Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 55
Ultimato




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Gally e Perenelle ergueram as cabeças como cães atentos numa caça ao ouvirem os tiros.

 — São eles. – Gally disse. — Eles entraram.

 — Não... Não tão rápido assim.

 — Temos que nos mexer.

Gally começou a se movimentar para levantar, enquanto ela permanecia parada.

 — Para quê? Não adianta nada, tem dois brutamontes do outro lado da porta. Não vamos sair dessa a menos que seja num caixão. – Perenelle disse, observando-o.

 — Se Newt te ouvisse dizendo tudo isso... – ele murmurou, concentrado em tentar ficar de pé numa posição favorável, falando como se não tivesse um objetivo com suas palavras. — Me diz, a cor dele ainda é amarela como antigamente? Ainda tem esperança nas coisas quando pensa nele, ou...

 — Cale a mértila da boca. – ela o cortou, virando a cabeça para o lado oposto.

 — Não, é sério... Ele ainda significa alguma coisa ou é como aquele plong de emergência que a gente faz no Campo-Santo e acaba esquecendo lá?

 — Legal, Gally, daqui a pouco você vai me cortar mais um dedo também?

Ele deu de ombros, erguendo uma perna e apoiando o pé na barra de metal. Perenelle sentia-se amargurada com o quanto Newt e o pessimismo se misturavam em seus pensamentos.

Gally relanceou para ela com atenção.

 — Você não vai voltar a ser Socorrista só tirando aquele cadeirante daqui. – declarou.

O garoto estava de pé, respirando fundo de olhos fechados para reunir força e foco. Ele cravou os dentes na manga da própria blusa e, num movimento atrapalhado, pisou no próprio dedo da mão algemada. Perenelle olhou imediatamente ao ouvir o osso se quebrando.

 — O que foi que você fez? – perguntou, assombrada.

Nervoso demais com a dor para falar, Gally escorregou a mão ferida para fora da algema e tirou um clipe de papel de dentro do forro do bolso para abrir a outra. A Clareana observava totalmente surpresa, até lembrar que ele conviveu com o Braço Direito.

Ele se libertou e no momento seguinte a porta foi aberta. Flanela e Buldogue ergueram as armas na direção de Gally, que se escondeu atrás da pilastra e deu o clipe na boca de Perenelle. Ela o cutucou com a perna e fez um sinal com a cabeça. Gally se preparou para lidar com Buldogue, enquanto ela esperava pela aproximação do Flanela. O único som do porão era a respiração dos Clareanos. Assim que o Flanela entrou no campo de visão da garota, ela chutou a perna dele e quase levou um tiro. Ela chutou a arma dele para o mais longe possível. Gally avançara contra Buldogue, empurrando a escopeta dele para cima e lutando para dominá-la, usando uma única mão. Largou seu peso contra o homem enorme, prensando-o contra a parede, debatendo-se.

 — Garent, el... – Perenelle chutou a boca do Flanela junto do comunicador antes que ele pudesse continuar. Ela abriu o clipe, manobrando-o nas mãos de toda forma até conseguir um jeito de se libertar. A tremedeira, a dor na mão e o barulho da luta de Gally atrapalhavam. 

O Flanela se arrastou para mais perto dela e puxou sua camisa na altura do ombro. Agarrou seu rabo de cavalo, tentando machuca-la de qualquer forma, puxou o braço dela e o clipe voou para o chão. Ele levou a mão para pegá-lo e Perenelle esmagou os dedos dele com o pé, pensando em toda a dor que sentia com aquele curativo pobre. Sem tirar seu tênis do lugar, ela lutou para se levantar e então começou a desferir chutes nos piores lugares até ele se afastar. Trouxe o clipe para perto e o pegou do chão com a boca, voltando-o para sua mão.

A escopeta disparou um projétil, fazendo poeira cair do teto. Gally tinha vários hematomas pelo rosto e o Buldogue nenhum. O homem lhe acertou o cano da arma nas costas logo antes de Perenelle montar nas dele e puxar a escopeta até enforcá-lo. Ele se debateu, ela ficou presa entre ele e a parede, e deu impulso com o pé, fazendo o peso dos dois ser demais para ele, de modo que seu corpo se desequilibrou para frente e sua cabeça bateu na barra de metal. Estava inconsciente.

 — Gally! – ela gritou quando o Flanela esticou a mão para pegar a própria arma. O Clareano chutou a mão dele assim que foi mirado e depois acertou o cano da pistola em sua cabeça, apagando-o também.

