MacGuffin escrita por Yuu-Chan-Br


Capítulo 4
Ato 3




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Jiyeon: Então está decidido! Passem pra mim sugestões do que eles podem fazer, por favor!

Zen sentiu-se vertiginoso. A conversa decorrera com tanta rapidez de um assunto a outro que não tivera chances de se defender direito – sua única tentativa fora frustrada pela facilidade de aceitação do moreno. Estalou a língua, grunhiu, encarou o celular e grunhiu novamente. Como ele podia acatar com tanta facilidade uma proposta absurda daquelas mas não conseguia manter a mente focada durante algumas horas em sua atuação? Seria por se tratar de um pedido de Jiyeon? Também o convenceram com tal argumento, afinal. Bufou e sentiu a franja se afastar do nariz com a intensidade do sopro.

707: Oh, oh, eles deviam dividir um milkshake! Aqueles grandes com dois canudos! Nada ajuda a fortalecer uma amizade como dividir comida!

Jaehee: Isso já não é muito forçado…? Talvez seja melhor que eles façam algo menos… invasivo a seu espaço pessoal, de início, não?

A capacidade diplomática da amiga sempre o surpreendia e não conseguiu evitar achar graça de sua fala.

Yoosung: Vocês já pensaram em fazer uma trilha juntos? Pode parecer meio clichê, mas… seria uma mudança de cenário pros dois, não?

Jiyeon: Achei ótima ideia! ♥ Anotada!

707: Eles deviam dividir uma macarronada e, como cada um pegou uma ponta do último fio…

Jaehee: Seven, por favor… Quem sabe assistir um filme? Eu me senti muito bem indo ao cinema após tanto tempo de trabalho, talvez vocês sintam o mesmo.

Em sua tela apareceu um gif da amiga sorrindo com flores em torno de si.

Jiyeon: Anotado~ Também quero deixar aqui minhas próprias ideias. Acho que seria ótimo se um fosse visitar o outro. A própria casa é algo muito íntimo, onde a pessoa consegue ser ela mesma 100% do tempo. ♥ Seria ótimo se vocês se visitassem mais! Também sugiro tentar fazer uma refeição juntos. Não só comer, fazer, mesmo. Ju-ssi, sei que você tem chefs contratados para isso, mas a comida caseira de alguém vai te trazer experiências novas.

Ela também enviou seu gif jogando as flores para o alto. Deveria ter contado quantas vezes ele fora usado numa só conversa. Seu entusiasmo com o pequeno presente recebido era sem dúvidas encantador, muito embora sua ideia lhe fosse render intensa angústia.

Jiyeon: Ok, gente, tenho uma ideia mais ou menos de como vou fazer a agenda, mas antes preciso dos horários de você!

Jumin: Jiyeon, por mais que aprecie sua dedicação para com nossa boa convivência, espero que não tenha se esquecido da festa daqui a alguns dias.

Jiyeon: Festa? Que festa??? Tínhamos uma festa planejada???

Jumin: …

Jaehee: Você vai fazer ele infartar…

Jiyeon: ♥ Não se preocupe, era brincadeira. Já contatei os convidados sugeridos e recebi suas respostas, quase todos confirmaram. A festa será um estouro!

707: BOOM!

Jiyeon: FESTAAA~~ ♪(┌・。・)┌

707: ♪(┌・A・)┌ FESTA

Jiyeon: Vou organizar os compromissos depois da festa, então sejam bonzinhos e nada de brigas feias até lá, ok? ♥ Agora preciso sair pois já está tarde e acordamos cedo amanhã.

Zen precisava admitir: sentia o coração apertar ao ver a amiga falando no plural de tal forma. Elas possuíam uma vida juntas, agora, sabia, mas era quase como se a realidade fosse esfregada contra sua cara numa base diária — muito embora duvidasse ser essa sua intenção. Teria ele, algum dia, a chance de fazer o mesmo com outra pessoa? Falar casualmente sobre os pontos em comum de sua vida com a namorada parecia não mais do que um sonho distante após a certeza de ambas estarem juntas – e mais ainda após ser rejeitado por Jiyeon no restaurante pouco tempo atrás –, mas o esmigalhar de seu peito em angústia ao reconhecer tal fato era inevitável. Por vezes não conseguia evitar pensamentos como “eu também conseguiria faz ela feliz, talvez ainda mais feliz”, “comigo ela poderia casar, ter filhos, tudo certinho” e mesmo “a vida dela seria muito mais fácil por eu ser homem, ninguém ia estranhar, seria tudo normal!” e se sentia mal por isso. Desprezava a ideia de rivalizar com Jaehee e, mesmo sendo todos argumentos lógicos, no final de nada adiantavam se a escolha de Jiyeon não se modificasse – e sabia, ela não se modificaria. No fim estava apenas massageando o próprio ego em busca de consolo para sua dor.

