Três em um escrita por Mente suicida


Capítulo 20
Como é bom ter vocês




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Eu levanto o lençol e com dificuldades para enxergar, percebo que ainda estou sem roupas. Então sento na cama e sinto uma enorme dor de cabeça e percebo que minha vista está escurecendo. Levo minhas duas mãos a cabeça e tento levantar, mas sou surpreendido com uma pessoa empurrando a porta.

— Miguel, o que está acontecendo? – Gustavo coloca uma bandeja cheia de comida em um móvel e corre para me segurar.

— Não é nada, amor! É só minha vista novamente – Voltei a sentar na cama com a ajuda de Gustavo – Eu não sei o que esta acontecendo comigo, todos os dias eu acordo assim.

— Você precisa ir ao médico – Ele pegou a água que estava na bandeja – Toma, bebi um pouco, talvez seja só uma ressaca.

Eu tomei toda a água que estava no copo e voltei a deitar na cama.

— Fica ai descansando. Eu vou ficar contigo até você melhorar e depois você come alguma coisa – Ele me cobriu e fez carinhos em minha cabeça.

Minha visão começou a melhorar ao poucos e depois de alguns segundos já conseguia ver aquele homem ao meu lado olhando para mim e me fazendo carinho. Eu me senti tão acolhido naquele lugar que consegui disfarçar a preocupação com minha visão.

— Tá melhor, amor? – Ele perguntou.

— Sim, estou! Que hora é essa?

— Quase meio dia.

— Nossa, g. E tu me deixou aqui esse tempo todo? Onde está o pessoal da tua família? – Quase caiu da cama.

— Alguns já foram embora e os que ficaram estão bebendo novamente – Ele levantou-se – Toma, come alguma coisa, caso você queira beber novamente.

— Não vou beber mais, tá louco? Eu estou com vergonha, isso sim!

Eu comi tudo que Gustavo havia preparado para mim e logo após, corri para o banho que não demorou muito. Me arrumei e me despedi do meu amado com um beijo molhado. Passei pela família dele e me despedi de todos, em especial a sua avó que foi muito acolhedora, ao contrário da minha mãe que tratou Gustavo mal quando estava lá em casa. Dona Maria me agradeceu pela presença, por ter feito o neto feliz, pois ele nunca gostou de festa em família e me convidou para voltar mais vezes.

— Acho que dona Maria gostou de mim – Falei para Gustavo antes de me despedir.

— Não, ela só quer que eu desencalhe mesmo – Rimos juntos – Brincadeira, ela gostou de você sim e disse que formamos um belo casal.

— Ah, isso eu já sabia, pois todos dizem isso – Rimos novamente – Mas enfim, preciso ir agora – Beijei aquela boca carnuda novamente antes de ir embora.

Quando cheguei em casa, pude perceber que minha mãe não estava em casa. Só Tacy estava presente em seu quarto, lendo seus enormes livros da faculdade. Eu adentrei e contei todas as novidades do fim de semana. Ficamos conversando longos minutos, ou talvez horas.

No dia seguinte, acordei cedo e liguei para meu oftalmologista para marcar uma consulta antes do trabalho. Mas não tinha vaga e só foi marcado para dois dias depois. Portanto, levantei da cama, comi alguma coisa e fui para o trabalho. Tudo parecia está ocorrendo perfeitamente. Eu, G e Bibi estávamos o tempo todos juntos.

Os dias se passaram e nada de diferente aconteceu. Tudo estava indo tão bem que chegou o dia da consulta no oftalmologista e eu terminei esquecendo de ir. Mas quando cheguei em casa, fui surpreendido pela minha mãe, que depois de dias sem falar comigo, estava me esperando no sofá da sala.

— Miguel, eu preciso conversar contigo, senta aqui por favor.

— Ah mãe, eu estou cansado e não quero discutir pelo mesmo assunto de sempre.

— Não filho, eu quero conversar sobre sua vista. Hoje a tarde eu recebi uma ligação da clinica onde você faz tratamento e o oftalmo me disse que você ligou para ele na segunda feita, super aflito e marcou uma consulta. Consulta essa que foi marcada para hoje e que você não compareceu.

— Que droga! – Levei a mão para testa – Eu realmente esqueci disso, caramba.

— O que está acontecendo contigo, Miguel?

— Não é nada, mãe. Eu só queria continuar com o tratamento e por isso liguei para ele – Me levantei – Era só isso? Agora vou tomar banho, comer alguma coisa e ir dormir. Boa noite.

— Boa noite, Miguel. – Ela respondeu de cabeça baixa.

Eu pensei que seria mais uma discussão sobre Gustavo, mas dessa vez ela parecia que queria uma trégua, porém, eu não baixei a guarda e terminei sendo grosso. Me arrependi, confesso, mas já tinha feito. Então tentei dormir e esquecer.

Aquela semana se passou rapidamente, assim como alguns meses. Durante esse período, muita coisa mudou em relação a mim. Eu conheci pessoas consideradas estranhas pela sociedade e pela minha mãe, apenas por serem gays, lésbicas ou transexuais. Isso causava discussão e brigas frequentes pelo mesmo assunto.

Bianca se tornou minha confidente, eu contava tudo para ela e durante esse período, pude me aproximar mais e a considerar como uma das minhas melhores amigas, depois de Tacy, claro.

