Os amores de Naná escrita por Renata Prestes


Capítulo 2
Marta


Notas iniciais do capítulo

Olá, segundo capítulo de "Os amores de Naná"
Aqui vocês conhecem o romance de Naná com a menina Marta. Martinha, no auge de seus 17 anos, pura doçura, um recato de moça de família.
Boa leitura ❤

https://www.youtube.com/watch?v=WizgXUu8ZyI



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Região metropolitana de Salvador, o ano? Primavera de 2098, não estranhe o ano, depois da ditadura tudo ficou diferente e agora, poucos anos depois de seu fim as coisas continuavam estranhas para todos, um grande retrocesso.

Eu havia chego do Rio de Janeiro no mesmo dia e estava ali admirando minha cidade com aquele jeitinho dela tão diferente do Rio, as duas eram agitadas, mas o Rio era agito de megalópole para mim, prédios de colunas gregas, as universidades, as lojas de grife, os carros conversíveis e uma pressa insana... Na Bahia, pelo menos onde eu morava, era agitado também mas era um agito diferente, era cor e luz, as casinhas coloridas de telhados charmosos, as pipas e as quitandeiras, os terreiros e a musica rolando solta (nisso lembrava o Rio). Eu tinha passado um tempo na casa de minha irmã Lauriana que morava pra lá, tinha sido um tempo bom, mas eu era da Bahia e ela era minha.

Desci a Rua da Vespa com meu chapéu de faixa vermelha e meus cabelos presos no rabo de cavalo baixo como de costume, foi naquele dia, aquele dia florido de fim de setembro que desabrochou em mim um amor tão leve e cheio de ares de criança, algo que eu não experimentava a algum tempo. Naquela rua larga banhada pelo pôr do sol que tingia tudo de laranja, as casinhas desalinhadas e coloridas formando um balé estranho e gracioso ao mesmo tempo, na formação estranha da paisagem á beira da calçada de retângulos um sobrado azul e um pouco mais pomposo que as outras casas se destacava. Na janela um rosto tão doce levava lambidas da luz âmbar do fim de tarde, poucas estrelas já se espalhavam pelo céu e muitas, muitas estrelas marcavam o rosto da moça na janela, e eram tantas sardas que seu rosto e pescoço e braços também, até onde minha vista alcançava, eram pontilhados de estrelas, ou sardas, chame como quiser. A luz laranja do céu combinava com seus cabelos, a cabecinha pousada sobre as mãos que estavam apoiadas no parapeito da janela; Eu parei em frente ao sobrado, tudo ali exalava doçura e eu só podia observar, ela me cativou e eu não sabia mesmo o que estava fazendo, ela tão menina mas tão mulher esperando o luar que lavaria sua pele alva, pele nevada, um rosto sonhador, o porte de princesa aprisionada, os cachos descendo longos os ombros e o parapeito da janela. O rosto marcado, seus olhos gramados me avistaram e com um susto e certo recato ela deixou de ter a cabeça nas nuvens, ajeitou o vestido formal que terminava abaixo dos joelhos e entrou pra dentro do quarto, fechando as cortinas com estrondo, mas antes disso me cedeu um sorriso, quase um espasmo acanhado vindo daqueles lábios rosados.

Caminho até minha casa e já não sei o que fazer, não sei se volto pra perguntar o nome dela, não sei se durmo, não sei se penso nela, precisava conhece-la... Me encantei pela feição, mas e a alma? E o coração?

Comi meu jantar lembrando do riso dela, li historias para prima Rosa dormir, lembrando do riso dela, conversei com Tia Célia, lembrando do riso dela, tomei meu banho de balde, lembrando do riso dela, fui dormir na rede, rindo do riso dela. O sol estava alto quando eu acordei, Tia Célia estava me poupando das broncas e exigências já que eu havia chego no dia anterior e estava no Rio para ajuda-la a vender algumas peças que produziu (vestidos mesmo), me ajeitei com a saia marrom na altura dos joelhos e a camisa ciganinha branca para poder ir até a loja de musica que havia sido aberta na minha cidade, agora não precisaria ir até Salvador, com o dinheiro que tinha podia comprar o melhor violão de todos, eu desisti de arrumar os cabelos então fui com eles soltos mesmo. Caminhei alegre até onde estaria a loja de musica que Tia Célia havia dito, que coincidência maravilhosa, a loja era ali, no sobrado azul, no andar de baixo estavam expostos alguns instrumentos e do lado de fora eu podia ouvir a canção que era tocada no interior, algumas pessoas haviam parado para admirar o som, até quitandeiras estavam dentro da loja com os tabuleiros ao lado do corpo apreciando a musica, era doce e suave, um tanto melancólico, era como canto de passarinho preso, vinha de um violino de madeira antiga manejado por ágeis mãos de uma mocinha de rosto pontilhado, era ela, a moradora do andar de cima e de perto a luz do dia, tão mais formosa parecia, as sobrancelhas curvadas em leve agonia, talvez pela canção ou pela visível solidão da noite anterior que parecia ser comum aquele espirito tão doce e tão jovem, mesmo assim, era linda demais. Terminou a canção ao mesmo tempo que eu voltava pra terra. Um homem corpulento de camisa e colete com um bigode acaju grosso e alinhado disse com orgulho enquanto a garota agradecia com gestos:

—Essa é minha menina Marta meus queridos, e ela estava tocando com um violino da Violinos Oliveira que veio lá de São Paulo e...- eu não ouvi mais nada do suposto pai da moça, Marta o nome dela, Marta!

