When I Dreamed escrita por Shiroyuki


Capítulo 8
Capítulo 8. take a deep breath


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Sei que faz bastante tempo desde que eu postei, e não era minha intenção demorar tanto assim, mas aconteceram um monte de coisas que não valem a pena ser explicadas aqui (algumas ruins, outras não), mas que me fizeram ficar um tanto afastada por algum tempo, ocupada com tudo isso e sem tempo pra nada, mas felizmente, to conseguindo me reorganizar, e consequentemente, voltar a postar!
Agradeço a todos que continuam a acompanhar a história (em especial à Laís Cahill, que mandou mensagem perguntando se eu ia continuar a história ♥ obrigada de verdade, por se preocupar~) e espero que gostem do capítulo!



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O teatro onde seria o evento, sede do New York City Ballet no enorme e belíssimo complexo de edifícios que era o Lincoln Center, estava completamente iluminado e ricamente decorado. Victor teve que rir da ironia, depois de ter passado anos criando desculpas para evitar ser obrigado a ir a este tipo de evento, lá estava ele, desde cedo no teatro por vontade inteira e absolutamente própria. Lilia certamente riria se soubesse, não que ele estivesse disposto a dar este gostinho a ela.

Mesmo assim, Victor agradeceu mentalmente as lições que ela gravara a ferro em sua mente sobre códigos de vestimenta e eventos formais, pois de outra forma, ele teria passado vergonha. Todas as pessoas ao seu redor estavam com ternos e vestidos de gala. Mesmo Mila, apesar de ser apenas a fotógrafa, estava vestindo um elegante terno feminino de risca de giz, discreto, com os cabelos vermelhos presos em um coque.

Assim que chegaram, ela teve que deixá-lo à própria sorte, indo buscar seu crachá de identificação e resolver outros assuntos com a produção do evento, mas não foi difícil misturar-se à multidão. As pessoas não paravam de chegar, e pequenos grupos de senhores e senhoras que só poderiam pertencer à alta classe se reuniam para conversar no hall de entrada, os poucos jovens presentes parecendo polidamente entediados com toda a situação. Foi uma sorte não ter convencido Yuri a vir, afinal. Ele já teria estourado porta afora, aborrecido com o tédio daquele tipo de evento, à procura de algum bom ponto de wi-fi para passar o resto da noite.

Volta e meia, algum desconhecido parava para cumprimentar Victor, provavelmente na ilusão de que deveriam conhecê-lo, já que ele estava ali, e não querendo cometer qualquer gafe de ignorá-lo, mesmo sem ter ideia de quem ele seria. Victor apenas retribuía a interação como esperado, acostumado a este tipo de situação, achando graça nas tentativas das pessoas de falarem com ele como se já o conhecessem há tempos, mesmo sem saber nem mesmo seu nome.

Mesmo com as interrupções momentâneas, as conversas baixas e a música ambiente começavam a deixar Victor em um estado quase letárgico. Ainda era cedo para o início das apresentações, mas ele seguiu para o interior do teatro e acomodou-se em um dos lugares mais ao centro. Não havia quase ninguém ali ainda, exceto nas partes mais altas dos camarotes nos andares acima, que já começavam a dar sinais de movimentação.

Victor puxou o encarte que trazia detalhes das apresentações, e começou a lê-lo, distraidamente, imaginando se alguma daquelas coisas poderia dar a ele alguma ideia nova para sua história. Até o momento, ele não havia visto nada além do que já conhecia. Aparentemente, a apresentação desta noite fazia parte de um grande evento  comemorativo e reuniria companhias de ballet, grandes e pequenas, de todo o país, com apresentações durante dois dias. Havia gente de todos os lados. Houston, Seattle, Detroit, Boston, São Francisco, Dallas. De fato, parecia algo maior e mais importante do que Mila havia deixado parecer quando citou o evento pela primeira vez.

E aquele último mês havia passado tão rápido e tão agitado que, sinceramente, Victor quase esquecera do convite de Mila, e se ela não tivesse ligado para ele na semana anterior para confirmar, ele jamais teria lembrado sozinho. Sua memória costumava ser bem ruim no geral, e Yuri nunca deixava de enfatizar esse fato, mas dessa vez, ele tinha uma razão mais plausível para andar tão relapso.

