Um passo errado escrita por nanacfabreti


Capítulo 24
Dias Cinzas




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—Miguel...eu queria me desculpar com você pela semana passada. —Alicia começou assim que ele atendeu ao telefone.

Desde a noite no pub, Miguel não havia procurado pela bailarina, e isso já fazia quase uma semana.

— Não tem porque se desculpar...não, ao menos para mim. —Ele estava delicado.

— Tenho sim, eu dei um vexame, sem contar que você foi ótimo comigo e eu nem liguei no dia seguinte para agradecer.

Miguel suspirou.

—Certo, então...já que quer se retratar, que tal irmos amanhã até aquela sorveteria que te falei?

Alicia olhou ao redor, estava em seu quarto, na companhia de duas das colegas, o quê era o mesmo que nada.

— Está ocupado hoje?

— Na verdade não... acabei de chegar no meu apartamento, vou tomar um banho e depois caçar alguma coisa pra comer...

—Vamos sair então, sei lá, podíamos comer alguma coisa na rua.

—Tudo bem. —Miguel concordou sem hesitar, normalmente precisava insistir para conseguir algo de Alicia.

O quê Miguel não imaginava, era o quão angustiada ela estava, naquele dia, fazia exatamente um mês desde sua mudança, e se continuasse sozinha, enlouqueceria perdida em seus pensamentos.

Depois da noite em que falou com Erick, Alicia nunca mais havia se quer, ensaiado fazê-lo novamente. Ela amargou aquela conversa por uns bons dias, e sentiu como se tivesse afundado ainda mais o punhal em seu peito.

Erick tentou, por dois dias seguidos ligou incessantemente para o celular da bailarina, e diante do silêncio, sentiu-se ignorado e pior, ainda havia o tal Miguel, alguém que para ele, mesmo sem saber ao certo quem era, representava perigo.

— Entra querido... —Marta convidou assim que viu o rapaz parado na porta de seu escritório.

Erick olhou em sua volta, parecia estar buscando coragem para iniciar aquela conversa. Puxou a cadeira depois de um minuto em silêncio, e sentou-se com os braços apoiados sobre a mesa.

—A Alicia...ela tem ligado? —Ele perguntou com a voz fraca.

Marta já sabia que  a neta era o motivo de Erick estar ali, antes mesmo que ele começasse a falar. — Ela tem mandado e-mails...não gosta de falar por telefone. — Marta franziu a testa, estava triste com tudo aquilo.

—Ela pergunta sobre mim? — Ele desviou os olhos antes de indagar.

Marta cruzou os braços e encarou-o, depois soltou um longo suspiro.

—Alicia não está bem, vem fingindo ultimamente, até por isso evita ligar...É mais fácil mentir em e-mails, do que fingir ao telefone.

Ele fechou os olhos, queria perguntar sobre Miguel, mas não achou conveniente.

—A senhora me entende, não entende? —Ele se levantou e caminhou de volta à porta.

Marta também pôs-se em pé.

—Não...não entendo, —ela balançou a cabeça —nem você, nem ela.

 Erick estava cansado de argumentar, sem mais nada dizer, voltou a seus afazeres. Trabalhar era a única coisa que mantinha sua sanidade.

**********

—Se minha professora de expressão corporal, vir-me tomando essa bomba calórica, vai acabar por me colocar de castigo. —Alicia riu, enquanto devorava um sorvete envolto em algodão doce.

— Que bobagem...cada vez que nos vemos você está mais magra... —Miguel ponderou, honestamente.

Alicia sabia que era verdade, suas roupas estavam mesmo cada dia mais largas.

— Bem, então acho que posso tomar mais um... —Ela deu de ombros já com os olhos no cardápio, depois voltou-se a Miguel, que estava encarando-a. —O quê foi?

— Apesar de tudo, você está melhor... faz mais de uma hora que estamos conversando e você só falou o nome dele três vezes.

Alicia levantou uma sobrancelha, pensando se ele estava falando sério.

—Está brincando, não é? —Ela riu.

— Tem mais, —ele levantou um dedo— com esse seu ultimo riso, chegamos a marca de oito sorrisos honestos, e também, hoje você suspirou apenas três vezes, mas o principal, você não deixou os olhos perdidos em nenhum momento.

Alicia piscou por vezes seguidas, processando aquelas informações.

— Tenho certeza de que não está falando sério.

