Socorristas escrita por BlueBlack


Capítulo 23
Esse mundo não é feito para você


Notas iniciais do capítulo

Heey!

Muuuito obrigada por quem comentou no último capítulo! Vocês me fazendo feliz como sempre, amo ♥
Nome do cap. inspirado (tirado mesmo, vai) da letra de Run Boy Run do Woodkid, uma música maravilhosa que aposto que a maioria de vocês já ouviu kkkk

Boa Leitura!



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Os três dias que se seguiram com Thomas passando pela Transformação foram basicamente iguais a todos os outros, ou pelo menos era como eu tentava ver. Foi assustador ver seu rosto e seus braços com as veias saltadas em vermelho e roxo, sua garganta soltando gritos praticamente o tempo todo. Era exatamente como minha mãe estivera antes de ser morta.

 Toda noite, os Verdugos vinham e levavam alguém. Precisávamos consertar os estragos na Sede, cada um de nós com a esperança de que aquilo livrasse a própria pele. Fui agarrada pelo tornozelo por uma das pinças do Verdugo, uma vez, e me segurara no batente da janela quando fui puxada violentamente. Newt abraçara meu torso na tentativa de me puxar de volta para o quarto, enquanto outro Clareano acertava o braço metálico diversas vezes com um machado. Era sempre com esse atrevimento que tentávamos livrar uns aos outros, agindo como se fosse nós mesmos em perigo. Consegui ser libertada, mas o garoto foi levado no meu lugar. E de repente eu me dera conta de que nunca soubera seu nome.

 Thomas ficava sozinho no Amansador, mesmo que Teresa insistisse toda vez para fazer companhia a ele. Newt temia que ele a atacasse e ela não tivesse por onde escapar durante a noite, então a Novata acabava na Sede conosco. Eu agia sempre sem pensar em algum momento de desespero durante o ataque dos Verdugos, mas sabia que, inconscientemente, fazia tudo com a esperança de que Thomas acordasse com todas as respostas de que precisávamos.

 O anúncio de que a Transformação havia terminado me tirou o fôlego, enfim.

 Thomas pediu um Conclave para contar suas lembranças e em pouco tempo todos os Encarregados haviam se reunido na sala da Sede. Teresa e eu esperamos no saguão do lado de fora, pois ninguém além de Thomas, Newt e Minho nos queriam perto.

 Ainda não havia muita conversa entre nós duas e ela não parecia fazer questão de haver. Na verdade, Teresa não parecia fazer questão de nada. Dormia pacificamente durante as terríveis noites; não mostrava muita comoção com os sequestros nem quando algum de nós comentava sobre o que acontecia. Eu tentava confiar nela para esquecer o rancor das lembranças, mas estava me custando bastante esforço, que eu achava mais produtivo concentrar nos ferimentos dos garotos.

 Estávamos em pé encostadas a paredes opostas, olhando para qualquer coisa que não fosse uma a outra. Eu já tinha tentado ouvir alguma coisa do Conclave, mas só o que nos alcançava eram murmúrios deles, às vezes protestos altos. Apenas após mais de uma hora a porta foi finalmente aberta. Newt segurava Thomas pelo braço para que saíssem.

  — Precisa acreditar em mim, Newt... É a única maneira de sair daqui. – ele disse.

  — Certo, adorei especialmente aquela parte em que você se ofereceu para ser morto.

  — Como é? – Teresa e eu indagamos em uníssono. Newt me encarou por um tempo antes de apontar para eu e Thomas.

  — Melhor vocês conversarem.

 Sem dizer mais nada, ele voltou para o Conclave. Olhei para o Corredor à espera de explicações e por alguma razão ele me mediu de cima a baixo com o olhar.

  — Vi você na minha Transformação. – disse simplesmente.

 Arregalei os olhos e relanceei para Teresa, como se ela fosse ter uma reação relevante. Mas não teve.

  — E? – instiguei com meu coração dando um salto repentino.