Arfando e dolorida, Perenelle se apoiou na parede. Sentiu o sangue recomeçar a escapar de seu dedo e automaticamente soltou um grunhido. Gally usou os esparadrapos do bolso do Flanela para pressionar o ferimento e depois o enrolou com um pano encontrado no bolso de Buldogue. Ela colocou sua mão por cima da dele, sentindo-se pior que nunca. Sua garganta fechou na prévia de um choro, mas as lágrimas não vieram.

 — Precisamos ir pegar o Inibidor. – ele disse simplesmente, encarando-a para que entendesse que precisava se recompor. Após alguns segundos, saíram do porão com a arma e a faca conquistadas.

Um longo lance de escadas os aguardava à frente e, depois de percorrerem alguns metros de um corredor cheio de estantes, os dois saíram pela porta que dava direto para a sala principal. Gally estacou imediatamente ao ver Garent falando não muito longe. O garoto respirou fundo e ergueu a arma na direção das costas homem, aproximando-se devagar enquanto ele estava distraído com os outros Clareanos. Perenelle, seguindo logo atrás dele, explodia silenciosamente de felicidade por ver os amigos ali. Não havia passado por sua cabeça acreditar que conseguiriam quando não teve confiança em nada desde que partiram de Denver.  

Gally se aproximou de Garent sem emitir qualquer ruído. Dina ameaçava o Ensebado com o olhar caso ele delatasse ao parceiro a presença dos dois. No meio de sua fala, entretanto, Garent sentiu o calor do garoto às suas costas e se virou para ele, arrancando-lhe a arma e desferindo um soco em sua mandíbula. Gally viu tantas estrelas que não sentiu o impacto de seu corpo ao cair. Dina e Florence pensaram em atirar, mas Perenelle estava muito perto e não confiavam tanto na breve aula que receberam antes do plano ser executado. A Clareana deu um passo para lutar com Garent usando a faca. Ele bloqueou o golpe segurando o pulso dela com uma mão e usando a outra para espremer o toco do dedo mindinho. O grito da garota cortou agudo o ar e por instinto ela cravou as unhas no braço esticado dele, soltando a faca. Garent riu, cercou o pescoço dela e apoiou a boca da arma no cabelo dela.

 — Meus homens. – repetiu para as meninas e engatilhou.

Quando Perenelle percebeu, já tinha todo o rosto encharcado por lágrimas silenciosas. Ela não conseguia encontrar alguma consciência dos acontecimentos.

Dina tentava pensar em algum plano, mas o medo não deixava. Era claro que Garent estava no limite. Ela quase podia ouvir o estrondo dos miolos de Nelly sendo rebentados antes mesmo de acontecer. E ver a colega naquele estado era uma distração para sua mente. Ainda que nunca tivessem sido muito amigas, Dina tinha o costume de associar a imagem de Nelly a resistências. E tudo aquilo tinha sido ideia dela... Como qualquer um deles (especialmente o Grupo B) poderia ter confiança para pegar o Inibidor?

Buldogue e Flanela entraram no recinto cuspindo fogo, batendo a porta com força. Garent vibrou diante disso.

 — Debaixo do alçapão. – Dina respondeu num suspiro derrotado.

 — Mais alto, garota. – Garent ordenou, vitorioso.

Caçarola, deitado, encarou o teto e se esforçou para dizer o mais alto que podia, apesar da bala em seu abdômen minar suas forças bem rápido:

 — Eles estão debaixo do alçapão!

Dentro do duto, Thomas e Minho estremeceram.

 — Quantos de vocês estão lá? – Garent indagou.

Florence se entreolhou com a amiga antes de responder:

 — Quatro.

Ele assentiu e empurrou Nelly para as mãos do Flanela.

 — Fiquem aqui. E sejam vencidos por crianças mais uma vez e ficarão presos lado a lado nos trilhos do trem logo antes de ele passar. – disse aos dois homens.

Ele subiu ao segundo andar para pegar mais armamento. Depois de tantos anos usando o porão da fábrica, tinha esquecido da existência daquele alçapão. Tal erro o deixou frustrado. E pior ficou quando viu que o armário que deveria estar cheio pela metade de armas estava completamente vazio. Ele respirou fundo para reunir calma e não sair matando os adolescentes. Precisava aproveitar toda chance que tivesse para rever Hilston.

Ele tirou algumas tábuas do chão para pegar armas e facas, desceu de volta à sala e distribuiu-as aos parceiros.