—Trabalho com logística...isso meio que é genuíno em mim. —Miguel deu de ombros. — E acredite, comparado às outras vezes, esses números estão ótimos.

Alicia respirou fundo, e não conseguiu deixar de sorrir, enquanto imaginava se aquilo entraria para as estatísticas do amigo.

" Um mês, e hoje tenho a certeza de que sou mais forte do que imaginava que pudesse ser. O dia seguinte ao que falei com ele por telefone foi um marco pra mim, sim, porque a dor que senti naquela noite, extravasou todas as outras, e por medo de existir algo além disso, preferi parar.

Não que eu possa dizer que estou começando a esquecê-lo, apenas acho que estou disfarçando bem, até para mim mesma. Tenho evitado coisas que possam me fazer pensar ainda mais nele, e de alguma maneira, meu organismo, acho que pra me proteger e me dar uma sobrevida, encontrou uma maneira de bloquear alguns dos meus sentimentos.

Sinto como se estivesse na beira de um abismo, no entanto, não consigo saltar, acho que a aceitação tem me ajudado. Antes eu pensava que tinha que tirar o Erick da minha cabeça e do meu coração, mas como você pode tentar esquecer alguém, quando você se olha no espelho e tudo o que consegue ver, é aquela pessoa?

No fim entendi que um amor tão intenso, te molda, te modifica e é inútil lutar contra tudo isso, tanto quanto nadar contra a maré..."

Outra vez, Alicia confessou seus martírios a uma folha de caderno, apagou seu abajur e adormeceu, não sem antes deixar escapar algumas lágrimas.

***********

Sentado numa das poltronas confortáveis do escritório de seu advogado, Erick deixou seu olhar se perder no calendário que estava sobre a mesa da secretária dele. Vinte e oito de maio, faltava um dia para completar exatos dois meses, desde que deixara Alicia partir, e mais de um que não falava com ela.

Claro, que não ficava sem notícias , afinal, Marta e Jéssica, eram constantemente questionadas sobre a bailarina.

Jessica era mais contida, talvez, instruída pela própria amiga, falava muito pouco, na verdade apenas coisas praticamente irrelevantes, já Marta era bem mais generosa, e costumava deixar até mesmo que Erick lesse os e-mails que ela costumava enviar,  duas ou três vezes por semana.

Ele tinha esperanças de que em algum momento ela o perdoasse, mas sua angustia se fazia maior quando notava que Alicia, nunca perguntava por ele.

—Pode entrar Erick. —A secretaria, uma mulher de meia idade, dona olhar simpático, avisou depois de atender o PABX.

Dr.Siqueira convocara a presença de Erick, por um bom motivo, ou melhor, um motivo importante, a data de seu julgamento.

—Bom dia. — Ele entrou na sala do advogado, era a primeira vez que estava ali.

—Bom dia Erick, — O senhor engravatado apontou a cadeira. — bem, eu recebi ontem a papelada do fórum , seu julgamento foi marcado para o dia dois de dezembro, será um dos últimos antes do recesso do final de ano.

Erick franziu a testa, não sabia se aquilo era bom ou ruim.

—Devo me sentir de que maneira com essa notícia?

—Honestamente, eu gostaria que fosse antes, assim, se precisássemos recorrer ficaria mais fácil...você sabe como funcionam as repartições públicas no último mês do ano...

Erick sentiu um frio correr por sua espinha e terminar por arrepiar seus cabelos, imediatamente imaginou-se passando o natal, atrás das grades.

—Nem sei o que dizer... até agora não acredito que isso está acontecendo comigo. — Ele passou as mãos pelo rosto, cético.

— Bem, posso dizer que deve tentar se manter calmo, eu estou confiante, temos boas testemunhas e levando em conta seu histórico...

—E quanto a Alicia? Ela vai ter de vir testemunhar? — Erick não pode deixar de pensar nela.

—Sim, ela é uma testemunha chave, ocular, e até consegui que durante o andamento do processo, suas declarações fossem remotas, mas no julgamento, ela terá de estar presente.

—E ela já sabe disso? — Erick estava sendo tomado por uma sensação estranha, algo que  misturava  euforia e preocupação.

— Sim, ela sabia que isso aconteceria, e eu só preciso avisá-la quanto a data.

— Mas vai ser final de ano, e se ela tiver alguma apresentação importante que coincida a data? — Ele se levantou.

—Erick, por isso vou avisá-la imediatamente, Alicia terá tempo para se organizar.

