Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 8
Faça sua parte


Notas iniciais do capítulo

I'm back!!

Um capítulo mais digno em tamanho para vocês =3

Boa Leitura!



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Durante a noite, Minho, Thomas, Chuck e outros Encarregados foram até o quarto saber como Newt estava. Que eu soubesse, ninguém nunca havia se importado tanto assim em visitar alguém lesionado, e não era para menos; Minho disse que o coração de ninguém nunca havia parado na Clareira durante aqueles dois anos.

 Chuck tinha feito um ótimo trabalho ao espalhar o que tinha acontecido, pois comentaram cada detalhe do que fizemos. Minho pareceu quase tão desconfiado quanto Alby sobre mim, mas não transformou em discussão. Thomas, por outro lado, pareceu preocupado apenas com Newt. Ele jantou e ficou no quarto até tarde, conversando comigo e tendo sucesso hora ou outra em me distrair da aflição que ia e vinha dentro de mim. Perto de uma e meia, ele decidiu ir dormir e voltar de manhã.

 Permaneci sentada na cadeira, virada para Newt e esperando que reagisse de alguma forma. A cada dez minutos eu verificava se sua respiração estava normal, sempre pronta para voltar a forçar os braços sobre seu coração. Minhas costas estavam doloridas pela cadeira desconfortável, mas fiz de tudo para ignorar isso. Meus olhos pesavam de sono, às vezes fechando-se devagar sem eu perceber; até que eu lembrava que não podia deixa-lo sair dali quando acordasse e voltava a ficar alerta.

 Porém, num dos momentos em que abri os olhos, percebi que o lado de fora estava mais claro que da última vez. Um laranja forte tomava conta de parte do céu. Olhei para Newt e o vi movendo os dedos da mão e seus olhos mexendo por baixo das pálpebras. Levantei na mesma hora e fiz uma careta pela dor nas costas, que me obrigou a inclinar o torso antes de me recompor. Forcei-me a endireitar a postura e me aproximei da cama. Newt abriu os olhos e piscou, olhando para o teto, para os lados e para mim. Sua boca abriu-se, mas apressei-me a cortá-lo.

  — Não fale. Não acho que seja uma boa ideia. Trouxemos você para a Sede depois de ontem... Apenas balance a cabeça. Lembra-se do que aconteceu?

 Ele ficou quieto, pareceu pensar, e por fim negou.

  — Você desmaiou... Seu coração parou, na verdade. Você não respondeu por bastante tempo e começamos a tentar te reanimar antes que piorasse.

 Newt suspirou impaciente e moveu a perna, tornando a abrir a boca.

  — Estou falando sério, fique quieto e não levante. Seu coração parou, Newt. Vou trazer alguma coisa para você comer.

 Dei-lhe as costas e, após um passo, voltei a encará-lo.

  — Prometa que não vai fazer esforço nenhum. — pedi. Ele apenas retribuiu o olhar, inexpressivo, e assentiu com a cabeça. — Ok...  

 Tentei confiar na “palavra” dele, mas não pude evitar me sentir aliviada ao ver Thomas terminando de subir as escadas.

  — Ele acordou, mas, por favor, não o deixe levantar nem falar, volto num segundo. – falei num atropelamento de palavras e não esperei por resposta, descendo rapidamente as escadas.

 Não tinha ideia do que ele poderia ou não comer, mas um prato completo de almoço com carne não parecia o ideal. Aproveitei que Caçarola estava ocupado na dispensa e peguei água e as frutas mais leves que havia na Cozinha. Tive certeza de que Newt não ficaria satisfeito, mas como ele não podia falar...

 Voltando para a Sede, vi Alby entrando e tentei ignorar o desânimo que me abateu com o fato de precisar ficar no mesmo cômodo que ele outra vez. Entrei no quarto, vendo Thomas sentado na cadeira e Alby em pé ao lado da cama.

  — Coma devagar. — disse e deixei o prato sobre o colo de Newt, que o encarou e depois a mim, claramente aborrecido. Eu não soube o que dizer, então apenas cruzei os braços e olhei para o chão.

  — É, você é uma ótima Socorrista. — Alby ironizou.

  — Eu nunca disse isso. — repliquei com os olhos cerrados na sua direção e então olhei para Newt, melindrosa. — Mas foi a segunda vez que meu instinto esteve certo.

 Alby parecia fazer de tudo para não ver, mas só o que eu estava fazendo era tentar ajudar. Depois do desespero do dia anterior, se Newt seguisse-o até em pensamento, eu não saberia mais o que fazer.

 Ainda calado, ele pegou uma maçã e deu uma generosa mordida.