— Preciso de um cigarro – pensou alto. – E uma cerveja.

De imediato teve a mesma relembrança do teatro, Jiyeon lhe dizendo para não fumar ou beber. Riu de nervoso.

— Do que adianta se não está aqui pra me dizer isso?

Ao dar por si, todos já haviam se despedido e saído da conversa, sendo Jumin o último, soltando um “fico no aguardo da agenda, espero que seja um degrau para nossa boa convivência”. Torceu o nariz. Sua empáfia era de revirar o estômago. “Espero mesmo que isso ajude, apesar de duvidar muito. Tudo pela Ji-ssi!”, enviou num balão de coração e saiu da conversa.

Um cigarro, uma cerveja, banho e cama: era este o planejamento do ator. A percepção do quão monótona estava sua vida doeu quase tanto quanto a rejeição sofrida, ou talvez as sentisse como dois lados da mesma moeda.

 

***



O decorrer dos dias seguintes se deu como de costume. Acordava, trabalhava, voltava para casa e se exercitava – embora de quando em quando fosse vencido pelo desânimo e preferisse não o fazer. Estudava suas falas e as treinava, pausando sempre que possível para uma conversa com os amigos em seu aplicativo particular. Suas brigas com Han Jumin também haviam diminuído após o apelo de Jiyeon, reforçado pelos outros diariamente pelo mais simples ameaçar de uma discussão. Estava em dúvida se achava divertido ou se irritava com o fato. Por vezes era forçado a se conter para não reclamar de suas ideias absurdas de projetos envolvendo gatos – das quais agora Yoosung era encarregado – e das fotos enviadas de sua bola de pêlos.

Seven havia criado um novo emoji para Jiyeon, o qual possuía olhos brilhantes que reluziam, forçando-o a perceber um novo ponto fraco. Se fizesse tal expressão na vida real, possuía total certeza de desmilinguir-se numa poça no chão com tamanha fofura. Ainda recebia apoio de Jaehee, embora este lhe causasse sentimentos ambivalentes. Merecia-os? Mesmo ainda nutrindo sentimentos por sua namorada? Culpava-se, embora não conseguisse evitar. Quando dava por si, já havia dito – ou escrito – algum cortejo – direto ou indireto – à amada, seu afeto transbordando, como se pudesse explodir a qualquer instante caso não o fizesse. Por vezes parecia regredir aos dezessete anos e ria de sua própria estupidez.  Sabia não ter chances, mas esperava misericórdia o bastante da amiga para lhe permitir se expressar. Quase sempre terminavam com repreensão dos outros membros de alguma forma. Da última, em específico, recebera uma foto de Seven travestido de Jiyeon, dizendo lhe corresponder os sentimentos. Emburrou-se. Sabia como a brincadeira de mau gosto fora merecida, mas mesmo assim se magoava. Desde então começou a se conter um pouco mais.

Com o celular em mãos, minimizou a conversa e olhou o calendário virtual. A festa seria no dia seguinte e todos estavam ansiosos. Quando voltou se deparou com Jumin pedindo a Jiyeon que chegasse um pouco antes para se certificar de estar tudo em ordem. Já se preparava para o repreender por exigir isso da moça quando ele dissera estar tudo pronto dias antes, mas a própria o interrompeu. Ela enviou a tão conhecida imagem com as flores e disse “Obrigada por se preocupar, uma hora antes está bom?” e ficou confuso. Preocupar? Ele não estava forçando mais trabalho sobre ela? Um desnecessário? E por que ela ainda agradecia? Quando indagou sobre tais fatos, ela riu e respondeu “esse é o jeito dele dizer que posso mudar tudo e fazer do meu jeito se achar que devo”. Franziu as sobrancelhas. Voltou à fala do outro e a releu incontáveis vezes, incapaz de compreender como ela chegara a tal conclusão com uma frase tão inconveniente, desistindo ao receber um “¯_(ツ)_/¯”. Todos os outros membros se divertiram. Frustrou-se mais.