Esteve envolvido com o andamento do seu livro – sim, ele finalmente estava andando, e não poderia estar mais satisfeito com isso. Claro que não era exatamente aquele fluxo de inspiração com o qual ele estava acostumado, que o fazia ficar noites em claro com os dedos trabalhando e ter um manuscrito praticamente pronto em alguns poucos dias. Era um processo mais lento, cuidadoso, e ele passava cada pequeno momento do dia refinando as palavras para que o resultado final fosse exatamente aquele que ele sonhara (literalmente).

Chris oferecia uma ajuda imensa, isso era verdade. Victor tinha muito receio da ideia de editores se metendo no seu trabalho, visto suas experiências passadas, mas as contribuições de Chris e a maneira como ele conseguia filtrar o turbilhão de ideias que Victor era e transformar aquela bagunça toda em algo linear e racional era inacreditável. E Victor não se sentia mal por estar trabalhando de forma mais lenta do que o habitual. O fato de tudo estar levando mais tempo, e de toda a atenção que Victor se dispunha a oferecer para contar a história o faziam se apegar mais e mais àquele livro, e em decorrência disso, ao seu personagem.

Durante aquelas semanas, os sonhos continuavam a acontecer. Victor parou de contar depois do terceiro sonho, todos eles misturando-se na sua mente como se fossem a sequência de uma só cena. A frequência nunca era constante. Ele podia ter dois sonhos seguidos, ou ficar uma semana inteira sem visita alguma do seu bailarino. Nunca era igual, também. Algumas vezes, ele só via o garoto passando pelos corredores daquela mesma casa antiga, como se ele estivesse fugindo dele. Outras vezes, ele assistia o bailarino dançar, e nesses momentos se esforçava para ficar quieto e apreciar o momento, com medo de que sua voz ou qualquer gesto brusco fosse assustá-lo e fazê-lo fugir novamente.

Depois daquele primeiro contato, em um dos primeiros sonhos, ele nunca mais conseguiu falar diretamente com o dançarino. Continuava tentando, porém, com menos afinco com medo de afugentá-lo de vez, e sem obter muitos resultados. Em compensação, sempre que acordava dos sonhos, sentindo-se iluminado, inspirado e renovado, as palavras vinham em um fluxo ininterrupto para seus dedos, e ele passava horas apenas registrando todos os detalhes possíveis e organizando eles dentro da ideia de história que se formava a partir das suas reflexões isoladas.

No entanto… bem, ele estava tentando evitar pensar com muita atenção nisso, mas o ambiente silencioso e sem muitas atividades do teatro antes do show começar deixava sua mente livre para vagar, e fatalmente, ela acabou recaindo no sonho de duas noites atrás. Havia sido completamente diferente de todos os anteriores.

Pela primeira vez, Victor não estava na sala iluminada, repleta de espelhos e luz do sol, vendo o bailarino praticar. Ele estava em outra sala, e alguma coisa no fundo da sua mente dizia que ainda estava no mesmo prédio, mas ele não saberia dizer. Tudo estava escuro, com apenas algumas luzes bruxuleantes, que lembravam chamas de velas, lançando sombras trêmulas e amareladas ao redor.

Victor demorou para ver o bailarino, na parede oposta, sentado no chão tão encolhido que poderia facilmente ser confundido com parte da mobília. Ele pareceu perceber a aproximação de Victor, e se colocou de pé em um gesto tão gracioso e limpo que Victor não conseguia nem mesmo piscar, para não correr o risco de perder qualquer segundo.

Então, ele andou até o centro da sala. E Victor não conseguia acreditar que o que estava vendo podia ser real – o que de fato, não era. Ele usava um colan preto que cobria seu corpo dos pés até o pescoço, tão justo que seria possível ver o contorno de cada músculo do seu corpo. Nada daquelas camisetas mais largas que Victor o vira usar para dançar outras vezes. Não deixava quase nada para a imaginação. Algo parecia cintilar naquela roupa quando ele se mexia, mas na luz tênue que mal permitia que Victor visse o rosto da sua fonte de inspiração, era difícil dizer.

Mas Victor percebia – sentia— o olhar do outro sobre si. Era um olhar que demandava algo, o olhar de alguém que queria ser visto. Um olhar penetrante e que não dava margens para escapar daquela maravilhosa hipnose pela qual Victor voluntariamente se deixava levar. Por que quando ele enfim começou a se mover, ao som de uma música que Victor não conseguia mais lembrar dos acordes exatos, ele não poderia desviar o olhar daquela figura inebriante nem mesmo se sua vida dependesse disso.

