

Se havia uma coisa que eu estava desejando muito naquele instante, era olhar a lista de alunos e ver que Julia, Leonardo e eu tínhamos caído na mesma turma, porque assim, eu pedia para mudar de sala e não teria que conviver com nenhum dos dois.Esperei até que o aglomerado de pessoas que se acumulavam em frente aquelas folhas de papel grudadas na parede, se dispersassem, e só então fui conferir o que o destino me reservava.

Tudo bem, não era como eu queria, mas era melhor do que nada, minha turma permanecia a mesma, de forma que Leonardo e eu não passaríamos a manhã toda trancados no mesmo espaço.Embora estivesse muito decepcionada com Júlia, ela era mais fácil de ignorar.

Fui a primeira a ocupar um lugar, sentei-me na primeira carteira, em frente a mesa dos professores.Aos poucos os demais alunos também escolhiam seus lugares.Julia que entrou conversando animadamente com alguém, ao me ver ficou paralisada, parecia estar pensando no que fazer.Desviei meus olhos, queria passar meu recado, ela então sentou-se em nosso lugar de costume, e isso nos deixava totalmente em lados opostos.

Enquanto abria meu caderno para fingir que não estava sem saber como agir, notei que uma garota que eu não conhecia, sentou-se atrás de mim.No mais, as três primeiras aulas foram normais,na medida do possível.

Assim que o sinal tocou, senti meu coração pulsar mais rápido, claro, era quando eu me encontrava com Ian, e acho que meu cérebro estava com dificuldade de processar que aquilo não aconteceria.Caminhei até o gramado onde nós sempre ficávamos e me sentei ali, aproveitando um pouco do sol.

Com o canto dos olhos notei Leonardo em pé a alguns poucos metros de mim, rezei internamente para que ele não viesse falar comigo.

—Posso me sentar aqui? –A garota nova estava parada em minha frente.

Olhei para os lados e era mesmo comigo que ela estava falando.

—Claro. –Dei de ombros imaginando que ela não estava á par dos fatos.

Ela se sentou e me encarou, era bonita. Morena ,tinha o rosto em formato de coração e os olhos esverdeados, logo estaria enturmada com grupo das populares.

—Eu odeio o primeiro dia de aula, mas odeio ainda mais quando ele é num colégio novo. –Ela começou a reclamar.

Balancei a cabeça concordando.

—É, tudo o que naturalmente é ruim ,sempre pode piorar. –Filosofei pensando em minha vida.

—Meu nome é Vanessa. –Ela disse rindo. –O seu é Lívia, não é?

—Isso – confirmei imaginando quais coisas ela ouvira sobre mim. – Sou Livia,a namorada do cara que tem AIDS.

Ela ficou séria e depois sorriu.

 –É. Eu ouvi comentários e já vou avisando, não vejo nada de mal nisso. –Ela levantou as mãos. –Eu mesma posso já ter dormido com uma cara com essa ou outra doença e nem sei. É por isso que usamos preservativo, não é?

—É. –Acabei rindo ao ver que estava diante de uma pessoa tão esclarecida. –Acho que vamos nos dar bem,Vanessa.

—Acho que sim. –Ela estendeu-me a mão para um cumprimento.

Foi um alívio conversar com alguém que falava a mesma língua que eu, estava me sentindo bem enfim, e foi menos dolorido não ter Ian ali comigo.

Na hora de ir embora, caminhei até o ponto de ônibus, não queria ter Leonardo me seguindo mais uma vez.

Chequei meu e-mail, esperava que Ian tivesse me mandado alguma foto, mas não, então só me restava esperar por sua ligação.

Acordei com o toque do meu celular e quase pulei da cama.

—Oi meu amor. –Me derreti assim que ouvi sua voz.

—E aí, como foi seu primeiro dia de aula? –Ian perguntou-me e sua voz me pareceu estranha.

—Aconteceu alguma coisa? –Preocupei-me. –Você está bem?

—Sim são só os enjôos, hoje estou mais indisposto.

—Cada vez que você fala assim, eu sinto mais vontade de pegar entrar em um avião e ir ficar com você.

