MacGuffin escrita por Yuu-Chan-Br


Capítulo 11
Ato 10




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O edifício de paredes cor de areia com um grande letreiro exibindo o nome da loja lhe trazia aprazíveis recordações: o riso das queridas amigas enquanto conversavam banalidades, a atenção com a qual ambas ouviam sobre suas dificuldades e conquistas a cada apresentação e mesmo a displicência com a qual Jiyeon oferecia a própria bebida sem se importar com um possível beijo indireto — sentiu-se lisonjeado pelo fato. Naquele momento, contudo, sua companhia não era a das belas senhoritas, mas do homem que, curioso, mantinha uma mão sobre o queixo enquanto observava o letreiro luminoso atrás do balcão, o qual exibia os itens mais famosas do local. Em copos transparentes vedados com uma camada fina de plástico furada por um canudo no centro, as opções se diversificavam em várias cores e coberturas, em sua grande maioria possuindo pequenas esferas cor de caramelo no interior.

— Pensei que fôssemos a uma casa de chá — comentou o mais velho, visivelmente intrigado.

— Estamos numa casa de chá — respondeu com cinismo à dúvida.

A expressão de Jumin, cujas sobrancelhas se franziam e olhos corriam pelas imagens na tela, transparecia com eficácia sua confusão pela incongruência da informação recebida pelo amigo e daquela obtida pelo meio. Fê-lo rir.

— Onde estão os bules, as xícaras…? — ainda tentou uma última vez, embora o resultado fosse uma intensa crise hílare por parte do ator.

— Ah, tá… Não é esse tipo de casa de chá. — Precisou pausar a frase para enxugar os cantos dos olhos, tamanha a intensidade da graça. — Digamos que são bebidas feitas a base de chá, que você pode personalizar como quiser.

A desorientação de Jumin divertia o outro em imenso, fazendo-o desejar prolongá-la por mais alguns instantes antes de o ajudar. Observou o homem, pomposo em seu terno feito sob medida, perdido diante de uma informação tão simples quanto um novo tipo de bebida. Era impagável. Voltou a rir. Baixo, desta vez. A forma como os olhos claros percorriam as telas, o balcão e as pessoas no local em busca de algo que fizesse o mínimo de sentido para si agitava algo dentro de Zen, um certo ímpeto de ver mais de suas expressões, aquelas não mostradas com facilidade aos outros, aquelas que talvez só fizesse quando estivesse confortável o bastante com quem o acompanhasse. Seria considerado uma boa companhia, então? Confiável, até? Desejava ver, saber. Em meio a um bombardeio de informações simultâneas, a tão pavorosa palavra “fofo” voltara para o assombrar. Fechou a expressão de imediato.

— Já volto, vou pegar o cardápio — disse às pressas antes de se afastar, correndo rumo ao balcão, do qual retirou uma folha de papel cartão plastificada, na qual seria possível ver com mais clareza a lista de opções oferecidas pelo local.

Alcançou seu objetivo já esbaforido, recompondo-se às pressas ao se deparar com uma dupla de jovens o encarando. Sorriu para ambas, mas não teve tempo de se preocupar com suas reações, apanhou o menu e se dirigiu a uma parte mais afastada do local, onde a quantidade de fregueses escondesse sua presença do amigo.

“Qual é o inferno do meu problema?!”, repreendeu a si mesmo, desejando poder se socar — não apreciava em nada a frequência com a qual a vontade o afligia. “Por que eu estou pensando nisso? Por que eu sequer considerei essa possibilidade? Por quê?!”, grunhiu e olhou de esguelha a fila, em específico onde o CEO se encontrava. Não compreendia, não fazia sentido algum! Ainda nutria sentimentos por Jiyeon, disto possuía total certeza… Por isso mesmo falhava em compreender o motivo que o levava a voltar para o ponto de partida.

O que era Han Jumin? Arrogante, cínico, um almofadinha esnobe sem a mais remota noção de empatia — embora admitisse haver uma melhora recente —, louco por uma bola de pêlos e agora… fofo? Sua cabeça doeu e as feições retorceram em desgosto. A melhora de sua opinião em relação ao moreno era perceptível e esse tanto ele não se permitia negar. Fora criada uma importante conexão na noite em que saíram em grupo, durante a embriaguez de seu anfitrião, porém havia um infindável abismo entre apreciar melhor a companhia de um amigo e o considerar fofo. Para si, a probabilidade do adjetivo ser empregado a qualquer homem já era nula — ou ao menos assim pensava há pouco —, quanto mais a Han Jumin!

Respirou fundo.

Entrar em desespero não melhoraria a situação, ele bem sabia, mas ainda assim se frustrava pela viabilidade de o ver com outros olhos, apenas a ideia já lhe causava calafrios. Encarou o papel plastificado e ponderou se havia passado tempo demais em seu singelo momento de agonia particular. “Ele está esperando isso”, pensou enquanto os olhos perfuravam um ponto aleatório da lista de bebidas. “Vai ser estranho se eu demorar mais, é melhor eu ir”, grunhiu ao tomar a decisão. Não estava mentalmente preparado, por necessária como fosse a ação. Pressionou uma das mãos contra o nariz e a boca e fechou os olhos por um instante, recobrando a compostura aos grados. Foi até ele.

— Aqui. — Estendeu o menu ao amigo após o reencontrar.

— Obrigado — respondeu ao aceitar o objeto.