  — Sente dor? — perguntei. Ele revirou os olhos e encostou a cabeça na parede, tocando-a com o dedo, certamente sem paciência para fazer algo tão idiota como responder através de sinais naquela situação.

  — Vi ele batendo a cabeça. — Thomas comentou.

 Alby coçou a testa nervosamente. Ele estava preocupado com o amigo, mas era durão demais para dizer isso, e sabia que não possuíam nenhum remédio para o estado dele, além dos analgésicos. O silêncio reinou entre nós, todos imóveis, absortos nos próprios pensamentos. Meu olhar se encontrou com o de Thomas num relance, e então o estrondo dos muros se abrindo ressoou pela Clareira.

  — Vou entrar com o Minho, aproveito e conto a ele sobre você. — Thomas disse a Newt, que acenou com a cabeça antes de ele sair.

  — Você pode ir lá para fora e esperar que alguém peça ajuda. — Alby disse a mim.

  — Alby, desculpe, mas não vou sair daqui. — falei prontamente, quase o interrompendo.

  — Ele não precisa de babá, trolha, mas você ainda precisa fazer seu trabalho...

  — Ajudar, não é? Vou fazer isso. — afirmei e sustentei o olhar raivoso dele por pouco tempo. Baixei a cabeça, cerrando os dentes e recuando para o outro lado da cama. Eu ainda estava com medo que Newt piorasse e, se acontecesse e eu não estivesse perto, seria minha responsabilidade. Fitei o chão com grande esforço para não encarar Alby, esperando que saísse dali de uma vez.

  — Se acontecer qualquer coisa, mande me chamar. — ele falou para Newt, que lançou a ele um olhar significativamente impaciente, a cabeça inclinada para o lado. Alby me olhou por breves segundos antes de sair.

 Suspirei com um revirar de olhos e me larguei na cadeira, inclinada sobre os joelhos e as mãos no rosto. Queria ter dormido por mais tempo, mas com ele acordado eu não via muitas chances de fazer isso.

 Passei a primeira parte da manhã atenta aos intervalos em que Newt comia, temendo que comesse demais ou de menos. Não havia conversa; fiz os menores comentários possíveis para que não o estimulasse a falar. Vez ou outra eu levantava e andava para que meu corpo não cedesse ao sono e ao cansaço, mas isso parecia fazer piorar. Vi-me torcendo para que ele dormisse logo.

 Próximo ao horário do almoço, desviei o olhar da janela e ele estava com a cabeça virada para o outro lado, os olhos fechados. Estalei as juntas dos dedos e sequei as mãos na calça. Observei seu peito com atenção e vi que ele subia e descia com a respiração. Eu estava prestes a decidir ir pegar meu saco de dormir, quando Jeff, Clint e Chuck pararam à porta, fazendo menção de falar alguma coisa. Sinalizei para que ficassem quietos e os empurrei para fora, fechando a porta atrás de mim.

  — Aconteceu de novo? — Chuck perguntou com os olhos arregalados.

  — Não, ele está bem. — afirmei. — Mas não sei por quanto tempo.

  — Alby nos mandou ficar aqui em cima. — Jeff disse.

 Olhei para ele e Clint seriamente, concentrada. Havia dois Socorristas à disposição ali; não havia necessidade que eu fizesse tanta questão de ficar com Newt.

 Ensinei os dois como fazer a tal ressuscitação, percebendo que com os nervos acalmados eu possuía muito mais atenção nos movimentos. A sensação de familiaridade ainda me tomava ao fazer aquilo, e junto a ela vinha uma sensibilidade irracional com o ato; por alguma razão, não me sentia nada bem.

 Eles aprenderam rápido e até Chuck pareceu interessado, mas dei uma desculpa qualquer para não precisar fazer aquilo de novo. Peguei meu saco de dormir e o estiquei no andar de baixo da Sede. Livrei-me de qualquer pensamento preocupante e adormeci instantaneamente.

Nenhum Clareano pediu a minha ajuda nos dias que se seguiram com Newt acamado e, apesar de me sentir melhor sem dar atenção a mais nada, não deixei de estranhar; ninguém ali gostava de um desocupado e o resumo dos meus dias era observar Newt, levar a comida e ficar perto sempre que ele se levantava.

 No entanto, Thomas foi me explicar os motivos: estavam preocupados demais com Newt e, além disso, mais da metade dos Clareanos exigia que Alby me colocasse como Socorrista. Não comentei sobre isso. Não tinha vontade de discutir nada até que Newt estivesse cem por cento. E Alby dirigia-se a mim apenas para falar do estado dele. Várias vezes percebi que Newt faria menção ao assunto, mas eu apressava-me a cortá-lo, dizendo que ainda não podia falar. Após quatro dias, no entanto, fora difícil convencer até a mim mesma de que aquela quietude ainda era necessária.

