Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 35
Os Criadores


Notas iniciais do capítulo

Capítulo em terceira pessoa!

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/733980/chapter/35

 

— Não acha que ela deveria ter ido com o outro Grupo? – um dos cientistas perguntou à parceira.

  Ava observava os monitores da sala, a prancheta presa entre o cotovelo e a mão, uma caneta pousada por cima. Não era seu trabalho anotar, mas há muito começou a achar importante ter as próprias conclusões registradas.

  — Sabemos como ela é, ia tentar libertar Thomas e toda a próxima Variável para ele seria perdida. Isso não pode acontecer. – respondeu secamente.

  — Talvez tudo fosse mais fácil se ela tivesse sido retirada do Experimento quando eles já estavam na Fase 2. Ou sequer entrado.

  — Felizmente, temos o indivíduo-controle. Ele tem abrandado certas coisas que nos trouxeram ótimos resultados.

 — Chanceler, temos conhecimento de como isso vai acabar.

 — Não importa.

 Ava caminhou até uma parte da mesa em que ficavam algumas pastas, ao lado da cadeira de um dos funcionários que observavam os Indivíduos. A Chanceler tinha sido chamada imediatamente com a súbita reação do Indivíduo A14 à chegada do Grupo B e Teresa. A decisão dos Psis de impedir que a garota lembrasse mais sobre sua estada no CRUEL foi apreciada pela líder; contudo, ainda preocupava a todos que a garota continuasse tendo lembranças. O Dissipador havia funcionado perfeitamente nos primeiros dias dela na Clareira, e isso eliminou a preocupação que Paige, astutamente, tivera, a princípio. Agora, descobriam que a Transformação foi o estopim de que o cérebro da garota precisava para fortalecer sua memória novamente. Ainda tentavam encontrar maneiras de fazê-la servir o Experimento, coloca-la no eixo a que todos precisavam estar, ao menos da mesma forma que Thomas. Mas o retorno da memória estava ficando fora de controle.

  — Os resultados da participação dela podem estar fora dos padrões que precisamos, mas seria de um infortúnio enorme perde-la. Veja bem esses relatórios. Se houvesse outro com exatamente as mesmas características, teríamos aberto mão dela há anos, você sabe.

 Ava desviou o olhar para um dos monitores, em que Perenelle ia pelo Deserto com o Grupo A, apoiada por Mike e Newt.

  — Mas ela é a única. – continuou. — O destino do Indivíduo A5 vai nos trazer uma das maiores Variáveis que já impomos sobre a garota. Ela tem se mostrado tão prodigiosa quanto Thomas, apenas de um modo diferente.

 A Chanceler descansou a pasta na mesa outra vez e se dirigiu para a saída da sala.

  — E quanto à Zona Secundária? – o homem perguntou antes. — Não acha que isso pode fazer ela se perder completamente?

 Ava devolveu o olhar com um suspiro pensativo e o semblante duro.

 — Acredito que sim. – respondeu.

 Ava Paige não poderia dizer que sentiria no seu íntimo caso Perenelle se tornasse inútil para o Experimento. Há meses trabalhava para encontrar uma segunda opção. Precisava ser assim. Prever e se preparar. Nunca nenhum dos esforçados cientistas do CRUEL havia se envolvido emocionalmente com algum dos Indivíduos, isso era inaceitável. Desistiram de Herman, ele já tinha servido o suficiente. Perenelle não precisava do irmão para ter o tipo de reação que eles procuravam. O conflito consigo mesma sobre ser A Reparadora; sobre os outros Clareanos; sobre as lembranças perturbadoras... Isso era suficiente, o que aumentava a hipocrisia da organização, já que as pessoas iam se tornando dispensáveis.

 À medida que os dias passavam, a calma e a euforia se misturavam na sala de monitores. Os Indivíduos se aproximavam do fim de mais uma Fase, apenas para começarem outra.

  — O que eles estão fazendo? – uma mulher de coque perguntou, encarando a movimentação do Grupo A.

  — Alguma nova reação? – a Inspetora-chefe lia as anotações dos cientistas.

  — Nenhuma. – alguém respondeu.

  — A garota. – ela especificou.

  — O mesmo tipo de lapsos de lembranças que teve na Fase 1.

  — Alguém se machucou?

 Todos se calaram para observar os monitores. O Indivíduo B1, Aris, estava deitado no chão, enquanto a A14 explicava algo a todos os outros. Estavam dentro de uma caverna.

 — Os Cranks devem sair a qualquer momento. – um rapaz comentou.

 — Ativem o som.

  —... ficamos enrolados nos lençóis, exatamente assim. Vamos contar com a sorte para que nenhum deles esteja são o suficiente para saber verificar se estamos vivos, mas manteremos as armas em mãos. – Perenelle dizia.

