Um passo errado escrita por nanacfabreti


Capítulo 2
Bem vindo a Santo Valle




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Enquanto dirigia, Erick só conseguia pensar no quanto sua vida mudaria e no quanto as coisas andaram fugindo do seu controle nos últimos tempos.

Quando avistou na entrada da cidade, a placa gasta que dizia:"BEM VINDO A SANTO VALLE", com letras garrafais, ele não conteve o sorriso sarcástico.

"Santo Valle..." –pensou.Algo lhe dizia que os dias li seriam mais para infernais, e ele não tinha outra opção, era isso ou...

—Droga! –Ele praguejou olhando para o painel do jipe, o marcador acabava de acusar a reserva.Também, não podia ser diferente,ele tinha dirigido por mais de quatro horas seguidas.

Entrou na cidade em busca de um posto de combustíveis.Era a manhã de uma sexta-feira de um mês de janeiro quente de mais.Estava com sede, cansado e irritado,tanto que nem reparou na beleza da pequena cidade.

—Pode completar. –Falou entregando as chaves do carro para o frentista.

—Quer que eu aproveite e veja o óleo...calibre os pneus? –Um senhor de meia idade oferecia enquanto chutava-os de leve mostrando que estavam mesmo murchos.

—Claro...pode fazer. –Erick concordou já de olho na loja de conveniências.Conferiu o relógio, ainda não eram nove da manhã.Muito cedo para uma cerveja.

Pegou uma lata de refrigerante e seguiu de volta para seu carro.

—O nível de óleo está muito baixo e os pneus têm de serem calibrados, os quatro. –O frentista mostrou-se preocupado.

—Quanto tempo leva? –Erick franziu o cenho.

—Quinze minutinhos...

—Tudo bem. –Ele autorizou depois de lembrar que não se lembrava há quanto tempo não fazia uma boa revisão em seu jipe.A mãe cansou de pedir que ele fizesse um chek up ,antes de pegar a estrada.Claro que ele não obedeceu.

Estava parado do lado de fora do posto,deu gole no refrigerante e fez uma careta pela sensação ruim que o gás provocou em sua garganta.Deu um passo ao lado para espiar o que tinha do outro lado da vidraça que estava em suas costas.

A persiana estava semi aberta e pelas frestas alguma coisa prendeu sua atenção.

Uma garota,de collant preto e os cabelos claros presos no alto da cabeça.Ela rodopiava e saltava graciosamente em frente a um espelho que cobria toda a parede.

Erick sorriu, lembrou-se de sua mãe nos tempos em que dançava.Quando Erick era pequeno, a mãe bailarina o levava em quase todos os ensaios.Nos dias de espetáculo ele ficava na cochia observando os artistas vestindo seus figurinos e as fantasias coloridas eram suas preferidas.

Ele achava a mãe, a mulher mais bela de todo o mundo quando estava lá, sobre um palco rodopiando como uma bailarina de caixinha de música.Aquela garota estava mexendo com suas lembranças, de um jeito bom.

Erick ficou ali,por mais de vinte minutos assistindo ao show particular.Quando enfim a dançarina mudou de sala, Erick se Incomodou por perdê-la de vista.Ele sentiu-se conectado a ela e de alguma forma e achava que precisava conhecê-la, falar com ela.

Decidido, permaneceu em frente ao estúdio, esperaria, uma hora ela teria que sair dali.Atravessou a rua, do contrário ela poderia se assustar ao dar de cara com ele.

Enquanto confrontava a si mesmo,indagando o que pretendia com aquilo, observou que o frentista avisava com as mãos que o serviço estava feito.Seria um sinal de que ele deveria entrar em seu carro e ir embora?

Se fosse, Erick ignorou.Levantou o polegar ao frentista e voltou sua atenção ao estúdio de dança, ele sentia que era o que deveria fazer.

Erick sempre foi um rapaz muito bonito.Alto e com físico bem distribuído, os olhos verdes herdados da mãe e os fartos cabelos castanhos como os do pai, culminavam numa aparência que causava inveja aos outros rapazes e deixava Erick sempre com mais de uma opção de garota para se envolver.Esse era talvez, um dos motivos pelo qual ele não fizesse o tipo galanteador. Erick não precisava se esforçar na hora da conquista, as meninas estavam sempre se atirando sobre ele, e naquele momento em especial, uma experiência em abordagem poderia ajudá-lo, já que ele não tinha idéia de como chegaria até aquela bailarina.

