O Bom Político escrita por P B Souza


Capítulo 1
O Discurso


Notas iniciais do capítulo

No ritmo de queda da república, vem ai a one-shot esperançosa e positivista que você não estava esperando! :V



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Subiu no palanque sentindo os pés fracos nos degraus do que bem podia ser um cadafalso de uma forca. Sabia que era exatamente aquilo que estava fazendo; se enforcando!
Não literalmente, mas figurativamente a corda estava ali, ele podia sentir a trama do canhamo roçando seu pescoço enquanto engolia a saliva e ajeitava as folhas no púlpito, a madeira sob seus pés rangendo como se a portinhola fosse se abrir e o chão fosse o engolir, pendendo… mas era só um discurso. É apenas um discurso. Disse à si mesmo.
— Boa noite, senhores! — anunciou-se com timidez e sua voz chamou pouca atenção de forma qual muitos continuaram a conversar no salão, sem sequer lhe olhar. Muitos sequer olhavam para ele se não para ofender de alguma forma.
Era uma das desvantagens de fazer parte de um partido pequeno. Se sentia invisível na maior parte do tempo, menos quando voltava para casa. Então sentia-se grandioso e odiado. Sua família nunca aceitou que entrasse na política “um antro de cobras” diziam. E ele sempre quis fazer a diferença. Se soubesse antes… ingenuidade não dura em Brasília, descobriu nos primeiros anos. Mas os espólios eram bons, mesmo em um partido pequeno, então permaneceu.
Agora, com a vaga aberta após a cassação do presidente anterior, os candidatos faziam seus discursos para angariar votos. Ele fora o escolhido de seu partido por ser um rosto novo, uma voz forte entre o povo, e ter um histórico… limpo. Até onde olharam.
Não se orgulhava, mas aprendera que em Brasília os cães treinados não fazem truques se não ganharem seus biscoitos, e os donos dos cães não dão os biscoitos para estes se não ganharem biscoitos também!
E por essa razão ele nunca conseguiu fazer nada de significante. Não estava disposto a ir aonde precisava ir. Se lembrava do que a diretora do partido dissera uma vez; “Você poderia comandar esse país. Mas nunca irá”. Como você está certa, minha querida.
— Vocês todos… bem, sabemos o que está em jogo no nosso país. — Tentou começar pelo que estava escrito nas páginas, mas aquilo era baboseira. Ele não queria ler aquilo. E ninguém queria ouvir aquilo. Mas novamente, ninguém queria ouvi-lo.
Nos dias anteriores todos os candidatos àquela vaga haviam visitado os que votariam neles, haviam feito ofertas, haviam pagado a propina pelos votos. De todos, ele temia não ter o voto de nenhum, pois embora seu partido tivesse liberado uma verba, ele não usou nenhum centavo, sequer visitou os que votariam ou tentou convencê-los a votar nele. Esse não é o caminho para a vitória. Não na história.
Então respirou fundo. Era aquilo. A corda apertou-se mais um pouco, o cadafalso nos seus pés pareceu gemer prestes a se abrir. Suicídio político.
Deslizou os dedos pelo púlpito e jogou seu discurso escrito por um assessor para o chão. As folhas voaram ao ar atraindo alguns olhares. Então com uma pancada forte, bateu as duas mãos nas bordas do púlpito vazio, o microfone soltou um leve apito.
— Eu quero um yacht. — Começou então, e conseguiu; atraiu muitos olhares. — Eu quero um  yacht caro e luxuoso Três dias atrás eu tinha o dinheiro pra comprar um yacht, ou, como me foi dito, comprar alguns votos. Eu tenho certeza que boa parte de vocês receberam visitas, jantares, almoços… coisas assim, com os outros candidatos. Outros de vocês só receberam ligações, estes devem ser os menos importantes, se eu fosse vocês, votava na concorrência só de raiva! — Risos na sua plateia, mas não era risos que ele queria causar.
“A verdade é que eu não me importei em comprar votos, e vocês devem pensar que não me importei porque eu queria um yacht. Mas a verdade é que devolvi o dinheiro para onde ele veio. Eu não queria… não quero comprar seus votos. Eu queria merecer eles, mas isso é impossível, porque vocês também querem um yacht!”
“Esse é o grande problema, eu acho. Estamos muito concentrados no que queremos e acabamos nos esquecendo do que deveríamos fazer. No que o povo quer. Mais importante, senhores, no que o povo precisa!”
“Eu queria dedicar minha carreira ao povo, e estou fazendo isso agora enquanto cavo minha cova aqui em cima com estas palavras vazias. Pois vocês não escutaram, mas mesmo assim as direi. Antes palavras ao ar do que o silêncio perturbador de quem vê algo errado e compactua.”
Ele parou por um minuto deixando que todos digerissem aquele começo, e então olhou para os rostos mais familiares na sua plateia, inspirou, e recomeçou;
— Imagino que muitos de vocês acreditem em Deus. Bem, eu não acredito, mas acredito na história. E escutem com atenção, senhores, Deus e História são, quanto a isso, iguais. — Fechou os olhos e tentou se lembrar das aulas de catequese de qual participou.
“Não ajuntem tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam, mas junte tesouros no céu, pois lá estará seu coração. Ninguém pode servir dois senhores; porque há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não poderá servir Deus e Mamom. Por isso vos digo, não andeis cuidadosos quanto o que terá de comer ou de beber ou de vestir. Olhe para as aves do céu, que nem semeiam nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso pai celestial as alimenta mesmo assim. Não tem o homem muito mais valor do que elas? Mateus 6:19 a 28 se não estou enganado”
“Eu quero muito um yacht, mas isso é servir a mim. E estou aqui juramentado a servir ao povo. E não há como servir dois mestres. Mas eu não acredito neste Deus que vocês acreditam, meu deus é a história. E nela não há espaço para meu yacht também, porque se hoje eu tivesse comprado seus votos, nem discursar iria, talvez me tornasse o presidente, mas a que custo? Todo meu conforto, toda a riqueza, todas as casas, fazendas, os helicópteros, os apartamentos e os elevadores, os sítios, os aeroportos para familiares, as contas fora do país, os desvios, os cargos públicos para familiares, tudo isso seria esquecido na história. Quando penso no que poderia conquistar em vida, só não digo sim à podridão porque penso no que perderei em morte”.
“Senhores, eu imagino que vocês que acreditam em um Deus de bondade tenham em mente pedir perdão, pois se não, para o bem de vocês, eu espero estar certo em dizer que Deus não existe, caso contrário este salão inteiro queimará no inferno!”
“E é por essa razão, senhores, que não comprei seus votos. Que não barganharei com vocês ou gastarei mais de seu tempo. Minhas palavras se perdem hoje, mas quando nos formos, quando a prole de nossa prole aqui retornar, eles olharam para trás e verão nossas palavras, não nossa ganancia, pois esta se perde, não entra no reino dos céus, não entra na história. Portanto não vale a pena persegui-la. Tudo que posso fazer é servir ao Deus de vocês, servir a um único mestre, servir a quem jurei servir. Ao povo. E espero, em uma esperança vazia, que os senhores sirvam ao povo também. Obrigado e boa noite!”


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado como esquerda gosta de mortadela e direita de coxinha!!
Até o próximo impeachment abiguinhos. #Pas :v



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