 Numa tarde após o almoço, horário em que Jeff era incumbido de ficar com ele no quarto, embrenhei-me na mata do Campo-Santo para comer um lanche feito rapidamente na Cozinha. Estava evitando os olhares de todos os Clareanos, que pararam de perseguir Alby com a minha constante presença na Sede. Tanto eu quanto ele sabíamos que era questão de tempo até que a discussão sobre mim viesse à tona, mas insistíamos em ignorar por alguma razão.

  — Descobriu meu esconderijo. — Thomas disse surgindo do meio da mata. — Apesar de Newt também saber dele...

 Olhei ao redor e ele sentou-se sob uma árvore ao lado. Não era um espaço diferente do restante do Campo, mas ele parecia familiarizado com o local.

  — Três Encarregados foram falar com Newt para que convocasse um Conclave. – Thomas disse. “Forçaram-no a falar”, pensei irritada.

  — Ainda bem que ele é mais durão do que parece. — murmurei impaciente, apoiando a testa na mão e fechando os olhos.

  — Relaxa, ele está ótimo. E parece ser o único a querer fazer alguma coisa a seu respeito; Alby manda todo mundo para aquele lugar sempre que alguém tenta.

  — E vamos ter o Conclave?

  — Acho que sim. Você ainda não teve o seu e Alby quer discutir umas mudanças no cardápio também, mas não sei o que Newt possa ter comido que o fez ter uma parada cardíaca.

 Ele parou de falar, então o encarei.

  — Não me olhe assim! — repreendi. — Da mesma forma que você sente conhecer a Clareira desde que chegou, esses tratamentos são só a minha intuição!

  — Tudo bem... Mas não pode negar que é útil.

 Assenti com a cabeça, olhando para o papel filme amassado na minha mão e tentando me distrair.

  — Algum progresso com os mapas? — perguntei... e me arrependi. Nenhum assunto parecia ser animador; as coisas pareciam estar todas fora do eixo. Não me dei o trabalho de olhar para Thomas; por visão periférica o vi negar com a cabeça. — Como se sente? — indaguei a Newt quando a noite caiu. Havia quatro travesseiros apoiando suas costas e sua cabeça, e seu corpo já estava relaxado o suficiente para que sentasse de qualquer jeito. Sua perna estava dobrada, seu braço apoiado no joelho e a cabeça vergada para trás.

  — Estou ótimo. Já posso sair. — disse entediado, olhando para o teto.

  — Ainda não. — retruquei.

  — Grande surpresa. Não vou poder ficar deitado numa cama o resto da minha maldita vida.

  — Eu sei, mas espere mais alguns dias. — falei antes de sair do quarto. Peguei outro travesseiro num quarto vazio e voltei, erguendo seu tornozelo com cuidado e pondo-o por baixo. — Precisa de alguma coisa?

 Olhei para ele e sua sobrancelha estava arqueada para o que eu havia feito.

  — Seu sangue precisa...

  — É, sei. — ele me cortou. — Estou bem.

 Assenti com a cabeça e encarei a cama.

  — Newt, o que aconteceu exatamente... com seu tornozelo?

 Não havia nem sinal de que estava machucado com todo o tempo que passava deitado, mas acabei adquirindo rápido o hábito de ter especial cuidado com aquela perna, vendo as ligeiras caretas que Newt fazia vez ou outra.

 Ele fitou-me por breves segundos antes de voltar-se para as próprias unhas e cutucá-las, sem parecer realmente prestar atenção nisso.

  — Problemas no Labirinto, como sempre.

  — Quando você era um Corredor. — completei, tentando instiga-lo. — Foi algum Verdugo?

 Newt meneou a cabeça e flexionou os lábios para baixo.

  — É, por aí. — relanceou para mim algumas vezes e baixou a perna. Decidi pôr fim no assunto, estava mais que óbvio que ele não queria falar a respeito. Qualquer impressão de vulnerabilidade havia se esvaído de Newt desde que ele acordara, e apesar de ter aceitado todas as recomendações que fiz, às vezes parecia não precisar de nada disso; parecia dar conta sozinho. Eu teria deixado nas mãos de Jeff e Clint se não fosse pelo medo que me tomava à ideia. — Como fez aquilo, Nelly?

 O retorno do tom sarcástico com o nome me obrigou a cerrar os dentes e comprimir os lábios para não sorrir. Era difícil evitar o orgulho da melhora gradual dele.

  — Gostaria muito de saber. — respondi. — Não acho justo que eu seja a única a saber tanto. Quem sabe o que eu poderia ter feito pelos garotos no cemitério se tivesse chegado antes?