—Se quiser vir, não vou me opor. –Ele riu.

—Estou contando os dias Ian, e juro, dependendo de como for, vou ficar com você o tempo restante, e só voltamos juntos, ou, nem voltamos. –Falei séria, eu já havia tido essa conversa com meu pai antes.

— Como assim nem voltamos? –Ele interessou-se.

—Eu não me incomodaria em darmos um jeito de ficar por aí, meu pai até gostou da ideia de eu morar fora por um tempo.

Ian fez um breve silêncio, depois ouvi um suspiro seu.

—Liv, você fica me enchendo de idéias e planos...quero ver se não cumpri-los. –Ele reclamou.

—Eu estou falando sério Ian,estou disposta a me mudar de país, principalmente se isso significar que poderemos ter paz. –Pensei em minha mãe.

—Eu já falei que você é fantástica, Liv? –Ian perguntou baixinho.

—Acho que sim... –Murmurei fechando meus olhos como se aquilo pudesse encurtar nossa distância. – você sempre me enche de elogios.

—É só o que eu posso fazer no momento –Ele arfou. –Queria mesmo era poder enchê-la de beijos.

Assim os dias passavam, se arrastando mas passavam, já fazia quase duas semanas desde o retorno das aulas e, o Leonardo parecia ter me esquecido, eu quase não o via, e nas vezes que nos cruzávamos em algum corredor, ele apenas me olhava.

Com a Júlia as coisas também seguiam sem maiores transtornos, eu ficava todo o meu tempo com a Vanessa, que era quem estava salvando minhas manhãs, agora, Júlia também tinha novas amizades.

— E sua mãe?Do mesmo jeito? –Vanessa perguntou enquanto nós duas matávamos a aula de educação física.

Eu costumava desabafar com ela os meus dias de martírio, já que Denise parecia não querer me dar trégua.Como eu não estava fazendo nada do jeito que ela queria, a recíproca estava sendo verdadeira.Parecíamos duas estranhas dentro daquele apartamento e quando meu telefone tocava ela não escondia sua raiva, sabia que era Ian.

— Eu já desisti Vanessa.Eu nem espero mais que ela aceite meu relacionamento. –Concluí.

—Olha, eu nem a conheço, mas já não gosto dela. –Vanessa abraçou as pernas. –Eu odeio gente preconceituosa.

Balancei minha cabeça pensativa.

—Sabe, eu nem imaginava que ela era assim...Mas, vamos mudar de assunto, o que acha de passar a tarde no meu apartamento? –Convidei-a, Ian já tinha me avisado que só me ligaria tarde da noite, meu pai não estava na cidade, e eu, nunca estive mais entediada.

—Por mim tudo bem. –Ela animou-se.

Então, assim que acabaram as aulas, decidimos ir caminhando até meu prédio.Assim que passamos pelo estacionamento, avistei Léo, acabando de entrar em seu carro, ele me viu e sorriu para mim.

—Esse cara é apaixonado por você. –Vanessa afirmou convicta.

—Eu já te falei, éramos muito amigos , até que eu fiz a besteira de beijá-lo.

—Até aí tudo bem ,mas não foi esse beijo que fez as coisas mudarem, ele certamente já gostava de você antes.

—As vezes eu penso isso, mas, aí lembro que ele e a Júlia namoraram e nada faz sentido então. –Dei de ombros.

Vanessa fez uma cara de dúvida, e eu preferi parar de pensar naquilo.

Estávamos rindo de alguma coisa que ela tinha me contado e eu estava de muito bom humor, até abrir a porta do meu apartamento e dar de cara com ela, minha mãe, sentada na mesa de jantar , rodeada por papéis.

—Não sabia que estaria aqui. –Demonstrei minha surpresa enquanto fazia sinal para Vanessa entrar.

—É que hoje eu saí mais cedo, tenho muitos problemas para resolver. –Ela avisou olhando diretamente a garota ali comigo.

—Vanessa, essa é Denise – revirei meu olhos, e ela entendeu – minha mãe.

Vanessa deu alguns passos a frente e sorriu para ela, que não fez questão de ser simpática.