Talvez fosse apenas sua impressão, mas Zen jurou ter sido observado por prolongados instantes antes de o moreno focar sua atenção à variedade de opções para sua escolha. Incomodou-se. Não pelo ser analisado em si, mas pelo fato de o outro parecer prestes a dizer algo e, por fim, não o fazer.

— Que foi? — perguntou, impaciente.

Os olhos claros voltaram aos seus e, mesmo com os segundos passados na dúvida de Jumin quanto a lhe responder com sinceridade ou não, a réplica veio:

— Você parece angustiado.

Pelo seu tom de voz, Zen julgou-lhe ter escolhido a honestidade. Ele mesmo não a escolhera, contudo.

— É impressão sua — riu-se, nervoso.

Conquanto o mais velho não parecesse de todo convencido, não prolongou o assunto, trazendo ao ator uma enorme onda de alívio. Sua expressão no momento, inclusive, divertia o mais novo. Via-o a correr os olhos de lá para cá, de quando em quando sublinhando com o indicador e o pronunciando em silêncio os ingredientes das bebidas que lhe chamassem a atenção. Parava, observava, erguia o rosto e comparava as imagens ilustrativas no cardápio às expostas nas telas atrás do balcão… Por vezes chegou a examinar o conteúdo nos copos das pessoas passando perto de si. Zen desabou em risos, contrário a seu esforço em se manter sério, o incômodo por sua reação sendo palpável nas feições do outro.

— Quer ajuda? — Ofereceu-se durante a crise.

— Devo admitir estar receoso em aceitar suas ofertas depois da ideia do fast food.

— Desculpa? — soltou, a fala não lhe rendendo credibilidade tanto pelo tom de questionamento quanto por ainda achar graça da situação. — E se eu te disser o que as meninas costumam pedir, em vez do meu próprio gosto?

— Vocês vem muito aqui? — Interessou-se.

— Não sempre juntos, mas elas costumam comentar quando visitam alguma loja da franquia, é a preferida delas com relação a esse tipo de chá.

Após alguma reflexão, o mais velho soltou um pequeno suspiro resignado, quase inaudível, enquanto os orbes vislumbravam o outro de soslaio.

As reações de Jumin andavam extraordinariamente divertidas. Para quem falava tanto a respeito de esconder os próprios sentimentos, suas feições o entregavam com facilidade. Espantou-se ao perceber como, mesmo antes de o homem dizer coisa alguma, já sabia qual seria sua resposta:

— Aceito as sugestões, então.

Zen riu uma outra vez, deixando o amigo perplexo pela reação fora de contexto. O mais novo precisou menear as mãos aos lados em negativa, numa quase súplica para não tocar mais no assunto, visto se tratar de algo tão trivial.

— Ji-ssi gosta muito das variações de chás preto e verde com leite — mal havia começado a explicação e logo parou, ponderando —, acho que nunca vi ela pedir algo que não tivesse leite junto. Mas teve uma vez que ela provou o da Jae-ssi e detestou — gargalhou. — Eu devia ter tirado uma foto, a cara dela foi muito boa! De vez em quando ela tenta variar para alguma infusão ou essência, mas sempre acaba voltando pros chá — estacou ao ser observado com olhos arregalados. — Que foi?

— Oh… Só fiquei surpreso por você saber a diferença entre chá e infusão[*].

— Escuta aqui, você quer brigar no meio da fila, é?

O passeio estava tão aprazível que Zen quase esquecera quem o acompanhava e sua incrível capacidade para fazer os comentários mais detestáveis.

— De modo algum — surpreendeu-se com a agressividade. — Foi um elogio.

— Acho que você precisa de umas aulas pra aprender a elogiar os outros, viu?

Não era a primeira vez que o homem dizia algo daquele tipo e logo após o justificava como elogio, levando-o a pôr seu bom senso em cheque com frequência. Mesmo reconhecendo o fato de o raciocínio do mais velho não funcionar como o da maioria das pessoas, ver a situação acontecer ao vivo era sempre uma surpresa — uma bem desagradável, inclusive.

— Por favor, continue — Jumin insistiu.

Apesar da desconfiança recém redescoberta, Zen atendeu a seu pedido:

— Jae-ssi, ao contrário, costuma preferir as infusões, ou as bebidas feitas a base de café, mesmo não desgostando das outras. Ela sempre pede um pouco da bebida da Ji-ssi.

— E o que são esses no fim do cardápio? — Levou-o em sua direção, como se mostrar o objeto em si pudesse auxiliar na resposta.

— Esses são os adicionais, eles vão por cima da sua bebida. Você pode escolher o que quiser dessa linha e eles colocam como cobertura. Cada adicional tem um preço diferente. — Emburrou-se de súbito. — Não que isso faça diferença pra você, claro.

— Oh? — divertiu-se com o comentário final. — Tudo ainda parece muito confuso… Não pode dar uma sugestão mais concreta?

— Você é um bebê que não consegue escolher por contra própria? — cutucou-lhe a ferida, embora não estivesse, a sério, bravo.

— Devia sentir orgulho, não é sempre que aceito recomendações com tanta facilidade  — interrompeu a própria fala, retomando-a com brevidade. — Todos os procedimentos na agenda de convivência são coisas que não costumo fazer com frequência. — Abriu um singelo sorriso. — Mas você é um homem de muita honra, não?

— Você realmente quer brigar no meio da fila, né?