Desde quando todos compreendiam tão bem Han Jumin? Havia acontecido algo enquanto trabalhava? Lera todas as conversas anteriores e não se recordava de nada tão marcante assim, era algum evento passado desapercebido? Bufou e sentiu os lábios tremularem. Era melhor separar a própria roupa, quem sabe o dia seguinte fizesse mais sentido.



***

 

Já estava tudo organizado quando chegou. As mesas, as cadeiras, os arranjos, a iluminação. Estava tudo belíssimo, ainda mais do que na festa anterior e girar os olhos — e a si mesmo – pelo salão fora instintivo e inevitável.

— Ficou bonito, não? – Yoosung perguntou, aproximando-se do albino com uma prancheta em mãos.

Zen ainda estranhava ver o rapaz daquela forma. Não apenas por usar uma roupa diferente de seu costume – era uma versão mais rebuscada de seu terno de trabalho – mas pelo ar em torno de si também ter mudado, como se amadurecesse anos em poucos meses.

— Talvez não tenha sido assim tão ruim pra você, essa experiência. – Levou a mão ao queixo durante a fala.

— Ah, tenho a impressão que você acabou de dizer algo bem rude, Zen-hyung – riu sem vontade.

— Não foi a intenção, não foi – divertiu-se e lhe deu leves tapas nas costas. – Mas, olha, você parece até que cresceu. Aposto que logo consegue uma namorada – riu novamente. – Mas não antes de mim, viu?

— Eu nem sei se teria tempo pra uma namorada – choramingou –, entendo como Jae-nuna se sentia…

— Pensamento positivo! – Achou graça da expressão de desânimo recebida em troca.

— E os outros, já chegaram?

— Ah, sim! Quer dizer, ainda não vi o Seven em lugar nenhum, mas Jiyeon-nuna e os outros estão ali. – Com a prancheta, fez menção de o levar até o local indicado.

Diante de seus olhos, Jaehee, Jiyeon e Jumin conversaram. Não parecia ser sobre os preparativos, o momento para tal já passara, mas falavam amigavelmente sobre algo, muito embora o assunto não fosse dito alto o suficiente para lhe alcançar a audição. Ambas as garotas acenaram ao ver Zen se aproximando, Jumin o cumprimentou com um leve meneio de cabeça.

— Zen-ssi, como sempre sua beleza é incomparável – Jaehee foi a primeira a dizer algo – e ela reluz ainda mais em nossas festas, quando se veste assim.

— Obrigado, Jae-ssi, você também está linda – divertiu-se.

Era possível notar, ao fundo, Jiyeon rolando os olhos em enfado enquanto o moreno a seu lado mantinha a expressão imutável. Combinavam, elas duas. Usavam o mesmo modelo de vestido: de mangas compridas e plissados da cintura para abaixo, tudo em renda. Sua única diferença era a cor. Jaehee usava marrom e sua namorada creme. Seria uma variação das conhecidas roupas de casal?

— Agonia – Yoosung murmurou, fazendo rir a moça tão incomodada quanto ele. – Sr. Han, já está quase na hora de os convidados chegarem.

— Seven ainda não deu notícias? – indagou o novo líder do RFA.

Jiyeon abriu a bolsa de mão e a vasculhou em busca de seu celular, do qual ressonava uma música repetitiva. Pediu licença e o atendeu, trocando palavras breves antes de o desligar.

— Estou na escuta, câmbio – disse e não fora preciso mais nada para todos saberem de quem se tratava. Já estavam acostumados aos diálogo de ambos àquela altura.

Ela assentiu algumas vezes e então formou um pequeno bico com os lábios, decerto esquecendo estar em público – ou talvez não se importando, afinal todos ali eram considerados seus amigos mais próximos.

— Tudo bem, eu aviso – riu logo em seguida. – Sim, Agente 707, acredito plenamente em sua capacidade de construir uma teleporte, câmbio e desligo!

Ao olhar para os demais, todos pareciam exaustos mesmo sem ouvir a conversa na íntegra. Divertindo-se com as reações exageradas, ela guardou o celular de volta na bolsa e disse:

— Tem trânsito, ele vai atrasar.

Yoosung virou uma página de sua prancheta num pequeno suspiro:

— É melhor terminarmos os últimos ajustes sem ele, logo os convidados vão começar a chegar.

