Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 4
Noite da fogueira


Notas iniciais do capítulo

Heyy!
I'm back!
Sentiram minha falta? u.u

Quero agradecer a Bruna Eloise por ter favoritado a fanfic e a todos que comentaram no último capítulo! Fiquei extremamente feliz!

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733980/chapter/4

 

No dia seguinte ao infeliz episódio do biscoito, encontrei o Encarregado dos Desbastadores nos Jardins e ele não demorou a começar a me dar ordens. Eu deveria podar, plantar, cavar buracos e, segundo ele, enrolar até que o dia terminasse, pois raramente havia muita coisa para se fazer ali. Provavelmente era o trabalho mais cansativo, depois de ser Corredor, pois não tinha como evitar o sol enquanto ficava-se inclinado para fazer o serviço.

 Minhas costas não demoraram a reclamar e quase deitei ali mesmo para descansar quando percebi que ainda faltavam duas horas para o almoço. Vi um dos garotos a alguns metros de distância apoiado na sua pá enquanto me observava. Percebi minha posição despudorada para cavar o lugar das mudas e imitei a posição dele, encarando-o com uma carranca séria. Ele riu e antes de voltar ao trabalho.

 Eu sabia que o único motivo de garotos como ele me olharem daquela forma era o fato de eu ser a única garota ali. Eu já havia parado para reparar no meu corpo e vi que era exagero a atenção que eles me davam.

 Por vezes eu me pegava imaginando tendo uma vida decente, que não se resumisse em trabalho todos os dias e aqueles olhares.

  — Você não parece querer facilitar para si mesma, isso está melhor do que esses trolhos fazem. — Newt disse ao se aproximar com um copo de água, observando meu trabalho.

  — Obrigada. — falei, mais pela água do que pelo elogio. Bebi tudo num gole só, já ansiando por mais.

  — Lembro do inferno que foi quando tive que passar um dia inteiro nisso e acho que Zart vai te querer aqui. — ele disse.

 Limpei o suor da minha testa com as costas da mão e olhei para a terra ao redor, surpreendendo-me de verdade. Os garotos dali tinham dado um grande espaçamento entre cada cavidade para que completassem mais rápido o espaço pré-definido por Zart.

  — Será que você não pode... Sabe... — comecei sem jeito.

  — Se eu continuar te livrando dos trabalhos assim, Alby vai enterrar nós dois nessas coisas. Achei que fosse mais esperta e faria o mesmo que fez nos banheiros.

  — Eu não precisaria estar aqui se você tivesse me deixado como Socorrista. — adverti, desta vez mais em desafio do que era permitido.

  — Nelly, a vida de uma pessoa não é brincadeira, se você não sabe. Você errou, perdeu o lugar. Quem sabe seu destino é plantar árvores? Melhor pensar nisso.

 Encarei-o por um tempo, digerindo a sinceridade dele sob o sarcasmo.

  — Não conte comigo se estiver tendo uma hemorragia. — falei amargamente e ele sorriu, parecendo satisfeito com a minha resposta.

  — Pode deixar.

 Ele se virou e seguiu para fora dos Jardins, e permaneci fitando suas costas antes de voltar a cavar, usando mais força que o necessário.

 Após o almoço, minha raiva daquele trabalho não podia ser maior. Levei uma garrafa de água para lá e na primeira vez em que dei as costas a ela, alguém a pegou.

  — Podemos fazer assim. — o garoto que me observara antes disse ao se aproximar de mim, segurando a garrafa. — Eu devolvo ela a você e nos encontramos atrás do vestiário depois do jantar.

 Mal pude acreditar que ele esperava que eu trocasse uma pegação por água.

 Olhei para a garrafa, sentindo minha boca seca, e olhei para ele inexpressiva.

  — Sai daqui. — murmurei, apontando para o lado com a cabeça.

 Ele ergueu as mãos em cumplicidade e se foi. Assim que atingiu uma distância considerável, voltei ao trabalho, tentando não pensar que eu não estaria presa com ele se não fosse pelos malditos Criadores. Pensar nisso fez eu me lembrar dos machucados no meu corpo e no que poderia ter causado eles.