Precisava decidir logo, dez minutos depois lá estava ela, cruzando a saída.Segurava uma mochila, sobre ela um par da sapatilhas penduradas pela fita.Ela estava trancando a porta, e Erick respirou fundo, esperou um carro passar e atravessou a rua.

Engoliu seco, pela primeira vez sentia-se nervoso com uma proximidade feminina.Preferiu não pensar muito, a garota estava abrindo a porta de um carro preto, não parecia trapalhada, mesmo assim...

—Precisa de ajuda? –Perguntou já próximo dela.

A garota soltou a mochila no chão e levou as mãos ao peito.De olhos arregalados encarou Erick que sorria.Ela era linda e cheirava a sabonete.

—Que susto! –Ela sibilou dando um passo para trás.

—Me desculpe,não foi minha intenção. –Erick levantou as mãos demonstrando inocência. –Eu a vi segurando todas essas coisas, achei que pudesse ajudar.

—Tudo bem. –Ela relaxou um pouco, mas permanecia desconfiada. –Eu estava distraída, não vi quando se aproximou.

Erick baixou-se e recolheu tudo do chão.

—Posso? –Perguntou apontando para dentro do carro.

Ela fez um sinal positivo com a cabeça e ele colocou a mochila e as sapatilhas sobre o banco.Reparou que ali haviam sacolas com descartáveis e outros itens normalmente usados em uma festa.

—Obrigada. –Ela permaneceu fitando-o.

Ele não conseguia tirar os olhos dela.

—Você é bailarina? – Ele apontou para o estúdio. –Dá aulas?

—Está querendo se matricular? –Ela usou um tom escárnio.

Erick riu.

—Na verdade eu a vi dançando.Pela vidraça.

Ela olhou imediatamente para o lugar apontado por ele, notou que a persiana não estava totalmente fechada.Sentiu seu rosto queimar de vergonha.

—Esteve me espionando? –Ela irritou-se.

—Não! Quero dizer...não propositadamente.Estava esperando meu carro ficar pronto e me encostei ali.Não pude evitar. –Ele encolheu os ombros.

Ela levantou uma das sobrancelhas como se examinasse o que acabava de ouvir.

—De qualquer forma...Você dança muito bem, lindamente. –Ele usou um tom mais sedutor.

—Apesar de não gostar da idéia de alguém me observando as escondidas, eu agradeço o elogio. –Disse já fechando a porta do carro, mostrando a pretensão de ir embora.

Erick sentiu que tinha que agir, do contrário as coisas se encerrariam por ali.

—Eu sei que não começamos muito bem, mas...O que acha de tomar alguma coisa comigo ali na conveniência?Um suco?

Ela franziu a testa e balançou a cabeça.

—O que te faz pensar que eu iria com um estranho para qualquer lugar que seja? –Foi direta.

Erick sentou o golpe, e na verdade não esperava tomar aquele fora, o pior foi que ele gostou. Aquela garota se mostrava mais interessante a cada instante.

—Prazer,meu nome é Erick Carter, estou de mudança para essa cidade, tenho vinte e dois anos e juro que não sou nenhum maníaco ou coisa do tipo. –Ele estendeu-lhe a mão num proposto cumprimento.

Em outra situação ela não estaria ali perdendo tempo com um completo estranho.Ela não era esse tipo de pessoa.No entanto, tudo ali era inusitado, de modo que suas ações não podiam fugir do contexto.

—Prazer.Júlia Keller. –Ela segurou a mão de Erick e no mesmo instante sentiu seu corpo estremecer.

—Então...Agora que já não somos mais estranhos, –ele ainda segurava sua mão. –O que me diz do convite.

—Essa cantada funciona com alguém? –Ela riu sem se incomodar com o contato que mantinham.

—Não sei...me diz você. –Erick deu de ombros.

Ela balançou a cabeça negativamente.

—Tenho que ir, estou cheia de coisas para fazer hoje.

—Sério?Não vamos demorar nem dez minutos.