  — Preciso sair daqui primeiro... – Thomas resmungou coçando os olhos, claramente cansado. O esforço ao qual estava se submetendo após a Transformação atiçava uma chama de fascínio por ele no meu peito.

  — Vamos. – pus minha mão em suas costas e o guiei na direção da saída, lançando um olhar a Teresa que claramente dizia para que ficasse ali. A raiva ficou evidente em seu semblante, mas não me importei.  

 Thomas e eu caminhamos até um dos bancos do Campo-Santo e ele sentou-se com os dedos nas têmporas.

  — Tem certeza de que está bem? – perguntei.

 Ele assentiu com a cabeça e olhou para frente.

  — Está tudo uma bagunça na minha cabeça, a maior parte do que me lembro de você são apenas sentimentos...

  — Tudo bem. – apressei-me a dizer. – Apenas fale, vou entender.

 Seus lábios se repuxaram para o lado num sorriso forçado. A parte de ele se oferecer para ser morto me assustava o suficiente para eu me negar a ouvir.

  — Tudo isso que estamos passando começou há muito mais tempo do que parece. Os Criadores escolheram todos nós quando éramos muito pequenos, mas não me lembro de como ou o motivo. Eles achavam que tínhamos uma inteligência acima da média. Então nos tiraram de nossas famílias para nos criarem em escolas especiais por muitos anos. Mas tiveram problemas com uma garota e o irmão dela, porque não conseguiam serem encontrados.

 Ele deu uma pausa e balancei a cabeça em sinal de que estava acompanhando.

  — Você não deveria estar aqui, mas não tiveram escolha. Teresa deveria ser a única garota, mas por vocês terem sido recrutados depois, essa parte ficou atrasada, então o plano inicial mudou.

  — Você conhecia o plano deles? – arqueei uma sobrancelha em ceticismo.

 Thomas sustentou o olhar com uma expressão pesarosa.

  — Eu trabalhava com eles. – disse.

  — Você e Teresa? – supus. Com toda a ligação que eles tinham, com certeza eram diferentes de nós.

  — Exatamente. Mas os Criadores nos obrigaram a fazer tudo, eu juro, nós...

  — Acredito em você. – o interrompi. Depois de tudo o que Thomas fizera por mim e os outros, não havia uma razão lógica para não confiar nele. — Quanto à Novata...

  — É justamente o que estou querendo dizer. Se nos obrigaram a trabalhar em tudo isso por tanto tempo, podem ter obrigado Teresa a não fazer nada enquanto você era machucada. Podem ter obrigado Herman a fazer aquilo também. Lembro-me de alguma coisa sobre você ter resistido e se negado a participar da construção do Labirinto, e talvez por isso aquilo aconteceu.

  — Talvez Herman estivesse mesmo do lado deles. – falei e ele abriu a boca para contrapor. — Thomas, a Transformação pode ser confusa, mas entendi o suficiente sobre ele para saber que ele era bem capaz disso. E com tudo que houve enquanto esteve aqui, ficou óbvio que ele não tinha mudado. Nós não mudamos, não é? Continuamos contra os Criadores. Não importa, de qualquer jeito. Ele está morto.

 Queria perguntar o que mais ele tinha recuperado, mas sabia que o cansaço e mal estar dele eram grandes demais para repetir tudo, e com certeza ele gostaria de contar Teresa.

  — Contei isso aos Encarregados, caso algum deles ainda te culpasse por alguma coisa. Os Criadores também podem ter implantado em você as suas habilidades... – Thomas continuou.

 Neguei com a cabeça, pensativa.

  — Não, sei que tudo o que eu faço é natural. Desde a Transformação tenho recuperado cada vez mais o que perdi da minha memória e não me sinto mais estranha como me senti quando em segundos esqueci o que aconteceu naquele dia em que encontraram o Verdugo morto.

 Thomas abriu a boca, mas pareceu não saber o que falar, uma ruga de confusão em sua testa.

  — Como assim, o que você recuperou?