Ao exaltar-se, Zen provocou no amigo uma leve e fugaz tremulação, como se tentasse ao máximo não soltar uma risada em resposta.

Apesar dos pesares, não detestava de todo vê-lo reagir daquela forma, quase como se conseguisse quebrar sua armadura de robô sem sentimentos e chegasse de fato ao ser humano. “É uma camada grossa de tsun tsun até chegar no dere dere!”, a voz de Jiyeon ecoou em sua mente, apesar de a mensagem ter inicialmente vindo a si em forma de texto. Franziu o cenho. Desta vez não poderia correr com a desculpa de pegar um cardápio, tornando imperativo que conseguisse controlar os próprios pensamentos.

— Zen?

A voz grave o tirou de seu transe e, virando em sua direção, deparou-se com a expressão sisuda e preocupada do mais velho.

— Estou esperando a sugestão — completou, irredutível.

Parte achando graça, parte irritado com a demanda, o ator apenas o encarou, estático, até que, cansado, o outro retomasse a fala:

— Pode ser alguma combinação da Jiyeon.

Zen ergueu um sobrolho branco e descruzou os braços — quando os havia cruzado? Não se recordava. Soltou um suspiro e voltou a se aproximar do moreno a fim de enxergar melhor o cardápio. Dentre as várias combinações, tentava recordar-se da mais recente pedida pela amiga.

— Se não me engano, da última vez ela pediu maccha[*] milk tea com pudim e azuki[*]… Ela não gosta muito de pobá[*], mas, como é a sua primeira vez aqui, seria melhor se você pelo menos provasse pra saber se gosta ou não.

— Justo — concordou enquanto os olhos ainda corriam o papel plastificado, como se um novo mundo de opções lhe fosse aberto. — Então será isso, mas com pobá.

Silêncio.

A ideia de alguém tão sério quanto Jumin apreciando uma bebida enfeitada e com tantos adicionais quanto os pedidos por Jiyeon lhe causava intensa estranheza. Mesmo assim, aproximou-se do balcão quando chegou sua vez, e, antes de Jumin conseguir formular uma frase completa, ele não só pediu, como também pagou para ambos. Jurou que receberia ao menos uma reclamação por parte do moreno, afinal, estava retribuindo todo o feito a si durante sua convivência, mas não. Em vez disso, recebia olhares curiosos de quando em quando.

— Está frustrado por ser eu a pagar dessa vez? — incitou-o, mas a reação recebida fora inesperada.

— De modo algum. — Cruzou os braços, satisfeito. — Se está disposto a pagar significa que possui o bastante para tal, não? É sinal de fartura.

A despeito da aparente boa vontade de Jumin, Zen não parecia feliz. Sua singela tentativa de vingança falhara miseravelmente e seu reconhecimento lhe aferroava o ego. Estalou a língua e foi para a fila ao lado, aguardando a retirada dos pedidos para viagem.

— O que você pediu?

— Earl Grey[*] com leite, pobá e cobertura de biscoito[*].

— Oh? — soltou num misto de surpresa e escárnio, fazendo saltar uma veia na testa do albino.

— Que foi???

— Não esperava uma escolha tão enfeitada vinda de você.

— Olha só quem fala — grunhiu entre dentes.

A contestação serviu apenas para divertir o moreno, cujos lábios se curvavam em sorriso com ainda mais frequência naquele dia do que nos anteriores. Praguejou-o em pensamento pelo desestabilizar de seus batimentos cardíacos. Cerrou as mandíbulas. Enlouquecia, era a única explicação plausível.

— É a convivência — ripostou sem delongas.

A fala do CEO o fizera pensar sobre si mesmo. Não era mentira, embora também não fosse de todo verdade, que não escolheria uma opção daquelas tempos atrás. Das vezes nas quais saíra com o casal de amigas, desenvolveram o costume de provar as bebidas uns dos outros. A reação de Jiyeon aos sabores escolhidos quando o fazia de acordo com o próprio gosto não costumavam ser das mais agradáveis, até que um dia, por ingênua curiosidade, decidira pedir por um mais compatível ao paladar da jovem. O retorno recebido ao sabor provado fora tão positivo que, por fim, acostumou-se a fazer assim na maior parte das vezes.

Sentiu-se em imenso imbecil ao notar como mesmo um pequeno aspecto de sua vida sofria tamanha influência da amada. Culpou-se. Começava a perceber os motivos de preocupação dos amigos por conta das próprias ações. Como poderiam não se preocupar quando imergia tanto num sentimento para o qual jamais teria retorno? Sorriu triste para o balcão, surpreendendo-se ao ver o espaço vazio sobre o granito falso de súbito coberto por dois copos de plástico com os respectivos nomes Ryu Hyun e Jumin em cada um.

— Não foi tão demorado — comentou o mais velho, ajudando a lhe cortar o raciocínio anterior.

— Não foi, mesmo — disse com genuína surpresa. — Está pronto para comer a comida da plebe, senhor Futuro Presidente?

A provocação de Zen era acompanhada do apanhar das bebidas e de um par de canudos. O amargar na expressão do amigo servia de combustível para sua traquinagem.

***

— Lar, doce lar! — exclamou o ator ao passar para dentro da porta de casa, fechando-a atrás do outro homem.