  — Devem ter feito de propósito, os malditos Criadores. Talvez essa mértila toda seja planejada.

  — Sorte a sua então, não é? — sorri nervosamente e encarei minhas mãos apoiadas na armação da frente da cama. A brincadeira era cruel.

  — Por falar nisso, obrigado. Meio idiota ter arriscado a vida de alguém com um palpite, mas... — terminou com um movimento indiferente com a cabeça.

 Inclinei a cabeça em concordância e o encarei; Newt estava sério devolvendo o olhar.

  — É, considerando o fato de eu ter prometido não te ajudar. Vou tentar me conter na próxima vez. — sentei-me na cadeira ao lado da cama e fitei o chão com os dentes cerrados, largando a zombaria de uma vez. — Sei lá, de certa forma eu gosto de fazer isso... Não me entenda mal, é só que... faz eu me sentir mais humana, ajudar os outros, acabar com o sofrimento deles. Faz eu me sentir menos como uma parte de algo dos Criadores.

  — O que quer dizer?

 Não respondi de imediato. Não era uma tarefa muito fácil expressar o que eu sentia com tudo aquilo de modo que não parecesse drama.

  — O que eles estão fazendo é cruel, Newt. É tirânico, é horrível... Conversei com Thomas uma vez e a promessa que ele fez ao Chuck... Ele é só uma criança.

 Um som baixo e mecânico impediu-me de continuar falando. Um daqueles besouros entrou no quarto, aproximando-se da cama, a palavra CRUEL cintilando em suas costas. Ele chegou bem perto de mim. Ergui e desci meu pé rapidamente e com força, certa de que o esmagaria e uma faísca de prazer acenderia dentro de mim. Mas ele desviou sua rota no último momento e passou por baixo da cadeira.

  — Eles estão vendo... e não estão fazendo nada a respeito. Você precisa de remédios, uma parada cardíaca... Que droga... — murmurei. Encostei as costas no espaldar e apoiei meus pés na lateral da cama. — Tem certeza de que não quer nada para comer? — perguntei cansada, desejando ter outra coisa em que pensar. Newt continuou me fitando, o semblante agora atento, até que, para a minha infelicidade, negou com um aceno.

 Ouvimos passos pesados soando do lado de fora e olhamos para a porta, no exato momento em que Gally surgia, a expressão furiosa, os punhos cerrados.

  — Precisamos de um Conclave. Agora mesmo. — ele disse encarando Newt.

  — Depois da zona que foi o último? — intervi. — Ele ainda não pode fazer muito esforço, ficar gritando...

  — Cale a boca! — mandou com descaso. — Scott se machucou feio ontem e ela nem se deu o trabalho de saber o que tinha acontecido quando o trouxeram aqui para cima! — acusou, cuspindo as palavras.

 Eu realmente não me dera o trabalho de sair do quarto quando vi Jeff e Clint com um garoto, mas perguntei a eles o problema e disseram que dariam conta.

  — Ela não teve o Conclave, não é obrigada a fazer o trabalho dos Socorristas, você sabe. — Newt disse brandamente, e a calma que conseguia manter me surpreendia.

  — Mas está se metendo no trabalho dos Construtores. — Gally replicou.

  — É melhor pedir ao Alby.

  — Você está deitado aí há cinco dias, seu trolho, já está bom o suficiente! — ele disse e foi parar ao lado da cama, muito perto de Newt, com apenas dois passos. Eu me levantei e me coloquei na sua frente, encarando-o com uma carranca dura.

  — Não vai tocar nele. — chiei.

  — Sai da frente, Pinguça, sua glória já passou faz tempo.

  — A sua por outro lado...

 — Gally! — Alby exclamou parado na porta, interrompendo-me. Ele arfava, provavelmente tinha vindo correndo. — Dê o fora daqui agora.

  — Por quanto tempo mais vocês vão querer fechar os olhos para essa bagunça? — Gally questionou.

  — Será que você não consegue deixar os malditos Novatos em paz? — indagou. — Vamos fazer o Conclave quando ele estiver bom, e é isso. Agora, saia.

 Gally não se deu o trabalho de olhar para mim ou Newt antes de obedecer.

  — Facilitaria se você fingisse que acha que estou bom. — Newt disse depois que Alby saiu.

  — É, claro. — ironizei e voltei a me sentar. — Quer saber, vou tentar convencer Alby a fazer essa reunião logo. — levantei, já seguindo para a porta.

  — Eu vou participar. — disse e parei com a mão no batente, o encarando. — Se eu souber que marcaram um Conclave sem mim, vou sair daqui sozinho e ir até lá.

 Suspirei com o olhar cansado, sem disposição para discutir.