 Considerando os cinquenta garotos na Clareira e o número dos que foram picados, eu já estava mais do que convencida de que aquela minha condição da mistura dos sentidos era algo próprio meu. Eu estava prestes a contar a ele, quando vi um movimento ao nosso lado. Teresa aproximava-se de nós calmamente.

  — Então? Temos uma saída? – indaguei a ele rapidamente.

  — De certa forma, sim. Mas vai ser complicado.

  — Nada foi fácil desde o primeiro dia. Vamos conseguir. – sorri encorajadora com um aperto em seu ombro e me afastei para deixar os dois sozinhos.

 Passei o tempo do fim do Conclave no andar de cima da Sede com Mike, que empurrava a cama para o lugar com as pernas, já que o Verdugo havia a atirado do outro lado do quarto.

  — Então, você está dando uma de rebelde desde antes do começo. – ele concluiu quando terminei de contar o relato de Thomas.

  — É, é o que parece.

  — E temos uma saída.

  — Sim.

 Mike bufou e se largou na cama, os dedos da mão entrelaçando-se nos fios do cabelo nervosamente.

  — Vai dar certo. – afirmei ao deduzir o que se passava por sua cabeça.

  — Vamos ver o que um trolho de uma mão só consegue fazer.

  — Espero que muita coisa. – Newt disse ao entrar no quarto de repente. — Vamos esta noite.

 Involuntariamente, um sorriso enorme tomou conta do meu rosto e soltei uma risada fraca. Mal conseguia acreditar que estávamos assim tão perto.

  — Qual o plano? – perguntei.

  — Thomas disse que precisamos passar pelo Buraco dos Verdugos para inserir o código que desvendamos e abrir uma porta de saída desse maldito lugar. O código vai desativar os Verdugos, mas precisamos correr alguns riscos indo pelo Labirinto. Preciso que reúna os Construtores, explique o plano e veja quem vai e quem fica. – disse olhando para mim. — Ainda tenho que convencer o Alby a ir.

 Entreolhei-me com Mike rapidamente.

  — Por quê? – indaguei.

  — O cabeção decidiu ser uma má ideia voltarmos ao mundo real, disse que lá fora é pior do que aqui.

  — Pior como? – Mike disse logo.

  — Ele falou alguma coisa de terra incendiada e uma doença, mas não tenho ideia nenhuma do que signifique. Vocês têm?

 Mike deu de ombros com um ligeiro desânimo.

  — Sei que tive um mau pressentimento nos primeiros dias das lembranças.  

 Eu estava prestes a comentar sobre o que eu mesma vi sobre a minha mãe na Transformação, mas de repente percebi que não valia a pena; Newt já sabia e Mike não precisava de menos um encorajamento para tentar sair.

  — Certo, não importa. Precisamos ao menos tentar. Vamos morrer aqui de qualquer jeito se ficarmos. – Newt disse e me fitou duramente. — Concordam com isso, não é?

  — Claro. – respondi enquanto Mike assentia com a cabeça.

 Newt enfim se retirou do quarto para falar com Alby, e Mike me encarava.

  — Que foi?

  — Você praticamente ficou como a Encarregada dos Construtores depois do Gally, sabe disso, não é?

  — Teria participado do Conclave se fosse verdade. E eu não conseguiria substituir o Gally. – falei com um dar de ombros e parti para falar com Newt. Pensar nas injustiças com o Construtor ainda me depreciava.

 Newt estava prestes a sair Sede quando o chamei e segurei seu braço para impedir.  

  — Espera, eu estava pensando... Não acha que essa doença de que o Alby falou pode ter a ver com o que aconteceu com a minha mãe?

  — Talvez. Por quê?

  — Bom, pareceu perigoso para mim. Ela agia como os descontrolados da Transformação... E parece um pouco injusto não contar a todo mundo antes de sairmos.

  — Nelly, não sabemos de nada do que tem lá fora. E Alby perdeu a cabeça, ele contou no Conclave que pôs fogo na Casa dos Mapas e machucou a si mesmo para encobrir. Temos que ter certeza das coisas por nossa própria conta de agora em diante. E com tudo que os Criadores já fizeram, quem sabe se o que você viu é verdade?