  — Considerando que estão morando numa caverna, duvido que estejam num bom estado para julgar qualquer coisa. – Newt replicou.

 — Entregaram à Chanceler o relatório sobre o indivíduo-controle? –a Inspetora perguntou.

 — Sim, ela concordou que não há  muito mais tempo.

 — Lamentável.

 Voltaram a observar. Os Indivíduos todos se deitaram no chão e se enrolaram nos lençóis que carregavam, ficando completamente imóveis. Vários minutos se passaram assim. Os cientistas aumentaram o volume para tentar ouvir qualquer coisa que dissessem, mas todos estavam sem emitir ruído algum. E então, o primeiro Crank apareceu correndo do fundo da caverna até eles; abaixou-se sobre o Indivíduo A3; depois sobre o A10. Ele claramente tinha perdido a sanidade para o Fulgor, mas não atacou nenhum dos adolescentes.

  — Estão se fingindo de mortos. – alguém concluiu com uma nota de surpresa.

  — Não percam os resultados. Vejam como estão reagindo a isso. – a Inspetora disse.  

 Quase nenhum deles obedecia mais a essa ordem. Já tinham classificados os Indivíduos que os ajudariam na cura, a Chanceler era inteligente o suficiente para saber definir isso com tal antecedência. Afinal, tempo era o que tinham de menos.

Já era tarde da noite, Ava estava surpresa consigo mesma pela crise de ansiedade. As desculpas sempre haviam funcionado durante esses anos todos.

 “É para o bem de toda a humanidade”;

 “Foi um erro, mas estamos trabalhando duro para consertá-lo”;

 “Imparcialidade. Isso é essencial”;

 Mas, por alguma razão, esta noite tudo isso tinha um significado vazio. Não estava adiantando. E ela ignorava completamente a sensação que tinha de estar perdendo a cabeça, pois havia exemplos vivos (ou quase) do que não poderia acontecer a ela antes da cura estar pronta.

 Por isso, levantou da cama com o sentimento de que valeria a pena encarar esses exemplos mais uma vez.

 Saiu de seu quarto ,cautelosa e paciente, contornando o complexo pelos corredores que tanto conhecia e que costumavam assombrar as crianças antigamente, quando ela mesma parecia um fantasma, sem emitir som algum. “Imparcialidade” ela repetiu em pensamento, como sempre fazia. Sem emoções, ou tudo estaria perdido. Entrou num corredor curto e então na sala ao fim dele. A cobiça que invadia seu sangue toda vez que contemplava seu escritório era potente.

 Era do mesmo tamanho que a sala de monitores, justo porque era onde ficavam as telas das câmeras de todo o complexo. Ava não perdia nada, não era à toa que sempre tinha controle de tudo e todos. Segredos, cochichos, esconderijos não passavam despercebidos pela Chanceler. Precisava ser assim.

 Ela foi até sua mesa num dos cantos e contornou-a para abrir uma das gavetas. Tinha mexido ali há apenas dois dias, mas o que sentia agora era tão diferente de antes que parecia fazer décadas que não pensava no Indivíduo A5. Não era verdade. Ele era o único indivíduo-controle agora, seu papel estava sendo essencial até aquele momento, principalmente quanto a Thomas e Perenelle. Ava pegou o tablet e abriu a pasta referente a Newt, descansando o aparelho na mesa com o cuidado que nunca teve nem pessoalmente com o garoto.

Última análise:

Status Zona de Conflito Letal: em andamento

Status Zona Secundária: abalado

Detalhes:

Status Amígdala: muito afetado

Status Hipocampo: pouco afetado

Status Hipotálamo: intacto

Resumo:

* mudança de comportamento e oscilações no humor quanto ao Indivíduo A14;

* possível perda de afinidade quanto ao Indivíduo A7 e de força de vontade quanto à Fase 2;

ainda exerce o papel de Grude;

 Na pasta havia ainda fotos tiradas do acompanhamento do cérebro de Newt. A área pré-frontal, como dito na análise, possuía algumas corrosões provocadas pelo vírus, o que prejudicava o cérebro na mediação e no controle das atividades emocionais, e na memória do Indivíduo. Ava sabia que àquela altura os infectados começavam a se perder. Mas ela já considerava uma feliz notícia que ele tivesse suportado até o fim da Fase 2. Ele tinha cumprido sua missão. Não era culpa dele que tudo que acontecera com sua Zona Secundária, aquela em que era analisada amplamente a parte psicológica, tivesse estimulado o Fulgor a agir daquela maneira.

 A Chanceler desviou seus olhos analíticos para outra pasta.