  — Tá, ok... Chame se precisar de alguma coisa; vou estar perto.

Já pensando no trabalho no cemitério que eu precisaria fazer como o último teste antes do meu Conclave, acordei no dia seguinte com o psicológico preparado. Muitos testes tinham sido atrasados pelo tempo que passei recuperando-me do ferimento e depois preocupando-me com Newt, mas enfim estavam prestes a terminar.

 Sentei no saco de dormir coçando os olhos para vencer os borrões neles. De relance, vi Alby liderando um grupo grande atrás de si, vindo na minha direção. Quando percebi que todos me encaravam, levantei-me rapidamente, já imaginando que fosse algum problema com Newt.

  — Vamos fazer o seu Conclave. Agora. — Alby disse convicto.

 Franzi as sobrancelhas, pensando no que responder e correndo o olhar pelos garotos atrás dele; Gally era o mais próximo e, sem dúvida, o mais irritadiço.

  — Newt ainda...

  — Aquele trolho já pode ficar umas horas sentado e falando, é só o que tem feito. — Alby me interrompeu. — Ele vai participar, nem que vá numa cadeira de rodas.

  — Temos uma cadeira de rodas? — perguntei imediatamente, as sobrancelhas arqueadas, mas a fúria que tomou conta de seu rosto deixou clara a resposta. — Tá, foi mal.

 Todos nós fomos para a Sede, Alby guiando o grupo para uma sala maior através de uma porta, e eu subindo as escadas para os quartos. Newt estava deitado na cama, como sempre, olhando para o teto e batucando os dedos cruzados nas mãos. Logo que percebeu minha presença, fitou-me com urgência.

  — O que aconteceu? Ouvi gritos lá fora.

  — Meu Conclave... Parece que convenceram Alby a fazê-lo hoje. — expliquei, aproximando-me da cama.

  — Estão todos lá embaixo? — ele já colocava os pés para fora da cama.

  — Acho que sim. E se você puder...

  — Não se preocupe. — disse com um gesto displicente de mão e saiu da cama devagar. Dei espaço para que seguisse na frente. A postura dele nunca diria que estivera acamado por cinco dias. Talvez fosse a minha extrema preocupação em garantir que ficasse bem e toda a atenção que eu dava a mínimos detalhes, mas Newt surpreendentemente me parecia recuperado por completo.

 Segui-o até o aposento pelo qual Alby entrara e me vi numa sala grande e arredondada, doze cadeiras dispostas numa fileira e todas, menos uma, ocupadas pelos Encarregados. Havia outra vazia de frente para elas. Parecia mais um julgamento. E à primeira acusação injusta que Alby ou Gally fizessem, eu atiraria aquela cadeira em cima deles.

 O ar do local não era muito agradável, ainda mais pelo cheiro. Provavelmente não deixavam a porta muito aberta.

 Newt ocupou seu lugar com os Encarregados, logo ao lado de Alby. Vi o rapaz cumprimentá-lo com um comentário irônico e Newt revirar os olhos.

  — Muito bem. — Alby começou, em pé, percorrendo o olhar sobre todos. — Só para esclarecer, trolha, você não tem o direito de falar a menos que receba permissão. Serve para todo o resto também, mas como você tem a irritante mania de fazer das coisas paradoxo... Vamos começar pelo mais importante, o acidente com o Newt aqui. Ninguém aqui precisa ser um gênio para saber que não foi a gororoba do Caçarola que causou aquilo, mas depois vamos discutir umas mudanças. Alguma ideia então?

 O lugar permaneceu em silêncio enquanto eu observava cada um deles, alguns olhando para os outros à espera.

  — Os Criadores. — Zart disse de uma das extremidades. — Acho que fizeram isso de propósito com ele.

  — Explique-se. — Alby pediu, tornando a se sentar.

  — Lembra quando você acordou da Transformação e tentou contar algo ao Thomas e não conseguiu? Disse que alguma coisa o impediu... Desde então, acho que estão nos controlando.

  — Acha o quê? Que colocaram um chip em nós? — Winston indagou ceticamente. — Corta essa.

  — Faz sentido. — desta vez foi Newt, de braços cruzados e os olhos no chão, pensativo. — Alguém capaz de criar Verdugos e um lugar em que não chove pode muito bem implantar malditos chips em alguém.

  — Mas por q... — comecei rápido demais, antes que pudesse me conter. Era difícil evitar me meter numa discussão que envolvia a mim também. O olhar que Alby me lançou fez eu me calar e me encolher. Olhei para Newt e ele acabava de tirar os olhos de mim.

  — Apesar disso, por que alguém tentaria me matar? — ele perguntou, refletindo meus pensamentos.

