Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 3
Trabalho


Notas iniciais do capítulo

Heyy! =3

Demorei um pouco mais desta vez, mas já estou com vários capítulos adiantados, então só quero manter uma boa quantidade para o caso de eu precisar ficar um tempo sem escrever.
Agradeço a MaiaHope por ter favoritado a fanfic e comentado! ♥

Boa Leitura!



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Acordei com um sotaque estranho murmurando alguma coisa para mim e uma mão fria balançando meu braço energicamente. Ela pressionou um dos hematomas; fiz uma careta com a dor incômoda. Coloquei minha mão sobre ela e a afastei, quase pegando no sono outra vez. Até que ouvi passos pesados perto da minha cabeça me assustando. Sentei rapidamente, olhando ao redor para me certificar de que a coisa que vi pelo muro ontem não me esmagaria. Com a visão embaçada, vi pela janela da Sede praticamente todos os Clareanos já de pé, iniciando suas tarefas.

 Newt estava agachado ao meu lado com o rosto sujo e o cabelo bagunçado.

  — Levanta, princesa, vamos começar com os Retalhadores depois do café. — disse e se ergueu.

  — Por favor, não me chame assim. — pedi, sentindo-me menos delicada do que o apelido sugeria.

  — Ah, sei, prefere pinguça.

 Antes que aquilo virasse uma estúpida discussão, levantei e cocei os olhos para vencer os borrões.

  — Anda, vá se trocar, coma algo rápido, tome o remédio e me encontre no Sangradouro em uma hora.

  — Tá... — resmunguei, começando a caminhar sonolenta, até parar e me virar. – Espera, o que é que eu vou vestir?

  — Tem umas roupas no vestiário que devem te servir. Os mértilas dos Criadores não mandaram nada quando você chegou, então já pedimos a eles.

  — Ok, obrigada.

 A ideia de fazer pedidos às pessoas que me mandaram para aquele lugar era o mesmo que ferir meu orgulho com a lâmina mais cega que existisse. No entanto, se meus recursos no meio de garotos eram tão limitados, não havia alternativa.

 Segui para o vestiário, que ficava numa pequena casa, acoplada aos chuveiros, e logo vi um amontoado de roupas dobradas numa cadeira com um papel em cima escrito “Novata”. A camisa ficaria ridiculamente larga para mim, já que eu não era tão pequena para ela a ponto de conseguir dar um nó na barra para que ficasse justa. Quanto às calças, agradeci por ter o cinto do dia anterior.

 Peguei as roupas e fiz que abriria a porta para entrar no cômodo dos chuveiros, quando ela se abriu sozinha e o garoto asiático que me tirara do Labirinto entrou, os cabelos pretos úmidos e o resto do corpo usando apenas uma toalha enrolada na cintura. Ele me olhou e riu antes de acabar de entrar, balançando a cabeça como se fosse minha intenção encontrá-lo ali.

 Espichei o pescoço para dentro, vendo que ele tinha sido o último ali, e fechei a porta rapidamente. Não ousei deixar as roupas do lado de fora e muito menos sair do boxe para vesti-las.

  — Só pode ser brincadeira. — murmurei sozinha ao erguer uma cueca boxer do amontoado de roupas. Comprimi os lábios ao achar graça da situação e quase rir.

 Quase meia hora depois, quando finalmente consegui arrumar as roupas largas da melhor forma no meu corpo, saí do boxe penteando o cabelo com os dedos, seguindo para a cozinha.

  — Quanto tempo até eles mandarem minhas roupas? — murmurei nervosamente a Newt ao passar por ele em direção a uma mesa.

 Ele soltou uma risada e cerrei os olhos com um sorriso cínico e sem humor.

  — Por quê? Não quer saber de quem é a cueca? — indagou e revirei os olhos.

  — Você é um babaca. — resmunguei e segui para a mesa mais próxima.

