Um passo errado escrita por nanacfabreti


Capítulo 29
Loucura?




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  De olhos fechados Erick tateou o lado direito de sua cama e sentiu um vazio voltar a consumi-lo, real, daqueles que sentimos quando estamos despencando em uma montanha russa. Sentou-se rapidamente, perturbado com a ideia de que a volta de Alicia fora mesmo tudo obra de sua imaginação, estava prestes a se desesperar quando avistou um pequeno caderno sobre o travesseiro onde a cabeça da bailarina deveria estar repousando.

 Na capa uma sapatilha de ponta, só podia ser dela. Erick tomou-o em suas mãos e pensou se deveria ou não folheá-lo, deduziu que sim, afinal, ao que parecia, fora deixado ali justamente para isso.

“Três semanas nesse lugar, e nada parece fazer o mínimo sentido, não sei se é por estar aqui contra minha vontade, ou porque de fato, estudar no Royal Ballet não é nada do que eu esperava...”

Ao ler a primeira frase seu estômago reagiu como se acabasse de levar um soco, fez uma pausa tentando reorganizar os pensamentos e mais, temendo o que viria daquilo que parecia ser uma espécie de diário.

  Folha após folha e as confissões ali descritas com a letra redondinha da bailarina, só faziam Erick se sentir pior. Algumas páginas estavam manchadas, dava para saber que Alicia chorara enquanto escrevia, isso foi um golpe ainda pior para o rapaz.

 Ele corria os olhos pelas palavras e em certo momento era como se as ouvisse da própria Alice, até mesmo a entonação com que ela falaria determinadas frases, ele conseguia imaginar. Era como se ele estivesse lendo um dos livros mais interessantes do mundo, ansioso para chegar á última página, e ver que a história teve um final feliz. No entanto, o trecho final, as últimas linhas escritas ali o fizeram perder o ar:

“Talvez quando colocar os olhos sobre ele, todas essas dúvidas desapareçam e eu apenas deseje morrer em seus braços, ou talvez, quando eu me deparar com a vida que ele me obrigou a deixar para trás, eu decida que já é hora de matá-lo de dentro de mim...”

  Erick fechou os olhos, teria ela se decidido pela segunda opção? Claro, ele estava tão embriagado de felicidade na noite anterior, que não se preocupou com o depois. Conhecia Alicia, tudo tinha sido muito fácil, o que era estanho, afinal, vindo daquela garota, as coisas nunca eram simples.

 Vestiu-se em tempo recorde, enfiou aquele caderno no bolso traseiro da calça e saiu em disparado. Onde ela poderia estar? Correu para o escritório de Marta, ela certamente saberia do paradeiro da neta.

 —Bom dia querido—ela saudou-o alheia ao seu desespero. —Está indo ao hospital?

 Erick arregalou os olhos, esquecera de que o pai receberia alta logo pela manhã e que ele estava encarregado de buscá-lo.

 —Droga! —Ele passou as mãos pelos cabelos, estava atordoado.

 —O que foi Erick? Você está estranho. —A avó de Alicia levantou-se de sua cadeira e foi para perto do rapaz.

 —A Alicia...sabe dela?

 Marta ergueu as sobrancelhas.

—Ao que me consta ela está em Londres... —Ela levou a mão ao peito. —Aconteceu alguma coisa com a minha neta? — indagou com desespero.

— A Alicia está aqui, em Santo Valle —Erick revelou. — Ela passou a noite comigo e quando eu acordei ela tinha desaparecido.

Aquela conversa estava parecendo papo de loucos, Marta falara com a neta há dois dias e ela nada comentara sobre seu retorno. Ela sabia que o amor podia afetar as pessoas de várias formas, e se preocupou seriamente com o filho de Laura. Estaria ele tendo delírios?

—Meu bem — ela segurou-o pelo braço —, você passou por muita coisa nesses últimos dias, é natural que esteja um tanto confuso...

 Ele balançou a cabeça em negativa.

—Pode buscar meus pais, por favor? — ele pediu calmamente. —Eu preciso encontrá-la o quanto antes.

 Marta não estava entendendo nada e estava certa de que a neta não havia voltado para o Brasil, nada do que Erick dizia parecia fazer o mínimo sentido.

 — Tudo bem, eu vou, mas... Estou preocupada com você.

 —Eu também... Na verdade eu preciso impedir meu próprio sepultamento... — ele afirmou e depois deu as costas para a patroa, deixando-a crente de que de fato, ele não estava em seu estado normal.

 Erick tinha três lugares em mente, três lugares onde Alicia poderia estar. O estúdio de Regina, a casa de Jéssica e sua própria casa, decidiu arriscar no primeiro.