  — Vai ver te acharam um trolho muito mertilento. — Alby respondeu sarcasticamente. — Ou talvez tenha sido o primeiro de nós.

 Balancei a cabeça em discordância, os braços tensamente cruzados. Não havia nenhum motivo plausível para que matassem cada um de nós por uma doença. Estávamos tentando sobreviver ali, talvez fazendo exatamente o que eles queriam, e no meio do dia os desgraçados decidem interromper os batimentos cardíacos de um garoto?

  — Acho que foi a comida. — o Encarregado dos Cartógrafos, Tim, disse. — Sei lá, talvez Caçarola tenha exagerado na gordura uma vez ou outra e esse trolho aqui é muito fraco para isso.

 Caçarola cerrou os olhos na direção dele. Ele conseguia ser assustador quando queria; as veias de seus braços peludos ficavam muito saltadas quando os cruzava.

  — Se forem os Criadores, não podemos fazer nada a respeito. — Alby falou e esticou o braço sobre a mesa para escrever algo num bloco de papel. — Quanto à comida, eu ainda duvido. Mas Caçarola e Winston podem passar a prestar mais atenção.

  — Depois de dois anos, acha mesmo... — Winston começou.

  — Independente do que eu acho, alguma coisa tem que ser feita. Não temos como fazer a mértila de um exame para saber qual o problema dele.

  — E me acusar é a melhor solução?

  — Cara, ele não está dizendo que fizeram de propósito. — Newt interviu brandamente. — É claro que não fizeram, afinal, não vi vocês dois se negarem a comer.  

  — Newt pode ser o único problema. — Gally disse, olhando para todos como se o comentário não fosse ofensivo. Teria me levantado e quebrado umas das pernas daquela cadeira na cabeça dele, se ele não tivesse continuado logo. — Ele pode ter algum defeito.

 Verguei a cadeira para trás, apoiando-me nas pernas traseiras dela, fechei os olhos e cerrei os dentes. Newt não era nenhuma coisa para ter defeito. Não surpreendia que Gally tivesse tão poucos simpatizantes. No entanto, como uma lâmpada se acende, entendi o que ele quis dizer, e precisei forçar mais o maxilar para não falar.

  — Esse trolho pode ter alguma doença que demorou a aparecer ou ele fez alguma coisa que a trouxe à tona. – continuou.

  — Eu estava perto dele quando caiu. – Helmy disse. – Estávamos só correndo para ajudar um trolho numa construção.

 Encarei-o por um tempo; eu não tinha percebido que havia sido ele quem chamara os Socorristas, e me dei conta do quanto eu estava em choque com a situação.

  — Vai ver, foi isso. – Gally disse.

  — Eu era um Corredor. – Newt replicou. – Não faz o menor sentido.

  — Tem razão. — Alby concordou. — Então, a única providência que podemos tomar é em relação aos alimentos.

 Ele olhou para Caçarola e Winston, sentados um ao lado do outro, e os dois assentiram com a cabeça.

  — Ótimo, vemos isso melhor depois. Não temos nenhum exame para fazer algum diagnóstico, mas por sorte tivemos uma Novata iluminada, que chegou há apenas um mês e nem entrou para um grupo de trabalho ainda. E ainda assim soube trazer alguém de volta à vida.

 Gally inclinou-se sobre a mesa, como se Alby tivesse realmente despertado seu interesse agora.

  — É melhor ter uma boa defesa. — Gally disse, balançando uma das sobrancelhas.

  — Vocês fazem parecer que usei algum abracadabra para isso. — falei fitando Alby, sem ter certeza de qual dos dois me causava mais raiva. — Qualquer um podia ter feito aquilo.

  — Não. Não podia. — Alby contestou. — Assim como ninguém teria falado que “foi um osso acima do joelho” quando Mike se machucou. Qualquer um teria dito que ele quebrou.

  — Por acaso, agora eu estou errada em estar certa? — indaguei, repelindo a graça da frase.

  — O problema foi você ter tanta certeza de uma coisa dessas. Você tem dezessete anos, nunca saberia o que fazer numa situação normal!

  — Mas a situação toda aqui não é normal! — exclamei. Meu corpo estava inclinado sobre os joelhos, minhas mãos apoiadas neles. — Um bando de malucos apagou a minha memória antes de eu aparecer aqui sem nem saber quem eu era e agora podem ter tentado matar Newt! Se querem mesmo saber, vocês são idiotas de ficarem contra mim.

  — Não tem ninguém aqui contra você. — Newt tratou de dizer, mas o ignorei.

  — Não sei como eu sabia o que fazer, mas eu fiz... e salvei uma vida, e estou orgulhosa disso, para ser sincera. Afinal, quantos aqui acharam que eu ficaria como lavadora de pratos?