Todos a elogiaram e foram falar com o homem, enquanto Marta guardava o violino na vitrine, eu não me detive e fui falar com ela:

—Oi, Marta não é?- eu falei ao mesmo tempo que a ajudei a fechar a vitrine, com sua licença

—Sou Marta sim, Marta Brito & Silva, prazer.- tão educada e doce, tinha ares de criança e de mulher, era tão jovem quanto eu, duvidei que ela tivesse mais que 18 anos

—Sou Naná, você é muito talentosa, parabéns!- não pude conter um sorriso sincero

—Eu te vi ontem...- Ela disse com os olhos semicerrados enquanto se dirigia ao balcão da loja aonde as pessoas pediam para que o pai de Marta lhes mostrasse este ou aquele instrumento- Você passou aqui em frente não é? Perdoe meus modos, não queria ter entrado para meu quarto daquela maneira, mas eu não tinha conseguido distinguir  sua figura um pouquinho longe, você é sobrinha da costureira Célia não é?

—Sou sim, voltei do Rio ontem... Vim aqui pra ver os preços dos violões.- eu não sabia como agir, eram olhos verdes e confusos os dela, eram tão maduros mas tão inocentes

Depois de ver preços de violões e ser cumprimentada por seu Luis (pai de Marta que alias, eu nem lembrava que já havia conhecido) fui convidada a visita-los no dia seguinte:

—Nalbina, minha filha Martinha estava estudando em Paris desde os 10 anos, a menina é um gênio mesmo, puxou o sangue do papai! Venha nos ver amanhã, aposto que sua tia iria gostar de te ver com pessoas de boa índole não é? Ao invés do seus amiguinhos que vão ao samba.- aquele homem me irritava um pouco... Relevei pela curiosidade em conhece-la melhor que vinha me matando a cada minuto

Amanheceu, a chuva espessa cobrindo  tudo, a visão turva, podia parecer errado mas não poderia estar mais certo. Calcei as botas pretas feitas pra andar na chuva e coloquei a mesma saia e camisa, meu casaco bordô tinha a cor da madeira do violino de Marta. Fui até a loja que estava fechada e toquei a campainha na porta branca e decorada com arabescos, seu Luis abriu a porta e me chamou para entrar, subi uma escada clara e limpa até o segundo andar do sobrado azul, a casa era linda, eles tinham boas condições e bom gosto. Tudo de madeira escura, era um pouco apagado e apático mas era muito bem escolhido, cada detalhe. Tirei o casaco quando passei pelo cabideiro:

—Estou no meu escritório- Seu Luis disse com sua voz grave e acolhedora, ele era um merda, mas era um merda muito gentil- Martinha está no quarto dela, siga o corredor, primeira porta a esquerda

Acenei com a cabeça, e fui até o quarto dela, bati na porta e a voz doce e macia me permitiu entrar... Marta estava ali, toda graça e toda amores com seu vestido branco de alças finas com a barra no joelho e alguns babados no busto, usava sapatinhos azuis claros de fivelas e tinha os cabelos presos por duas mechas na parte de trás. Mesmo em casa ela estava asseada, para a família Brito & Silva um vestido daqueles era bom da porta pra dentro.

—Oi Nalbina, me desculpe pelos pedidos de meu pai para que você venha me visitar, é que eu estou a pouco tempo aqui e ele quer que eu ande com alguém, me perdoe!

—Por favor Marta, me chame de Naná como todos chamam- já me adiantei com a voz meio rouca pelo nervosismo de estar interagindo com ela- Ta tudo bem!

Ela sorriu, dessa vez com um riso levemente frouxo, mas sem mostrar os dentes eu respondi com uma risada espontânea e ela me convidou para sentar em sua cama, comemos biscoitos e ouvi ela tocar violino, falamos de vestidos e de amor, sobre Paris e sobre o Rio de Janeiro... Notei que ela me olhava com certa ternura, algo reprimido dentro dela.

Os encontros se repetiram, sem pretensões, chegou a um ponto em que eu ia visita-la para apreciar a boa companhia dela, não nego que ela me atraia e que eu notava que eu estava despertando algo nela, o que me deixou muito feliz. Todos os dias se seguiam com suave doçura e tudo corria bem, e continuaria assim. Eu já estava na cidade a 3 meses e tudo parecia estar me deixando acostumada, era uma rotina gostosa... Arrumar a casa com Tia Célia, depois ajuda-la com as costuras, as vezes cuidar da prima Rosinha, ir ao samba, mas em todas as tardes, visitar Martinha.