—Não posso mesmo.Estou atrasada para outro compromisso. –Ela tentava justificar para si mesma.

Erick encarou-a e por alguns instantes seus olhos se encontraram.Ambos sentiam-se estranhamente aconchegados com aquela situação.

—Tudo bem. –Erick soltou a mão dela. –Não quero parecer chato.

—Não, eu sei que parece uma desculpa, mas não é. –Ela sorriu e ele se encantou ainda mais. –Quem sabe outro dia?

—Que tal amanhã? –Ele foi rápido. –Esse mesmo horário.Vamos tomar o café da manhã juntos?

Ela abriu a porta do carro e tomou seu lugar no banco do motorista.Apertou o botão e abriu os vidros.Tudo acompanhado pelo olhar atento do rapaz.

—Você é mesmo insistente. –Ela ria.

Erick debruçou na janela do carro.

—Eu diria objetivo. –Ele piscou para ela e seu corpo reagiu com uma vertigem. –Eu quero conhecê-la melhor.

Ela ficou em silêncio, podia estar negando para si mesma, mas no fundo sabia o quanto aquele rapaz havia mexido com ela, teve de admitir, queria conhecê-lo também.

—Disse que está se mudando para Santo Valle.Nós vamos acabar nos cruzando, é uma cidade pequena.

Erick balançou a cabeça e olhou par cima.

—Destino?Não, eu não gosto de deixar as coisas por conta do acaso. –Ele afirmou desviando os olhos para o banco traseiro.Num golpe rápido puxou o par de sapatilhas que ele mesmo havia colocado lá anteriormente.

—O que está fazendo? –Ela assustou-se.

—Digamos que eu esteja seqüestrando suas sapatilhas.Devolvo assim que nos encontramos novamente.

Ela desceu do carro e em segundos já estava ao lado de Erick.

—Há minutos atrás me disse que não era nenhum maníaco ou coisa do tipo.

Erick jogou a cabeça para trás para rir.Seus dentes eram retos e brancos, ela não pode deixar de notar a perfeição daquele sorriso.

—É o que te parece?Eu só estou dando um empurrãozinho para o acaso.

—Certo, então esse é o jogo? –Ela indagou misteriosa.

—Jogo? –Erick pareceu confuso.

Ela caminhou em direção ao posto, parou ao lado do jipe e fez sinal com o dedo.

—Esse é seu carro?

Erick assentiu com a cabeça.

Diante da confirmação, ela debruçou-se para dentro do jipe e pegou a primeira coisa que suas mãos alcançaram.

—Certo, vai ser assim. –Ela voltou a se aproximar de Erick. –Você leva minhas sapatilhas e eu fico com sua jaqueta, ou, podemos fazer essa troca agora.

Erick sorriu, aquilo continuava melhorando, ela poderia tê-lo repelido mas não,ela estava gostando de suas investidas.

—Amanhã.Nesse mesmo horário nos encontramos para fazer a troca. –Ele estendeu-lhe a mão para selarem o compromisso e também para poder tocá-la novamente.

Quando sua mãos se encontraram para ela foi como se estivesse sendo atingida por uma corrente elétrica e aquilo era bom.

—Acho que não tenho escolha... –Ela entrou no carro.

Erick piscou para ela e acenou com uma das mãos.

—É minha jaqueta preferida. –Ele teve que falar um pouco mais alto já que ela acabava de ligar o carro. –Espero tê-la de volta.

—São minhas melhores sapatilhas...também espero que as devolva. –Ela gritou antes de partir.

Antes de virar a esquina ainda o observou pelo retrovisor. Alícia ainda não acreditava no que acabava de fazer. Sim seu nome era Alicia Santteri, e sequer imaginava de onde viera o nome Julia Keller.Não sabia porque tinha mentido e enquanto observava a jaqueta sobre o banco do passageiro, sentia seu estômago revirar.

Estacionou o carro e pegou a jaqueta, assim que a trouxe para perto o perfume doce amadeirado que exalava dela fez as pernas de Alicia amolecerem.O perfume dele era bom, mais até do que deveria.Estava pensando em como faria no dia seguinte, quando tivesse que dizer seu verdadeiro nome e explicar a mentira.