  — Devia me agradecer, Alby não se importou muito quando eu disse que você precisava de roupas. — falou, sentando-se na minha frente. — Ele disse que não fazia diferença.

 Cansada de ouvir aquele nome, comecei a comer sem encará-lo.

  — O que são Retalhadores, afinal? — perguntei enquanto saíamos da Sede depois de tomar o remédio.

  — Eles mexem com os animais, acima de tudo. Winston os mata e prepara para o Caçarola usar na cozinha.

  — Parece um trabalho encantador. — ironizei.

  — De qualquer forma, poucos ficam em apenas uma área. Nós até começaríamos com a Cozinha e os Jardins para eliminar as mais prováveis em que você vai entrar, mas é costume que os Calouros tenham uma boa impressão da nova casa com a atividade mais agradável daqui.

 Passei a primeira parte da manhã sozinha com Winston no Sangradouro e poucas vezes tive coragem de encará-lo de verdade após a primeira olhada deixar claro que ele tinha certa satisfação em abater animais.

  — Você não vai vomitar, vai? Nós comemos isso, Novata. Não sei por que aqueles trolhos te mandaram aqui. — ele resmungou e cravou uma estaca na cabeça de um porco, que gemeu uma última vez e ficou imóvel.

  — É, nem eu. — falei e virei a cabeça para o lado oposto, respirando fundo e trazendo o cheiro pútrido para dentro.

  — Tome. — ele estendeu-me um balde manchado de branco e um pincel. — Vá pintar a cerca, provavelmente vai ser sua única utilidade aqui.

 Quase agradeci pela gentileza de me enxotar para outro lugar e tratei de pegar os materiais e me afastar. Apesar do tédio e do fedor que ainda alcançava minhas narinas, pintar trazia mais calma e decidi ficar ali até a hora do almoço.

 Os dias transcorreram cheios de tarefas diversas com relação a cada trabalho na Clareira. Cozinha. Construção. Cartografia. Socorrista. Açougue. Embalador. Ajudante. O mais repugnante com certeza havia sido o Aguadeiro e precisei enrolar bastante o Encarregado para evitar que ele visse o quão pouco eu fizera nos banheiros.

  — Tive que limpar meu próprio vômito lá, se quer saber. — comentei com Chuck à hora do almoço depois da primeira parte do trabalho.

  — Ah... — ele gemeu com nojo e empurrou o prato de comida para longe.

  — Estamos comendo, Nelly, pode guardar suas experiências para depois? — Newt indagou do outro lado da mesa, segurando um pão a meio caminho da boca. Ele sempre carregava um tom de cinismo e ironia ao me chamar por aquele apelido ou qualquer outro que deveria parecer amigável.

  — Ora, vocês não poupam os Aguadeiros quando vão ao banheiro, não é? — falei e soltei uma risada fraca com a cara desgostosa que ele fez.

 Levantei da cadeira segurando meu prato e virei-me num movimento só para me dirigir à bancada. Antes que eu pudesse desviar, alguém se meteu na frente, batendo o braço no prato e fazendo o caldo frio derramar-se na manga. Arregalei os olhos instintivamente e ergui-os ao garoto, que para a minha infelicidade era Gally. Era meu primeiro contato visual de verdade com ele desde a minha saída da Caixa.

  — Difícil olhar por onde anda, Novata? — ele murmurou com raiva. Seu olhar era tão duro que achei que eu seria petrificada.

  — Você estava passando, eu é que estava de costas. — repliquei com a voz aguda, sentindo meu corpo esquentar de nervosismo.

 Gally me encarou por mais um tempo e relanceou para algo atrás de mim antes de se afastar com os punhos cerrados. Não acreditei na ideia que passou pela minha cabeça de que ele me bateria se o desafiasse. Pelo que fora discutido no Conclave há três dias, brigas quaisquer não teriam mais a mesma insignificância se me envolvessem.

  — Somos cavalheiros e não batemos em trolhas.  Alby dissera com seriedade e ligeiro sarcasmo pouco antes de a reunião acabar.