— Pena, queria uma foto em grupo antes da festa – Jiyeon soltou num muxoxo e repetiu a expressão bicuda de antes, à qual Jaehee reagiu com um afago no topo de sua cabeça.

— Podemos tirar uma depois, quando todos forem embora e tivermos a particular do RFA – constatou e riu ao receber um abraço  em retorno.

— Yoosung-ssi, precisa de ajuda? – perguntou ainda grudada à namorada.

— Sim – replicou com certo custo, lançando olhares fugidios ao chefe, talvez receasse uma repreensão caso o admitisse.

— Então vamos! – Levou Jaehee pela mão e chamou o rapaz loiro consigo, deixando para trás os outros dois.

Zen observou os três sumirem de seu campo de visão aos grados, muito embora seus olhos estivessem focados em apenas um deles.

— Elas parecem mais próximas agora – comentou.

— Elas são um casal agora – Jumin replicou, embora se sentisse estúpido por apontar o óbvio.

— Sei que são – grunhiu.

— Bom que saiba.

Zen o olhou de esguelha, uma das sobrancelhas sofrendo um espasmo:

— Você precisa mesmo sempre me responder atravessado desse jeito?

— Hm? – Virou em sua direção, confuso.

— Parece que está sempre puxando briga!

— Não estou. – Arqueou um sobrolho à afirmação. – Apenas espero, de fato, que as reconheça como um casal, ou as coisas podem ser muito difíceis e dolorosas.

— Não vai ser – bufou –, eu não vou fazer nada.

— Já não faz?

Ira borbulhou dentro do ator e lhe exigiu uma enorme força de vontade para controlar as palavras – não gostaria de fazer uma cena na frente dos demais integrantes, em especial antes de uma festa.

— O que eu faço, Sr. Engomadinho?

Jumin, de braços cruzados, primeiro arregalou os olhos e depois os fechou pouco a pouco, à medida em que exalava o ar pela boca:

— Por favor, me diga que foi uma pergunta retórica.

— Por que seria uma pergunta retórica? – Irritava-se mais a cada fala.

Jumin, do alto de seus vinte e sete anos de cansaço social, olhou-o por breves instantes antes de caminhar na direção do outro grupo:

— Os convidados estão chegando, é melhor irmos.

Enquanto se perdia na desconexão entre fala e ação do mais velho, vislumbrou um rapaz ruivo enfiando-se porta adentro do salão como um foguete.

Safe, safe! – Ele gritava ao erguer as mãos para o alto, resfolegando com dificuldade.

— Seven-ssi! – Jaehee exclamou e o grupo caminhou em sua direção.

Zen também se aproximou, porém os pensamentos rumavam em outra direção. Ainda ouviu Jiyeon rir dizendo que não havia nada de “safe” e ele se atrasara para a organização do local, recebendo uma risada de volta. “Seu cabelo ficou todo bagunçado de correr”, ela ainda complementou enquanto sua namorada se apressava em buscar um espelho na bolsa para mostrar ao ruivo, que se inclinou em sua direção para recolocar os fios com gel em seu devido lugar.

Após a comoção promovida por Seven, todos se posicionaram em seus devidos lugares. Yoosung e Jiyeon na porta para recepcionar quem chegava; Jumin e Seven terminavam os ajustes nas partes técnicas e Zen e Jaehee se encarregavam de controlar  se estava tudo em ordem dentro do local, repondo conforme a necessidade.

Todos se juntaram em frente ao pequeno palco na lateral após os preparativos iniciais e ouviram um pequeno discurso de seu mais novo líder, durante o qual agradecia a todos pela presença e colaboração, tanto convidados quanto integrantes do RFA. Citou um a um e, por fim, deu espaço a Jiyeon para dizer também algumas palavras, entregando-lhe o microfone.

— Já sei o que te dar no próximo aniversário.

Zen se sobressaltou com a súbita fala atrás de si, quase machucando o pescoço ao virar em sua direção. Era Seven. Ele se aproximou com calma até ficar a seu lado. Inclinou-se e continuou a reflexão:

— Um babador – riu-se. – Você vai precisar, porque corre o risco de sujar a roupa sempre que vê a Jiyeon-ssi. Se bem que talvez eu precise dar um pra Jae-ssi também – riu mais ao fazer menção com o rosto na direção da moça. Ela, um pouco mais afastada, procurava a posição correta de seu celular para tirar uma foto da namorada.

O albino acabou por também achar graça.