—Não.Basta chegar, pegar minhas sapatilhas, entregar a jaqueta e ir embora sem maiores detalhes. –Falou baixinho enquanto analisava a peça.

A idéia de ser breve com ele não agradou Alícia,sem contar, que havia outra chance, a de ele não ir.Talvez fosse apenas um turista brincando com a cara dela.Essa hipótese a chateou ainda mais.

A jaqueta parecia ser nova, ou com pouco uso, olhou a etiqueta, reconheceu a marca, era cara.Erick não deixaria que ela partisse com aquela peça se não estivesse mesmo proposto a reencontrá-la.

Perdida em seus dilemas foi trazida a realidade quando ouviu seu celular tocar.Antes mesmo de olhar o identificador já sabia que era David, seu namorado.

Respirou fundo antes de atender.

—Oi. –Foi breve.Estava irritada com ele.

—Bom dia pra você também, meu amor. –Ele fez questão de provocá-la.

—David, eu estou cheia de coisas para resolver, então não fica de gracinha não.

—Nossa! –Ele reclamou. –Só estou ligando pra avisar que mais uma meia hora e chego à casa do... –Ele fez uma pausa.

—Do seu irmão. –Alicia revirou os olhos. –Ir-mão.Não é uma palavra difícil de se dizer.

David silenciou.

—Tudo bem Ali, eu vou desligar.Nos vemos mais tarde. –Ele fez questão demonstrar deu desagrado com a forma que ela o tratou.

Alicia desligou sem se deixar afetar, estava cheia dos dramas de David em torno desse meio-irmão.

Era uma história complicada e que Alícia não fazia muita questão de entender.Tudo o que sabia era que o pai de dele teve um filho com outra mulher anos antes de conhecer a atual esposa.Agora o tal filho tinha se metido em uma encrenca das grandes, algo que envolvia polícia e processos. A mãe não viu outra alternativa que não mandá-lo para uma temporada na pacata cidade de Santo Valle.

Custou para que David aceitasse sua vinda, mesmo sem conhecê-lo fazia questão encher o rapaz de defeitos.David era assim, mimado e individualista, seu ponto de vista sempre era o soberano e por isso ganhou o título de "o chato da turma"entre os amigos.Ele até vivia mesmo rodeado de pessoas, mas, isso se devia ao fato de sua posição na cidade, filho dos donos de uma rede de supermercados, ter amizade com ele acabava por trazer algumas vantagens.

Esse foi um dos motivos que aproximou Alicia de David.Não que ela fosse interesseira, seu pai sim.César era administrador de empresas e um contrato com a rede de supermercados Ruiz seria um salto em sua carreira.O namoro da filha com o herdeiro da rede foi muito providencial, tanto que o pai fez praticamente o papel de cupido para unir os dois.Estava sempre criando situações e por fim acabou dando certo.

—Jessica, eu estou saindo de casa, vou passar pegar o bolo e sigo para o haras. –Alicia ligou para a amiga.

—Tudo bem Ali, eu vou indo pra lá... Qualquer coisa me liga. –Jéssica desligou sem se estender.

Alicia estava organizando no haras da avó materna uma festa para comemorar o aniversário do namorado.Seria surpresa, uma pequena reunião entre amigos, mas ele descobriu e transformou aquilo em algo bem maior.

Convidou um monte de gente, quase cem pessoas e Alicia sabia que isso, muito tinha haver com a vinda do irmão.David queria mostrar que era importante ,que tinha muitos amigos.Esse era também mais um dos motivos de sua irritação,

Precisava se apressar, sabia quantas coisas tinha que organizar antes que os convidados de David começassem a chegar.

Antes de sair de seu quarto abriu a gaveta onde tinha colocado a jaqueta de Erick, ergueu algumas de suas blusas e ao vê-la ali, dobrada, sentiu mais uma vez seu corpo reagindo ao se lembrar dele.

Balançou a cabeça tentando se livrar daqueles pensamentos.

—Filha, tem certeza de que não podemos dar uma passadinha por lá, mais tarde? –Sua mãe perguntou pela décima vez.

—Tenho, já disse que David convidou apenas seus amigos...Nada de família. –Ela explicou de novo.