Cada movimento, fluído, certeiro, sensual… parecia ter sido cuidadosamente planejado para levar Victor ao extremo. Ele não sabia o que pensar, para onde ir, o que fazer. Apenas via como o bailarino se movia, deslizando seus pés leves sobre o chão de madeira como se esse simplesmente não existisse. E cada vez que seus olhos se cruzavam durante a dança, Victor sentia algo se mover em si, percorrendo toda a extensão da sua pele. Algo que ele não lembrava de já ter sentido antes, em nenhuma circunstância. Quando a música silenciou, o bailarino parou em sua última posição, os braços erguidos em um abraço solitário, o peito subindo e descendo pelo esforço, o rosto afogueado com o exercício recente.

Então, ele voltou a fitar Victor, e o efeito se transformou, em outra coisa, indefinida, que ainda fazia o coração de Victor retorcer-se agoniado por não saber exatamente como definir esse sentimento. O bailarino ainda parecia arrebatado pela emoção da performance, o brilho da fina camada de suor que cobria seu rosto refletindo a luz fraca ao redor, fazendo toda a sua figura parecer feita da mesma luz. Um sorriso, genuíno, surpreso, completamente inocente mesmo em vista de tudo o que ele havia acabado de fazer, surgiu. Victor estremeceu ao ouvir a voz dele indagar, trêmula, excitante, elétrica.

“Gostou?”

Na manhã seguinte, quando acordou, Victor voou para o seu notebook, sem fazer mais nada, e começou a descrever tudo o que havia visto, para registrar aquela imagem quando ainda estava fresca e recente em sua memória. Ele nunca havia imaginado que uma única dança pudesse ser capaz de transmitir uma gama tão variada e rica de emoções. Nunca havia imaginado que ele pudesse sentir tais emoções, daquela forma tão intensa, ainda mais em um sonho. Apenas a recordação que ecoava novamente tudo isso nas memórias dele já eram o suficiente para fazer seu coração balançar ligeiramente no peito.

—  Com licença…

Victor ergueu os olhos, sobressaltado, ao perceber que alguém esperava para poder passar por ele e sentar ao seu lado. O resto do teatro parecia estar enchendo aos poucos, todos acomodando-se. O espetáculo estava prestes a começar, e perdido em seus pensamentos como estava, ele mal se dera conta do tempo passando.

Apenas imaginava se haveria naquele local, nos bastidores, algum dançarino com uma coreografia tão intensa e capaz de arrancar de Victor reações tão cruas e certeiras daquela forma.

Alguém tão gracioso e confiante quanto o seu bailarino dos sonhos, pronto para pisar naquele palco.





.




— Eu não estou pronto para pisar naquele palco.

— Yuuri…

— Eu sei o que você vai dizer. – Yuuri interrompeu Phichit, de forma brusca e, ele sabia, bastante rude, e Phichit não merecia ser tratado dessa forma, mas ele não pareceu se importar. Ele havia vindo para acompanhar Yuuri na apresentação, aproveitando para fazer uma matéria sobre a ida do grupo de dança e ballet clássico da universidade à Nova York. Yuuri estava grato pela sua presença ali, de outra forma, não sabia como iria fazer para se acalmar se estivesse completamente sozinho. – Que eu posso fazer isso, que eu pratiquei esse tempo todo para esse momento, mas…. Eu não, eu não consigo, ok? Eu não consigo. Eu não sirvo pra isso, eu vou acabar travando lá em cima, vai ser ridículo e eu vou fazer a Minako passar vergonha, vai ser horrível, horrível, não dá…

—  Yuuri… – Phichit já não sabia mais o que poderia falar para acalmar seu amigo, e tudo o que passava na sua cabeça no momento eram as mesmas frases comuns que não ajudariam em nada, e que ele já havia repetido várias vezes durante todas aquelas semanas. Ele se aproximou de Yuuri, passando as mãos de leve nos cabelos já arrumados, penteados para trás com gel, cuidando para não tirar nada fora do lugar. Ele não chorava, mas tremia muito.

Yuuri já estava com seu figurino para a performance – um belíssimo traje inteiramente negro, com aplicações cintilantes que cruzavam da cintura até o ombro do lado oposto, com cortes semi-transparentes que mostravam parte da cintura. Yuuri havia pedido, de última hora, para que as figurinistas acrescentassem algo que lembrasse uma saia, de um dos lados, dizendo que isso serviria melhor para a temática que ele vinha trabalhando, e que se recusava a explicar com detalhes à Phichit.