  — Está dizendo que minha mãe pode estar viva? – indaguei com um sorriso singelo, certa da resposta. Seu semblante entristeceu-se. — Eu sei que não, Newt. Sinto isso. Tudo aquilo foi real demais. E particularmente, tenho sido muito boa em saber o que é real ou não na minha mente.

 Newt franziu a testa claramente em dúvida. Abri a boca para contar a ele sobre o que acontecia comigo desde a Transformação, mas senti uma dor de cabeça horrível, como se um punho de ferro esmagasse meu cérebro. Eu me encolhi e pus as mãos na cabeça, recuando e apertando os olhos.

  — Nelly?

 Vi a cor amarela de sempre, mas uma sensação muito ruim a acompanhou, junto a manchas roxas e negras. A dor crescia a cada segundo e atacava a parte de trás dos meus olhos, tão forte que achei que os faria saltar das órbitas. O gosto de sangue tomou minha boca.

  — Nelly!

 Abri os olhos e me vi de joelhos no chão, Newt abaixado também com as mãos nos meus ombros, a expressão mais do que preocupada, assustada. Meus olhos continuavam doloridos, mas o restante foi embora.

  — Estou bem. – murmurei, fitando o chão.

  — Você está pálida...

  — Eu estou bem. Foi só uma dor de cabeça. – ergui meus olhos e eles doeram. — Vá falar com o Alby, não podemos perder tempo.

  — Nelly, tem certeza...?

 Assenti com a cabeça devagar, piscando demoradamente.

  — Sou Socorrista, tenho plena certeza. – afirmei.  

 Após mais alguns segundos me observando, Newt me ajudou a levantar e saiu da Sede. Assim que a porta bateu, entrei numa das salas do andar de baixo e me fechei ali, apoiada na parede com um mau pressentimento. A dor retornou. Pressionei minha cabeça contra a parede e fechei os olhos, meus punhos e meus dentes cerrados para eu não gritar nem chamar a atenção de alguém. A última coisa da qual eles precisavam era uma distração dos preparativos para a fuga. Mas eu sabia que não era uma dor normal. Não conhecia nenhuma tão absurda e que fosse embora e voltasse dessa forma. Dei alguns passos cambaleantes para trás e me deixei cair sentada no chão. Congelei todos os meus movimentos ao sentir minha cabeça vibrar e uma voz branda começar a falar.

Perenelle... Perenelle, escute com muita atenção.

 Não podia ser uma alucinação, não havia nada de errado comigo para isso. No entanto, o que mais seria?

Você não pode sair, Perenelle... De todos os Clareanos, você é a última que pode sair. Sua condição é muito frágil... O lado de fora é letal para o seu organismo...

 Permaneci calada por longos segundos, tentando entender da onde aquilo vinha. Mas se alguém tinha respostas sobre isso, eu precisava ouvir.

  — Letal como? – perguntei entre dentes, esquecendo que na verdade estava falando com as paredes. Mas me surpreendi ao ouvir um retorno.

Você é mais sensível do que eles. Sente e vê mais do que o normal. O mundo real vai destruir você...

  — Acha que depois de tudo vou acreditar nisso? Acha que existe a mínima possibilidade de eu confiar numa voz dentro da minha cabeça? – indaguei num murmúrio raivoso.

Os outros não podem correr riscos por sua causa. A realidade é distorcida dentro da sua cabeça. Sua condição vai tomar proporções inimagináveis do lado de fora, você não saberá distinguir nada. Vai ficar confusa e confundir os outros. Suas habilidades de reparação vão se misturar...

  — Reparação? É assim que vocês chamam, não é? Que droga toda é essa?

Vocês sabem que estão sendo testados. Tudo pode ser explicado a você, mas apenas se sair do Experimento. Você vai descobrir tudo, Perenelle, sua identidade, seu passado, os motivos para tudo... Mas antes precisa permanecer na Clareira enquanto todos saem.

