Toujours Pur escrita por Pandizzy


Capítulo 9
Capítulo Oito - A Irmandade da Lua Cheia


Notas iniciais do capítulo

MIL obrigadas para a nanda que, como é de praxe, me ajudou a escrever esse capítulo!!!! Te amo, baby!



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— Atenção, súditos fiéis! — Sirius gritou, com sua voz infantil, através de uma edição passada do Profeta Diário enrolada em um megafone de mentira. — Abram alas para a princesa Lily da Casa dos Black, sua governante!

Lily, com seu cabelo solto e bagunçado, entrou na sala de estar de sua casa com uma pose cômica de superioridade. Ela usava um dos vestidos antigos da mãe, feito de um leve tecido vermelho que a fazia tropeçar em seus próprios pés, e tinha um colar em volta da cabeça como uma tiara.

Ela postou-se no meio do tapete, limpou a garganta e anunciou:

— A partir de hoje... — começou, olhando no rosto de cada uma de suas pelúcias espalhadas pelo chão, imitando uma platéia interessada. — apenas doces serão servidos, em todas as refeições!

— Wow! — Sirius exclamou, agachando-se ao lado de um hipogrifo surrado. — Você acredita nisso, sr. Hipogrifo? Nossa princesa é realmente muito gentil!

— E bonita — ela completou, andando até ele e ajeitando o paletó de seu pai que caia dos ombros pequenos do garoto. Lily jogou o cabelo ruivo para trás do ombro. — Agora, para o torneio!

Ambos correram até o quarto que dividiam, ouvindo enquanto Monstro reclamava sobre algo relacionado a bagunça deles.

— Devagar! — Sirius exclamou quando chegaram ao quarto. Com seus finos dedos, apontou para uma pequena formação dentro de um berço a esquerda. Regulus, com apenas três anos, estava tirando um cochilo, abraçado ao seu pano azul.

Com cuidado, Lily abriu a gaveta de sua cômoda perto a porta, retirando duas faixas de cabelo preta de lá e amarrando-as a testa de Sirius e a sua própria.

— Ninjas não fazem barulhos.

Cuidadosamente, Sirius e ela começaram seu caminho pelo quarto, pulando brinquedos nas pontas dos pés. Quando chegaram ao grande guarda-roupa no fim do quarto, Sirius juntou as mãos e Lily prontamente subiu nelas, alcançando a porta mais alta. Seus ágeis dedos agarraram o cabo de madeira das vassouras de quadribol, e ela as jogou em sua cama, uma a uma, pulando nela em seguida.

De repente, seus olhos verdes intensos se arregalaram e a menina puxou Sirius para subir na cama também.

— Olhe — exclamou. — O chão é lava!

Sirius, entrando rapidamente na brincadeira, agarrou sua vassoura e disse:

— Precisamos nos salvar, princesa ninja!

Ele agarrou a mão de sua irmã, e ambos subiram em suas vassouras, subindo vôo.

Os gêmeos seguiram lado a lado cada metro que avançavam, sem nunca soltar as mãos. Quando estavam prestes a alcançar a porta, o vestido de Lily prendeu em um dos brinquedos, desequilibrando-a.

— Segure-se! — o garoto disse, recusando-se a soltar sua mão.

— Eu estou perdida! Solte-me, cavaleiro corajoso. É o meu fim!

— Nunca!

Lily soltou sua mão, caindo da pequena altura de sua vassoura para o chão com um pequeno baque. Regulus abriu seus olhos subitamente, chorando por ter sido acordado.

Sirius começou um discurso fervoroso em memória de sua irmã, enquanto ela ria no chão e sua mãe entrava no quarto e pegava seu irmão no colo, reclamando sobre os dois e ameaçando deixá-los separados como castigo.

— Não! — Lily gritou, sentando-se e olhando com olhos tempestuosos para sua mãe. — Inseparáveis até a morte!

— Inseparáveis até a morte! — Sirius ecoou o grito de sua irmã, enquanto ambos corriam para a sala de mãos dadas.

***

James Potter se levantou, abrindo a porta de madeira para duas meninas da Corvinal que fofocavam, dizendo a senha para entrar entre risos. Sirius revirou os olhos e se ajeitou em sua cadeira, afastando as pernas em uma tentativa de ficar mais confortável. Suas calças eram terrivelmente apertadas.

Prongs se sentou na cadeira ao lado dele, observando o círculo de pessoas que compareceram.

— Dorcas está te encarando — comentou o maroto, os olhos castanhos brilhando com entretenimento por trás dos óculos de armação quadrada. Ele achava graça na rivalidade entre os dois Grifinória; era como se ambos estivessem competindo não só pela atenção de Remus, como a de todo o mundo. — E eu não acho que ela esteja muito feliz com você.

Realmente, os olhos castanhos de Dorcas estavam vidrados em Sirius e seus braços cruzados não ajudavam muito em sua expressão fulminante. Ela estava do outro lado da sala e ele ainda conseguia sentir o calor de seu desprezo, flutuando pelo ar em sua direção.

Ele sabia muito bem o motivo da garota estar assim. Era porque Dumbledore havia escolhido ele, Sirius, para liderar as reuniões da Ordem em Hogwarts e não a doce, inteligente e apunhaladora de costas Dorcas Meadowes. Era claro o quanto ela desaprovava dessa decisão.

— A careta dela é um pouco engraçada, tenho que admitir — disse, abrindo um sorriso debochado.

O relógio na parede marcou as nove horas e Edgar Bones trancou a porta, sinalizando que ninguém mais entraria ou sairia até o fim da reunião.