—Não gosto da idéia de uma festa sem a supervisão de um adulto. –Marcela reclamou.

—A vovó...vai estar lá.

—Ela não conta, minha mãe é pior que uma adolescente quando quer.

Alicia sentou-se no braço do sofá em que a mãe estava, sabia suas verdadeiras intenções quanto a ir aquela festa.

— Haverão muitas oportunidades de conhecer o irmão do David. Sei que é por isso que tanto quer ir até lá. –Afirmou e depois beijou o rosto da mãe que nada respondeu.

Marcela deu de ombros, sabia que a filha tinha razão.

—Chegou faz tempo? –Alicia indagou a amiga que mantinha uma cara de tédio dentro do seu carro.

—Uns quinze minutos... –Jéssica ligou o carro e avançou para o estacionamento seguida por Alicia.

O haras tinha um salão de festas e Alicia sentiu-se aliviada ao ver que tudo estava limpo.Ela e amiga começaram a dispor os pratos e talheres sobre as mesas de madeira.

—Vai ter mesmo que desocupar a casa? –Jéssica perguntou enquanto puxava uma cadeira para se sentar.

—Sim, não vai ter jeito. –Alicia usou um tom melancólico. –Amanhã minha avó começa as entrevistas, então meu refúgio já era.

—E o Jack?Vai pra sua casa?

—Até parece! –Alicia gargalhou. –Jack vai para o casarão,vovó deixou.Ela sabe que se eu apareço com um gato em casa um pai surta.

—É por isso que está com essa cara de velório? –Jéssica percebeu algo de errado com a amiga.

—Estou pensando no David... Se ele e o irmão vão sobreviver a essa viagem...Mais cedo ele me ligou e estava daquele jeito.

Jéssica revirou os olhos, ela não escondia da amiga o quanto achava seu namorado um mala.

—Tenho pena do coitado...mas, se ele for bonito, eu mesma vou tornar a estadia dele em Santo Valle mais divertida.

Alicia balançou a cabeça descrente, Jéssica não perdoava ninguém.

—Eu não tenho idéia de como ele seja, nem o nome dele eu sei.

—Quanto interesse no cunhado...

—Não é isso,o fato é que esse rapaz era até pouco era tempo assunto proibido. –Alicia debruçou na mesa. –O David praticamente se refere a ele como "você sabe quem", tipo o Valdemort em Harry Potter.

Jéssica jogou a cabeça para trás para rir, aquilo era mesmo a cara de namorado da amiga.

—Eu imagino ele um cara forte e todo tatuado...Essa coisa de levar uma vida bandida me atrai. –Jéssica começou a divagar.

—Como você é idiota! Nem sabe a verdadeira história... –Alicia divertiu-se. – O melhor vai ser se David aparecer aqui com um sulista franzino. Vou fazer questão de ser o cupido para vocês.

Jéssica fez uma careta e então as duas seguiram para a edícula que Alicia ocupava nas horas vagas no haras da avó.Aquele lugar guardava muitas histórias dela com as amigas. Ali elas se reuniam para tudo, conversas, festas do pijama, maratona de séries e sessões de desabafos sobre garotos idiotas.

Cada canto daquele anexo de três cômodos tinha a cara da bailarina, as paredes pintadas num rosa pálido e quadros de sapatilhas e poses completavam a decoração.Havia também um painel cheio de fotos de Alicia em suas apresentações e, com suas aluninhas. Ela se orgulhava por ser professora de uma turma de quinze meninas de quatro a dez anos.

—Vou sentir falta desse lugar. –Alicia choramingou enquanto afagava seu gato que esfregava-se em suas pernas.

—Eu também...Que droga!!! –Jéssica jogou-se sobre a cama.

—Bom eu vou tomar um banho rápido, daqui a pouco as pessoas começam a chegar. –Alicia seguia em direção ao banheiro. –Completa o potinho do Jack com ração. –Ainda gritou antes de fechar a porta.

Enquanto água quente caía sobre seu corpo, Erick voltou a dominar seus pensamentos.Lembrar de seu sorriso arrancou dela um suspiro,ele a instigava.Alicia sabia que pensar nele daquele jeito não era certo, mas não podia controlar.