 Cerrei os dentes com mais força e olhei para a janela. Minha cabeça pulsava com aquela conversa.

  — Minha condição... é normal? Ou é alguma anomalia?

 Quem quer que estivesse falando, demorou a responder.

É uma deficiência.

 Soltei o ar pela boca e verguei a cabeça para cima, sentindo meus olhos marejarem. Depois de toda a esperança de sair, eu precisaria abrir mão disso porque sou prejudicial...  

Depois de tudo o que fez para ajuda-los, Perenelle...

  — Cale a boca. – mandei. — Não sabe nada sobre ajudar.

 Segundos após ter dito isso, a dor de cabeça passou e me senti sozinha novamente. Larguei meu corpo no chão e me deitei, as mãos cruzadas sobre a testa, os olhos fixos no teto. Eu não sabia se acreditava em tudo aquilo. Talvez quem ficasse na Clareira acabaria sendo morto por que eram fracos demais para continuar no Experimento. Contudo, independente disso, eu não possuía a mínima coragem de sair e arriscar a vida dos outros. E se os Criadores tentassem me matar lá fora por desobediência e algum dos garotos saísse prejudicado por isso? Tudo o que fiz nesses dois meses seria em vão se eu saísse ciente das consequências.

 Com uma decisão consideravelmente ingênua, levantei-me e saí do quarto, cantarolando a música da Transformação enquanto descia as escadas para o porão. Peguei um pedaço de papel e um lápis, concentrando totalmente a melodia nos meus pensamentos, tentando me distrair. Quem sabe assim eles não soubessem o que se passava na minha mente? Eu já tinha lutado demais. Já tinha vencido os Verdugos. Os Mapas estavam a salvo. Eu estava confiante.

 Subi as escadas para o segundo andar e encontrei Mike dormindo na cama de seu quarto. Tranquilizou-me que ele descansasse antes de enfrentar tudo que enfrentaria no Labirinto. Ignorando o besouro mecânico que acabava de entrar e estava virado para mim, apoiei o papel na parede para escrever e depois o dobrei, enquanto aproximava-me da cama devagar. Coloquei dentro do bolso da calça de Mike com o máximo de cuidado, torcendo para que visse apenas na hora certa.

 Reuni os Construtores, contei a eles sobre o plano dos Encarregados e ajudei na preparação para a fuga. Mochilas foram distribuídas, assim como a comida foi dividida igualmente e até armas foram criadas. Considerando os bastões de madeira envolvidos em arame farpado e as facas amarradas em galhos com cipós, não era um exército muito intimidador. Mas isso não parecia fazer muita diferença, com a esperança de finalmente sair.

 Ao fim do dia, Caçarola fez todos irem para a Cozinha para uma última refeição.

  — E aí, tem alguma coisa em que posso ser útil? – Mike perguntou sentado ao meu lado, analisando seu braço enfaixado com interesse.

 Newt e eu nos entreolhamos.

  — Do que está falando? – Newt questionou, mesmo que o significado daquilo fosse óbvio.

  — Aquela ideia de só um trolho ser morto esta noite, como em todas as outras. Não devíamos montar um plano baseado nisso?

 Newt revirou os olhos e voltou a comer.

  — Não há como ter certeza de que vai ser assim. – disse falsamente indiferente.

  — Bom, uma coisa é certa...

 Acotovelei as costelas de Mike antes que ele continuasse falando.

  — Você vai me prometer que não vai dar uma de covarde lá dentro por causa dessa mértila. – chiei seriamente.

  — Que seja. – deu de ombros.

  — Mike. – agarrei seu braço, fincando as unhas sem o mínimo de piedade, obrigando-o a me encarar. Ele olhou para a minha mão e para mim, impassível.

  — Tá, eu prometo.

 Soltei-o e voltei a abocanhar a carne com purê de batatas, tentando manter o autocontrole do meu psicológico como fizera o dia todo.

  — Achei que você fosse me cobrir lá, para variar. – Mike comentou irônico.