— Elas se gostam muito – Seven continuou –, nunca pensei que um dia veria a tão calma e composta Jae-ssi boba assim por outra pessoa. É uma benção. – Pôs a mão sobre o peito, onde costumava carregar sua cruz, no momento coberta pelas camadas do terno. A ação fora caricata a ponto de deixar o amigo em dúvida se fora sincero ou brincadeira, apesar de quase todas as suas ações levantarem a mesma questão.

— Sim – concordou e sorriu um dos sorrisos mais melancólicos de sua vida. – E ficam bem juntas, tenho a sensação que se complementam.

— Não é?

Jiyeon descia a escada lateral do palco, aceitando a mão estendida por Jaehee nos últimos degraus e a mantendo na sua mesmo após alcançar o chão. Amavam-se, era inegável. Torceu o nariz ao notar alguns olhares desdenhosos para ambas – de outras moças, inclusive – e se surpreendeu ao ver Jumin intervir, iniciando uma conversa com elas.

— Todos estamos torcendo por elas. – Seven lhe deu leves tapas nas costas. – Sei que você também.

Zen voltou a sentir na boca o amargor de seus próprios sentimentos, como se quisessem sair e precisasse os engolir de volta. Fitou-as uma outra vez. Erguiam taças de champanhe ao topo, propondo um brinde a todos ali presente. Reluziam quando juntas, tão brilhantes a ponto de temer ser ofuscado a qualquer momento, a ponto de aumentar as sombras dentro de si. Recebeu uma taça do garçom para participar e a ergueu, tímida, junto às demais. Forçou-se a sorrir. Não merecia a admiração de Jaehee, não era a ínfima parte da pessoa que ela o considerava ser e se aperceber de tal fato lhe aferroava o peito.

 

***



— Ah, terminou!

A frase coroava a ação de Jiyeon sentar – na verdade se jogar – numa das cadeiras da festa e retirar os calcanhares dos sapatos de salto, apoiando-os sobre os mesmos. Conquanto o ato não fosse dos mais elegantes, ninguém teve coragem de reclamar ou mesmo achar ruim ao se deparar com os machucados causados pelos mesmos em sua pele.

— Ah, está quase estourando a bolha – Jaehee comentou, preocupada, ao revirar a bolsa e retirar vitoriosa um par de curativos adesivos, entregando-os à namorada.

— Obrigada. – Sorriu e lhe afagou a mão antes de, com todo o cuidado, colar os curativos sobre as bolhas. Tentou, como quem pisava em ovos, recolocar os calçados, mas a expressão de dor em sua face deixava claro ser uma tarefa impossível.

— Não precisa pôr de novo se dói tanto – Jaehee verbalizou os pensamentos de todos os membros do RFA. — Eu trocaria de sapatos com você, mas os meus são de salto também…

Todos os rapazes olharam para os próprios pés de imediato.

— Seus pés são menores – Zen disse a um Yoosung já retirando os calçados.

— Ah, ninguém precisa tirar o sapato, calma! Eu só vou ficar aqui e não levantar por um tempo. – Olhou para o loiro, cuja expressão preocupada doía de tão intensa. – Mesmo, não precisa. Suspirou. – Mas fico feliz por ter dado tudo certo – pausou e ergueu o rosto aos demais, encarando-os com a sutileza de um mamute.

Jaehee sorriu e puxou uma cadeira ao lado da amada, dizendo:

— Vamos todos sentar?

Era engraçado como todos estavam sempre dispostos a fazer agrados à coordenadora da festa. Ela era, sem sombra de dúvidas, muito amada por todos os membros – o ator chegava a se perguntar se o mesmo carinho permaneceria mesmo caso eles encontrassem um interesse amoroso. A possibilidade lhe apertou o peito. Foi o último a se sentar. Todos estavam ao redor da mesa quando Yoosung comentou:

— Dá mesmo uma sensação de dever cumprido.

— Como foi sua primeira festa como assistente? – Jaehee indagou, curiosa.

— Ah… – Coçou atrás da nuca, desconcertado. – Sinceramente senti que trabalhei muito mais do que antes… Mas também me senti muito melhor! É mesmo incrível que você fizesse tudo isso antes, Jae-nuna, meu respeito aumentou ainda mais… Espero um dia conseguir dar conta de tudo sem precisar tanto da sua ajuda.

— Oh? – Jumin virou em sua direção. – Posso contar com um trabalho mais eficiente da próxima vez, Assistente Kim?