 — Se eu não voltar em meia hora, metralhem todos eles sem hesitar. E não os deixem sair daqui. – Garent bateu duas vezes no relógio de pulso do Flanela antes de se virar para Dina. — Solte ele.

Ela olhou para o Ensebado e só então percebeu que havia congelado naquela posição, segurando a arma contra ele. O rapaz foi solto e pôde desarmar as meninas antes de cruzar o espaço para se reunir aos colegas.

 — Vá avisá-los. – Minho sussurrou a Thomas, que tratou de começar a rastejar pelo duto o mais rápido possível até o alçapão.

Thomas chegou arfando, o que não foi nada bom porque o local ficara esquecido pelos homens por muito tempo e o acúmulo de poeira era insuportável. Ele apoiou no ombro de Mike, tossiu e contou num atropelo de palavras sobre o que acontecia na sala principal. Assim que Thomas terminou de contar, Denise, a única na história a usar uma maria chiquinha, ouviu os passos de alguém descendo as escadas do alçapão e começou a sinalizar freneticamente a eles. Os homens estavam amordaçados e completamente desarmados. Hiro, uma menina de olhos puxados, conseguira encontrar até os clipes mais escondidos em suas vestes, o que causou imenso desapontamento da parte deles, pois era o último recurso que possuíam numa situação como aquela.

Hiro ficou na parede oposta à entrada para a pequena sala, apontando sua arma direto para lá. Os outros quatro esperaram por Garent divididos de cada lado da entrada, ouvindo. Os passos do homem cessaram bem antes do esperado, e em seguida algo redondo caiu no meio da sala com um tinido, espalhando uma fumaça branca e densa. O coração dos adolescentes acelerou. Hiro mirou os homens, pronta para algum movimento brusco. Garent esperou mais alguns segundos para a fumaça cegá-los, crente que algum deles apareceria para ele. Contudo, podia sentir que era aguardado. O silêncio reinou, ninguém achava certo fazer qualquer movimento.

Mike tossiu, já incapaz de ver quem cobria o outro lado da entrada. Garent entrou abaixado e, às cegas, conseguiu acertar um soco no queixo do garoto, segurá-lo pela gola da camisa e desmaia-lo com um golpe da pistola em sua cabeça. Thomas, atrás dele, socou o pescoço do homem na tentativa de mirar o maxilar. Os três adolescentes foram para cima de Garent de uma vez só. Ele tratou de disparar a pistola e por pouco não acertou Denise. Hiro se assustou com o barulho e com a movimentação de um dos homens, que chutou a perna dela e provocou um disparo acidental. Ela se debateu e acertou o pé na têmpora dele. Todos os amordaçados começaram a tentar se erguer e pegar a arma dela, mas Garent foi imobilizado no chão.

 — Diga para pararem! – Dmitri gritou no ouvido dele. Garent sentiu o engatilho de sua própria arma contra sua cabeça e riu.

 — Vai atirar, garoto?

Dmitri mirou onde sabia que nenhum dos seus estava e disparou.

 — Isaac! – um dos homens gritou.

A boca quente da arma voltou a tocar a cabeça de Garent, que cerrou os dentes com raiva, mas continuou calado. Dmitri disparou outra vez e alguém xingou alto.

 — Ei! – o que Garent disse em seguida foi em alemão e o efeito da voz do líder foi produzido na velocidade da luz. Em menos de cinco segundos os homens pararam de se debater e Hiro sentiu o aperto da corda em seu pescoço afrouxar.

Em pouco tempo a fumaça se dissipou e o cenário deixou de ser imaginação na cabeça deles. O Ruivo estava deitado, gemendo entre os parceiros. No lugar do olho esquerdo havia apenas sangue. O segundo disparo de Dmitri havia feito um buraco na parede, bem ao lado do cara loiro que tentava estancar o sangramento do colega. Hiro estava cercada por três, um deles usando a corda que o amarrava para contê-la.

 — Saiam de perto dela. – Thomas ordenou.

Eles olharam para Garent, esperando um comando, mas ele apenas balançou a cabeça para que obedecessem. Hiro foi solta e ela se afastou deles rapidamente, com lágrimas nos olhos. Ela usou uma fita colante cinza e firme para prender Garent, enquanto ele era revistado por Denise e Dmitri. A quantidade de lâminas, parafusos e clipes escondidos nas roupas dele parecia não ter fim. O líder foi colocado junto dos outros e os Clareanos se posicionaram de frente para ele, com exceção de Mike, que tentava ser reanimado por Hiro.