— Mary Macdonald não veio — murmurou James, mordendo o lábio inferior e se inclinando na direção do melhor amigo. — O que acha que aconteceu com ela?

— Deve ainda estar sendo observada pela gangue de Mulciber, sabe-se lá o que eles estão planejando — respondeu Sirius, dando de ombros. — Marlene pode contar tudo para ela depois.

James assentiu e colocou o polegar na boca, mordendo o dedo com cuidado. Ele olhou para os lados com receio e fixou sua visão na porta, comprida e larga. Seus ombros estavam tensos e sua postura parecia desconfortável. Sirius conhecia seu melhor amigo o suficiente para saber quando algo estava errado e, por isso, olhou ao redor antes de perguntar:

— Qual o problema?

Os olhos de James vasculharam o seu rosto, tentando ler seus pensamentos e qual seria a sua possível reação. Era como se ele não quisesse lhe contar o que estava acontecendo, preferindo manter seus pensamentos para si mesmo. Não seria a primeira vez que aquilo acontecia.

James suspirou e balançou a cabeça, cedendo.

— Sua irmã — disse. — Ela tem ronda hoje e eu temo que vá encontrar essa reunião.

Sirius piscou, sentindo como se tivesse levado um balde de água fria.

— Não se preocupe com a minha irmã — respondeu automaticamente. — Eu posso lidar com ela.

James lambeu os lábios, os olhos hesitantes enquanto ele analisava Sirius com atenção. Parecia querer dizer alguma coisa, sem ter certeza do que. Ele foi puxado de seus pensamentos por Peter que, depois de rir de algo que Marlene disse, se inclinou na direção dos dois amigos.

— Podemos começar? — ele ergueu uma sobrancelha, esfregando as mãos uma na outra. Ele estava usando uma camisa azul e tinha uma expressão insegura no rosto.

Sirius deu de ombros.

— Atenção! — anunciou James, a voz grossa e grave; ele poderia ser bem intimidador quando queria. As pessoas continuavam conversando entre si. — Calem a boca!

O silêncio se alastrou pela sala e olhos arregalados e assustados os encararam. Sirius se levantou, ouvindo seu joelhos se estalarem.

— Muito bem — disse, esfregando as mãos uma na outra. — Se todos fossem cordiais o bastante para não falarem junto comigo, eu agradeceria. Todos aqui já são membros oficiais da Ordem da Fênix, portanto são confiáveis, mas, como é obrigatório, eu digo e repito: Não contem à ninguém as coisas ditas aqui. — seus lábios estavam rachados e suas mãos juntas em suas costas. Sentia-se como um general falando com o seu batalhão. — Não importa se é a sua irmã, pai ou melhor amigo. Estamos em guerra e confiamos apenas em um grupo pré-selecionado. Entendidos?

Um coro de concordância se elevou e Sirius suprimiu um sorriso. Ele conseguia sentir o olhar de Dorcas ao seu lado, apontando e anotando cada erro em sua postura e voz para que pudesse ir correndo delatar para Dumbledore.

— Como todos já devem saber, — continuou. — Remus John Lupin, um membro da Ordem da Fênix, é agora um procurado do Ministério da Magia. A existência de Lupin, apesar de não ser segredo para o governo de Você-sabe-quem, não era uma ameaça até essa semana. — Sirius fez uma pausa, deixando os presentes processar suas palavras com cuidado. — Por ser um lobisomem, ele não obteve a permissão para estudar em Hogwarts aos onze anos e não é familiar a maioria dos alunos daqui, apesar dos líderes da Ordem terem quase certeza de que um adolescente dedurou Remus afinal porque um adulto se daria ao trabalho de analisar um lobisomem quando há tantos outros alvos mais importantes. — ele analisou os alunos, estreitando os olhos e assumindo uma expressão sombria. — Então temos um traidor entre nós.

Peter desviou o olhar, mastigando o próprio lábio. O rosto castanho de Dorcas atingiu um tom mais pálido e ela abriu a boca, como se fosse falar algo, antes de decidir ficar quieta.

— Marlene McKinnon foi escolhida por Auror Moody para conduzir a investigação em Hogwarts — disse Sirius, por fim. — Colaborem e não serão suspeitos.

Ele passou a fala para James e a reunião continuou sem maiores problemas. Os rostos dos novatos perderam grande parte de sua emoção com o decorrer da noite; muito deles haviam se juntado com ideias erradas do que seria a sua participação na Ordem da Fênix. O status de herói era mais desejado do que salvar a vida de incontáveis trouxas, além daqueles que desejavam destruir Voldemort por motivos pessoais e egoístas; eles não queriam salvar a Grã-Bretanha. Eles queriam salvar a si mesmos.

— Como muitos de vocês sabem, — continuou Sirius, sentindo sua garganta seca e seus lábios molengas depois de vários minutos falando sem interrupções. — há nascidos-trouxas vivendo em segredo na central em Londres e eles precisam aprender a controlar sua magia. — James tossiu e ajeitou suas vestes azuis, brincando com um botão prateado. — Por sorte, alguns professores são membros da Ordem e estão mais do que felizes em ajudar, mas algumas matérias são leais e, por isso, é imprescindível que vocês façam anotações extras e mais detalhadas para que eles possam aprender. Essas matérias são Poções, Artes das Trevas, Feitiços...

Ao acabar, Marlene, Dorcas e Peter se aproximaram de James e Sirius com expressões neutras. Dorcas estava usando um hijab preto e uma blusa de gola alta.

— Remus irá para Hogsmeade amanhã — disse, piscando os olhos redondos e castanhos com preguiça. Era bem claro o quão doloroso era dizer isso para ela; Dorcas queria Moony só para si. — Ele estará disfarçado, é claro, mas vamos poder conversar com ele sobre todo essa situação.