Ele esteve tão motivado naquelas últimas semanas, mesmo com a ligeira gripe que atrapalhou um pouco seus planos, cheio de ideias e planos, correndo com o figurino e praticando mais do que nunca, ficando sempre até tarde no estúdio para aproveitar todo o tempo que tinha, buscando refinar aquela coreografia à perfeição. Ele estava verdadeiramente animado com a ideia de criar algo só seu para adaptar naquela dança, e Phichit podia ver nos olhos dele que isso era exatamente o que ele desejava fazer para o resto da sua vida, a sua vocação, aquilo que Yuuri nasceu para realizar.

O que poderia ter acontecido naquele espaço de tempo entre a viagem de avião de pouco mais de uma hora, a chegada no hotel onde eles ficariam, e a vinda para o lugar onde seriam as apresentações para que Yuuri desmoronasse daquela forma? Phichit se sentia péssimo por não ter notado o exato momento em que Yuuri ruiu, e agora culpava-se por não saber como ajudá-lo. Sentou ao lado dele, com uma das mãos ainda no ombro de Yuuri, vendo como ele se encolhia com o simples toque, escondendo o rosto com as mãos e curvando-se para baixo.

Ao redor, várias pessoas andavam de um lado para o outro, alongando os músculos, arrumando figurinos, retocando a maquiagem, ajeitando os cabelos uma última vez antes de subir ao palco. Havia até mesmo algumas crianças correndo de um lado para o outro, do grupo infantil que logo se apresentaria, mas sua professora se esforçava para manter todas juntas e disciplinadas, sem atrapalhar a preparação de ninguém. O clima ao redor era ativo, inquieto, todos apreensivos e absolutamente cheios de expectativas para a apresentação que se aproximava, e isso parecia afetar Yuuri ainda mais diretamente. Quando alguém da produção contou que havia um escritor, jornalista, ou algo assim que gostaria de conversar com alguns deles para escrever alguma coisa, Yuuri pareceu piorar ainda mais. A última coisa que ele precisava era de alguém para testemunhar e registrar o estado em que ele se encontrava naquele instante, não importando para qual fim fosse.

— Você quer que eu chame a Minako? Ou quem sabe, quer tomar um ar, lá fora? Pode ajudar você a se acalmar, de repente…

— Não… eu só… eu só vou ficar aqui, não quero causar problemas pra ninguém. – A voz de Yuuri, engasgada, parecia sair com muito custo. Respirar era difícil. A mente dele parecia viajar para centenas de hipóteses, uma pior que a outra, no mesmo segundo, e ele não conseguia focar o pensamento tempo suficiente para analisar racionalmente sua situação. Phichit continuou a acariciar o braço de Yuuri, lentamente.

— Quer conversar? – Phichit ofereceu mais uma vez. Alguém do staff do teatro surgiu pela porta, anunciando que faltavam cinco minutos para o início das apresentações. Yuuri, por sorte, não era o primeiro, mas ele tremeu dos pés a cabeça mesmo assim, erguendo os olhos arregalados em pavor, a face pálida por um medo que não tinha explicação nem lógica.

Phichit segurou a sua mão, fazendo Yuuri voltar a olhar para ele. Além de tudo isso que sentia, ainda havia uma carga a mais pesando no coração de Yuuri, a culpa fazendo com que ele se sentisse ainda mais sufocado, por estar fazendo Phichit passar por isso com ele, por estar decepcionando Minako, que colocou tanta fé no que ele poderia fazer, e porque ele sabia que não ia conseguir subir naquele palco e apresentar a coreografia da forma como havia planejado. Isso doía, sua respiração acelerando com todas as novas perspectivas de coisas terríveis que aconteceriam pelo simples fato de ele ser um fracasso de ser humano.

—  Eu não sabia… – ele começou a falar, a voz baixa e rouca, e Phichit se aproximou um pouco mais para ouvir melhor. Os outros bailarinos continuavam a correr em volta deles no camarim, ajustando os últimos detalhes naqueles poucos minutos que restavam, mas Phichit escolheu ignorá-los por enquanto, e Yuuri parecia tentar fazer o mesmo. –Eu não sabia que o evento seria aqui. Minako nunca me falou onde era, e ela fez parecer que era algo pequeno e sem importância, mas nós estamos no Lincoln Center, dentro do edifício do New York City Ballet! Isso não é nem um pouco pequeno!