 — O Inibidor. – Thomas disse simplesmente.

Garent riu sem a menor emoção, encarando o garoto.

 — O quê? Acham que três armas apontadas para nós e um tiro no olho vão nos fazer falar?

 — Não, mas eu posso dar a ordem de matar cada um dos seus amigos até que nos contem onde essa máquina está. E posso começar por essa sala. – Thomas puxou o ferrolho de sua própria arma.

 — Tivemos uma longa conversa com aqueles dois amigos de vocês. Sabemos que ninguém do seu grupo é capaz de mata-

Garent foi interrompido por um disparo repentino. Hiro apontava sua arma com a mão trêmula na direção de um homem que agora jazia sem vida no chão, bem ao lado do líder. O ódio borbulhou dentro do homem. Os adolescentes tentaram não se mostrar tão surpresos quanto ao ato da garota. Num instante, ela estava abaixada ao lado de Garent, com a arma forçando o queixo dele.

 — Digam onde está o Inibidor ou eu juro...

 —... viva... Devíamos aproveitar... até a fábrica... Eles não vã-ão fazer nada amarrados.

 — Você... tão estúpido assim? Não vamos... daqui até... mandar.

 — Se ele est-tiver vivo. Você ouviu a quan...tidade... de tiros.

As duas vozes vinham do comunicador confiscado de um dos homens, largado no canto da parede. A conversa era cortada por chiados, o que só podia significar alguma interferência nos aparelhos.

 — Do que estão falando? – Denise perguntou a Thomas, que olhou para os reféns e se aproximou do mais jovem deles, apoiando a arma em sua cabeça.

 — Responda a eles. – ele mandou e apertou o botão para que pudesse falar.

O rapaz olhou inconformado para o Clareano, mas obedeceu.

 — Ei, o que está rolando?

 — Fala, Eddie. Cansei de olhar para a cara desses moleques aqui. Quando vamos poder estourar os miolos deles?

 — Quem? E onde? – Thomas perguntou a Eddie, mas ele não respondeu. Hiro atirou no pé dele. Ele gritou e se contorceu no chão, e Thomas agarrou sua blusa para que continuasse sentado.

 — Aqueles que estavam do outro lado da rua... Seus amigos... – ele choramingou, fungando para tentar se controlar diante de seu líder.

Thomas se entreolhou com os amigos.

 — Aris... – Hiro murmurou, atordoada de alívio.

 — Eddie?

 — Diga para eles os deixarem em paz. Diga para irem para o mais longe possível. – Thomas mandou e apertou o botão.

 — Hum, caras, Garent disse que precisam de vocês com os vigias da 6ª Avenida. Ele conhece a dona dessa casa, ela sabe como lidar com eles. – o rapaz soava mais convincente do que podiam esperar.

O comunicador ficou em silêncio. O coração de Thomas acelerava.

 — Ele tem certeza disso?

 — Qual é, quer que eu pergunte?

 — Não, okay, esquece.  Er... Estamos saindo.

 — Certo. – Thomas se afastou deles e jogou um pano imundo para Eddie. — Onde eles estão?

Eddie respirou fundo várias vezes, cobrindo o ferimento no pé.

 — Numa casa verde e velha em frente à fábrica.

 — Vá com a Hiro até lá. – Thomas disse a Denise. — Se todos eles estiverem bem, usem a porta da frente para entrarem e começarem a tomar o lugar. Tem apenas três caras lá dificultando as coisas, é um bom lugar para começar.

As duas meninas saíram, deixando Thomas, Dmitri e Mike, já recuperado, policiando os homens.

Na sala principal, o silêncio reinava. Era possível ouvir o tic tac no relógio do Flanela, pois era claro que ele realmente contava quanto tempo Garent demorava debaixo do alçapão. Minho tinha a orelha colada à saída do duto e o rifle roubado estava pronto para ser disparado.

O tic tac parou e foi substituído pelo bip. O tempo tinha acabado. O Flanela se entreolhou com o Buldogue e os adolescentes trocaram olhares apreensivos entre si. Dina gritou ao ver a arma ser apontada para a cabeça de Nelly, e Minho abriu a porta do duto com um estrondo, chamando toda a atenção. Lá de cima, ele mirou o Buldogue e não pensou duas vezes antes de disparar contra a cabeça dele, deixando Gally solto. O Flanela e o Ensebado começaram a atacar Minho, atordoados demais pelo surgimento repentino dele. Nelly e Gally aproveitaram a distração para lutar contra eles e desarmá-los, o que foi feito com muita facilidade depois que Florence e Dina correram para ajudar. Os dois homens foram imobilizados e logo foram amarrados a cadeiras, exatamente como haviam feito aos dois Clareanos.