O coração de Sirius parou e ele sentiu toda a cor de seu rosto desaparecer.

— Amanhã? — repetiu, sentindo o pânico se alastrar por seu peito.

— Sim, amanhã — assentiu Dorcas. — Algum problema?

Os olhos de todos estavam focados em si, curiosos e um pouco alarmados. A boca de Sirius se secou e sua respiração estava desequilibrada.

— Eu não vou poder — murmurou, arrependido. — Combinei com a Lily de que iria com ela para Hogsmeade.

— Você não pode cancelar? — perguntou James. — Isso é realmente importante.

Sirius pensou em Lily e como ela reagiria se ele a encontrasse nos corredores naquele momento e cancelasse a ida dos dois. Ele imaginou seus olhos verdes se arregalando e a tristeza tomando seu rosto. Será que ela iria chorar? Lily costumava chorar bastante quando eram crianças, mas ele não a conhecia bem o suficiente para saber suas reações agora.

E era exatamente por isso que ele precisava ir com ela.

— Não — disse, simplesmente. Ele enfiou as mãos nos bolsos das calças, sentindo o maço de cigarros e desejou estar em um corredor vazio, completamente livre para fumar. — Não posso.

A expressão de Peter e Marlene eram de desaprovação, eles eram dois dos muitos que acreditavam que toda a família Black era um grande grupo de Comensais da Morte preparados para mostrar suas garras para aqueles rotulados como impuros; exceto Sirius, é claro.

— Tudo bem. — James apertou o ombro do amigo. — Eu aviso o Remus. Ele vai ficar desapontado, entretanto.

— É — concordou Peter. — Fica para a próxima, então.

Sirius não respondeu. Fazer planos era algo arriscado no mundo em que viviam, principalmente com um espião os observando a cada momento.

— Vamos, Pete — disse Marlene, puxando a mão do namorado para fora da sala. Peter a seguiu sem objeção e James foi atrás, brincando com a sua varinha. Dorcas permaneceu com Sirius, que estava envergonhado demais para se mover, e mexeu em suas vestes com dedos trêmulos. Ela transferiu o seu peso de um pé para o outro, nervosa.

— Eu preciso te contar uma coisa — admitiu em um fio de voz. Apesar de estarem sozinhos, Dorcas ainda parecia envergonhada no que iria lhe dizer e ele não entendeu isso. Não era como se ele fosse correndo contar para James que ela havia falado com ele de pura e boa vontade.

Sirius arregalou os olhos e ergueu suas sobrancelhas. Dorcas não lhe contava as coisas, nunca. Ele normalmente descobria assuntos através de Marlene ou Remus e ela ainda fingia que ele não sabia de nada.

Ele engoliu em seco e se recompôs.

— O que foi? — perguntou e logo pensou o pior. — Algo aconteceu com Remus?

Dorcas revirou os olhos. — Não, nada aconteceu com o Remus. — ela abraçou o próprio corpo. — A Hope o está escondendo dos aurores.

Sirius se permitiu respirar fundo. A mãe de Moony iria tomar conta dele, afinal ele era tudo o que ela tinha depois da morte de seu marido.

— Então qual o problema?

Dorcas lambeu os lábios, rachados e secos, e respirou fundo. As olheiras embaixo de seus olhos estavam mais acentuados, como se ela havia as pintado com tinta preta, e seus dedos eram esqueléticos. Não era surpresa que ela estava com Remus Lupin: ela se odiava tanto quanto ele se odiava.

— É minha culpa que a posição dele foi comprometida. — ela olhou para os próprios pés, envergonhada. — Eu sou o espião.

O ar foi empurrado para fora de seus pulmões. Sirius sentia que a sala estava girando ao seu redor e seus quase dois metros de altura agiam como desvantagem.

— O quê? — disse quando conseguiu encontrar sua habilidade de falar.

Os olhos de Dorcas se encheram de lágrimas. Sirius nunca havia visto tanta emoção em seu rosto e ele percebeu ser indiferente a isso.

— Não foi minha intenção! — explicou, erguendo suas mãos. — Foi um completo acidente!

— Então se explique! — exigiu, sentindo a raiva preencher seu corpo.

— Eu sempre carrego uma foto de Remus comigo, ele me deu no ano passado como presente de aniversário. É uma foto da nossa geração da Ordem. — ela engoliu em seco e lágrimas desceram por suas bochechas. — Era como se ele estivesse me protegendo, me observando… e três semanas atrás eu a esqueci no banheiro, devo ter deixado cair ou algo assim. A recuperei apenas horas depois e nem era um banheiro muito usado, mas é possível que alguém tenha visto e desconfiado.

Sirius apertou a ponte de seu nariz, tentando controlar a violência crescendo em si. Sentia vontade de socar a parede ou a si mesmo.

— Porra, Dorcas! — grunhiu. — Você tem que tomar cuidado!

— Eu sou cuidadosa! — respondeu, limpando suas lágrimas. — Sempre fui! — ela diminuiu o seu tom, quase como se não quisesse que ele a ouvisse. — Eu tenho que ser. Estou namorando um lobisomem.

A raiva de Sirius se dissipou assim que a ouviu. Ele tinha que se lembrar, com bastante frequência, que certas reações não eram próprias para amigos. Uma sensação de frieza o tomou e ele se acalmou.

— Eu vou ter que contar para Dumbledore, no entanto — avisou Sirius. — Ele não vai ficar feliz.

Dorcas suspirou.

— Eu sei.

Eles ficaram em silêncio por alguns minutos, ignorando a presença um do outro. Foi apenas quando a situação ficou desconfortável que Sirius se lembrou de algo.