Seis meses. Esse prazo martelava a cabeça de Erick, que saiu daquele escritório, mais bagunçado do que quando entrou.

Deveria estar preocupado ou mesmo ocupando sua mente com seu julgamento, isso era um fato que mudaria sua vida drasticamente, mas não, tudo o que o atormentava era saber que em pouco mais de cento e oitenta dias, estaria vendo Alicia, e mesmo lutando para se convencer de que não, ele estava feliz, e isso era perturbador.

Aquela noticia agitou Erick de uma maneira diferente, e sentado no banco do seu jipe, ele sorriu, tinha que aceitar, tudo o que envolvia a bailarina era assim, impactante e avassalador.

************************************

—Lembrou que o telefone existe? —Jéssica praticamente gritou quando recebeu a ligação da amiga.

— Jess...o advogado do Erick acabou de me ligar. —Alicia não estava animada para piadas. — O julgamento foi marcado para o inicio de dezembro, e eu tenho que estar presente.

—Uau, eu não estava sabendo disso, mas você é obrigada a se deslocar daí? Deve haver uma outra forma de

—Jéssica! —Alicia gritou, interrompendo a tagarelice da garota — Eu não quero nem saber se existe a opção de eu não ir...Tudo o que sei, é que quando aquele homem me disse que no dia dois de dezembro, eu terei de estar aí, eu pulei de alegria, inconscientemente eu fui tomada por uma sensação de felicidade que eu já nem me lembrava mais que existia...

Jéssica ficou em silêncio, estava confusa.

—Achei que você meio que tivesse superado isso... Nos últimos e-mails que me enviou, falou tanto sobre esse tal Miguel, que eu cheguei a pensar que...

—O Miguel e eu? —Alicia respirou fundo. —Ele é apenas um amigo, ou melhor, um anjo, como o próprio nome já diz...

—É por isso que eu odeio essa coisa de tecnologia, um texto pode ser interpretado de maneira errada... eu já estava imaginando coisas.

Alicia adotara os e-mails como forma de comunicação, preferia assim porque sabia bem, que numa conversa como a que estava tendo com Jéssica era difícil conter a vontade de perguntar sobre ele.

— Erick... —ela pronunciou o nome e fechou os olhos sentindo imediatamente seu coração acelerar. — vocês conversam... você fala com ele?

Jéssica balançou a cabeça, lembrando-se do que combinaram, semanas atrás.

— Não vou falar sobre ele...você me fez prometer que se você perguntasse , eu não responderia.

—Tem razão—ela respirou fundo—eu pedi mesmo, só que...

—Só que agora você volta em seis meses e... ? —Jéssica estava mesmo curiosa.

— E, que eu não sei como vai ser quando eu colocar meus olhos sobre ele novamente...

—Bom...em seis meses muitas coisas podem mudar, inclusive a forma com que você está encarando tudo isso.

Alicia ficou quieta, seu cérebro estava funcionando a todo vapor.

— Agora só me resta esperar para ver... —Disse, desejando ter o poder de avançar o tempo...

 Assim, aquela data, dois dezembro, passou a ter um significado especial nas vidas de Erick e Alicia. Cada vez que o sol se punha, era um dia a menos queos separava daquele reencontro, e ambos haviam criado em suas mentes, versões e mais versões de como seria... Ele, com seu sentimento imaculado, passou a viver cada um daqueles dias como se caminhasse sentido a sua redenção, sabia que no fim, independente de qual fosse sua sentença quanto ao caso de Alisson, a única pessoa dona do poder de decidir seu futuro era, Alicia.

 Ela, parecia uma montanha russa de sentimentos, e o tempo, mais uma vez passou a ser seu inimigo, mais um, dois, três, quatro meses se passaram, e agora, não era apenas a falta de Erick que ela tinha suportar, Miguel estava prestes a voltar para o Brasil e sem ele, bem, Alicia não sabia o que era estar em Londres sem Miguel...

— Eu nunca o vi com uma cara tão ruim... —Alicia encarou-o sentindo seu coração pesado.

— Estou indo embora...isso é estranho! —Ele deu de ombros.

Estavam sentados numa das praças mais movimentadas de Londres, a Trafalgal Square, lá haviam estátuas gigantes de leões, e mesmo tendo ido até lá, por inúmeras vezes, os dois nunca conseguiam fazer uma foto, já que os turistas monopolizavam o lugar, naquela tarde de outono Miguel avisara Alicia, só sairia dali depois de algumas fotografias.