“Felicidade”, sem dúvidas, não seria a palavra mais adequada para descrever a expressão de Jumin ao adentrar o local, mesmo se esforçando para encobrir seu desconforto. Acompanhou o amigo à sala de estar, onde o viu depositar ambas as sacolas de papel com os sanduíches — deixadas com o motorista durante a compra das bebidas — sobre a mesa envidraçada. Ainda possuía suas dúvidas, contudo, quanto à procedência do alimento prestes a ser consumido.

— Jumin-i, não fique parado na porta, venha sentar!

— Não é a mais cordial das formas de se chamar uma visita, não?

O revirar dos olhos carmim do outro em sinal de fastio havia se tornado cativante em algum ponto, talvez por ele não parecer irritado a sério. O ato se tornara um tique, uma provocação, quase uma piada interna para ambos.

— O ilustríssimo senhor vice-presidente me concederia o imensurável prazer de sua inigualável companhia para uma esplêndida refeição? — Fez menção ao sofá, a fim de sentarem-se.

— Sua noção de “esplêndido” está um pouco distorcida, não? — perguntou com sinceridade ao se aproximar, tomando o assento apontado para si.

— Que tal você comer antes de reclamar? — rosnou em resposta.

— Então posso reclamar depois de comer? — provocou-o.

— Você gosta mesmo de ser desagradável, né? — Quase jogou-se no sofá e começou a retirar de dentro das embalagens os sanduíches e as batatas.

Zen lhe sorriu e pegou o próprio hambúrguer, desembrulhando-o e o levando na direção do outro por breves segundos, quase em comemoração, um brinde, antes de lhe dar uma generosa abocanhada.

Jumin observava a cena com curiosidade. Não havia pratos, tampouco talheres. Possuía a vaga noção de como comer tais alimentos, mas algumas coisas eram diferentes na prática. Em frente a si, sobre o vidro da mesa, fora posto um hambúrguer embalado, uma porção de batatas e a bebida feita de acordo com seu pedido. Ao observar o líquido verde leitoso com bolinhas escuras, pedaços de pudim amarelo e os feijões avermelhados no topo, o homem começou a duvidar da qualidade da sugestão. Não se sentia confortável suspeitando dos gostos de Jiyeon, mas a hesitação era inevitável ao se encontrar numa situação tão fora de seu cotidiano — sua zona de conforto. Era, porém, um homem de palavra, e, por isso,  limitou-se a imitar os gestos do amigo, embora titubeasse ao aproximar os lábios do pão. Mordeu a extremidade com cuidado, sentindo gosto de coisa nenhuma na boca, a textura lhe sendo detestável, como se mastigasse um pedaço de esponja — nunca o havia feito de verdade para comparar, mas julgava ser parecido.

Em contraste, Zen divertia-se de imenso com seu sofrimento, os pequenos risos esganiçados não sendo contidos pela mão a lhe cobrir os lábios.

— Você precisa comer o recheio, Jumin-i, assim só morde o pão.

Aos risos, o albino pôs o próprio sanduíche sobre a mesa, a embalagem impedindo seu contato direto com o vidro, e tomou o que estava nas mãos do maior. Como se treinado para tal, dobrou com habilidade o papel até a metade do alimento, facilitando o ato de o morder. Como se fosse apenas esperado ou a ação mais comum na face da Terra, Zen aproximou o hambúrguer do CEO, apreciando o horror em suas feições.

— Não é tão ruim assim, é? — complementou. — Você nem sentiu o gosto direito!

O pão meio comido caído para o lado envolvendo uma massa amorfa de carne com salada de procedência duvidosa o assombrava. Pessoas comiam aquilo? Gostavam de comer? Alternou os olhos entre a “comida” e o amigo várias vezes até o fazer perder a paciência.

— Jumin-i, você nunca vai saber o gosto se não comer tudo de uma vez! Ele foi feito assim pra pegar todas as camadas juntas, é isso que dá o sabor! — Chegou a balançar o sanduíche, enfatizando a fala.

Ele temia, porém, o “sabor” do qual o amigo falava. Ainda franziu as sobrancelhas em desgosto uma última vez — se a textura e o paladar do resto fosse tão pavoroso quanto a prévia recebida pela mordida no pão, estava fadado à desgraça. Num impulso, antes de perder a súbita coragem, abocanhou a coisa toda e a mastigou. Recebeu uma risada incontida do ator, a qual se intensificou de pouco em pouco, até o menor se curvar contra os próprios joelhos, batendo a mão livre contra um deles.

Possuía total certeza de fazer uma expressão horrível, mas era inevitável. O sabor — se tal abominação culinária possuísse de fato um sabor — era um conjunto inconsistente de ácido, salgado e ruim — não possuía inventividade o bastante para o descrever de outra forma, era apenas ruim, muito ruim, imensuravelmente ruim. Sentia-se impelido a procurar o guardanapo mais próximo e expelir nele o bolo alimentar da boca, mas se conteve. Com algum custo, deglutiu o desgostoso conteúdo mastigado, pavor se apoderando de cada célula viva de seu corpo ao observar o sanduíche ainda quase inteiro. Seria aquele um novo método de tortura? Foi tirado de seus devaneios ao ruído de uma fotografia. Virou de imediato o rosto ao albino, vendo-o continuar o acesso de riso, o qual se descomedia com o passar dos segundos.

— Sua cara — iniciou a frase e não foi capaz de a finalizar por alguns instantes —, ótima!

Mesmo não possuindo uma parte importante da oração, Jumin era capaz de compreender seu significado pelo contexto, muito embora ele não o deixasse contente.