 “Concentre-se no trabalho”, ordenei mentalmente para não começar a pensar demais.

 Eu poderia ter sido violentada por algum homem.

 “Concentre-se no trabalho”, repeti.

 Quem sabe o quão feliz eu e os outros poderíamos estar numa tarde como aquela, em outro lugar, fazendo qualquer outra coisa que não fosse trabalhar para sobreviver.

 “Concentre-se...”

 Um grito horrível e agonizante veio da Clareira e serviu para completar meu pensamento. Parei o que estava fazendo e olhei para trás, na direção do som, e meus olhos atravessaram diretamente para a entrada dos Jardins, pousando numa escada de madeira caída sobre um garoto que tinha uma expressão forte de dor no rosto.

 Dei um passo naquela direção e parei, incerta se devia me meter. Mas ninguém tinha se aproximado nem feito nada, então larguei a pá e corri até ele. Parecia ter dezessete anos, tinha o cabelo preto bagunçado e sujo e uma grande mancha de sangue que tentava cobrir com a mão na manga da camisa. Uma faca estava fincada na fenda de dois blocos de pedra no chão e minha incredulidade de como certeiramente ela acertara o braço dele quase me distraiu.

  — Newt! — berrei através da Clareira, vendo alguns outros se aproximarem e tirando a escada de cima do garoto. Abaixei-me ao lado dele e cerquei o cabo da faca com a mão, prestes a tirá-la, mas parei outra vez ao perceber a burrice disso. Corri os olhos pelo nada, pensando e ouvindo os gemidos do garoto, até olhar para a minha cintura e ver meu casaco enrolado nela. Rapidamente o tirei e fiz várias camadas com o torso. Finalmente puxei a faca do braço dele, fazendo derramar sangue assombrosamente e arrancando dele um grunhido e um xingamento. Amarrei o casaco ao redor do ferimento com força.

  — Você não pode ser mais delicada? — ele perguntou, a testa brilhando de suor e a voz rouca. — Meu joelho...

  — Consegue mexer a perna ou o pé? — indaguei imediatamente, quase sem pensar.

 Ele ficou quieto e seus olhos se perderam e então soltou um grunhido mais alto de dor. Com a maior leveza possível, toquei a área de seu joelho sobre a calça e ele gritou, remexendo a outra perna.

  — Newt! — berrei outra vez. — Está doendo?

  — É claro que está doendo, sua idiota! Chame logo a droga dos Socorristas!

  — Não adianta... Acho que você deslocou, ele precisa voltar para o lugar...

 Estava prestes a chamar Newt de novo, mas ele acabava de passar entre os Clareanos que nos cercavam e abaixou-se perto de nós.

  — Ele deslocou o joelho. — avisei e me posicionei do outro lado, segurando a perna e o braço bons do garoto contra o chão para que não se movesse.

 Newt olhou para o garoto e olhou para mim, parecendo indignado com a minha fala e ato.

  — Não posso simplesmente força-lo para o lugar, pode ser algo mais sério. — disse.  

  — Ele não estaria sentindo dor com a perna parada se fosse outra coisa. Foi um osso acima do joelho, não lembro o nome! Ele deslocou, eu sei. — falei rapidamente, as palavras vindo como se fossem de outra pessoa enquanto eu ouvia mais as batidas fortes do meu coração do que o que eu falava.

  — Como pode...

  — Façam alguma coisa, seus imbecis, que droga! — o garoto ralhou impaciente.

  — Se você não fizer, eu faço. — chiei entre dentes quase com raiva, sabendo que ele confiava muito mais em si mesmo do que em mim para aquilo.

 Depois de olhar novamente para nós dois, pôs uma mão na panturrilha da perna machucada e a outra sobre o joelho retorcido para cima num ângulo estranho; a reação do garoto foi imediata pela dor, a perna boa moveu-se furiosamente enquanto ele gritava. Quase pude ler a mente de Newt contando de um a três antes de, num único movimento, voltar o osso ao lugar, provocando um ruído e outro grito, desta vez mais longo e mais alto, que fez meu coração vibrar.