—Oi, eu sou Vanessa, a amiga lésbica da Lívia. –Ela jogou aquelas palavras sobre minha mãe, que desmontou, ali, em nossa frente.

Tive que me segurar para não explodir em uma gargalhada. Segurei Vanessa pelo braço e a arrastei para o meu quarto.

Lá com a porta fechada nós duas caímos na gargalhada, aquele momento foi impagável.

—Viu a cara dela? –Sussurrei. –Eu não acredito que teve coragem de dizer aquilo.

— Eu falei que não gostava dela mesmo sem conhecê-la, só dei a ela um pouquinho mais de combustível para seus preconceitos.

Eu sabia que minha mãe deveria estar surtando naquele momento e que certamente estava acreditando que eu me perdera de vez.

—Então esse é o famoso Ian? –Vanessa apontou para a foto no painel.

—É. –Sorri como boba só por vê-lo ali, estampado em um papel. –Esse é meu Ian.

—Ele é muito bonito mesmo. –Ela disse depois de um tempo observando as fotos. –Vocês formam um casal fofo.

Acabei rindo.

—Nem imagina a falta que estou sentindo dele. –Sentei-me em minha cama. –É uma coisa inexplicável.

Vanessa sentou-se no chão, perto de mim.

—Esse tempo que falta, vai passar rápido. –Ela tentou me confortar.

—Eu espero que sim.Sem ele é como se eu nem respirasse direito. –Confessei.

—Bem, lembre-se que daqui a pouco tempo vocês vão estar juntos, em Londres e que se Deus quiser, nem voltam mais, assim eu tenho um lugar para passar as minhas férias. –Ela concluiu com animação.

—Nem me fale...Eu estou me agarrando nisso para conseguir sobreviver a cada dia. –Admiti.

Ainda falávamos sobre a minha viagem quando Vanessa fez um gesto para mim, apontando para a porta.

Arregalei meus olhos e então percebi ao que ela se referia, dava para ver a sombra dos pé da minha mãe do outro lado, ela era mesmo inacreditável, estava lá para ouvir nossa conversa.

Entrei em pânico ao pensar que ela pudesse ter escutado sobre meus planos,com fúria me levantei e caminhei na ponta dos pés, eu estava disposta a envergonhá-la.

Girei a maçaneta lá estava Denise, com os ouvidos tão grudados na porta que quase caiu dentro do meu quarto.

—Quer participar da conversa? –Indaguei sentindo meu corpo entrando em combustão.

Ela não sabia o que fazer, ficou sem chão, seu rosto avermelhou-se e seus olhos encheram-se de lágrimas instantaneamente.

—Não vou discutir com você na frente de estranhos. –Ela grunhiu. –E deixe a porta aberta.

—Vou deixar mesmo, afinal portas foram feitas para nos dar privacidade, mas aqui, elas devem ter outra serventia. –Respondi com ironia enquanto ela se afastava.

Vanessa e eu nos entreolhamos, ela decidiu ir embora, eu a acompanhei até a saída do prédio.

—Será que ela estava lá há muito tempo. –Preocupei-me.

—Não sei, mas agora estou me sentindo culpada.Será que ela estava ouvindo atrás da porta por conta do que eu falei?

Balancei minha cabeça em negativa.

—Imagine, ela faria isso de qualquer forma. –Ponderei sabendo que aquilo era verdade.Eu havia perdido a confiança da minha mãe há tempos.

Quando subi, ela estava saindo do meu quarto e não se importou com o flagrante.

— Então é isso mesmo?Vou ter que começar a trancar meu quarto ?

—Não me provoque Lívia. –Ela mal me olhou. –Por hoje você já excedeu sua cota.

Balancei a cabeça sentindo o desgosto me consumir, preferi apenas não discutir, seria tempo perdido.

Estava no banho e ouvi o interfone, me animei com a possibilidade de ser meu pai. Acelerei para terminar e, assim que coloquei os pés no  meu quarto, soube que não era ele.

—O que você está fazendo aqui?Quem- deixou- você- entrar- aqui? – Perguntei pausadamente, sem acreditar que Leonardo estava ali, sentado na minha poltrona.


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