 Meu rosto começou a esquentar; eu estava sendo sincera até demais. Alby sustentou meu olhar, mas muitos deles fizeram o contrário.

  — Todo mundo aqui tem a sua tarefa, todo mundo sabe fazer alguma coisa. Não sei exatamente por que estão achando tão estranho que eu também saiba. — acrescentei e me encostei ao espaldar da cadeira, os braços cruzados e os olhos no chão. Sem querer parecer vítima, voltei a encará-los. Newt me fitava, parecendo considerar a ideia, e uma faísca de esperança de que ele entendesse acendeu-se dentro de mim. Ele olhou para Alby, que tinha voltado sua atenção ao bloco de notas.

  — Alguém tem algum comentário a fazer? — Alby perguntou, olhando ao redor. Gally abriu a boca, mas aparentemente não pensou em nada bom o bastante. — Bom isso. Ainda precisamos colocar ela em algum trabalho; vamos pular o cemitério. — ele acenou para o único Encarregado que eu ainda não conhecia. — E aí, quem quer passar o resto dos dias na Clareira com a trolha aqui?

 O silêncio que se seguiu me constrangeu mais do que a pergunta e mais do que todos os meus encontros com os garotos nos vestiários. Baixei os olhos para o chão involuntariamente.

  — Preciso responder? — Minho disse e vi que Alby tinha olhado para cada um deles, tentando incentivá-los.

  — Ela não sobreviveu ao Labirinto? — Gally indagou, provavelmente para fugir da responsabilidade de me admitir, mesmo quando ser Construtora já estava na minha lista.

  — Teria morrido se não fosse pelo Thomas. — frisei a impaciência no tom.

  — Ela foi bem como Ajudante. — Helmy disse, dando de ombros, e um assomo de terror subiu pelo meu sangue. Ficar definitivamente como Ajudante me colocaria como Aguadeira e Retalhadora.

  — Não. — Newt disse de repente. Todos se voltaram para ele; seu tom de alguma forma sobressaíra-se, mesmo calmo. — Acho que é mais que óbvio, seus trolhos; ela vai ficar com a gente como Socorrista.

 Jeff era, na verdade, o verdadeiro Encarregado dos Socorristas quando Newt agia como o segundo em comando. Mas daquela vez eles pareciam de acordo com a decisão e, num breve torpor, não consegui tirar os olhos de Newt. Eu sabia que ele tinha ficado grato pela minha ajuda, mas não parecia suficiente para que confiasse os outros a mim. Eu custei a acreditar, enquanto isso ele devolvia o olhar.

 Gally bateu o punho contra a mesa com força e a vontade de aplaudir, abraçar e até beijar Newt esvaiu-se nesse momento. Ele inclinou-se sobre a mesa e apontou o dedo para Gally.

  — Cale a maldita boca. — mandou.

  — Chega, valentão. — Alby disse e o empurrou para que se encostasse ao espaldar outra vez. — Tem certeza disso?

  — É claro que tenho. — seu semblante estava sério, firme, mas não parecia capaz de fazer alguma coisa a Gally, por mais irritante que o Construtor fosse.  

  — Bom isso. Você pode aproveitar o tempo livre em outra coisa, mas vai dar prioridade a alguém que se machuque...

  — Isso aqui foi inútil, não foi para isso...

  — Não é por que não decidimos o que você queria que estamos errados. — Alby interrompeu Gally. — Com que mértila você está na cabeça?

 Gally soltou um muxoxo e se levantou, arrastando a cadeira para trás, saindo da sala com extrema pressa. Eu ainda acompanhava seus movimentos quando Alby tornou a falar.

  — Levante-se.

 Olhei para ele e obedeci, mesmo sem saber do que se tratava.

  — Terá que fazer o juramento das regras e aí vai passar a fazer parte daqui de verdade.

 “Como se eu tivesse muita escolha”, pensei, quase pronunciando. Afastei a revolta assim que percebi minha ingratidão; eu já tinha conseguido o que queria, não havia por que reclamar. Estava definitivamente com eles agora, realmente imersa na luta para sair dali, imersa nos mesmos sentimentos de tristeza e esperança. Eu era um deles, e precisava parar de agir como se não fosse.

 Fiz o juramento (sem dúvidas a coisa mais formal que vi até aquele momento) e então Alby deu fim ao Conclave, trazendo-me uma onda de alívio. Podia ter sido pior.