— Por que você me contou isso? — perguntou ele, sentindo o vento frio provindo da janela atingir o seu rosto suado. — Com certeza, a Marlene seria uma escolha mais apropriada. Ela sendo sua melhor amiga e tudo.

— Não sei. — ela deu de ombros. — Talvez seja pelo fato de que você o ama tanto quanto eu.

As mãos de Sirius tremeram e suor se acumulou em seu pescoço. Por um momento, ele entrou em pânico e achou que ela havia descoberto tudo; talvez invadiu suas memórias e sentiu tudo o que ele sentia quando via o lobisomem. James havia demorado meses para perceber e o dito cujo ainda nem sabia.

Os desejos de Sirius iam em todas as direções; meninas, meninos e entremeios. Entretanto sempre havia sido Remus que fazia seu coração acelerar.

Ergueu o rosto, uma explicação mal feita na ponta da língua, mas Dorcas já havia ido embora.

***

Sirius se revirou na cama, incapaz de encontrar uma posição que o deixasse confortável o suficiente para que pudesse dormir pelo o que restava da noite.

Ele abriu os olhos, observando as estrelas pintadas no teto e sentiu uma irritação o tomar. Todas as constelações importantes para a família Black estavam ali, incluindo a canis major e seu cintilante astro que havia emprestado o nome para aquele menino.

— Você recebeu o nome da estrela mais brilhante do céu noturno, Sirius — sua mãe havia dito naquela mesma manhã enquanto colocava maquiagem no rosto com feitiços habilidosos. — Um dia, você vai guiar a nossa família para uma era de glória e pureza.

Talvez, e só talvez, Sirius não conseguia dormir porque o sentimento devorando seus interiores era de que, apesar de tudo o que lhes disseram sua vida inteira, ele não queria de fato guiar os Black para uma era de glória e pureza.

Ele virou mais uma vez, o rosto direcionado para a cama do outro lado do quarto e foi como se toda a tensão de seu corpo tivesse sido desligada com um click. Lily estava dormindo agarrada a uma de suas bonecas, roncando baixo e enterrada em uma quantidade exagerada de travesseiros.

Quando eles eram menores, costumavam dividir o berço e depois uma cama. Eram grande demais para isso aos sete anos, especialmente agora que Lily teria o seu próprio quarto na primavera – seguindo o exemplo de Reggie –, mas a saudade daqueles dias ainda existia.

Sirius escorregou para fora da cama, tocando no chão gelado com os pés e tropeçando no pijama comprido e pesado de inverno. Ele puxou o seu pelúcio de brinquedo de debaixo das cobertas e coçou os olhos sonolentos, cambaleando o seu caminho até a cama da irmã.

Ela gemeu quando ele levantou as cobertas e entrou na cama, provavelmente sentindo o ar frio invadindo seu corpo, porém não reclamou. Apenas bocejou, piscou os olhos e se afastou para lhe dar espaço.

— Você tem sua própria cama — disse sonolenta, empurrando o cabelo para fora dos olhos.

— A sua é mais legal — retrucou enquanto se ajeitava no colchão lotado e macio.

— Claro que é mais legal. — Lily piscou os olhos várias vezes, afastando o sono com o movimento de suas pálpebras. — É minha.

Sirius fechou os olhos, a ignorando efetivamente, e sentiu o cansaço puxando a sua consciência com um aperto forte. Ele também sentiu leves cutucadas em sua bochecha, um dedo insistente e irritante.

— O que foi? — abriu os olhos e encontrou um par idêntico – exceto pela cor – o encarando de volta.

— Por que você está na minha cama? — Lily tombou a cabeça para o lado, confusa. — Teve um pesadelo?

Não — respondeu ele, a voz cheia de escárnio. — Eu sou muito velho para pesadelos.

— Você teve um na semana passada.

— Isso não importa agora!

Lily ficou quieta, o analisando em silêncio. Sirius sabia que, apesar do escuro, ela conseguia ler sua expressão perfeitamente. Talvez estava até mesmo contando suas inspiradas de ar por segundo para saber se ele estava zangado ou triste.

— É por causa daquela coisa que você foi hoje com a mamãe e o papai? — perguntou. — A que você teve que ir sozinho porque é o herdeiro?

Sirius pensou na rainha Elizabeth II, como ela havia se recusado a fugir para o Canadá, como ela havia entrado na praça pública de queixo erguido e como ela caiu com uma simples maldição da morte.

— Não vamos falar disso — pediu, agarrando as mãos dela com força. — Por favor.

Lily piscou e ele quase esperou que ela negasse, que insistisse em ouvir o que havia acontecido, mas ela simplesmente deu de ombros.

— Então vai ter que me ouvir falar sobre o que eu fiz durante o dia.

— Acho que sim.

Ela deu uma risada, alta e livre como todas as coisas que envolviam Lily eram. Sirius se sentiu melhor instantaneamente.

***

Ele estava escovando os dentes quando James apareceu na porta, segurando Elvendork nos braços; a gata malhada e irritada havia sido um presente da Madame Potter para seu filho duas semanas antes de sua execução.

Seu melhor amigo parecia cansado, puxando a barra de seu pijama para baixo e esfregando o rosto, os óculos de armação quadrada tortos em seu nariz e olheiras marcando seus olhos. Ele estava quieto, simplesmente encarando o outro com um falso desinteresse.

— Tire uma foto — disse Sirius, cuspindo espuma na pia. Havia sangue ali, não muito para ser alarmante, mas o suficiente para deixar os olhos de Black arregalados. — Vai durar mais.

James sorriu.