Phichit havia percebido o quanto aquele lugar era gigantesco e absolutamente estonteante. O tamanho intimidava, e ele podia entender por que Yuuri repentinamente sentiu-se inseguro por ter que apresentar-se ali sem ter se preparado antes para isso, exatamente. Mas ele também entendia Minako. Se ela tivesse dado todos os detalhes á Yuuri, explicando exatamente a grandiosidade do local e do evento, ele jamais teria aceitado, e teria fugido a todo custo disso.

— Sabe o que tem aqui? Neste mesmo lugar? A Julliard, Phichit. Sabe o que isso significa? Os maiores músicos, bailarinos, professores desse país vão estar naquela plateia, e eles vão me ver, e perceber o quanto eu sou medíocre e simples demais, e isso vai fazer a Minako e o nosso grupo serem julgados por eles. – A música começou a tocar no palco, e dali de onde estavam, eles podiam ouvir ecos de aplausos e da voz do mestre de cerimônias iniciando o evento. Yuuri tremia violentamente, e Phichit quase conseguia ouvir as batidas descontroladas do coração dele contra o peito. – Eles vão rir, eu sei que vão, porque a minha apresentação não está nem de longe no mesmo nível que eles esperam, porque eu não vou ser capaz de fazer isso, não com essa coreografia, não nessa vida, vai ser horrível, Phichit, horrível, eu não quero ir lá, eu não quero.

—  Yuuri! – Phichit abraçou o amigo, percebendo que agora ele estava a beira das lágrimas, e oferecendo seu ombro para que ele pudesse esconder o rosto e evitar que qualquer um o visse agora. Afagou carinhosamente as costas de Yuuri, pensando no que deveria falar, em quais seriam as palavras certas naquele momento. – Nada disso que a sua mente está dizendo para você é verdade, Yuuri, você tem que acreditar em mim. Eu sei o seu potencial, e a Minako também, e é por isso que você está aqui agora, para representar o seu grupo de dança e a nossa universidade. Você poderia ter ido estudar na Julliard, sabia Yuuri? Yuuko me contou, quando fomos passar as férias na casa dos seus pais.

— O que ela disse? – Yuuri recuou  subitamente, alarmado, mas Phichit não o liberou do seu abraço, não ainda.

— Ela me contou que você fez a inscrição, mas não foi fazer as audições porque ficou com medo de não passar. Mais ou menos como você está hoje. Mas ela disse, e eu concordo com ela, que você tinha todas as chances de passar e Minako sabe que você está no mesmo nível que qualquer um dos estudantes desse lugar, talvez até mais! Eu não entendo nada de dança, mas eu acredito em você, e eu sei que você pode ir naquele palco e encantar cada um deles. Se eles são mesmo especialistas como você diz, vão ser capazes de enxergar isso perfeitamente.

— Yuuri. – antes que Yuuri tivesse a chance de responder, Minako surgiu, fazendo os dois garotos interromperem o abraço. Ela estava com as mãos na cintura, parecendo austera, mas era evidente na expressão dela o carinho e a preocupação estampados. Ajoelhou-se diante de Yuuri, e segurou as mãos dele entre as dela, olhando-o diretamente nos olhos. Assim, ele não conseguia disfarçar mais as lágrimas que insistiam em correr pelo seu rosto. – Você acha que pode se recuperar até a sua vez para dançar?

Yuuri abriu a boca para responder, mas sua voz engasgou, então ele apenas chacoalhou a cabeça em sinal negativo. Minako suspirou, compreensiva.

— Foi o que eu imaginei. Consegui negociar com a organização, e eles concordaram em adiar a sua apresentação para amanhã, e deixar o evento de hoje mais curto. Não irá afetar ninguém, e você vai ter mais tempo para processar todas essas informações e conseguir focar a sua mente. Acha que consegue?

— Talvez, eu… eu acho que posso tentar… – Yuuri se esforçou em responder, com a voz ainda embargada, os tremores diminuindo. Minako pareceu aceitar a resposta.

— Se concentre na sua respiração, e não pensa em mais nada, ok? Eu sei que você consegue. – Minako passou a mão no cabelo de Yuuri, e soltando as mãos dele, se ergueu, com um sorriso calmo. – Phichit, pode voltar para o hotel com ele? Eu chamo um táxi.