 Newt andou de cócoras até onde eu estava e dei espaço para que ele conseguisse erguer o garoto.

  — Não, me deixe aqui agora! — ele ralhou, empurrando as mãos de Newt para longe. Eu imaginava o quão doloroso estava sendo, mas não havia jeito.

  — Você precisa pôr gelo. — falei brandamente. Parecendo compreender, ele se colocou sentado com dificuldade e deixou que Newt e outro Clareano o ajudassem a se erguer e a andar. Todos que estavam assistindo abriram espaço para que passassem e o esforço de Newt para não mancar enquanto carregava o outro era evidente. Eu teria me metido no lugar dele se não soubesse que causaria mais raiva do que ter lhe dado ordens.

 Segui os dois até a Sede com o nervosismo à flor da pele. Minha certeza sobre o que fazer era cega, simplesmente seguira o instinto. Eu sabia de alguma forma como tratar aquilo, mas ainda temia que apenas tivesse piorado o estado do garoto. Afinal, por que diabos fiz aquilo? Teria sido melhor chamar os Socorristas de uma vez. “Não, deu certo”, pensei otimista, respirando fundo. “Não teria como eu pensar em tudo aquilo com tanta exatidão e estar errada”.

 Alby estava saindo da Sede quando ainda estávamos a meio caminho de lá e observou quando os dois passaram para entrar. Ao tentar fazer o mesmo, no entanto, fui impedida pelo bloqueio do corpo largo dele.

  — Quero ver como ele está. — falei com a voz controlada.

  — Você tem trabalho a fazer. — respondeu simplesmente e inclinou a cabeça na direção dos Jardins.

 Tomei fôlego para dizer que eu precisava saber o estado do garoto por ter sido eu a responsável pelas primeiras providências, mas percebi que não era o mais inteligente a fazer; Alby me mataria ou quem sabe convocasse um Banimento.

 Soltei o ar pela boca e virei-me para voltar ao trabalho. Comecei a andar, tentando parecer convincente, e apenas parei a vários metros de distância. Ele já tinha entrado na Sede e fechado a porta atrás de si. Corri pelo mesmo caminho e entrei o mais cautelosamente possível, os pés duros nos degraus da escada temendo os rangidos.

 Assim que alcancei o corredor, apurei os ouvidos para descobrir em qual quarto eles estavam. Dirigi-me ao segundo do lado direito e parei ao lado da porta ao vê-la entreaberta.

  — Você definitivamente superou qualquer nível de estupidez, seu mértila. — Alby disse num murmúrio irritado.

  — Ele está bem, não está, droga? Que se dane. — Newt respondeu.

  — Não pode acontecer de novo. E é melhor que ela diga como sabia disso, principalmente se estiver tendo lembranças mais fortes que nós. Já é estranha o suficiente.

  — Vão manda-la para cá, não vão? — outra voz indagou e reconheci como a de Jeff.

 O quarto ficou em silêncio e quase saí de perto da porta ao perceber que poderiam ter me notado.

  — Só pode estar de brincadeira comigo. — Alby disse e tentei ver através da fresca do que ele estava falando. — Você mesmo disse que ela tinha sido um plong como Socorrista, pode esquecer isso! Ninguém vai correr risco só porque ela teve uma maldita inspiração!

 Farta daquilo, atravessei o corredor a passos pesados e desci as escadas sem me importar em fazê-las ranger. Minha paciência com Alby estava chegando ao limite; ele sequer tinha bons motivos para ter tanta raiva de mim. E Newt parecia fazer questão de se mostrar do lado dele o tempo todo. Dava-me nos nervos que ele não me deixasse ser Socorrista por um erro tão ridículo e que mal era culpa minha, e eu mesma o atiraria para os Verdugos se pudesse.

 Repreendi-me logo depois pelo pensamento e me vi confusa por isso, pois eu sequer sabia o que aquelas coisas faziam conosco.