— Por que eu iria querer uma foto dessa sua cara feia?

— Para sua informação, Potter, a minha cara é linda — retrucou. — Todas as meninas me querem.

Prongs riu baixo, roncando no fundo de sua garganta. Sirius ergueu a sobrancelha de modo desafiador e colocou a escova na boca novamente, voltando a limpar os dentes.

— Elas só te querem porque você não as quer de volta — disse James, acariciando o queixo de Elvendork enquanto o encarava com um bico. — É óbvio o quanto cada uma delas deseja ser A Garota que Conquistou Sirius Black.

— Elas têm mais sorte com o Peter do que comigo.

— Do jeito que a Marlene tem ele amarrado? Dúvido.

Eles riram, ambos pensando no jeito bobo e apaixonado que Peter Pettigrew era perto da Grifinória. Era mais provável que Dorcas e Sirius namorassem do que ele terminar com ela.

— Você veio me dizer alguma coisa? — perguntou Black quando a risada dos dois se abaixou. — Aposto que não veio apenas para conversar sobre garotas.

— Na verdade, eu vim — respondeu James, se encostando em uma das pias. — Mas apenas de uma garota em especial.

— Eu já te disse que a conversa que eu tive com a Dorcas não foi nada demais…

James franziu o cenho. — Não estou falando da Dorcas. Estou falando da sua irmã.

Sirius arregalou os olhos, incapaz de não se sentir surpreso com o comentário do amigo. Não era com frequência que falavam da família Black ou qualquer um de seus membros. Esse assunto era território proibido, um tema sensível demais para sequer ser sugerido durante uma conversa.

Ele não sabia como reagir nessa situação.

— O que tem a Lily?

— Você vai mesmo para Hogsmeade com ela amanhã? — questionou, erguendo uma sobrancelha.

— Sim. — ele cuspiu a espuma. — Por quê?

— Quando você me contou pela primeira vez, achei que estava brincando. Não sei porque você faria algo assim, considerando o jeito que vocês brigaram.

Sirius congelou em seu lugar. Aquele era outro assunto proibido.

— Foi ideia dela — disse. — Lily quer consertar o nosso relacionamento ou algo assim.

— E você quer isso?

Ele hesitou. Ninguém nunca havia lhe perguntado aquilo e ele não tinha certeza se sabia a resposta. Sirius ponderou sobre o assunto por vários segundos, tentando encontrar as palavras dentro de si para responder o seu melhor amigo.

— Eu sinto a falta dela — respondeu, mastigando o lábio inferior. — Mas eu estou feliz agora, mais feliz do que já estive antes e eu não sei se quero que isso que mude.

Elvendork miou e James acariciou o ponto macio entre suas orelhas, fazendo com que ela ronronasse e esfregasse o rosto contra seu peito.

— Nada precisa mudar — disse ele. — Só porque Lily quer consertar o que resta da antiga amizade de vocês, não significa que vai dar certo.

— Eu sei. — Sirius cuspiu a espuma que restava em sua boca.

James inclinou a cabeça, inspecionando a pia por curiosidade e fez uma careta.

— Sua gengivite está piorando? — perguntou, a preocupação mal escondida em sua voz.

— Poppy disse que só vai melhorar quando eu parar de fumar.

— O que você deveria fazer.

Sirius ergueu uma sobrancelha, não acreditando nos próprios ouvidos. Milhares de imagens de James fumando invadiram a sua mente.

— O sujo falando do mal-lavado — reclamou. — Você não tem moral, Prongs.

— Ei, eu tenho meus motivos!

Sirius fechou a cara. Ele entendia muito bem os motivos de James.

— Não pode ficar bravo comigo por se preocupar — comentou ele.

— Eu não posso ficar bravo com você — respondeu James. — Ponto final.

O herdeiro dos Black sorriu, sentindo-se mais leve do que como havia se sentido o dia inteiro. O silêncio que se seguiu foi confortável, algo ganho depois de anos de amizade em que ambos sabiam que não precisavam falar nada para demonstrar o que pensava.

— Você vai mesmo fazer as pazes com a Lily, não vai? — perguntou James após deixar Elvendork no chão e cruzar os braços.

Sirius não olhou para ele quando respondeu. Não queria ver a decepção e a raiva que certamente estariam estampadas no rosto de seu melhor amigo.

— Acho que sim — disse. — Eu sei que Lily fez merda nos últimos anos e que a personalidade dela não é a melhor do mundo, mas ela é uma boa pessoa e está perdida. Eu quero ajudá-la. — ele guardou a escova. — Ela é a minha irmã e eu a amo.

James suspirou, jogando a cabeça para trás e engolindo em seco.

— E eu suponho que, como seu melhor amigo, vou ter que te apoiar nessa questão.

— Certamente.

O pomo de adão de Potter subiu e desceu.

— Só você para me fazer um aliado de uma Sonserina. — ele balançou a cabeça, derrotado. — Só você.

***

Com dedos grudentos, a boca suja de sorvete de chocolate e um sorriso largo no rosto, Sirius Black empinou o seu corpo no balanço, tentando ir o mais alto que podia. Sua irmã Lily, reconhecendo o que ele estava fazendo, gritou com um voz estridente:

— Sirius, não!

Era o dia mais quente do verão de 1968 e os bruxos meteorologistas previam chuva intensa para os próximos dias. Os gêmeos precisavam aproveitar a sua viagem para Cokeworth antes de ficarem trancados dentro do solar de sua tia Lucretia.

— Sirius! Você não pode! — continuou Lily, vendo o irmão ir cada vez mais alto e afrouxar o aperto de seus dedos. — A mamãe disse para você não fazer! Ela disse que você não podia!