 Bufei e deixei meu prato em cima da bancada. Saí da Cozinha, indo em direção a uma sombra perto do Campo-santo, na esperança de relaxar um pouco antes de voltar ao trabalho e limpar a Cozinha quando todos terminassem. No dia seguinte eu trabalharia nos Jardins e depois finalmente teria experiência como Corredora. Apesar da quase certeza de que explorar o Labirinto não seria o meu ofício, parecia ser a área mais interessante.

  — Thomas! — chamei ao vê-lo sair da Cozinha e fiz sinal para que se aproximasse. Ele tinha sido o único Corredor além de Minho com que simpatizei, mas o asiático fazia questão de insinuar o nosso encontro no vestiário de dias atrás sempre que eu tentava conversar decentemente. — Tem alguma dica para me dar sobre o Labirinto?

  — Seu teste é daqui dois dias, não é? — perguntou ao se sentar e afirmei com a cabeça. — Minho vai estar com você, não precisa de muitos conselhos.

 Revirei os olhos, frustrada com a resposta.

  — Você deveria ser o Encarregado dos Corredores. Depois de tudo o que você fez só na primeira semana...

  — Vou ter que esperar mais um tempo, Alby ainda acha idiotice me colocar como líder.

  — Ele é um idiota. — resmunguei e cerrei os olhos para olhar pela Clareira ensolarada.

  — Pelo menos você conseguiu suas roupas. — comentou distraidamente e não pude evitar rir. Independente de quem fora o responsável por me emprestar cuecas nos primeiros dias, não fez questão de guardar segredo. Eu era caçoada e encarada aos risos por todo lugar que eu passava e nada me trouxe mais alívio do que a caixa com roupas adequadas. Thomas era o único que tratava a situação com cautela e a gentileza não deixava de soar inocente.

  — É, pelo menos isso. — disse ainda sorrindo.

  — Novata! — Caçarola berrou da porta da Cozinha e sinalizou para que eu entrasse.

 Torcendo para que o dia passasse mais rápido, tomei lugar em frente a pia e comecei a lavar tudo o que fora utilizado durante o almoço.

  — Parece que você é ótima nisso. — Newt comentou observando meu trabalho, quase parecendo sincero.

 Suspirei sonoramente com a probabilidade de ele me colocar como Aguadeira, pois, se ele não o fizesse, com certeza Alby faria; minha petulância ao sair da Caixa parecia que nunca seria perdoada.

  — Relaxa, não vou te indicar para lavar banheiros depois do jeito que você deixou a Sede.

  — Ah... — suspirei desta vez aliviada pela estratégia ter funcionado, e o encarei. — Obrigada!

  — Disponha. Ao que parece você vai ficar ou como Cozinheira... — eu duvidara disso depois que Gally cuspiu o ensopado que fiz e xingou em alto e bom som. — ou Ajudante ou Cartógrafa ou Construtora.

  — Newt, acho bem provável que Gally tropece acidentalmente na minha escada e me faça cair lá de cima.

 Ele ergueu os olhos da prancheta e me encarou com seriedade.

  — Temos uma ordem aqui, Nelly, ninguém pode fazer isso. Se trabalhar direito como Desbastadora amanhã, vai ser menos um para você.

  — Não posso mesmo ser Socorrista? — perguntei tristonha.

  — Depois de quase matar o Henry com uma tesoura? Nem pensar!

  — Eu sabia muito bem o que fazer, mas te ouvir dizer para cortar o curativo e foi você quem me mandou obedecer, lembra?

  — Se você não escuta direito, não é problema meu. — murmurou, escrevendo alguma coisa na prancheta que carregava. — Mas vai poder ser Ajudante, faz dois meses que nenhum trolho aparece para isso.

  — Eu devia me sentir melhor?