— Ah… Ah – riu de nervoso –, vou me esforçar, Senhor Han.

— Não se esforce demais – confortou Jiyeon, presenteando-o com um sorriso. – Saúde é importante, viu? E não tem problema nenhum precisar de ajuda de vez em quando. Nenhum homem é uma ilha – citou, divertida.

— Obrigado, Ji-nuna…

Sua gratidão era tamanha ao ponto de sentir os olhos lacrimejarem. Jaehee suspirou num desânimo de não notar tanta mudança no comportamento do antigo chefe, olhando-o de soslaio.

— Por favor, não leve outro assistente.

— Hm? Yoosung-ssi já tem idade para decidir o que quer por conta própria, não? Mas tenho certeza que você vai ser um chefe exemplar e tornar o ambiente de trabalho agradável ao ponto de ele nunca considerar ir embora!

A reação de Jumin era um misto de leve constrangimento e orgulho pela expectativa depositada em si, enquanto a antes frustrada Jaehee exercia de toda a sua força de vontade para não rir, apesar de seu rosto esgar de quando em quando pelo intenso estímulo.

— Aplique água gelada sobre o ferimento – Seven brincou.

— Bem – Jumin iniciou uma nova conversa, ignorando por completo o amigo ruivo enquanto se erguia e caminhava à mesa onde antes estavam os pratos servidos durante a festa. – Este é o momento ideal para demonstrar um ato de boa fé, então.

Durante a confusão de todos, Yoosung, já de pé, fez sinal para um último garçom no salão, o qual se aproximou com um carrinho contendo taças o suficiente para todos e um balde de gelo ao centro, recheado por duas garrafas de champanhe – pareciam ainda mais caras do que os servidos aos demais convidado, aumentando o clima de suspense entre os membros do RFA.

O novo líder do grupo extravasava contentamento ao ter os olhos curiosos sobre si, chegando a exibir um singelo sorriso de júbilo. Aproximou-se com calma dos demais enquanto retirava do bolso um cartão de visita, posicionando-o sobre a mesa e empurrando em direção às duas moças. Quase riu ao ver como sua atenção alternava entre ele e o objeto diante de ambas.

— Olhem com atenção – comentou ao afastar de sua mão.

Jiyeon, curiosa, tomou o pequeno pedaço de papel encerado nas mãos e leu, em voz alta:

— Organizadora de casamentos…? – Fitou-o, ainda em choque.

Todos se abismaram, menos o loiro, o qual decerto já sabia e quem sabe até houvesse ajudo nas preparações da surpresa.

—  Não conversei com Jiyeon a respeito, mas sei como Jaehee é religiosa e o fato de estarem morando juntas agora sem nada oficial não a deve ter deixado tão satisfeita quanto gostaria. Já conversei de antemão com a encarregada, foi muito bem indicada e as despesas serão por minha conta, claro, se vocês aceitarem.

Os olhos cor de âmbar da jovem percorriam Jumin, o cartão e também a namorada, encontrando-a chocada demais para ter outra reação além de se focar num ponto fixo onde não havia nada tão digno de atenção; ainda não conseguia processar a ideia. Súbito, lágrimas se formaram nos cantos de seus olhos e rolaram bochechas abaixo.

— Jaehee-ya! – A outra gritou com o susto, agarrando-lhe as mãos.

— Ah, não… – Tentou enxugar os cantos das pálpebras com com os dedos. – Eu nem sei o que dizer.

— Diga “obrigada” – complementou Jumin ao retirar o lenço branco de seu paletó e estender à ex funcionária.

— Obrigada! – Riu no meio do choro e aceitou suas ofertas, tanto o lenço quanto o presente, enxugando os olhos com suavidade.

— Obrigada! – Jiyeon repetiu. Não chorava, mas estava eufórica. Voltou a segurar as mãos da amada e as balançou para os lados com entusiasmo.

— Infelizmente não tenho como garantir seus direitos enquanto casal[*], mas posso ao menos proporcionar um ato simbólico – ele continuou, divertindo-se com a cena de ambas.

— Você já está fazendo tanto… – Jaehee disse, voltando a pressionar com cuidado o lenço nos cantos dos olhos.

— Considere uma retribuição – pausou, pensativo. – Ainda não compreendo ao certo o que houve de errado em nossa relação, mas entendo ter te deixado infeliz. Considere essa uma compensação por tudo.