 Saí da Sede e meus olhos encontraram a escada caída perto dos Jardins. Era possível ver a grande mancha de sangue de longe, e automaticamente o medo de ter piorado o estado do garoto me assolou. Reconhecer que Alby tinha certa razão em achar errado que eu me metesse só fez eu me sentir pior. Tentando não pensar nisso, aproximei-me da escada e a ergui. A área estava ocupada com Construtores e mesas cheias de materiais para consertarem o Sangradouro, do qual algumas partes do telhado estavam danificadas. Logo que encostei a escada à árvore, vi um degrau solto com a ponta lascada e inclinada. A mediocridade dos recursos que tínhamos apenas aumentava a minha raiva dos Criadores e de tudo aquilo. Não éramos burros nem fracos, mas ainda éramos adolescentes, alguns nem isso direito, e estávamos sendo obrigados a sustentar um lugar inteiro sozinhos, cercados de assassinos e sem conhecimento do mundo.

 Tirei a faca ensanguentada do chão e coloquei sobre uma mesa, pegando um martelo. Fitei a ponta presa do degrau como se fosse a cabeça de todos os Criadores juntos e, sabendo que nem toda aquela situação nem o degrau tinham conserto, comecei a golpeá-lo.

 Parei não muito tempo depois, com o braço doendo e os dedos também, mas frustrada que não houvesse mais nada em que bater sem parecer uma maluca. Larguei o martelo de qualquer jeito e sentei-me perto da árvore, vergando a cabeça para trás, decidida a não voltar mais para àqueles Jardins. Minhas mãos estavam sujas de sangue seco e terra e apavorei-me com a possibilidade de ter infectado o corte do garoto.

  — Estou ouvindo seu coração bater daqui. — Newt disse ao se aproximar, provavelmente pelos meus olhos arregalados para as mãos, e levantei-me rapidamente.

  — Como ele está? — perguntei nervosa.

  — Vai sobreviver. Jeff disse que foi uma boa ter estancado o sangue de uma vez.

  — E a perna?

  — Vai ter que ficar de repouso por um tempo, então é menos um Construtor por umas semanas.

 Assenti com a cabeça, aliviada, e anotando mentalmente para ir ver o garoto na Sede depois. Peguei a faca na mesa e comecei a subir a escada para onde ele trabalhava no Sangradouro.

  — Que mértila você está fazendo? — ele indagou lá de baixo.

  — Alguém tem que substituí-lo, não acha? E você disse que eu posso ser Construtora. Não vou voltar para aqueles Jardins.

  — Então você prefere que Gally acidentalmente tropece na escada. — Newt supôs e parei de subir, suspirando e baixando a cabeça; era irritante como ele conseguia ser legal às vezes e tão insuportável no restante do tempo. — Desça, vamos fazer um trato.

 Olhei para ele lá de cima enquanto ponderava, e obedeci ao perceber que era melhor do que correr o risco com Gally.

  — Dou uma semana para você se mostrar prestativa como Socorrista, e se fizer alguma coisa realmente útil até lá, que não seja me dar ordens e estancar feridas, coloco você no cargo. — ele disse.

  - E se ninguém se machucar em uma semana?

 Ele simplesmente deu de ombros, indiferente.

  — Talvez seja um sinal para você desistir.

 Girei a faca na minha mão, segurando-a com força e cerrando os dentes.

  — Já disse para você não me pedir ajuda se estiver sofrendo? — indaguei com raiva.

 Newt balançou as sobrancelhas com um sorriso de lábios fechados e saiu. Eu me virei e acertei a lâmina da faca no tronco da árvore.

 Mais tarde, antes mesmo dos Corredores voltarem, uma fogueira enorme foi acesa por alguns dos Clareanos. Caçarola levou espetos de carne para o lado de fora, um espaço com areia em que troncos de árvores estavam deitados para servirem de assentos e havia um círculo desenhado por uma corda no chão. O jantar não foi servido na cozinha e aos poucos todos tomaram lugar ao redor da fogueira para assar a carne.

  — É aniversário de alguém? — perguntei ironicamente a Chuck, parando em pé atrás do tronco em que estava sentado.