— Pode deixar!

— Mas Phichit, a sua matéria… – Yuuri começou a protestar, mas o outro interrompeu de imediato.

— Shiu! Essa matéria só vai sair se eu tiver uma foto maravilhosa do meu amigo dançando pra colocar na capa dela, então nem comece a discutir.

Phichit trouxe o moletom preto de Yuuri, que ele vestiu por cima do figurino e puxou o capuz para cobrir o seu rosto. Enquanto ele se ajeitava e juntava seus pertences de volta na mochila para ir embora, Phichit tratou de encarar feio qualquer um que estivesse encarando e observando a situação, obrigando-os a voltarem aos seus afazeres, antes que Yuuri percebesse e sentisse que estava sendo julgado, o que potencialmente pioraria o estado em que ele se encontrava.

Yuuri havia evoluído para um estágio de quase apatia, enquanto se dirigia à saída dos bastidores com a companhia do amigo, perdido nos próprios pensamentos, tentando organizá-los e voltar a algo que poderia ser considerado um estado mental quase normal. O tempo a mais que Minako garantira a ele era um alívio, por hora, e ele precisava se concentrar em não desperdiçar essa chance, para não decepcioná-la.

Conversar com Phichit e chorar havia ajudado, de certa forma, a colocar para fora toda a carga de sentimentos ruins que sua mente insistia em criar contra sua vontade, e por hora, as afirmações dele e de Minako permitindo que ao menos por um breve momento, a voz na sua cabeça que estava sempre repetindo que ele não merecia estar ali, que era um desperdício do tempo de todos e que não tinha qualquer talento, silenciasse. Pelo menos por enquanto.




.



Quando as luzes se apagaram dando início ao espetáculo daquela noite, Victor sentiu aquele tremor de entusiasmo pelo que estava por vir. Lá no fundo, ele tinha a vã esperança de que houvesse alguém capaz de arrebatá-lo com apenas um movimento, como o bailarino do seu sonho, para que ele pudesse sentir isso de verdade, enquanto acordado, e transmitir cada uma das sensações decorrentes em seu livro.

Mas as primeiras apresentações eram as infantis, e Victor se viu lutando para manter-se focado. Dormir durante uma performance não era de bom tom, e a quantidade de vezes que ele havia feito isso e levado sermões por horas de Lilia serviram para que ele tentasse evitar ao máximo cair no sono, mas o fato de que nenhuma daquelas apresentações iria capturar sua atenção por tempo suficiente para que ele mantesse o foco era um ponto contra. Mila não estavam em nenhum lugar onde ele pudesse ver, certamente trabalhando nas fotos que deveria tirar, e Victor não seria rude ao ponto de começar a conversar com quem quer que estivesse do seu lado apenas porque se sentia entediado.

Pediu licença e saiu do teatro sem fazer qualquer barulho. Talvez, pudesse caminhar um pouco e se livrar daquela letargia tão repentina, voltando ao seu lugar a tempo de assistir mais apresentações. Uma parte da mente de Victor o dizia que talvez ele acabasse perdendo algo que fosse realmente valer seu tempo ali se acabasse distraindo e demorando demais. Mas parte do motivo para aceitar o convite de Mila era para ver de perto as instalações e a atmosfera do evento, e dessa forma retratar fielmente o que via, então, de um jeito ou de outro, ele ainda estava cumprindo com seu trabalho.

Com essa argumentação mental como combustível, Victor passou pelo hall de entrada, agora completamente vazio exceto pelos funcionários de recepção que ainda estavam por ali, a música clássica da apresentação agora tornando-se apenas um eco distante e confuso, e seguiu até o pátio externo. Havia, de fato, mais pessoas andando por ali, mas eram poucas, e todas pareciam ter um destino em mente. Victor vagou sem rumo certo, observando bem o local, tentando pensar em como poderia utilizar aquela atmosfera em alguma parte da sua história.

Andou até o enorme chafariz no centro do espaço formado pelos três edifícios enormes, completamente iluminados, tornando o cenário quase algo saído de um sonho. Victor sorriu, com esse pensamento. Podia muito bem visualizar o seu bailarino dançando por entre aqueles prédios, com seus passos rápidos e o sorriso provocador. Aquele lugar combinava bem até demais com ele.