Jiyeon riu alto, chamando a atenção de todos.

— Desculpa, desculpa – respirou fundo. – Eu só achei essa fala toda muito digna do Ju-ssi, não consegui evitar. De novo, obrigada. – Olhou de soslaio a agora noiva, empurrando-a de leve com o ombro e apontando o empresário com o queixo, como se quisesse dizer algo.

De início a outra pareceu confusa, arqueando-lhe um sobrolho em meio à confusão e precisando que a outra fizesse menção ao cartão de visitas antes de compreender a indireta – talvez desenvolvessem telepatia de casal com o passar do tempo.

— Jumin-oppa – riu de si mesma, sentindo-se estranha com a própria fala. – Gostaria de ser nosso padrinho?

Os olhos do moreno se arregalaram. Talvez não fosse perceptível a todos, mas ele segurou firme no encosto da cadeira diante de si, como se o pedido o pegasse de surpresa a ponto de lhe tirar o equilíbrio.

— Eu… – Cobriu a boca com uma das mãos, estupefato, mas logo se recompôs. Olhou-as sério. – Será uma honra.

— Quem diria que a Jae-ssi seria a primeira do grupo a casar – Seven comentou, sua zombaria possuindo um fundo melancólico.

— Ah, e eu nem tenho uma namorada ainda – Yoosung chorou o mesmo comentário de sempre.

— Do que está falando, Kim Yoosung? Agora você é casado com seu trabalho, assim como o grande 707! – Apontou para si mesmo, triunfante, embora o loiro parecesse à beira das lágrimas.

No meio de toda a bagunça, apenas Zen permanecia calado. Olhava para todos e ninguém ao mesmo tempo, perdido em devaneios. Mesmo reconhecendo ambas como um casal, todos os acontecimentos foram rápidos demais para seu cérebro processar. Enxergou Seven erguendo uma das garrafas e a sacudindo no ar, para só então a desarrolhar – a rolha voando para um canto qualquer do salão. A espuma causada pelo balanço intenso fora toda sobre Yoosung, molhando-lhe o cabelo e a parte superior do terno. O ruivo ria sem parar, ao ponto de se distrair com seus arredores e ser pego de surpresa com um contra-ataque. O outro havia imitado seus atos com a segunda garrafa e ambos se encontravam encharcados pelo líquido.

— Desperdício de champanhe! – Jiyeon disse em meio a risos.

Seven espremeu uma mecha de Yoosung na taça, oferecendo-a à morena que fizera a reclamação.

— Isso não parece higiênico – Jaehee comentou enquanto os outros três riam.

Zen se esforçou para sorrir. Aproximou-se de ambas e pousou uma mão em cada ombro, dizendo:

— Parabéns! Vamos beber, sim! – Entregou a taça cheia de champanhe não sanitário para Seven, ignorando suas reclamações, e encheu uma nova para cada integrante do grupo. – Um brinde! – Ergueu a própria taça para o ar, satisfeito consigo mesmo. – Um brinde!

Era um ótimo ator.

 


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Notas finais do capítulo

[Yuu-Chan-Br]: FATO CURIOSO: O diálogo do Jumin com o Zen sobre Jiyeon e Jaehee foi inspirado num fato verídico. Certa vez minhas chefe me disse alguma coisa (não lembro mais o que era, mas ela repetiu umas 5 vezes) até que eu disse “eu sei” e ela disse “QUE BOM QUE VOCÊ SABE” e eu quis mandar ela pra uma variada gama de locais. 8D Então entendo a frustração do Zen, apesar de ele ter merecido a patada. Aliás, fiquei muito preocupada em descrever as inseguranças e a revolta do Zen pela forma como ele poderia ser visto pelos leitores… Concordo que os pensamentos dele não foram dos mais agradáveis nem empáticos, mas é algo normal quando se está com o coração partido, espero que todos compreendam. Ah, sim! Sei que o ritmo da história está lento, mas gostaria de fazer a aproximação deles bem gradual, ou fica forçado. ♥ E, claro, também vão interagir bastante com os outros membros do RFA, ou eu acharia muito solitário, haha~~ Eu me afeiçoei muito a eles como um grupo, uma pequena família. E você tem alguma ideia de o que colocar na agenda de convivência e Zen e Jumin? DEIXE AQUI NOS COMENTÁRIOS~

[*] Na Coreia do Sul o casamento entre cônjuges do mesmo sexo ainda não é legal.



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