  — Ninguém sabe que dia nasceu, sua trolha. — ele respondeu, o corpo todo se movendo no simples ato da sua cabeça se virar para me olhar.

  — Foi uma pergunta retórica, trolho. Vocês sempre fazem isso?

  — Às vezes, quando Alby está de bom humor.

  — Deve ser raro então.

 Os Corredores começaram a chegar num bando, conversando em alto e bom som. Observei-os por um tempo e tive o vislumbre de garotos rindo juntos, uma lembrança extremamente fraca e que quase fez eu me sentir feliz por alguma razão. Mas ela se foi antes que eu pudesse agarrá-la e guarda-la comigo. Os Corredores não estavam felizes, o sorriso ou a risada que soltavam sumiam em questão de segundos e ninguém poderia supor que estivessem se divertindo depois que a graça da conversa ia embora. Aos poucos, a tristeza que eu tentava evitar me contaminava por causa dos Clareanos; nem durante um momento de descontração o real problema era esquecido.

 Gritos animados vieram de um lado e pude ver Thomas entrando no círculo na areia. Gally estava do lado oposto e parecia satisfeito, os punhos fechados ao lado do corpo e um sorriso brincando em seu rosto. Thomas parou de rir aos poucos, mas manteve o mesmo sorriso de Gally ao encará-lo e tomar posição com as mãos fechadas em frente ao rosto. Quase me preocupei com o que poderia acontecer, mas percebi que todos ao redor pareciam ansiar pelo que viria.

 Os dois começaram a se aproximar e Gally foi o primeiro a desferir um ataque, do qual Thomas desviou muito rápido e aproveitou para empurrá-lo. Gally pareceu nem sentir e empurrou Thomas contra o chão, usando mais força do que parecia necessário. Apesar de ser rápido, Thomas era mais magro e mais baixo de Gally.

  — Já virou tradição. — Chuck disse com a boca cheia de carne. — Esses dois trolhos lutam antes de todo mundo. Brigavam e discutiam sempre quando Thomas era o Novato.

  — Vou ter a minha vez então? — indaguei sarcástica e sentei ao lado dele.

 Gally abraçou o torso de Thomas e o jogou contra o chão com violência outra vez. Ele era muito mais forte, parecia ridículo que Thomas tentasse vencê-lo.

 A luta seguiu-se com golpes ameaçadores e passei a prestar atenção em como cada um deles lutava. Eu não chegava perto da força de Gally, mas não tinha o corpo tão leve quando o de Thomas. Meus punhos fechavam-se constantemente com a vontade de imitar os movimentos, de aprender na prática como fazer aquilo. Nenhum deles me ensinaria, era uma vantagem para os garotos que tivessem menos um entre eles que sabia lutar, e eu tinha certeza que Gally não era o único que se recusava a aceitar levar um murro de uma garota.

 A briga encerrou-se com o empurrão que Gally deu em Thomas e o fez praticamente voar para fora do círculo. Fiquei frustrada, assim com a maior parte dos Clareanos; a cada dia ficava mais claro que poucos gostavam de Gally.

  — E aí, Pinguça? — ele dirigiu-se de repente a mim, dançando sobre os pés descalços e sorrindo vitorioso. — Para ser uma Clareana precisa lutar.

 Ergui os olhos do meu espeto e o encarei, tentando entender se estava falando sério, pois eu adoraria ter a chance de amassar aquela cara, mesmo que a ideia de tentar fosse estúpida.

  — Prefiro ser só a rata de laboratório dos Criadores a deixar que coloque as mãos em mim. — retruquei com os olhos semicerrados, sem saber decidir se aquilo era verdade ou não.

 Os garotos ao redor fizeram barulho gritando vaias e batendo os copos no troncos e relanceei para um Newt que sorria e entreolhava-se com Thomas, mastigando a carne.

  — Sem as mãos então, pode ser de outro jeito também. — ele disse e uniu as mãos atrás do corpo, aproximando-se. Gally me mediu com os olhos e quase senti a comida voltar pela minha garganta, mas tentei manter a expressão dura no meu rosto. O olhar de desprezo que me lançou foi o cúmulo e levantei-me num salto, largando o espeto e fechando os punhos.