Pensou em contar a Jéssica, mas tinha vergonha de admitir em voz alta que tinha marcado um encontro com um rapaz que nunca tinha visto antes.Sabia que a amiga não a repreenderia, e esse era o problema, de certa forma ela queria que alguém a dissesse que aquilo era horrível, talvez assim,recobrasse seu juízo.

Alicia não fazia o tipo romântica,muito menos acreditava em amor a primeira vista, mas não podia negar, Erick havia despertado nela sensações que o namorado em dois anos não conseguiu.

—Olha...calcinha preta...Algo me diz que hoje David vai ter uma noite inesquecível... –Jéssica zombou da amiga enquanto ela decidia o que vestir.

—Não vou responder. –Alicia ignorou as insinuações.

—Eu acho que você não é totalmente sincera comigo Ali...eu custo a creditar que em dois anos de namoro você e o David nunca tenham...

Alicia voltou sua atenção a Jéssica e arqueou as sobrancelhas.

—Nós damos nosso jeito...Além do mais, esse não é o momento de mudanças em meu corpo, eu tenho que estar perfeita par minha apresentação, meu futuro depende disso.

Jéssica não conseguiu conter seu riso e jogou uma almofada na amiga que permanecia apenas de lingerie.

—Não brinque comigo Ali, sabe bem que a única maneira do corpo de uma mulher mudar por causa de sexo é se ela engravidar. –Jéssica falava como quem explica anatomia humana a uma criança.

Alicia balançou a cabeça.

—Não é bem assim...todos falam que o sexo faz ao quadris da mulher aumentarem...nem todo mundo tem o biótipo favorecido como o seu.

—Tá bom... –Jessica se levantou incrédula com os argumentos da amiga. –Vou tomar um banho também e, vai me emprestar sua bota.

—Pode pegar...na verdade, se eu pudesse calçaria chinelos.

—Sapatilhas novas? –Jéssica fez uma careta.

—Não, muito ensaio mesmo...Meus pés tem mais bolhas que um pastel.

—Coloca o vestido estampado,é mais sexy! –Ela sugeriu antes de seguir para o banho.

Resignada com o poder persuasivo da amiga, tratou de colocar o vestido sugerido por ela, soltou os cabelos e ao se olhar no espelho teve de concordar com Jéssica.Pensou em Erick, e desejou que ele pudesse vê-la como estava agora, produzida, diferente de mais cedo.

Aquele pensamente pareceu repulsivo de alguma forma,achava que tinha que estar se arrumando para agradar o namorado e ninguém mais.Alicia parecia não se reconhecer.

Já estava quase na hora e quando seguiram para o salão Thomaz,amigo de David e aspirante a Dj, buzinava incansavelmente na entrada do haras.

—Deixa que eu abro para ele. –Jéssica jogou os longos cabelos castanhos e seguiu caminhando de modo sensual.

Alicia invejava a segurança que amiga tinha.Thomaz e Jéssica sabiam bem o significado de amizade colorida, de tempos em tempos se "pegavam", como ela mesma gostava de dizer.

—Sem exageros Tom, já sabe. –Alicia advertiu o rapaz assim que ele começou a montar sua parafernalha.

—Fica em paz, vai ser som ambiente. –Ele sorriu sabendo que a avó de Alicia acabaria com a festa se eles fugissem as regas impostas por ela.

Embora as baias dos cavalos ficassem distantes do lugar onde aconteceria a festa,ela não admitia que nada incomodasse os animais.

—Tá linda como sempre! –Tom elogiou Jéssica que ofereceu a ele um copo de suco com vodka.

—Eu sei! –Sussurrou se aproximando, pegou os fones de ouvido que estavam descansando no pescoço do rapaz e colocou em si mesma.

Ele engoliu seco sentindo o perfume doce que exalava dela.

—Que som vai rolar nessa festa, DJ? –Perguntou com a voz rouca.Ela sabia como seduzir e fazia isso por prazer.

—Toco o que você quiser princesa. –Ele sorriu sussurrando a ela.

Alicia observava tudo de longe e não se conformava em como a amiga conseguia ser dominadora nas mais diferentes situações.Dona de pouca altura, tinha segurança de sobra, seu jeito de menina e sorriso com covinhas exercia um grande poder sobre pessoas do sexo masculino.