Minha relação com Gustavo não estava indo muito bem. Estávamos brigando muito por vários motivos. Ele não queria tanta aproximação com Bianca e me pressionava para contar tudo a ela. Brigava por eu está sempre saindo enquanto ele ficava em casa. Não gostava de alguns amigos que eu havia conhecido e queria que eu o pedisse em namoro. Tudo isso com o tempo, talvez desgastou um pouco o que sentia por ele.

Com todo esse tempo que passou, muita coisa mudou. Porém, o que eu sentia em relação a amizade dos dois, parecia não mudar. Eu amava sair com os dois juntos para qualquer lugar. Em um certo dia, durante o trabalho, Bianca comentou sobre o lugar que havia levado ela a três meses atrás.

— Miguel, tu tem ido para aquele prédio que tu gosta? – Bianca pergunta.

— Que lugar é esse? Vocês sempre falam disso. – Gustavo ficou curioso.

— É um lugar que eu adoro, g. Podemos ir um dia lá, o que acham? – Respondi.

— Vamos esse fim de semana – Bianca deu uma ideia – Eu não tenho nada para fazer.

— Eu não posso, vou sair com aqueles amigos que te falei, Bianca. – Expliquei.

— Caramba, tu só vive saindo agora – Gustavo questionou.

— Dá tempo, Miguel. Você disse que só vai sair a noite. – Bibi tinha me colocado numa péssima situação.

— Vamos, vamos, vamos! – Gustavo insistiu.

— Ah, tá bom – Cruzei os braços – Mas eu não vou demorar viu? Tenho que sair a noite.

Eu abracei os dois e entrei para o trabalho.

Logo o fim de semana chegou e eu encontrei G e Bibi na parada de ônibus e fomos para o prédio. Antes de entrar, passamos por um supermercado que era próximo, compramos comidas e bebidas e subimos. Ao chegar, pude ver a cara de surpresa dos meus dois amigos. Bianca tinha percebido que algumas coisas tinham mudado e Gustavo como nunca tinha ido, ficou surpreso com tudo que estava vendo, inclusive com a vista que era maravilhosa dalí de cima.

— E ai Gustavo, gostou? – Perguntei.

— É INCRIVEL – Ele me deu leves socos no peito – Como você nunca me trouxe a esse lugar?

— Miguel, você mudou algumas coisas aqui – Bibi interrompeu – Você tirou toda a bagunça, cobriu alguns desenhos e fez outros. Está tudo mais lindo.

— Tu ainda lembra como era? – Perguntei – Era tudo muito rabugento não era? – Sorri.

— ISSO AQUI É A GENTE? – Gustavo gritou ao ver a caricatura de nós três juntos.

— TU TERMINOU? – Bianca ficou boquiaberta.

— Calma gente, é só um desenho – Falei rindo e deitando na rede que havia colocado no lugar do colchão – Vamos comer e beber? Lembrando que não tenho muito tempo.

— Ai, para. Eu não quero sair nem tão cedo daqui. – Alegou, Gustavo.

Pegamos alguns salgados que compramos, abrimos a bebida, dividimos tudo e ficamos em um ambiente que poderia ser considerado como uma sacada do prédio. Alí, ficamos conversando, rindo bastante e lembrando de tudo que a gente já tinha passado. Estamos próximos ao segundo ano de amizade e todas as brigas e desavenças se tornavam piadas. Lembramos dos perigos que enfrentamos juntos, das brigas que eu comprava para defender os dois. Da primeira tatuagem de Bianca, do primeiro porre de Gustavo e todas as lembranças foram surgindo espontaneamente.

Estávamos juntos diante de um lindo por do sol e aquele momento estava tornando-se muito especial para os três. Mas foi interrompido por Bianca.

— Gente, eu amo muito vocês – Bianca soltou.

— Eu também amo vocês. Tudo é muito bom quando a gente está juntos – Gustavo também falou.

Fodeu, eles tinham estragado com todo o clima. O que eu vou fazer agora? Digo o que? Digo que amo eles? Abraço eles? Tento mudar de assunto? Meu Deus, o que eu faço?

— Vamos gente, tá na hora de ir. Eu ainda preciso ir pra festa. – Interrompi e tentei mudar de assunto.

— Por que tu sempre muda de assunto quando eu falou isso? – Bianca questionou – Tu é muito estranho, cara.

— Eu também já percebi isso – Gustavo completa.

— Não é por nada, gente. – Eu tinha que explicar dessa vez - Eu só não consigo falar essas coisas, mas não quer dizer que eu não gosto de vocês. Eu gosto, só não consigo dizer essas coisas pra ninguém.

— Tá bom, vamos então – Gustavo levanta-se – O mocinho ai tem compromisso.

Bianca também levanta e eu enrolo meu braço no pescoço dos dois e sem falar nada, solto e vou caminhando até descer as longas escadas. Em baixo, eu consigo dizer uma palavras para eles:

— Obrigado.

Não sei se estava errado, mas estava com uma sensação de que algo iria acontecer e todo aquele momento serviu como uma oportunidade para eu dizer que realmente amava os dois. Porém, mais uma vez fui covarde e não consegui.


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