 — Vamos mata-los de uma vez. – Dina disse, enquanto Florence puxava Nelly até Caçarola para ajudar com o ferimento.

 — Não... – Gally murmurou, encarando os dois amarrados. — Tenho ideia melhor. Vocês têm uma faca?

 — Ele deve ter. – ela apontou para Buldogue.

Gally tirou um canivete com dentes do cinto do homem e puxou uma terceira cadeira para se sentar de frente para os dois.

 — Vou explicar com clareza como isso vai funcionar. Eu vou fazer uma pergunta a vocês... e vocês vão me dizer exatamente o que eu quero saber. Entenderam? Ótimo. Onde está o Inibidor?

 — Não sabemos. – o Ensebado respondeu.

Gally assentiu com a cabeça algumas vezes, levantou e se aproximou deles.

 — Não sou bom em arrancar respostas como vocês. Não mesmo. Mas a partir de agora vocês só têm a perder. – disse.

 — E você acha... – o Flanela riu e umedeceu os lábios. — que eu vou passar meus últimos momentos de vida cedendo a um bando de moleques?

Gally deu de ombros e precisou lembrar apenas da risada que ouviu do homem enquanto era humilhado por Garent, e desferiu em sua boca o soco mais forte que já deu na vida. O Flanela cuspiu sangue no chão. O Clareano agarrou o queixo dele com força e o obrigou a encará-lo.

 — Quer um dedo a menos? Ahn? Exatamente como fez com ela? – murmurou, olhando profundamente nos olhos verdes dele.

Caçarola estava com a cabeça apoiada no colo de Nelly, desacordado, mas vivo. Florence fazia pressão contra o buraco da bala no abdômen dele.

 — Estamos ferrados... Gally nem consegue usar uma das mãos... – Florence murmurou, derrotada.

 — Onde está o cadeirante? – Nelly perguntou.

 — Foi levado para uma sala com outros deles. Não se preocupe, estão sendo vigiados. E não acho que ele seja um risco.

 — Qual o plano?

 — Todo mundo está tentando descobrir onde o Inibidor está.

A menina ficou calada depois disso, e Perenelle franziu a testa.

 — Só isso? Não pensaram em mais nada?

 — O que mais poderíamos pensar? Não sabíamos de nada. Nem se vocês estavam vivos. – Dina replicou.

Nelly suspirou e fechou os olhos. Minho acabava de entrar na sala, indo direto na direção delas.

 — Você está bem? – perguntou à Socorrista.

 — Estou e você? – ela colocou a mão em seu ombro para ter mais uma prova de que não era uma ilusão, sorrindo por dentro. O garoto fez um sinal indiferente.

 — Onde está o Thomas? – Florence indagou.

 — No mesmo lugar que aquele cara do cabelo esquisito. Os nossos precisavam ser avisados. Gally já começou o interrogatório? – Minho observava o colega desferindo mais golpes no Flanela. — Posso acelerar as coisas.

Ele se ergueu e caminhou até eles, desatando a falar com os dois reféns. Nelly se pôs a pensar numa saída para tudo aquilo mais rápido. Aqueles homens eram muito bem capazes de terem um plano secreto para se livrarem de situações assim. E ela podia sentir que faltava pouco para uma tragédia acontecer.

Ela se sobressaltou com os súbitos tiros vindos do lado de fora da fábrica, perdendo-se do raciocínio. Todos eles olharam para a porta, intrigados. De repente, dela romperam duas pessoas de costas, atirando para sabe-se lá o quê. Perenelle sentiu seu estômago se contrair ao reconhecê-las.

 — Tirem ele daí! – Sonya gritou ao ver Caçarola inconsciente no chão.

Gally e Minho trataram de correr até o antigo Cozinheiro, enquanto Harriet se aproximava às pressas.

 — Os caras que nos pegaram chamaram os vigias... Há uma saída alternativa desse lugar? – ela perguntou.

 — Várias. – Minho respondeu.

 — Você não está pensando em... – Nelly foi interrompida por um ruído estranho vindo da entrada.

Gally e Minho ergueram Caçarola pelos braços e pernas e o carregaram para trás de uma mesa grande e pesada de madeira. As meninas os seguiram e se abaixaram.