  — Sua mochila está cheia de curativos e uns remédios que consegui inventar de última hora, por precaução. – falei ainda concentrada em comer, então olhei para Newt. — E a sua também.

  — Agora você inventa remédios?

  — Sou muito inteligente. – dei de ombros numa falsa presunção.

  — Está na hora. – Alby disse ao se aproximar com Minho da nossa mesa e bater no braço de Newt.

 Eles chamaram os garotos para juntar suas coisas e seguirmos para a Porta Oeste, que levaria ao Penhasco. Thomas e Chuck passaram por nós e baguncei o cabelo do mais novo, remexendo nos cachos castanhos.

  — Aí, se vocês conseguirem sair, – ele disse olhando para mim. — torço para que você e Newt se casem.

 Forcei uma risada e pude ver Newt sorrindo mais a frente enquanto saía da Cozinha, embolado no meio dos outros.

  — Valeu, cara. Espero que encontre sua outra metade do outro lado também. – respondi e ele ergueu o polegar antes de se apressar para sair.

 Permaneci algum tempo parada ali, vendo todos saírem aos poucos ajeitando seus instrumentos de batalha. Depois me embrenhei no pequeno grupo que ficaria na Clareira e os seguia para ver a partida.

  — Somos quarenta e dois ao todo. – Newt dizia quando me aproximei o bastante para ouvir. — Não se esqueçam das suas armas. Vamos abrir caminho lutando até o Buraco dos Verdugos, o Tommy aqui vai digitar o seu código mágico e depois vamos dar o troco aos Criadores. Muito simples.

 “Amém, Newt”, pensei.

  — Alguém quer dizer algumas palavras ou algo parecido? – Minho perguntou.

  — Vá em frente. – Newt respondeu.

  — Tomem cuidado. Não morram. – disse secamente.

  — Beleza, estamos todos divinamente inspirados. Todos conhecem o plano. Depois de dois anos sendo tratados como camundongos, hoje à noite tomamos uma decisão. Hoje à noite vamos reagir contra os Criadores, não importa o que precisemos fazer para chegar lá. Hoje à noite é bom que os Verdugos se cuidem.  

 Alguém aplaudiu, e depois mais alguém. Logo, um coro de gritos, palmas e clamores de batalha se fizeram ouvir, enchendo o ar como uma trovoada. Até eu aplaudia. Por mais que aquelas palavras não tivessem o mesmo significado para mim, preencheram-me com a mesma coragem que eu sabia que todos sentiam. Com a mesma coragem que Newt sempre me dava.

 Ele olhou para mim com atenção e um meio sorriso que quase me fez vacilar. Dei um passo para trás, para ficar mais longe deles e mais perto do pequeno grupo que não iria. Os olhos de Newt correram por mim, parecendo enfim perceber que eu não estava com arma ou mochila algumas.

  — Nelly. – ele aproximou-se mancando e alguns dos que gritavam se viraram para mim. Tentei me agarrar ao sentimento maravilhoso que, não só a cor, mas sua voz me trazia.

  — Sobreviva, ok? – falei com toda a firmeza que pude reunir, reprimindo lágrimas e muitas emoções que tentavam vir à tona. Independente de qualquer plano secreto meu, ele iria enfrentar os Verdugos.

  — Não... Que história é essa? – indagou com a típica ruga entre suas sobrancelhas, seu corpo a poucos centímetros do meu.

  — Não posso ir. Não depois de tudo que aconteceu.

  — Me escute. – ele largou seu bastão e me segurou pelos braços, seus olhos tão sérios que me assustavam. — Aquilo acabou. Lembra que eu disse que não importa? Precisamos seguir em frente.  

  — Eu vou... Mas não desse jeito.

  — Nelly, qual é? Há algumas horas você estava com a mesma determinação de sempre para dar o fora desse maldito lugar...

  — Eu pensei melhor, foi só isso.

 Newt continuou me encarando, talvez esperando que eu risse e dissesse que era brincadeira.

  — Não pode estar mesmo querendo me deixar ir sozinho. Não acredito nem por um segundo nessa mértila... – seu tom era quase raivoso, mas, assim que terminou de falar, seus olhos marejaram.