 Estacionou o jipe no posto de combustíveis e desceu correndo, a ansiedade estava acabando com ele.

— Erick! Que surpresa! —Regina que estava na recepção, saiu de detrás do balcão e deu-lhe um abraço.

 —Regina, a Alicia, ela apareceu por aqui hoje? —ele perguntou sem rodeios.

 —A Alicia? Ela voltou? — Regina demonstrou toda a sua surpresa, o que decepcionou o rapaz.

  —Voltou. —Ele confirmou com a cabeça. — Pode me ligar caso ela apareça por aqui? — Erick pediu enquanto anotava o número do seu celular em um pedaço de papel que estava sobre o balcão.

 —Ai, ai, ai... Vocês são o casal mais complicado que eu já conheci.

  Erick deu de ombros, ele concordava com aquela afirmação.

 De volta ao carro, ele tinha duas opções, e então lembrou-se de uma terceira, algo que o atormentava nos últimos meses e que naquele instante atingiu-o como uma avalanche. Miguel.

 Aquele cara era sem sombra de dúvidas, uma opção. Talvez Alicia tivesse apenas desejado ter uma prova de que havia o esquecido e, ao contatar que sim, corrido para os braços de Miguel, pensou, e no mesmo instante reconsiderou. A noite que passaram juntos não poderia der tratada como um tira-teimas, Erick pôde sentir toda a entrega de Alicia, e como ela o amava.

 — Jéssica...Me fala que Alicia está com você... —ele suplicou assim que a garota atendeu ao telefone.

 —Então ela voltou mesmo!? — Jéssica gritou.

 —Você sabia... Claro.

 —Erick, ela não está comigo não...Já pensou em procurar na casa dela?

  —É o que eu vou fazer, o telefone dela está desligado, eu vou até lá. —Ele decidiu-se. —Se ela aparecer, me avise por favor, passamos a noite juntos e ela simplesmente desapareceu pela manhã —ele repetiu.

 —Eu aviso...sabe que eu sou Team Alick —ela disse de forma carinhosa.

Erick balançou a cabeça, depois bateu as mãos fechadas contra o volante do jipe. Sentia--se tão cansado, era como remar contra a maré.  Desde que conhecera Alicia, manter-se com ela era como tentar reter água entre os dedos.

 Tudo bem, dessa vez a culpa era sua. Quem mandou insistir tanto para que ela fizesse aquela maldita viagem? Erick estava sempre se torturando com essa pergunta, mas saber o quanto Alicia havia odiado aquela experiência, só dava a ele a proporção do quanto fora estúpida sua decisão.

  Em frente á casa dela, o nervosismo e a ansiedade atingiram seus níveis mais altos. Desceu do carro e espiou pelas frestas do portão. Parecia não haver movimentação alguma por lá.

 Bateu palmas, não queria chamar, embora, Alicia certamente deduziria que era ele quem estava a sua procura. Dois minutos depois, as palmas de suas mãos queimavam, sem contar a o interfone, mais um pouco e ele estaria com o botão quebrado.

 Parou com as mãos na cintura, estava pensando no que fazer quando ouviu o barulho de um portão sendo destrancado. Era o da casa ao lado, de lá saiu uma jovem senhora, o rosto fechado numa expressão dura, provavelmente incomodada com a barulheira.

—Bom dia—ele cumprimentou-a um pouco envergonhado.

 —Bom dia—respondeu seca. —Não tem ninguém aí, os donos da casa saíram bem cedo e a menina partiu faz pouco tempo, encheu o carro com malas e caixas depois foi embora cantando os pneus.

 Erick jogou a cabeça para trás. Que diabos Alicia estava pretendendo com aquilo?

—Muito obrigado pelas informações. —Erick agradeceu enquanto voltava a se sentar no banco do motorista.

   Ainda mais confuso, ele tentava adivinhar o que a bailarina faria em seguida. Estaria pretendendo voltar a Londres? Se fosse ela não partiria sem se despedir da avó, por isso ele imaginou que certamente Alicia voltara ao haras.

—Maurício, é o Erick, se a Alicia aparecer por aí, não deixe que ela saia antes do meu retorno.—Ele ligou desesperado para seu colega de trabalho.

 —Está louco cara? Como é que eu vou segurar a neta da patroa aqui? —Maurício encarou o apelo com rejeição.

—Sei lá...tranque os portões,  feche-a em um dos banheiros, mas não deixe que ela saia daí. —Erick já dirigia rumo ao haras. —Eu prometo que você não vai se prejudicar por isso.

 Maurício bufou quando ouviu o portão do haras sendo aberto.

— Eu vou ver Erick, eu vou ver. —Mauricio reclamou contrariado, não gostava de se envolver em confusões. — Quanto tempo você demora a voltar?