— Como você consegue chamar isso de comida? — questionou, sem forças. Elas haviam sido redirecionadas para o estômago, o pobre se esforçava para absorver os pouquíssimos nutrientes ingeridos. — Você não tem uma intoxicação alimentar com essa coisa?

Sua voz não se alterava quase nada enquanto abria a embalagem de guardanapos descartáveis e os esfregava com certa agressividade nas mãos, embora o desgosto pudesse ser sentido em sua entonação. Zen, seu polar oposto, não tardou em demonstrar impaciência com a insatisfação do amigo:

— Você só acha isso porque ficou tanto tempo comendo essas coisas cheias de frescura que não criou anticorpos. Aposto que fica doente fácil por causa disso!

— Minha saúde é ótima — respondeu ao arquear de uma sobrancelha. — Justamente por eu só ingerir refeições de qualidade, minha imunidade é invejável.

Ambos se encararam por tempo indeterminado até o albino virar o celular na direção do outro, exibindo sua imagem na tela, a foto tirada pouco antes. Ali havia um Jumin com a testa num vinco de ojeriza ao sanduíche. Havia também, ele só notou após a foto, molho numa parte de sua bochecha. Agoniado, pegou às pressas outro guardanapo e tentou se limpar, sem sucesso. Zen, compadecido de seu sofrimento — apesar de ainda rir baixo do desespero exacerbado — tomou-lhe o papel da mão e limpou a mancha por conta própria.

— Todo mundo se suja quando come pela primeira vez, você só demorou mais que os outros — riu. — Com o tempo você pega a prática.

— Você pretende me fazer passar por esta tortura outras vezes? — indagou com seriedade.

— Oh, mas talvez essa tortura sirva pra “aprofundar nossos laços”, como diz a Ji-ssi.

Apesar da diversão da brincadeira, o albino se afastou de repente. Voltou a sentar a seu lado no sofá, amassou o guardanapo usado e o deixou numa pequena bola sobre a mesa.

Jumin não compreendeu ao certo, mas talvez a lembrança da amada lhe tivesse causado algum mal estar.

— Assumo que estas pequenas experiências sirvam como moeda de troca, então? — perguntou o mais velho ao tomar em mãos o copo de plástico contendo a estranha bebida, encarando-o com certo receio.

— Moeda de troca? — Fitou-o de soslaio. — Troca de quê? — Abocanhou o próprio hambúrguer.

— Ainda não desisti do projeto sobre gatos no ambiente de trabalho, você disse que pensaria a respeito de ser o garoto propaganda da campanha.

Um sorriso imponderado se alargou nos lábios de Jumin ao ver a revolta dardejada sobre si pelos olhos rubros do amigo, seguida de lembrança e aparente remorso. Zen esfregou uma mão sobre o rosto e grunhiu antes de tomar um gole da própria bebida, só então retomando o assunto:

— Você vai precisar fazer umas vinte viagens gastronômicas dessas aí pra eu considerar que a troca valeu — disse a contragosto.

Surpreso, Jumin não pôde evitar arregalar os olhos, mesmo que de modo sutil, à fala do amigo. Ele havia, de fato, dito que pensaria a respeito da última vez, mas a fala recente indicava não apenas isso, como também a certeza de que o faria, apenas não recebera compensação que bastasse para tal. Levou uma das mãos aos lábios, imergindo em reflexão. Como seria a melhor forma de apresentar o programa? Com o rapaz no escritório parecendo desmotivado, então chegando em casa e relaxando ao acariciar seu gato? Parecia interessante, mas não conseguia se desviar da sensação de algo a faltar, como se fosse uma lacuna em branco.

— Eu devo me preocupar com essa cara que você tá fazendo e esses resmungos baixos? É bem bizarro, ein? — Zen o interrompeu

— Orelhas e rabo — disse de repente, ignorando por completo o comentário do amigo. — Você, com orelhas e rabo de gato — respondeu à perceptível confusão do outro, apesar de receber ares de desdém em retorno.

— Acabou de mudar para quarenta.

Jumin achou graça.

— Não sabia que gostava tanto assim da minha companhia. Não precisa usar essa troca como desculpa, Zen, pode simplesmente me convidar.

A revolta do mais novo foi imediata. Grunhiu meia dúzia de xingamentos e devorou o resto de seu hambúrguer enquanto Jumin se controlava para não retorquir como descontar as frustrações na comida poderia resultar em algum distúrbio alimentar no futuro. Talvez nem mesmo o próprio Zen percebesse, mas sua fala por vezes indicava apreço pelo moreno, como se desejasse construir junto dele um relacionamento próximo e o manter distante exigisse de si um esforço extraordinário. Nas últimas semanas — em especial após o início da agenda de convivência — contudo, havia uma notável melhora tanto em seu comportamento quanto no diálogo entre ambos. Não brigavam seriamente desde a fatídica noite de embriaguez, o conhecimento do fato era carregado pelo maior como uma medalha no peito, orgulhoso como estava. Talvez não dissesse, aliás, não visse necessidade em dizer, mas valorizava em imenso o tempo passado junto ao outro e o fato de o fazerem de modo civilizado. Talvez este fosse o principal motivo de estar tão disposto a atividades fora de seu cotidiano.

— Bebe o chá — Zen urgia, sua expressão como a de uma criança com brinquedo novo.