Sirius a ignorou em favor de soltar suas mãos no momento mais alto de seu balanço, pulando para frente e fazendo um mortal no ar. Fechou os olhos, concentrando todas as suas forças e qualquer nível de magia que existisse dentro de si e voou. Ele aterrissou alguns segundos depois com segurança e leveza.

Sirius se virou para trás e olhou para sua irmã com expectativa.

Ela não havia parado de balançar, mas estava com os lábios franzidos e as sobrancelhas juntas em uma única linha ruiva em sua testa. Ele a conhecia o suficiente para saber que não aprovava de seu comportamento. Às vezes, Sirius achava – não, tinha certeza – que Lily era obediente demais.

Mas ele a amava demais para brigar sobre algo bobo como isso.

— Não era para você fazer! — comentou ela em um muxoxo. — Mamãe disse que você vai quebrar a perna desse jeito.

Um calafrio percorreu seu corpo e ele olhou ao redor, sentindo como se estivesse sendo observado.

— Eu estou bem — respondeu Sirius, abrindo os braços. — Viu? Minha perna está inteirinha como sempre.

Lily não respondeu e desviou o olhar, como se soubesse que olhar para o seu gêmeo a faria perdoá-lo. Sirius tombou a cabeça para o lado, sorrindo levemente e sabendo exatamente o que fazer para levá-la para o seu lado.

— Você deveria tentar — disse, fingindo desinteresse. — É bem divertido.

Os olhos de Lily se arregalaram e ela enfiou os seus pés na terra, forçando-se a parar. O seu cabelo estava preso em maria-chiquinhas e as poucas sardas que tinha pareciam formar constelações em seu rosto.

— Eu não vou desobedecer a mamãe! — respondeu, cruzando os braços e olhando para o outro lado.

— Tudo bem. — deu de ombros. — Eu faço então. — Sirius andou até o balanço. — Se você está com medo, eu não vou te forçar.

Isso foi o suficiente para ela virar o rosto, erguendo uma sobrancelha, mas sem perder a pose.

— Eu não estou com medo — disse.

— Então por que você não tenta?

O rosto dela ficou vermelho e seus olhos se arregalaram ainda mais.

— Porque a mamãe proibiu!

Sirius fez uma careta. — Essa desculpa é esfarrapada, mas está tudo bem. Eu sei como meninas têm medo de coisas perigosas, eu entendo. Não estou te julgando.

— Eu não estou com medo! — anunciou, os olhos verdes estreitos e irritados.

— Então prove.

Ele sabia que a tinha convencido assim que Lily descruzou os braços, olhando ao redor enquanto mordia o lábio.

— Como é que se faz?

Sirius lhe explicou como conseguir manipular os ventos e o próprio corpo para conseguir flutuar no ar por um tempo determinado. Lily balançou as pernas compridas e pálidas, convencida e animada.

— Você consegue — disse. — Eu acredito em você.

A ruiva atingiu uma altura considerável em poucos minutos, sorrindo e gargalhando enquanto sentia o vento contra o seu rosto. Sirius não conseguia impedir a sensação de orgulho que crescia em seu peito e nem queria.

— Não tenha medo! — gritou. A sensação de estar sendo observado voltou com força e ele olhou ao redor, desconfiado.

— Não estou! — Lily respondeu, chamando sua atenção.

Ela pulou e, por um segundo, Sirius temeu que não fosse conseguir. Seu peito se apertou e era impossível respirar, mas, tão rápido quanto chegou, esse segundo se passou e Lily continuou no ar.

— O que vocês estão fazendo? — perguntou uma voz masculina e infantil atrás deles. Sirius se virou, vendo um garoto magricela e pálido os encarando. Ele parecia ter saído de dentro de um arbusto, havia folhas em seu cabelo e em suas roupas. Estava claro que, quem quer que cuidava desse garoto, não se importava muito com ele. Suas roupas eram grandes demais e ele tinha um ar de desolação em seu rosto.

Lily gritou, perdendo sua concentração com a interrupção. Sirius a observou cair em lentidão, um zumbido tomando seus ouvidos e seu coração parando dentro de seu peito. Ela atingiu o chão com um baque surdo, levantando poeira e terra com o seu corpo. Ele gritou e correu até ela e se ajoelhou, tocando em seus ombros e seu cabelo.

— Lily?

Ela ergueu o rosto, lágrimas descendo por suas bochechas sujas de terra.

— Minha perna… — sussurrou. O herdeiro dos Black ergueu o rosto e fez uma careta. O tornozelo de Lily estava torcido em um ângulo não natural e seu joelho estava ralado, o sangue escorrendo até o chão. Sirius fechou os olhos, tentando pensar em algo.

— Me desculpe — disse o garoto desconhecido, se aproximando. — Não foi minha intenção… eu… —  ele estendeu a mão, tentando tocar na garota caída.

— Não encosta nela! — gritou Sirius, batendo sua mão para longe. — Você já fez o suficiente!

— Não é minha culpa! — retrucou ele. — Eu só queria…

— Queria nos observar? — questionou. — Não minta. Eu conheço uma pessoa culpada quando vejo uma então se afasta da minha irmã! — Sirius se virou para Lily, ainda chorando. — Coloque suas mãos ao redor do meu pescoço.

Ela obedeceu, soluçando, e Sirius a puxou para suas costas, segurando a parte interna de seus joelhos enquanto lhe dava um cavalinho. Ele se levantou, tremendo nos próprios pés e ajeitou a posição da irmã, tomando cuidado para não mexer demais o seu tornozelo machucado.

Ele se virou para o menino que, mais tarde, descobriria se chamar Severus Snape.