— Imagine a mim... Sem você essa cidade vai ficar ainda mais cinza. —Alicia choramingou, melancólica por conta daquela estação deprimente, como ela mesma classificava.

O vento soprou bagunçando os cabelos dos dois, Miguel estendeu a mão e tocou o rosto da bailarina.

—Vou sentir muito a sua falta... mesmo. —Ele disse timidamente, sentindo as palavras queimarem em sua boca.

—Eu também vou. —Alicia enrugou a testa e fez um beicinho.

Miguel suspirou, só ele sabia o quanto estava tendo que se segurar para não declarar seus verdadeiros sentimentos por ela, afinal, ele havia, perigosamente ultrapassado a linha da amizade, em algum momento daquela relação. Não sabia quando ao certo, mas se deu conta disso, assim que Alicia passou a ser seu primeiro pensamento do dia.

—Se você voltar mesmo em dezembro, em dois meses nos encontramos. —Ele desviou os olhos dela, do contrario não resistiria por muito tempo.

—Ai... essa coisa com datas está acabando comigo! —Alicia passou as mãos pelo rosto. —Sabe, parece que minha vida de uns tempos pra cá se resume a isso, números...

—Alicia...se eu pudesse ficaria aqui com você. —Ele endireitou o corpo e isso os deixou mais próximos.

A bailarina não era boba, já tinha percebido que a preocupação de Miguel com ela, mudara, já não era apenas coisa de um rapaz gentil. Por todos aqueles seis meses ele não fez nada além de trabalhar, e gastar todas as suas horas vagas com ela, e se Erick não fosse tão espaçoso como era, certamente Miguel seria um inquilino perfeito para o coração de Alicia.

Só que ele era, mesmo depois de seis meses, ele continuava lá, gingante, e mesmo lutando contra isso, ela não conseguia livra-se dele, e por isso, não achava justo alimentar falsas expectativas a Miguel.

—Olha lá, tem um leão vago! —Ela se levantou. —Vamos antes que chegue alguém.

Miguel seguiu-a,  então eles ficaram por quase uma hora fazendo fotos pela bela praça. O rapaz fez questão de fotografar Alicia por dezenas de vezes, sabia que seria uma forma de matar as saudades.

Na semana seguinte, antes de ir ao aeroporto ele foi até o Royal Ballet, Alicia até queria acompanhá-lo até o momento de seu embarque, mas os horários das aulas não permitiriam.

— Quero que abra, só depois que eu for... —Ele entregou-lhe algo embrulhado num papel prateado.

—Bobo! —Ela empurrou levemente seu ombro. — Não se esqueceu das coisas que dei para você entregar para minha avó, não é?

—Claro que não, está tudo na mala. —Ele tentou sorrir, mas estava triste.

—Obrigada Miguel...meu anjo Miguel, —Alicia afundou-se em seu abraço— tenho certeza de que foi Deus quem o colocou no meu caminho, você me salvou. — Ela começou a chorar.

Miguel apertou o canto dos olhos, estava também muito emocionado.

—É mocinha... quase me afogou com suas lágrimas quando nos conhecemos, e agora... nos despedimos e olha você, molhando meu casaco. —Ele segurou o rosto de Alicia dentro das mãos.

—Nos vemos em breve, e se não falar comigo todos os dias, quando eu voltar ao Brasil, vou atrás de você... — Ela fungou.

Miguel focou seus olhos nos dela, seria um bom momento para se declarar?

— Vai voltar pra ele, não vai?

— Miguel... eu nem sei como a vida dele está... de repente ele até já me esqueceu. —Ela encolheu os ombros.

Ele deu um passo para trás, depois sorriu.

—Impossível Alicia...Só se esse cara for louco. — Ele disse firme, antes de entrar no táxi e partir.

Assim que o carro que levava seu amigo, dobrou a esquina, Alicia abriu o embrulho. Um porta retratos com a foto dos dois, sentados sobre o leão.

Na foto Alicia sorria, e mesmo ela assustou-se em como parecia feliz estampada ali, bem diferente de como estava no momento. Dentro do pacote ainda tinha um bilhete:

"Você coloriu os meus dias em Londres...

Se quiser colorir minha vida, é só chegar!"

Seu...Miguel."

Alicia apertou aquele porta retratos contra o peito, queria poder estar abraçando Miguel, naquele instante...

 


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