 Passei o restante do dia sem nada muito interessante para fazer. Gally esforçou-se ao máximo para não precisar da minha ajuda na área dos Construtores e Jeff e Clint deram conta sozinhos do único garoto machucado na Sede. Foi o primeiro dia em que realmente senti um pouco de tranquilidade. Saber que eu poderia ajudar alguém sem que me julgassem, porque era meu trabalho, ajudou-me a dormir com a mente leve.

Acordei no dia seguinte com os raios do sol atravessando por entre as folhas das árvores e batendo no meu rosto. A maioria que dormia naquele lado da Clareira já havia se levantado.

  — Aí, levanta. — falei para Mike, que dormia de bruços em seu saco de dormir. Ele não respondeu, então resolvi cutucá-lo nas costas.

  — Escuto sua voz o dia inteiro, será que não pode me deixar em paz? — ele retrucou com a voz rouca e os olhos fechados. Parecia um anjo quando estava daquele jeito, a menos que abrisse a boca.

  — Todos já estão de pé, seu trolho.

 Mike resmungou alguma coisa, esfregando o rosto no travesseiro, apertando-o mais contra si, e ficou quieto outra vez. Revirei os olhos e decidi deixá-lo ali; de qualquer forma, alguém viria chama-lo com menos gentileza.

 Tomei banho, troquei de roupa e logo me dirigi à Cozinha. Poucos estavam ali comendo. A maioria levava seu café-da-manhã para o trabalho, eu já tinha percebido. Pareciam não querer perder um mísero segundo. Peguei uma maçã de uma caixa de mantimentos num canto, pensando no que prepararia para comer, quando me lembrei de Newt, e uma torrente de preocupação subiu pelo meu sangue. No entanto, como uma onda que bate numa rocha e volta, foi embora logo. Ele estava bem, não era o meu horário de passar com ele.

 Preparando um sanduíche, sem me dar o trabalho de sentar à mesa, a lembrança do que ele havia feito no Conclave do dia anterior chegou à minha mente como uma espécie de advertência. Levei parte da comida para trás da bancada, evitando que alguém fizesse perguntas, e montei um bom prato.

 Os Clareanos estavam ocupados demais para me notarem sair da Cozinha e entrar Sede com uma bandeja carregada em mãos. Subi as escadas com os olhos no copo de água, atenta caso ele decidisse escorregar e cair, e fui obrigada a parar no último degrau quando alguém surgiu na minha frente. Newt tinha parado de andar ao me ver e alternava o olhar entre eu e a bandeja, sugestivo.

  — Ah, ahn... Eu... a-achei que ainda estivesse na cama. — falei na tentativa de parecer o mais indiferente possível, e de repente um grande embaraço fez meu rosto ferver. Eu não tinha parado para pensar em nada durante o caminho e só então me dei conta do que estava fazendo. Era uma atitude ridícula! E eu nem podia dizer que era para mim; a parte da manhã era o turno de Clint. — Quis te agradecer pelo que fez ontem.

 Newt coçou a parte de trás da cabeça, ainda olhando para a bandeja; tive a leve impressão de ver um rubor subir ao seu rosto também.

  — É, eu ainda não comi. — disse e tomou a bandeja nas mãos, voltando ao quarto. Pude ver a bainha com o facão cruzando suas costas outra vez.

  — Clint te deu alta? — perguntei enquanto ele descansava a bandeja na mesa e puxava uma cadeira.  

  — Ele queria, mas disse que era melhor esperar para ver o que você achava. Mas como você só vem à noite e tenho trabalho a fazer...

  — Tudo bem. — falei logo, quase o interrompendo. — Só tome cuidado, ok?

 Newt assentiu com a cabeça enquanto mordia o sanduíche.

  — E obrigada por ter me colocado aqui.

  — Era óbvio que eu ia fazer isso depois do que aconteceu. Alby e eu passamos um tempo falando disso.

  — Por isso ele não ficou do lado do Gally? — indaguei sarcasticamente, revirando os olhos.

 Ele parou de comer e me encarou, e de repente me senti pequena naquele quarto.

  — Não existe lado, Nelly. Estamos todos juntos nisso. Há uma razão para que o primeiro que brigue aqui seja atirado no Amansador. E por mais que Gally seja contra você como Socorrista, pode ter certeza que ele não tem coragem de infringir a nova regra.

 Mantivemos o contato visual até ele voltar para a comida e eu resolver olhar para o chão.

  — Não vou comer tudo isso sozinho, é melhor dar uma força. — ele disse e pegou o copo de água, afastando o restante. Sorri para o chão sem saber ao certo o porquê.


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Notas finais do capítulo

Agradecimentos especiais aqui a Connor Hawke que sempre tem comentado ♥
Enton, o que acharam?
Gally não sabe se controlar com carne nova no pedaço, né? Vai saber se o Chuck sofreu também...

Até o próximo!



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