—Jess, vem me ajudar a receber o pessoal...Já tem gente chegando! –Alícia gritou a amiga assim que notou que alguns carros já começavam a chegar ao estacionamento.

—Lembra de por uma românticas durante a festa. –Deu a ele uma piscadinha antes de sair. –Quero dançar uma com você...

Alicia balançou a cabeça enquanto acelerava os passos em direção ao hall de entrada do salão.

—Você não vale nada Jess!Sabe que o garoto é louco por você e fica aí, dando esperanças.

Jéssica arregalou os olhos e voltou a olhar na direção em que Thomaz estava.

—Ele tem chances sim.Thomaz está cada dia mais gato, reparou em como ele está mais musculoso? –Ela riu. –Se nada der certo com seu cunhado hoje, vai ser um prazer gastar um tempo com meu japinha preferido.

A metade dos convidados já ocupava a festa, e embora as pessoas estivessem bem a vontade e parecendo se divertir, Alicia não com seguia largar o celular, já tinha ligado, mandado mensagem, mas nem sinal do namorado.

—Eu já estou com câimbra na bochecha de tanto sorrir e nada do David!

—Ele já deve estar chegando...toma um golinho disso aqui. –Jéssica ofereceu-lhe um copo. –é refrigerante zero.

Alicia estava com a garganta seca,perdeu as contas de quantas vezes tinha repetido a mesma frase.Pegou o copo e deu um grande gole do refrigerante e antes de engolir fez uma careta.

—Tem álcool nessa coca-cola!

—Só um pouco, você está muito tensa, precisa relaxar Ali. –Jéssica retomou o copo.

—No estado de nervos que me encontro, nem vou reclamar. –Passou as mãos pelos cabelos. –Hoje eu mato o David, quase todo mundo já chegou e nada dele.

—A Vivian ainda não chegou...mas ela disse que vem, a mãe dela vai olhar a Beatriz.

—Que bom... –Alícia não conseguia tirar os olhos do portão de entrada. –Deixa eu tomar mais um pouco desse refrigerante batizado.

Sentindo o álcool agindo em seu corpo, sentia-se menos tensa, olhou em sua volta e ficou satisfeita com a festa organizada por ela.

—Deus seja louvado! –Jéssica gritou assustando a miga que já estava meio letárgica. –Se aquele for seu cunhado, valeu a espera!

Alícia moveu a cabeça tentando avistar David, antes mesmo de localizá-lo,foi tomada por uma sensação de alívio.Estava achando um saco o papel de anfitriã.

Enquanto Jéssica se colocava na ponta dos pés tentando ver o Irmão de David, Alícia já enxergava o namorado, ele estava parado cumprimentando um grupo de pessoas a alguns metros de distância dela.

David sorria e para Alicia isso era um bom sinal, respirou sentindo como se tirasse um peso dos ombros.Enfim tudo estava bem.

A sensação de alívio deu lugar a um misto de surpresa e pânico.Um sentimento que se precisasse descrever, não conseguiria.O vento soprou bagunçando seus cabelos e quando os colocou atrás da orelha notou o quanto suas mãos estavam trêmulas.

Aquele rapaz, que vinha em sua direção acompanhado de David tinha um rosto familiar.Ele caminhava olhando tudo a sua volta, dava para ver que não estava confortável ali.Quando ele finalmente ficou inteiramente na sua linha de visão, Alicia desconcertou-se.

Tinha o visto apenas uma vez,no entanto esteve presente em seus pensamentos por todo o dia, centenas de milhares de vezes.Tirando as roupas e o modo que os cabelos estava penteados, tudo estava igual.

De camisa branca, usava por cima dela um colete azul marinho, do mesmo tom da calça.As mãos dentro do bolso e a mandíbula contraída. Parecia ter saído de uma revista italiana de moda.

Alicia se lembrou de respirar somente quando deixou o copo que estava em sua mão cair no chão, perto dos pés dele.

—Boa noite meu amor! –Davi agarrou a Alicia beijando seus lábios.

—David... –Ela ainda conseguiu dizer sentindo seu corpo formigar.

—Ah, esse aqui é meu...irmão. –Ele forçou um sorriso. –Erick Carter.


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