— Isso é tudo culpa sua — disse e observou a expressão dele se mudar, se tornando igual a de Regulus quando tirava o seu brinquedo favorito de suas mãos.

Sirius correu na direção da vila, sentindo as lágrimas de sua irmã caindo em seu ombro e seus braços o segurando com força, como se quisesse ter certeza de que ele não a abandonaria.

— Você vai ficar bem, você vai ficar bem — disse ele em um pequeno mantra para si mesmo. — Você vai ficar bem.

Demorou vinte minutos para ele chegar na casa de tia Lucretia e cinco segundos para ele encontrá-la sentada na sala de estar e tomando chá com tio Alphard que havia chegado naquela mesma manhã.

— Por Merlin! — ela gritou. — O que aconteceu?

Alphard puxou Lily das costas de Sirius com cuidado e a colocou na mesa comprida, levitando os utensílios de chá com um simples feitiço. O tornozelo da menina estava inchado e as lágrimas haviam parado.

— Vamos ter que ir pro St. Mungos? — perguntou Lucretia, apreensiva.

— Não! — gritou Lily. Ela sempre teve medo de hospitais e medibruxos.

Alphard e Lucretia a ignoraram.

— Walburga vai me matar — murmurou o bruxo. — Como eu deixei isso acontecer? Eu devia tê-los acompanhado para o parquinho.

Sirius juntou as mãos na frente de seu corpo, tentando não entrar em pânico. Uma perna quebrada não era motivo para preocupação, mas ele não gostava de ver Lily machucada; era como se o seu próprio tornozelo estivesse fraturado.

— Vamos ter que consertar sozinhos. Walburga não pode saber. — avisou Alphard, prendendo o cabelo comprido em um rabo de cavalo. — Ela nunca nos deixaria perto das crianças novamente. — Sirius se aproximou de Lily e pegou sua mão. Seus ombros estavam tremendo e ela soluçava, entretanto as lágrimas haviam parado. — Precisamos de Esquelesce.

O cabelo ondulado e negro de Lucretia caiu em seu rosto.

— Eles não vendem em lojas. Apenas curandeiros e medibruxos tem permissão para usar.

— Então vá comprar os ingredientes! — ralhou Alphard.

Mais tarde, quando o tornozelo de Lily estava enfaixado e ela tomava doses da poção esquelesce genérica, Sirius sentou em sua cama com pesar. Na escrivaninha ao seu lado havia um prato de biscoitos de chocolate intocados e uma jarra cheia de suco de laranja.

Lucretia Black nunca havia tido filhos com seu falecido marido, Ignatius Prewett, mas havia direcionado o seu amor materno para os filhos de seu único irmão.

— Me desculpe — sussurrou. — Eu nunca deveria ter te forçado a voar no balanço. — ela não respondeu ou olhou para ele. — Eu sei que fiz besteira, mas eu não sabia que você iria cair. — quando ela continuou fingindo que não o ouvia, Sirius fungou, sentindo-se prestes a chorar. — Por favor, fale comigo. Não me corte assim, Lily, vai me matar desse jeito.

Ouvindo o tom de sua voz, Lily se virou e estendeu a mão. Sirius não percebeu o que ela estava fazendo até vê-la limpar uma de suas lágrimas com o polegar.

— Não fique triste — disse ela. — Quando você está triste, eu também estou.

***

Sirius encontrou Lily na frente da Dedosdemel.

Sua irmã não o havia visto quando ele se aproximou, distraída demais em seus próprios pensamentos para percebê-lo. Ela estava com o cabelo solto, as pontas vermelhas atingindo sua cintura e usava uma saia cinza e comprida.

Era engraçado observar pessoas quando elas não sabiam que tinham um público, pensou. Lily estava com uma expressão neutra e checava as unhas pintadas de azul com interesse.

— Oi — disse Sirius, se aproximando. O olhar de Lily se ergueu e um sorriso quebrou seus lábios, iluminando todo o seu rosto.

— Oi — respondeu ela. — Você está… elegante.

Ele estava usando calças trouxas e sua jaqueta de couro, além de ter prendido o cabelo comprido em um coque atrás de sua cabeça. Estava claro que sua irmã desaprovava de suas escolhas de roupas.

— Obrigado. Você também.

Ela não respondeu, apenas trocou o seu peso entre os pés ansiosamente.

— Tenho alguns sicles e nuques que mamãe me deu antes de irmos — disse Lily. — Eu estava pensando em irmos no Três Vassouras, sei como você gosta desse bar.

Sirius apertou seus lábios e assentiu levemente. Ele realmente gostava daquele bar, especialmente depois que completou dezessete anos e pôde consumir as bebidas proibidas do lugar. James havia ficado com inveja até a chegada lenta e dolorosa de março.

— E você? Gosta do Três Vassouras?

Sirius coçou a cabeça, se arrependendo imediatamente de sua pergunta. Ela era sua irmã gêmea, os dois tinham dividido um útero por nove longos meses. Era assustador ele não saber uma coisa tão básica.

Lily não pareceu se importar, entretanto, apenas continuou andando na direção do bar.

— Mais ou menos — respondeu. — Eu gosto das bebidas, porém eu sempre senti como se aquele lugar fosse território da Grifinória então frequento mais o Cabeça de Javali com a Imogen e o Marcus. — deu de ombros. — Aberforth é bem legal se você fizer um esforço e lhe dar gorjetas bem gordas.

— Eu não acho que já fui nesse lugar.

— Talvez, na próxima vez, eu te leve lá.

Sirius ficou quieto. Ele nem sabia se haveria uma próxima vez.

— Talvez — disse depois de vários minutos.