Enquanto continuava a caminhar, distraído, ao redor do chafariz, Victor percebeu uma forma toda de preto, encolhida em um dos cantos. Um capuz preto cobria seu rosto, que estava escondido entre as pernas. Parecia estar tremendo, de leve, talvez chorando. Victor se aproximou, um tanto curioso, mas também preocupado.

— Você está bem? – ele indagou para a pessoa, que pareceu assustar-se ao ouvir sua voz, mas não ousou erguer o rosto.

— Sim, eu… eu estou. – a voz era fraca, mas Victor identificou que provavelmente era de um garoto. Como ele continuava encolhido, não conseguia diferenciar se seria um adolescente ou um adulto.

— Precisa de alguma coisa? – primeira resposta não convenceu inteiramente Victor, e ele já estava perguntando antes mesmo de se dar conta do quão invasivo estava sendo realmente – Está sozinho aqui? Eu posso chamar alguém se quiser.

— Não! Obrigado, mas eu...  meu amigo, ele… ele esqueceu a mochila dele lá dentro, e voltou para buscar. Eu estou só esperando… – ele respondeu, ainda com a voz abafada e fraca, e Victor deve quase certeza de que ele esteve chorando. A mente de Victor geralmente trabalhava mais rápido do que ele percebia, e logo, ideias do motivo pelo qual o garoto estava chorando do lado de fora do evento já o contaminavam, e ele não podia evitar a curiosidade que praticamente transbordava dos seus poros.

—  Você está com dor ou alguma coisa?

— Algo assim… é, é mais ou menos isso. – a voz parecia incerta. Victor não quis pressionar.

—  E você é bailarino? – ele percebeu as sapatilhas pretas nos pés do garoto, então, essa pergunta era praticamente retórica.

—  S-sim. – de novo, hesitação. Victor sentiu-se imediatamente complacente com a situação do pequeno desconhecido, com uma urgência de se aproximar e dar alguns tapinhas nas suas costas, ou afagar sua cabeça, dizendo que tudo ficaria bem. Não sabia de onde saíra essa vontade, mas tinha ciência de que não seria educado começar a tocar as pessoas sem permissão, então era melhor se conter.

— Vai se apresentar amanhã? – Ele indagou, ouvindo um singelo “sim” novamente como resposta, e sorriu, ainda olhando para os prédios iluminados ao redor, com as mãos no bolso – Eu vou estar aqui para assistir você, ok? Aposto que você é um ótimo bailarino.

— Obrigado…

A conversa acabou ali, pois Victor percebeu alguém que se aproximava ao longe, correndo com duas mochilas mal equilibradas nas costas, e adivinhou que aquele só poderia ser o amigo que o garoto falara. Como não queria estender demais a caminhada do lado de fora, e acabar perdendo coisas demais da apresentação, decidiu voltar ao teatro antes que o outro chegasse.

Quando o garoto desconhecido ergueu finalmente a cabeça, não havia mais ninguém ao seu lado. Victor voltou ao seu lugar, e assistiu ao resto das apresentações da noite. Algumas foram um tanto tediosas, tinha que admitir, mas muitas delas eram realmente boas, e Victor apreciou todas. Deixou para visitar os bastidores e conversar com os bailarinos para o segundo dia. Se era na tentativa de conversar melhor com o garoto que encontrara antes no chafariz, talvez. Não podia negar que toda a situação havia despertado seu interesse e curiosidade de escritor, e ele adoraria saber mais sobre os motivos que levaram o dançarino a estar daquele jeito, a ponto de ter que sair mais cedo do evento.

Durante todo o resto da noite, Victor continuou pensando nisso, enquanto assistia as outras apresentações. Todos os bailarinos estavam claramente dando seu melhor, e na sua visão, pareciam impecáveis. Mas nenhuma chamou sua atenção da forma que ele imaginava.

Talvez tivesse mais sorte no segundo dia.


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Notas finais do capítulo

É engraçado eu estar postando o capítulo 8 justamente hoje, porque acabei de passar por uma situação extremamente semelhante à do Yuuri neste fim de semana (ainda bem que eu também tenho o meu Phichit nessas horas) e.. bem, acabei não revisando essa parte do capítulo pra não lembrar e voltar a ficar mal, desculpe por isso, então, se tiver qualquer erro, qualquer errinho mesmo, podem me alertar, não tem problema o/
Espero não atrasar mais tanto nas postagens XD e agradeço a compreensão pela demora! ♥ nos vemos de novo em breve! o/



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