Ainda confuso sobre como se sentir caso fosse de fato o “brinquedo novo” do amigo, Jumin vislumbrou a possibilidade diante de si. O líquido verde pastel era mesclado com pequenos pedaços disformes em bege, esferas castanhas e ovóides caramelo: não se assemelhava a nada já experimentado durante sua vida. Como da vez com o sanduíche, aproximou o canudo dos lábios e sorveu um gole do líquido de uma vez só, antes de perder a coragem. O ator pareceu prestes a dizer algo, mas foi interrompido por uma tosse compulsiva vinda do moreno.

— Calma, calma — o albino disse após soltar uma sonora gargalhada, dando leves tapas em suas costas. — Nem deu tempo de eu falar… Toma cuidado porque você pode engasgar com pobá muito fácil!

— Que tipo de pessoa faz uma bebida que causa engasgo?! — inquiriu em meio ao acesso de tosse.

— Com certeza essa não foi a intenção, mas acaba acontecendo. — Alternava os risos com as batidas em suas costas, fazendo-o com mais força. — Ainda mais com gente que nunca bebeu antes e não sabe que precisa mastigar as bolinhas.

— Mastigar? — Cobria a boca com a mão, o tussir cessando aos grados.

— Sim. — Afastou-se e retomou o lugar anterior. — Ainda mais o seu, que tem um monte de coisa. — Meneou a mão em menção ao copo com três variações de mastigáveis. — Acho que tem mais qualquer coisa do que chá — divertiu-se.

Ao aproximar o recipiente de si, Jumin constatou com ainda mais certeza a afirmação do outro. Havia tantos pedaços que aquilo mal poderia ser denominado chá; de fato, quase não era mais líquido. Suspirou.

— Mas você gostou, pelo menos? — Zen perguntou, curioso.

Sem saber ao certo como responder, o mais velho sorveu outro gole da peculiar mistura, desta vez com cuidado, deixando-a passar morosa pela boca, espalhando-se pela papilas gustativas. Ainda estranhava precisar mastigar a comida em sua boca — a ideia de algo sólido numa bebida lhe era bizarra em demasia — mas o sabor, de todo, não era ruim. Após terminar, pôs-se a pensar sobre como descreveria a experiência ímpar proporcionada pelo passeio, espicaçando a ansiedade do homem ao lado.

— O que achou? — reforçou a pergunta, impaciência a lhe transbordar pela boca.

— Não é ruim — respondeu com sinceridade —, na verdade, talvez eu pedisse uma outra vez, com menos adicionais. — Ergueu o rosto e se deparou com a feição satisfeita e sorridente do amigo, a fala fugindo de sua memória por um instante após a visão. — Mas não é chá.

— Como assim “não é chá”??? — inquiriu, a frustração passando por cima de sua prévia felicidade como um rolo-compressor.

— Não sendo. — Arqueou um sobrolho. — Não nego que o sabor é agradável, imagino que deva ser mais com ingredientes mais harmoniosos, mas não se pode chamar isso de chá. — Ergueu um bocado o copo, exemplificando. — Talvez uma mistura… Não sei ao certo definir, mas com certeza não é chá.

— Claro que é chá! — exaltou-se. — É feito de chá, é a base da coisa!

— Pode ser a base, mas não é o principal…

— E as bebidas à base de café, como frappuccino, vai dizer que não é café? — exaltou-se.

— São bebidas à base de café, não café. Café é café.

Jumin não compreendia o motivo de ser indagado a respeito de algo tão simples e óbvio, mas aquele parecia ser o passatempo preferido do mais novo. A convivência entre ambos andava tão agradável que chegou a quase esquecer das numerosas brigas sem motivo. Estremeceu. Temeu pela possibilidade de um futuro próximo no qual as alfinetadas evoluíssem num ritmo tão assombroso ao ponto de quase não conversarem mais: como era no início, apesar da cordialidade superficial. Ouviu-o bufar.

— Muito bem, Mr. Darcy[*] — disse com cinismo, empurrando o próprio copo sobre a mesa na direção do outro —, prove o meu e diga o que achou.

Confuso, estacou, como se o organismo falhasse em obedecer às ordens do cérebro para atender ao pedido do amigo. A causa de sua paralisação, porém, não era o orgulho de não desejar ceder ao solicitado — tal pensamento sequer chegara a lhe ocorrer até o momento —, mas por haver algo além, capaz de lhe causar uma estranha sensação, cujo nome ainda faltava.

Jumin não sabia como tratar aquela sensação. Era algo disforme, quase impalpável, embora possuísse a impressão de o ter sentido antes, ao menos algo similar.

— Jumin-i? — Zen o chamou e abanou a mão diante de sua face, desejando atrair-lhe a atenção. — Tudo bem?

O mais velho ergueu o rosto e observou os olhos rubros sobre si, encarando-o com atenção. Apesar de expressarem frustração por não haver uma resposta rápida, havia também uma preocupação implícita no ato e Jumin não pode evitar sentir-se cativado por isso. Sorriu.

— Eu disse que não achei ruim, mas se faz tanta questão assim de repartir comigo, não farei desfeita, Miss Bennet — retribuiu a brincadeira e sorveu um gole da bebida oferecida.

Não só a cor era diferente — um tom esbranquiçado de gris —, mas o sabor também. Com menos adicionais, os sabores não entravam tanto em conflito e, num geral, era mais agradável do que o próprio pedido. Encarou o copo de plástico com certo pesar, este interrompido pelo riso do mais novo:

— Bennet um, Darcy zero — troçou e fez sinal com a mão para ele devolver a bebida.