 —Dez minutos, por quê?

—Porque a Alicia acabou de chegar, estou vendo o carro dela na entrada principal—ele relatou.

  Erick não respondeu nada, jogou o celular no banco do passageiro e pisou no acelerador, o ponteiro do velocímetro subiu rapidamente, por pouco o jipe não decolou.    Ele nem viu em quanto tempo fez o trajeto, estava preocupado de mais para notar que excedera todos os limites de velocidade permitidos, um detalhe que os radares de Santo Valle não deixariam passar em branco.

 Quando parou em frente ao portão, o cheiro de borracha queimada deu a ele a dimensão de seu excesso.

  “Foi por uma boa causa”, pensou, depois correu até a casa principal, desejou internamente que Alicia estivesse lá, seria um bom lugar para conversarem. Erick sabia que precisava de bons argumentos para convencer Alicia a ficar e achava que estava cheio deles, no entanto, as palavras desapareceram quando ele a viu. A bailarina arrastava uma mala em direção a seu carro e parou, assim que o viu.

 —Erick... —Alicia sorriu e seu nome saindo da boca dela pareceu-lhe um elogio.

   Ele enfiou a mão no bolso da calça e puxou o caderninho, caminhou na direção dela e não sabia por onde começar.

 —Eu li tudo o que você escreveu nesse caderno — ele balançou-o — e Alicia, eu me senti um idiota depois de saber de tudo o que você passou, mas se te serve de conforto, eu também sofri, tanto quanto você.

 Alicia fechou os olhos.

—Erick, me escuta —ela começou antes de voltar a encará-lo. —Você foi mesmo um grande idiota

 —Alicia —Erick interrompeu-a — eu sei que nada do que eu diga vai reparar esses oito meses de distância, mas antes de você tomar qualquer decisão, eu só quero que saiba que eu nunca deixei de te amar, que eu morri, todo dia um pouco e acho que só continuei respirando porque, no fundo, eu alimentava a esperança do seu retorno. —Ele começou a chorar.

 —Eu também morri Erick...Esses oito meses foram sem  sombra de dúvidas os piores de toda a minha vida—a voz de Alicia saiu baixa.

 — Você desistiu de mim Alicia, eu sei que vacilei, mas você podia ter me dado uma chance... —Erick baixou a cabeça, temia se descontrolar. — Aquela cara, o tal Miguel, ele tem a ver com isso, certo?

 Alicia surpreendeu-se por Miguel estar no meio daquela conversa, e pior, a forma com que Erick dissera seu nome, dava a ela um norte de como ele achava que o amigo era algo além disso.

 —Eu não sei o que você está imaginando, mas posso garantir que entre mim e o Miguel, nunca houve nada além de amizade. — Alicia sentiu-se na obrigação de esclarecer aquele mal entendido.

 Erick sorriu com amargor, a forma com que ouvira Miguel falando sobre Alicia com Marta, não lhe pareceu coisa de amigo, mesmo assim, aquele não era o ponto, independente de ter outra pessoa entre eles, o filho de Laura estava disposto a entrar na disputa, não perderia aquela garota sem antes lutar, não mais.

  Enquanto Alicia encarava-o, confusa, Erick caminhou para mais perto dela, deixou  que apenas poucos centímetros os separassem, devolveu  mais uma vez o caderno no bolso e depois disso, segurou a mão da garota, levando-a até seu peito.

 —Sente como meu coração está acelerado? —ele se inclinou para que a frase fosse dita direto ao ouvido dela. —Só você consegue isso e, eu sei que te decepcionei, eu te desapontei e por fim, eu subestimei minha importância em sua vida, quando deveria ter percebido o quanto o nosso amor era maior do que qualquer outra coisa.

  Alicia ouviu tudo, atenta a cada palavra e foi libertador perceber que Erick, finalmente, estava entendendo que nada chegava perto do que eles tinham quando estava juntos.   Aproveitou que sua mão estava repousando no peito do rapaz segurou a gola de sua camiseta puxando-o para si.

 —Está querendo dizer que me quer em sua vida, Erick Carter? —Alicia indagou em um sussurro.

 —Na minha vida, na minha cama e em todos os outros lugares que ficaram vazios quando eu te deixei partir —ele afirmou enquanto envolvia os braços na cintura dela.

 Alicia respirou fundo, como se acabasse de tirar um peso das costas.

—Isso é muito bom, porque eu não saberia o que fazer com a minha mudança... —Ela riu nervosa.

Erick soltou-se dela e deu passo para trás.

—Como assim...? —Ele mostrou-se confuso.