Finalmente Marta se sentiu confiante para passear pela cidade, tinha medo pois já havia sido assaltada quando era criança... Marta tinha 17 e eu 22, tudo corria bem, éramos duas amigas jovens e despreocupadas. Saímos para passear no parque, Marta com sua sombrinha delicada e um vestido rendado abaixo dos joelhos, os cabelos presos em um rabo de cavalo e uma fita rosa. Eu tinha os cabelos soltos caindo pelo rosto, uma saia cor de creme na altura dos joelhos combinando com uma blusa de mangas curtas da mesma cor, presente dos Brito & Silva.

—Eu gosto tanto do ar livre- disse Marta no meio do passeio

—Eu também, e gosto muito de você minha amiga!- era estranho dizer isso, assim, eu não queria chama-la assim

Eu gostava de parar para observar ela, aqueles olhos tão verdes, pareciam araçás que ainda não maduraram, tinha uma boca rosada e a pele era tão branca mas as sardas eram a sua curiosidade, certo dia lhe contei sobre parecerem estrelas, ela corou. Aquele dia eu parei para observa-la, estávamos embaixo de um pé de pitangas, uma dessas faceira, pulou da arvore direto para o vão entre o pé de Marta e o sapato baixo de cor salmão clarinho:

—Que é isso meu deus?- Marta levou tamanho susto que não se conteve, eu só pude rir e me prontificar a ajuda-la

—Calma, calma!- eu disse me abaixando- É só uma pitanga, não é bicho não!- Desci as mãos por sua canela e pousei nos pés delicados, retirei o sapato e o balancei até a fruta cair, aqueles pezinhos, tão suaves e macios, ela era mesmo como uma princesinha presa no sobrado azul. Me senti constrangida por estar daquela maneira ali e me levantei, Marta não poderia estar mais quieta, seus olhos me viram de um jeito diferente, pela primeira vez ela foi explicita com o que sentia, seus olhos gritavam... Aquele toque em sua perna era o que faltava pra ela terminar de me ver como alguém a se querer, não só a carne, ela estava como eu, apaixonada.

Nos vimos durante a semana, mas as visitas e passeios ficaram estranhos, não falávamos tanto, só ficávamos nos olhando enquanto ela pousava a cabeça em meu peito e eu sentia a textura suave de sua mão. Era um carinho fraterno... Era? Não mesmo.

Os dias estavam passando estranhos mas mesmo assim gostosos, a mesma rotina, um pouco diferente depois do dia da pitanga mas a mesma rotina. Saímos pra tomar sorvete, os sabores foram groselha pra ela e limão pra mim, estávamos ambas com os cabelos soltos, nunca tinha visto ela tão leve, Marta sabia ser leve quando se sentia liberta, ela estava menos formal do que quando estava em casa, usava uma saia no joelho cheia de flores amarelas e uma camisa jeans com nó nas pontas, meu vestido era varrido de borboletas azuis e dançava com a saia dela, tudo ali era doce e tenro. Ela botava os dentes pro sol ver e os lábios ainda mais rubros pelo sorvete eram convidativos, eu não tinha mais a cabeça em mim, na Bahia, no Brasil, na Terra, eu estava em Marta, só nela. Era tarde e Marta tinha de ir pra casa, passou das 18 e seu Luis ficaria zangado, o escuro já nos envolvia e andávamos de mãos dadas subindo a Rua da Vespa.

Paradas em frente ao sobrado azul, Martinha dos lábios de groselha me olhou esperando algo de mim, algo que eu queria dar e toda a malandragem que me seguia se deixou de lado para uma paixonite que me fazia querer proteger cada pedaço daquele ser, Martinha dos lábios de groselha do sobrado azul, tinha gosto de groselha gelada quando nossos lábios se tocaram e as minhas mãos na cintura dela, os braços dela moles e as pernas, moles. Descobri depois que aquele foi seu primeiro beijo, senti as estrelas me pontilharem por dentro e desci ao fundo de mim mesma pra caçar sensação mais dengosa, mais gostosa que o beijo de Marta. Depois do auge da doçura nos separamos, Marta se deu conta do que fez, beijou quem era a dona de seus suspiros, UMA OUTRA MULHER!

Em um grito de entusiasmo e medo talvez, tapou a boca e correu para o sobrado, eu só fiz rir, abriu a cortina do quarto e por uma fresta me gritou “Boa noite Naná” me mandando um beijo, revidei o beijo, beijei-a com os olhos por alguns instantes antes de ela fechar as cortinas, desci pra casa. Martinha no sobrado e no meu coração.


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Notas finais do capítulo

Eu espero mesmo que tenham gostado!
Deixe sua opnião ❤
De verdade, esse projeto tem me deixado bem empolgada, até o próximo capítulo ❤



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