— Quer mesmo competir por isso? —  Entregou-lhe o requisitado.

— Por que não? — Tomou um gole do copo e, súbito, parou, quase engasgando olhando para o canudo como se fosse uma cobra prestes a lhe dar o bote.

— Oh, engasgou também? — divertiu-se ao receber um olhar furioso em retorno.

— Escuta aqui, você não consegue ficar um minuto sem ser desagradável?

Apesar de não se sentir de fato ofendido pela reclamação, Jumin pensou a respeito e, num ato de cordialidade, estendeu o próprio “chá” na direção do amigo, oferecendo-o.

Era algo bom a se fazer, não? Gentil, até. Pelo ouvido mais cedo, o ato de socializar comes e bebes parecia comum entre eles e as duas moças, logo não haveria motivos para receber uma negativa quando seus laços afetivos enfim se estreitavam, certo? Pensava assim, ao menos até receber uma expressão de desgosto em resposta. Zen não parecia decerto enojado, ao menos não era essa a demonstração recebida por sua linguagem corporal, mas era inegável como a ideia de beber do mesmo copo de Jumin parecia lhe causar imensa angústia. Num suspiro resignado e desapontado, Jumin trouxe o copo de volta para si, tomando de seu líquido um gole. Franziu as sobrancelhas. O outro era melhor.

Houve silêncio.

Não um silêncio cômodo onde os dois estivessem confortáveis com a companhia um do outro, mas sim agoniante, durante o qual não se sabia ao certo o que dizer ou fazer. Ambos olhavam para seus respectivos copos, lançando olhares fugidios um ao outro, mas a mudez perdurava. Não havia fala, só agonia e suplício: a ausência de fala era tanta ao ponto de conseguirem ouvir as pedras de gelo derretendo nos copos.

— Ah, me dá logo isso aí! — Zen irrompeu a quietude e tomou o copo das mãos do moreno, tomando um grande gole do líquido. Permaneceu por alguns momentos a mastigar o pobá antes de retomar a fala, com ares de arrependimento. — Acho que o pobá deixou o resto doce demais, o da Ji-ssi costuma ter um gosto melhor. — Olhou descontente para dentro do copo, analisando-o.

Incrédulo, o CEO observou a cena sem saber ao certo como reagir. Sentiu uma tremulação crescer grado a grado dentro de si até explodir num escapar de ar dos lábios, seguido de risos. Numa tentativa de conter-se e não parecer rude, cobriu a boca com uma das mãos para fechar a boca e conter o riso, em vão. Nem mesmo o olhar atravessado do albino foi capaz de coibir sua ação.

— Você anda tendo essas crises de riso com muita frequência, né?

Era verdade.

Seu ato não chegava a ser exagerado ou ruidoso como o de Zen, cuja voz alcança tons quase supersônicos quando se alterava, mas o tremelicar de seu corpo e o riso contido, baixo e grave entre os lábios, já era um contraste e tanto com seu comportamento usual.

— Talvez passar mais tempo com você faça eu me sentir assim — respondeu-lhe com naturalidade.

O espanto estampado nas faces do albino fez Jumin refletir como disse em voz alta um pensamento sem nem ao menos se dar conta. Ainda assim, não considerava a fala tão impressionante ao ponto de o deixar boquiaberto daquele modo. A seu ver, era de se esperar que passar tempo com um amigo melhorasse seu humor, em especial um do qual tentara se aproximar por tanto tempo com tentativas frustradas. Considerava-o em imenso interessante, como se cada reação inesperada se somasse ao interesse já criado no âmago do empresário, deixando-o mais e mais intrigado com seu comportamento, desejando ver cada uma das facetas das quais havia sido privado pela falta de convivência.

— Você consegue falar umas coisas bem vergonhosas sem nem ligar, né? — Zen grunhiu entre dentes, constrangido. Assoprou ar pelo meio dos lábios e os sentiu vibrar, precisando desviar o rosto do mais velho e tomar outro gole do próprio chá, as feições se abrandando ao voltar para o sabor agradável da escolha feita por si.

— Sinceridade é constrangedora? — Pegou de volta o próprio copo, encarando-o. — Pensei que gostasse de eu me comportar como humano e não robô — alfinetou-o.

— É um choque muito grande, ainda preciso me acostumar. Quem diria que tinha sentimento por baixo daquela casca grossa? — disse num misto de honestidade e provocação.

A singela afronta, contudo, não irritou o mais velho, muito pelo contrário: parecia satisfeito após o comentário, causando ainda mais confusão ao ator.

— Você ficou feliz com isso?

— Oh? Pensei que não conseguisse interpretar minhas reações. Talvez eu tenha ficado humano o bastante para isso? Ou você tenha aprendido a me compreender melhor?

Mais uma vez, apesar de o perturbar, havia uma nítida noção de contentamento na fala de Jumin, como se obtivesse a última parte necessária para completar um quebra-cabeças: no caso, a compreensão entre ambos.

Zen, conquanto também apreciasse a nova forma de convivência, possuía extrema dificuldade em se desapegar da síndrome de inferioridade causada pela companhia do outro. Jumin a reconhecia, mas julgava seu desaparecimento questão de tempo, dado como o distanciamento emocional entre ambos se estreitava a cada minuto passado. Sentia-o cálido, íntimo, como um membro da família. Sempre o percebera daquela forma, mas a aparente reciprocidade ainda lhe era fresca ao sentimento, e, talvez por isso, acabasse por se exacerbar nas reações, embora não o considerasse de todo ruim.