  — Ok, ótima cena. — Alby disse e nos empurrou para longe um do outro com as costas da mão. — Agora seja mais esperto e não viole a mértila da nova regra. — falou a Gally, que relanceou para ele antes de olhar para mim outra vez e voltar para o centro do círculo, chamando outro garoto para lutar. — E você, vai ganhar o nome de Transtorno em vez de Pinguça antes de ser atirada no Amansador se continuar assim. Eles não podem lutar com você e nem você com eles.

  — Ouviu o que ele disse? — indaguei, desejando ter o espeto de volta para quebrar em vez de descontar a raiva no rosto dele.

  — Você é a única trolha no meio de cinquenta mértilas, o que esperava? Só temos uns aos outros, brigas só são toleradas durante esta noite. Comece a criar suas próprias regras e vai passar sua última noite com os Verdugos.

 Dei-lhe as costas antes mesmo da frase terminar, indo atrás de outro espeto para assar na fogueira, longe dos olhos deles. Sentei num tronco escondido pelas chamas e a vontade de comer se esvaiu no mesmo instante. Respirei fundo e apoiei o queixo na mão, deixando a carne no fogo e contemplando o vermelho e o laranja que tremulavam.

 Thomas apareceu vindo do outro lado da fogueira e sentou também, com um copo na mão.

  — Algum avanço no Labirinto? — indaguei antes que ele pudesse comentar o ocorrido.

  — Não, nenhum. Stephen fez um desenho errado da nossa área e confundiu tudo quando voltei hoje.

  — Contou ao Minho?

  — Decidi poupar ele, não foi nada de mais, nós consertamos. Ele parece cada vez pior com essa coisa toda.

  — Depois de dois anos, era de se esperar.

  — É, mas estou aqui há um mês e às vezes acho que cheguei há décadas. É impossível que o Labirinto seja grande assim, já devíamos ter encontrado alguma coisa.

 Thomas olhava para as chamas, mas não parecia vê-las. Seu maxilar estava cerrado, ele abaixou a cabeça e a balançou com um suspiro.

  — Uma hora isso vai ter que acabar, de um jeito ou de outro. – falei, esquecendo a minha raiva de minutos atrás e desejando que aquela expressão no rosto dele fosse desfeita. — Lembra da placa que você viu lá, sobre um experimento? Estão nos testando, Thomas, e com certeza querem um resultado. Se não conseguirmos sozinhos, eles vão dar um jeito de acelerar o processo.

 Ele continuou fitando o chão, torcendo as mãos após descansar o copo.

  — Apenas continuem o que estão fazendo e talvez recebamos algum prêmio no final. — acrescentei.

 Thomas soltou uma risada de escárnio e olhou ao redor.

  — Não faço questão de ganhar nada deles. — disse.

  — Eu também não, mas — levantei-me e joguei o espeto torrado no fogo. — vou tentar ajudar vocês amanhã.

  — Boa sorte.

 Forcei um sorriso de canto e no primeiro passo que dei para sair dali em direção à Sede, ouvi Minho gritar do meio de um grupo de Corredores.

  — Novata! Venha cá, quero falar com você!

 Imaginando a longa conversa sobre o treino que teríamos, fiquei desanimada que a minha tentativa de dormir mais cedo fora em vão e fui até eles.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, o que acharam?
SPOILER DO PRÓXIMO CAP.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
" — E essa droga, o que é? – perguntei ainda encarando as palavras, desejando riscar todas elas. Olhei para o lado quando a resposta de Minho não veio e percebi o grande erro que eu havia cometido. Ele não percebera que não estava mais sendo seguido e continuou correndo, desaparecendo por alguma das passagens.
Parei em frente às duas, mas tentar adivinhar para qual seguir era perda de tempo. E ao pensar em tempo, verguei a cabeça para cima para olhar o céu. Não fazia ideia de que horas eram, mas sabia que estávamos perto do fim do dia; perto das Portas se fecharem."
Hehe'! Treta!

Até o próximo!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Socorristas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.