 — É uma luta perdida, Perenelle. – Harriet disse com a expressão sensível, e se sentiu mal com as próprias palavras ao ver o assombro estampado na Clareana.

 — Harriet! – Sonya gritou da porta e a garota correu para ajuda-la.

Perenelle olhou para Gally, esperando qualquer tipo de consolo que pudesse ter. Qualquer coisa. Mas o rapaz conferia a pulsação de Caçarola. O coração dela acelerou demais e sua visão ficou turva. As palmas das mãos suavam quando ela se agarrou à quina da mesa para tentar se acalmar. As antigas palavras de Ava Paige voltaram a assombrá-la: os outros não podem correr riscos por sua causa. “Mas não é por mim. É por Newt... De todo modo, eu preciso dele. E se toda essa presteza em conseguir o Inibidor não for apenas um ato egoísta?”. Um redemoinho de questionamentos sobre tudo aquilo começou a embaralhar sua mente, e no final ela não sabia mais por que estava ali; nem por que não estava ajudando Minho a cobrir o ferimento de Caçarola. O corpo dela suava e tremia. Era como se suas emoções fervessem dentro dela, prestes a explodir num grito, ou lágrimas, ou algo mais prejudicial.

 — Você está bem? – Florence perguntou com as mãos em seus braços, assustando-se com a frieza da pele da Clareana. — Pessoal.

Minho e Gally olharam para as duas e o segundo tratou de virar Nelly na direção deles para que ela prestasse atenção.

 — Vou avisar os outros do que está acontecendo e tentar entrar em contato com Mallory para ela trazer o Berg. Esperem aqui até poderem levar Caçarola para o lado de fora.

Minho entregou seu rifle ao colega, que passou a faixa por seu pescoço. Gally olhou para Perenelle e várias coisas para reconforta-la passaram por sua cabeça, mas ele não estava certo de nenhuma delas.

 — Pode ir. – Minho disse ao reparar no olhar do antigo Construtor. — Thomas está com um grupo debaixo do alçapão, Teresa está nos túneis que você pode acessar pelo duto dos fundos, e o restante está numa sala depois daquele corredor. – ele apontou para uma entrada escura à esquerda. Assim, Gally partiu.

Ele começou pelo corredor indicado, que se seguia à meia luz por alguns metros e terminava numa porta, lacrada pelos Clareanos que capturaram os homens que deviam vigiar aquela área. Gally continuou pela direita por outro corredor e então viu uma porta de madeira. Com o rifle preparado, ele entrou, e viu seu grupo montando guarda sobre um grupo patético de brutamontes amarrados em círculo. Preso por fita isolante a um cano estava o cadeirante Yhani.

 — Cara... – Louis arfou de alívio ao ver Gally, que fez um sinal com a cabeça para que o garoto saísse e pudessem conversar. Dante os viu e, familiarizado com aquela expressão facial do antigo Construtor, decidiu segui-los. Fecharam a porta ao pararem no corredor e trocaram olhares tensos, aliviados, ansiosos. — Você está bem?

 — Estou ótimo. – Gally respondeu.

 — E Perenelle?

 — Também. Vocês estão com o comunicador?

 — Não, Thomas está. Por quê?

 — Caçarola está machucado. Precisamos chamar Mallory e tirá-lo daqui logo.

 — Quer dizer trazer o Berg para cá? – Dante indagou e Gally assentiu. — Está brincando? Para tão perto do covil deles? O que eram aqueles tiros que ouvimos, afinal?

 — Alguns daqueles caras perceberam que alguma coisa estava errada e agora estão atirando contra nós. Por isso precisamos tirar Caçarola daqui, não temos gente o suficiente para fazer tudo ao mesmo tempo.

 — Não vai me dizer que querem desistir do Inibidor também... – Louis começou.

 — Não quero. Harriet acha melhor procurarmos em outro lugar e não temos tempo para discutir...

 — Como é que é? – Dante o cortou imediatamente. — Não temos tempo? Me deem qualquer arma e vou lá fora conseguir tempo para nós.

 — Dan...

 — Não. Newt fez muito por mim naquela Clareira. E nenhum de nós foi capturado, machucado e coagido para que saiamos daqui de mãos vazias. Vá dizer a Harriet que uma conversa não vai resolver nosso problema. Depois, encontre Thomas. Avise a ele o que está acontecendo. – Dante arregaçou as mangas da camisa. — Enquanto isso, arrancamos desses caras a localização do Inibidor.


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