— Bem — o ator retomou o assunto, sacudindo de leve o recipiente a fim de movimentar as bolinhas no fundo, trazendo-as mais para cima —, é bom que você esteja se divertindo, normalmente fica todo sério, dando uma de bonzão.

— Você apenas nunca havia compreendido meu senso de humor. — Tomou mais um gole da bebida. — Mas agradeço a preocupação.

Jumin fez uma longa pausa, repugnância crescendo em si ao observar o sanduíche não terminado sobre a mesa.

— Eu preciso mesmo terminar isso?

A questão arrancou do amigo outra gargalhada esganiçada e quase o fez cuspir o chá dentro da boca.

— Você realmente detestou isso, né? — Buscou um guardanapo a fim de enxugar os cantos do lábios. — Mas, Jumin-i, não tem mais nenhuma comida pronta em casa além disso. Você não vai ficar com fome?

— Está preocupado comigo?

Apesar de apreciar o cuidado do fundo do âmago, não conseguia evitar o leve tom de escárnio na pergunta, azedando de pronto a expressão do mais novo, a qual se repartiu em despeito e constrangimento.

— E se eu estiver? — devolveu-lhe a afronta.

— Então agradeço — emoldurou a fala com um sorriso sutil, mas sincero.

Zen não soube ao certo como reagir. O rosto se desviou para o lado quase em automático, muito embora seus olhos voltassem, fugidios, na direção do mais velho, como se o constrangimento terminasse de infectar o sentimento antes dividido.

Jumin não compreendia ao certo o motivo de seu embaraço, embora aquela conversa fosse, de fato, muito mais íntima do que a média mantida por ambos. Conquanto não a considerasse algo ruim, o efeito causado era esperado, visto que não possuíam o hábito de lidar com os sentimentos um do outro. Ele estava fascinado. Cada reação obtida era nova, intrigante, interessante, despertava-lhe uma curiosidade até então esquecida dentro de si, como se trancada dentro de uma porta para a qual não possuía a chave. A abertura dada pelo mais novo, contudo, serviu como permissão para ter liberdade de se aproximar. Gostaria de saber, ver lados seus não mostrados aos outros com frequência e até mesmo os não mostrados para mais ninguém. Ali, com as faces levemente rubras e batendo o pé no chão de modo ritmado, estava o rapaz cujos olhares lançados sobre si de quando em quando Jumin fingia não ver, pelo simples receio de eles cessarem caso sua existência fosse reconhecida. Sem perceber, seus lábios haviam formado uma curva e em seu peito se instalou um aglomerado de acalento, agitação e caos.

— Se você não aguenta nem um inteiro, não vai dar conta nunca dos trinta e nove que faltam pra eu participar do seu comercial — Zen disse de súbito, pescando-o de seus devaneios.

Com pesar em seu rosto e após um longo e penoso suspiro, Jumin tomou o hambúrguer em mãos uma outra vez e o ingeriu tão rápido quanto seus modos lhe permitiam. Quanto antes finalizasse aquele martírio, mais rápido obteria sua recompensa.


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Notas finais do capítulo

[Yuu-Chan-Br]: Mds, gente, eles estão tão adoráveis... ♥ Mas o que acharam? Do desespero do Zen ao perceber que talvez goste do Jumin de modo romântico? E acham que o Jumin interpretou certo as reações do Zen? Uma coisa muito divertida que KuuChan (ilustrador da capa da história) comentou comigo enquanto lia era que ele gostava mais das partes vistas pelo ponto de vista do Jumin do que do Zen, por serem mais leves. Também admito que acho fofo o modo como o sentimento crescendo nele nunca era muito posto em questão, só aceito. O Zen me diverte com os surtos e a não aceitação do óbvio, mas é compreensível que tanto isso quanto o sofrimento dele por ainda gosta da Jiyeon cause angústia em quem lê. Na verdade eu fico muito feliz por isso, pois é um sinal que consigo transmitir com eficácia os sentimentos dele, ohohoho~

[*] Chá e infusão - Já aconteceu comigo, várias e várias vezes, de me oferecem chá e, quando eu aceito, me entregam um copinho de infusão, de, vamos dizer, flores. A maior parte das pessoas, pelo menos aqui do Brasil, não conhece essa diferenciação. Chá é o nome dado especificamente à planta Camellia sinensis e suas variações (preto, branco, verde, oolong…), enquanto infusão é o ato de mergulhar em água fervente qualquer substância para extrair dela seus princípios. Ou seja, tudo aquilo que não é chá, é infusão: flores, frutas e demais tipos de erva.

[*] Maccha - Chá verde em pó

[*] Azuki - feijão vermelho, muito utilizado para doces na culinária oriental

[*] Pobá - São bolinhas adocicadas, normalmente pretas (mas também podem ser brancas ou caramelo), feitas de tapioca.

[*] Biscoito - na verdade ele possui um nome, mas eu não quis fazer propaganda. 8D Aliás, este é o momento no qual os leitores, se não sabiam, passam a saber que a autora não é paulista.

[*] Earl Grey - um tipo de chá preto saborizado com óleo de bergamota.

[*] Mr. Darcy - Aqui Zen se refere ao personagem de “Orgulho e Preconceito”, filme assistido por ambos no capítulo anterior.



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