 Ele balançou uma das sobrancelhas em resposta e saiu da Cozinha. Ser Ajudante consistia em participar de todos os trabalhos quase ao mesmo tempo, dependendo de quem pedisse por auxílio. O Encarregado, Helmy, ficara cronometrando quanto tempo eu levava para atender cada um sem falta e não demorara para que eu percebesse que era tradição complicar as coisas para o Novato que estivesse em teste naquilo. Não passara-se um minuto sem que alguém me gritasse de algum lugar da Clareira e dificilmente era para uma tarefa que realmente necessitasse de uma segunda pessoa.

 Ser Socorrista com certeza tinha sido o trabalho que mais me atraíra e, se o maldito Newt não me achava boa o suficiente, ser Ajudante estava de bom tamanho.

 À noite, próximo da hora do jantar, Caçarola foi me avisar que eu ficaria responsável por fazer a sobremesa.

  — Desde quando temos sobremesa? — perguntei com as sobrancelhas franzidas, cansada demais do dia de trabalho para aceitar aquilo de boca fechada.

  — Desde que uma Novata chegou e precisa fazer alguma coisa da vida enquanto estiver aqui. Pare de ser mole e comece logo.

 Com a perda de memória, eu não tinha ideia de onde minha facilidade para cozinhar viera, mas Caçarola aproveitava-se disso desde o meu primeiro dia como Cozinheira. Não era o ofício que mais me agradava, mas era um dos que mais exigiam minha concentração. E, desde que cheguei, não passava-se meio minuto em que eu estivesse desocupada para pensar demais; não depois da segunda noite, em que quase caí no choro enquanto refletia sobre o que estava acontecendo. Eu procurava me manter ocupada o dia todo e me esforçar ao máximo todos os dias, para que quando eu colocasse a cabeça no travesseiro, não corresse o risco de permanecer acordada por mais tempo.

 Com os poucos ingredientes que havia, só consegui preparar biscoitos com desenhos de carinhas felizes, feitas do chocolate derretido que milagrosamente rendeu.

  — Você acabou com meu chocolate para fazer essas mértilas! — Caçarola ralhou quando avisei ter terminado.

  — Algum rosto sorridente precisa ter nesse lugar. — comentei e ele me lançou um olhar mortal. Tratei de me afastar para me servir do jantar, sentando-me à mesa logo antes do local começar a se encher com os outros Clareanos.

  — Só para deixar claro: — Caçarola disse num tom mais grave que o normal, fazendo todo mundo se calar. — a sobremesa foi obra da Novata.

 Soltei um muxoxo e apoiei a cabeça na testa, olhando para baixo após ver os biscoitos serem servidos em cada uma das mesas.

  — Você é mais sádica do que eu pensei. — Newt comentou, erguendo as sobrancelhas para os biscoitos na sua frente. De repente, senti-me mais constrangida do que eu esperava. Eu sabia o que ele queria dizer; todos estavam infelizes e com raiva por estarem presos numa Clareira à contra gosto e a minha tentativa de ser engraçada com a comida soou patética perante isso.

  — Lembrem-me de não comer nada que ela cozinhar. — Gally disse aos amigos numa mesa afastada. Olhei para ele e vi seu punho diminuir um biscoito a farelos. Minha vontade de participar da Cozinha tornou-se a mesma de ser Aguadeira.

 Abri a boca para pedir desculpas, mas Thomas foi mais rápido ao meu lado.

  — Já é melhor que nada. — ele tinha comido os olhos do biscoito e colocava o sorriso sobre os lábios, como se fosse seu.


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Notas finais do capítulo

Mudei alguns detalhes para a entrada da Nelly e quero deixar claro antes que fique confuso para quem leu os livros:
* Thomas já chegou, como podem ver, e ela foi a trolha do mês seguinte.
* Teresa ainda não veio.
* Thomas já passou a noite no Labirinto, já salvou o Alby, e tudo parou aí. A história começou desse ponto e agora seguimos...

O que acharam do cap.?
Até o próximo!



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