 Puxei-o para um abraço, esmagando-o contra mim, negando-me a ver aquilo. Eu me amaldiçoava tanto por estar fazendo isso com ele. Eu precisava contornar aquela situação. Não importasse o custo, estava me obrigando a mudar aquilo. Imaginar Newt se machucando no Labirinto outra vez enquanto eu estivesse longe fazia minhas mãos ficarem ásperas. Meu coração parecia ser arranhado por garras com esse pensamento.

  — Cuide do Mike por mim. – falei por cima de seu ombro. Olhei para o grupo de quarenta garotos e vi Mike me observando, assombrado.

 Newt me afastou e me encarou imediatamente, novamente confuso, a ruga fincada de volta em sua expressão. Não sabia se ele estava entendendo alguma coisa do que estava acontecendo, mas vê-lo daquele jeito me trouxe a esperança de volta.  

  — Precisamos ir. – Alby disse parando ao lado de Newt e puxando-o pelo braço. Ele deu alguns passos de costas na direção da Porta, ainda me fitando, até que Alby obrigou-o a se virar. Mike e Thomas me encaravam perplexos, então sibilei um “vão”, e eles levaram um tempo a mais para se situarem e seguirem o grupo Labirinto à dentro.

 Assim que o último deles sumiu pela primeira quina dos muros, um de nós falou:

  — Precisamos ir para a Sede, as mértilas dos Verdugos ainda podem voltar.

 Mesmo duvidando seriamente daquilo, já que a única coisa que deveria importar para os Criadores agora eram os fugitivos, dei a ideia de que fôssemos para o porão, pois era mais difícil algum deles nos encontrar lá. Levamos as armas e a comida restantes, e minha mente entrou num torpor de pensamentos enquanto esperávamos alguma coisa acontecer. Eu apostava firme na nossa morte, pois não conseguira acreditar em toda a conversa com quem quer que tenha falado na minha mente. E mesmo assim eu punha fé que resolveria essa parte.

  — Por que fez isso? – Helmy perguntou ao meu lado e dei de ombros em resposta. — Se quer saber, vocês costumavam dar alguma esperança para a gente. Você e Newt.

 Encarei as escadas para o andar de cima e depois o chão.

  — Os Criadores nos acham completos idiotas por isso. – falei.

  — Bom, parecia a coisa mais real desse lugar.

 Helmy se afastou logo em seguida e agradeci mentalmente; não precisava de mais nada para me fazer sentir pior.  

 Minutos depois, a maioria de nós estava sentada ou deitada no chão, até um som extremamente alto explodir pela Clareira e fazê-los se sobressaltar. Não achei que fosse ouvir aquele som alguma outra vez na minha vida.

  — É alguma pegadinha? – alguém indagou.

 Só podia ser.

 Saímos do porão olhando ao redor, as armas em punho, os passos cautelosos. Transpassamos a porta de entrada, o alarme da Caixa ainda estourando nossos ouvidos. Olhamos para as duas portas fechadas no meio da Clareira e pouco depois o alarme parou e um baque foi ouvido. Corri até lá e um garoto me ajudou a puxar as maçanetas para cima. A pouca claridade não revelou nenhum outro trolho. E sim uma mulher de jaleco branco e o cabelo louro preso num coque, uma prancheta presa entre a mão e o cotovelo. Ela sorriu para nós. E o mesmo gosto de sangue anterior voltou a minha boca. 


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Notas finais do capítulo

Genteeeeee, quem viu o teaser de Cura Mortal, ham?? Tá, foram dez segundos de nada, mas pelo menos parece que teremos trailer amanhã! >>: http://cinepop.com.br/assista-ao-teaser-de-maze-runner-a-cura-mortal-154912/amp
Enton, o que acharam do cap.? Ficou confuso? Gostaram? Odiaram? Alguém tem ideia do que vai acontecer? Kkkk Quero saberrrr *-*

Até o próximo, gentche ♥



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