Última análise:

Status Zona de Conflito Letal: intacto

Status Zona Secundária: abalado

Resumo:

* intensas alterações de humor;

* retorno de lembranças e de habilidades da síndrome;

* sinestesia ainda perspicaz como antes da atuação do Dissipador;

* interação normal com Indivíduo B1 e B5 à maiores recordações do último;

probabilidade de decisões comprometedoras;

 A única preocupação que Ava tinha sobre o Indivíduo A14 e que não tinha sobre nenhum dos outros era as decisões que poderia tomar. Desde que ela se recusara a receber as lembranças de volta e fugira do complexo, aparentemente como plano desde que a Chanceler falara em sua cabeça pela primeira vez, Ava passou a calcular melhor o que cada Variável implicaria, para que não fossem pegos de surpresa mais. Não podiam deixar que os Indivíduos arruinassem tudo por capricho.

 A Chanceler fechou as pastas para ir ler novamente o perturbador memorando de John Michael antes de sua Purgação.

Enfim, o último dia da Fase 2 chegou.

 Ava estava mais agitada que a maioria, mas todos sabiam que muita coisa mudaria dali para frente. Teriam os Indivíduos mais perto em breve, com as lembranças restauradas. Quem sabe uma verdadeira parceria fosse feita? Poucos Psis acreditavam nisso e Ava Paige conhecia muito bem cada um dos adolescentes que criara para calcular com precisão o cuidado que precisaria ter. No fim das contas, os cientistas dariam um jeito de fazê-los seguir as ordens.

 O silêncio na sala de monitores era mais mortal do que nunca. Ava estava no centro dela enquanto os outros estavam sentados, tomando notas das telas, atentos e furtivos. A expressão da mulher não costumava ser tão vazia quanto desta vez. Estava concentrada, sim, mas ninguém ali poderia supor o que estava pensando. Nem ela mesma conseguia se situar. Era coisa demais. Os últimos monstros do Deserto, uma das últimas Variáveis, assustavam a qualquer um. Ava esquecia-se completamente de qualquer sensibilidade humana quando se tratava dos testes para o Experimento, por isso aqueles monstros não faziam parte de seus pesadelos. Mas Thomas fizera naquela noite. Ela o conhecia bem demais e sabia de seu estado mental para se preocupar, bem no fundo, que ele não conseguisse. Todos do CRUEL costumavam ser otimistas porque, afinal, eram apenas “Indivíduos”. No entanto, tinham consciência também das dificuldades que perder Thomas traria.

 Olhando para a imagem de uma das telas, Ava prendeu a respiração subitamente quando Thomas quase foi atingido por aquela criatura nojenta e biotecnológica. Ela reconhecia: eles possuíam talento para criar monstros realmente horrorosos.

 Mais minutos foram se passando e a Chanceler estava completamente focada no que acontecia nas telas, tomando notas mentais sobre os Canditados para que se lembrasse de verificar as análises dos Psis depois.

 Os adolescentes tentavam se ajudar a todo momento, isso quando o risco de serem mortos pelos próprios adversários não era tão alarmante. Perenelle era uma dos mais abalados pelas Variáveis, pela possível não-Imunidade de Newt, por tudo que acontecera... Mas parecia sair de si quando era colocada numa situação extrema como aquela; como a do Conclave com o irmão. Newt, todos sabiam, lutava pela chance de conseguir superar a fase terrível que tivera no Labirinto; pela chance de poder se aprofundar dignamente no que sentia por Perenelle; de ter uma amizade com os Clareanos que não se resumisse em torcer para encontra-los vivos na próxima vez que se vissem. Minho descontava tudo que sentia (raiva, angústia, tristeza) na luta com os monstros. Ava se perguntava o quanto eles mudariam após o fim da Fase 2.

 Teresa era uma peça extraordinária.

  — Intrigante, não é? – um dos Psis disse ao lado da Chanceler. — Ela consegue balancear muito bem sua lealdade à causa e ao rapaz.

 Teresa ajudou Thomas a matar uma das criaturas e parou por um segundo para perguntar se ele estava bem.

  — Sabíamos desde o começo que ela era especial. – Ava replicou, sem desgrudar os olhos da tela.

 A garota era a mais enraizada no CRUEL, sem dúvidas. A quantidade de vezes que a Chanceler imaginara Teresa cuidando de seu posto como líder futuramente...

 Ava suspirou quando o Berg pousou no Deserto.

 Os Indivíduos começaram a entrar, puxando uns aos outros. Com toda a confusão e pressa e desespero e medo deles, Paige imaginava o quão frenéticos estavam os resultados de cada um. Mal podia esperar para analisa-los.

 Após todos os sobreviventes terem entrado, Minho sorria, largado contra a parede do Berg. Thomas e Teresa se abraçavam. Os Indivíduos olhavam para todos os lados, curiosos, agitados, aliviados por terem sobrevivido mais uma vez.

 Alívio. A última coisa que deveriam sentir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Socorristas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.