 —Pela manhã, quando acordei e me vi ao seu lado, eu tive a certeza de que é isso o que eu quero fazer por toda a minha vida. —Alicia sorriu como uma garotinha que fez uma travessura. — Por isso deixei meu caderno lá, queria que você entendesse o quanto minha vida não faz sentido sem você...

 Erick movia a cabeça realmente perdido.

—Eu achei que tivesse decido voltar para Londres, ou sei lá...

—Não, a verdade é que eu fui para minha casa, ou ex-casa —ela deu de ombros— e peguei todas as minhas coisas, depois avisei os meus pais que estava vindo morar com você.

 —Você é louca ,Alicia? Fez com que eu pensasse que tinha decidido me matar dentro de você! —Erick levou as duas mãos á cabeça.

 —Meus pais disseram a mesma coisa... Acham que eu sou louca, e por fim, talvez seja isso mesmo. Eu voltei sentindo tanta raiva de você e menos de 24 depois aqui estou eu, praticamente o pedindo em casamento.

  Erick riu incrédulo, tudo o que pensava enquanto encarava a bailarina era como conseguiu ficar sem ela por tanto tempo; depois, puxou-a para si e a beijou, calmamente, sabia que teria de repetir aquilo por algumas centenas de vezes para então conseguir matar as saudades.

 — Podemos riscar o Royal Ballet daquela sua lista de desejos? —Erick perguntou enquanto abraçava Alicia.

 —Esqueça aquela lista Erick, hoje meus planos são outros...

—Que pena, porque tem um dos itens nela, que eu estou prestes a conseguir. —Ele encarou-a com um ar misterioso.

 Alicia perdeu um minuto tentando imaginar o que seria, escrevera aquela lista há tanto tempo, que algumas das coisas nem faziam mais sentido.

— Pode, por favor, esquecer aquela lista? Sei que ela serviu de combustível para sua teimosia.

 — Nossa! Dispensaria até mesmo um encontro com Leonardo di Caprio? —Erick usou um tom escarnio na pergunta.

 Alicia arqueou as sobrancelhas.

—E quem disse que não o conheci? Houve uma noite, em um dos pubs mais badalados de Londres que...

 Erick estreitou os olhos, Alicia era mesmo impossível.

—Está brincando comigo, não é?

—É, é brincadeira e mais, não sinta-se convencido só que, quem precisa de um Leonardo di Caprio, quando se tem um Erick Carter?

  Os dois riram, enfim, estavam felizes novamente.

 —Vem comigo, quero te mostrar uma coisa. —Erick segurou Alicia pela mão, ansioso para mostrar-lhe o a casa dos gatos.

                                                         *****

  O lugar nem de longe parecia o terreno abandonado que Erick descobriu naquela noite de temporal.Com o mato baixo dava para ver a casa avarandada ao fundo, ela recebera uma pintura nova, as janelas e portas foram consertadas e adaptadas, ambas tinham uma abertura para que os bichanos pudessem entrar e sair quando quisessem.

 —Meu Deus! Eu nem me lembrava dessa casa. —Alicia surpreendeu-se quando Erick estacionou o jipe na entrada do terreno.

 — Pois é...e sabe quem foi que me trouxe até aqui? —Erick indagou enquanto abria o portãozinho de madeira.

 —Minha avó? Acho que pertenceu a um tio dela, ou sei lá... —Alicia deu de ombros.

 —Jack. —Erick afirmou, e depois, enquanto caminhavam em direção a casa, ele contou  sobre o susto que o gato havia lhe dado.

 — Eu mataria você se Jack desaparecesse... —Alicia deu um tapa no braço do rapaz.

 — Eu sei, por isso meu desespero em encontrá-lo, só que naquela noite, além de Jack eu descobri que somos avós... —Ele riu, abrindo depois a porta da sala. —Aqueles são seus netos. —Erick apontou para os filhotes que aproveitavam os raios de sol que entravam pelas frestas da janela.

—Eu não acredito! —Alicia correu até eles e no mesmo instante estava sentada no chão, com os cinco gatinhos em seu colo. —Eles são muito fofos, veja, esse é igualzinho o Jack.

—Pois é, nem precisaremos fazer um teste de DNA, afinal, a senhorita não castrou o nosso filho, certo? —Erick sentou-se ao seu lado e tomou dois dos filhotes para si.

— Culpada! Eu nem pensei nisso na época.

 — Sem querer, o item : “ter um abrigo para animais abandonados”, acabou se realizando mesmo que sem querer. — Erick acariciou o rosto da bailarina, com as costas da mão.

 — Eu te amo Erick...você não tem ideia do quanto —ela declarou depois de um tempo observando-o.

 Erick apenas sorriu, ele sabia sim.


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