Lily continuou falando sobre um assunto qualquer sem perceber que a mente de Sirius havia viajado e ele não estava ouvindo nada do que ela estava dizendo. Sentia como se toda aquela situação fosse um erro, uma piada divina para fazê-los sofrer mais do que já tinham sofrido.

Apesar das pernas compridas, eles andaram com lentidão até o Três Vassouras. Alunos do terceiro ano estavam correndo pela vila, os rostos sujos de doces da Dedosdemel e esbarrando em pedestres inocentes. A cena era familiar e reconfortante.

— Me entendeu? — disse Lily, virando o rosto para vê-lo. — Sirius?

— O quê? — perguntou, sua ilusão quebrando como uma placa de vidro. — Disse alguma coisa?

Os lábios em forma de coração de Lily formaram um bico.

— Nada que fosse importante — murmurou ela, desapontada. Sirius tinha quase certeza de que era realmente importante.

Ele abriu a porta do Três Vassouras para ela, segurando a madeira com um braço enquanto Lily se abaixava e passava por debaixo de seu cotovelo.

O barulho das conversas e o cheiro de bebida atingiu Sirius como um abraço caloroso

Seus olhos procuraram por rostos familiares assim que entrou, seguindo a forma esguia de sua irmã com passos cuidadosos.

— Quem é aquele com a Dorcas e o James? — perguntou Lily. Ela apontou com o queixo para uma mesa no canto do bar. — Ele me parece familiar.

Remus Lupin estava sentado entre Dorcas e Peter, o braço esquerdo jogado sobre o ombro da namorada enquanto ele bebia e ria. O lobisomem havia deixado a barba crescer desde a última vez que se viram e estava usando alguma coisa que deixava seu tipo físico diferente.

Ele estava disfarçado, percebeu.

Como se sentisse o olhar de Sirius em si, Remus se virou para ele e sorriu, levantando seu copo como se o saudasse. Era impossível ler sua expressão quando ele se virou para Lily.

— Ele é Sergey Ledovsky — respondeu, se xingando mentalmente pelo nome que havia criado. — É um amigo russo da Dorcas.

Ah — disse ela sem parecer verdadeiramente convencida. — Ele deve estudar em Koldovstoretz, então.

Ela se sentou em uma cadeira no balcão, cruzando os tornozelos e pegando o cardápio de um cliente distraído. Ele se sentou ao lado dela.

— Eu não venho muito aqui — explicou ela, lendo as opções com interesse. — Você tem alguma sugestão?

— Hum. — ele olhou para o cardápio, sem saber muito o que dizer. — Não peça isso e nem isso.

— Por que não? — questionou, erguendo uma sobrancelha ruiva. — São ruins?

— Segundo James, não, mas eles levam nozes.

O nariz de Lily franziu ao se lembrar da alergia dos dois.

— Acho que vou pedir uma cerveja amanteigada e essas sementes de abóbora — disse enquanto uma garçonete se aproximava. — E você?

— O mesmo.

A garçonete se foi e um silêncio desconfortável se instalou. Lily mordeu o lábio inferior e Sirius olhou para os lados.

Ele não sabia como agir em uma situação assim, se orgulhava até de sempre saber o que dizer ou o que fazer em todos os contextos. Sentia-se sufocado por simplesmente não conseguir pensar em nada para amenizar aquele cenário.

Depois de vários minutos, ele percebeu que James estava certo. Só porque Lily queria que eles fizessem as pazes, não significava que iria dar certo e provavelmente não iria. Eles haviam se distanciado, as personalidades diferentes demais para voltar a ser o que era antes. Ficou surpreso com a falta de pesar em seu peito e a presença de uma frieza paralisante.

Sirius bebeu o resto de sua cerveja e limpou o rosto com a manga, sentindo-se mais calmo e relaxado.

— Você deveria usar um guardanapo — comentou Lily, lhe entregando um pedaço de papel que ele deliberadamente ignorou.

Algum barulho na parte de trás do bar deve ter chamado sua atenção, pois ela virou o rosto e franziu o cenho; uma expressão de desgosto e nojo tomou suas feições.

— Merda — xingou ela.

— Qual o problema? — ele esticou o pescoço, tentando ver o que ela estava vendo.

— O que ele está fazendo aqui? — perguntou para ninguém em particular. — E com ela?

— Não jogue o jogo do pronome! — reclamou. — Quem está aqui?

— Ariel — sibilou como se o nome fosse veneno em sua boca. — Com Amelia. — o rosto dela assumiu uma careta de horror. — Eles estão em um encontro.

— Talvez eles estejam esperando os seus outros amigos — comentou.

— Não. Eu sei o que eles estão fazendo. — ela colocou a mão na testa. — Que humilhação.

Sirius ergueu uma sobrancelha. Aquela conversa era muito confusa.

— Por que isso seria humilhação?

— Porque faz parecer que ele me trocou por ela — explicou Lily. — A sem-graça Lily Black pela fogosa Amelia Bones.

— Mas vocês terminaram meses atrás. Ele só está seguindo em frente.

A irmã de Sirius deu um sorriso triste.

— Eu esqueço às vezes que ninguém se importa com as fofocas da Sonserina. — ela suspirou, parecia estar tomando coragem para falar alguma coisa. — Mulciber estava me traindo com a Amelia. É por isso que terminamos.

— O quê? — os olhos dele se arregalaram e seu queixo caiu. — Mas ela é uma de suas melhores amigas.

— Era — corrigiu. — Nenhuma amiga faria isso comigo.

Ele engoliu em seco, tentando se acalmar e se recompor.

— Como você descobriu?

Lily empurrou uma mecha de cabelo vermelho para trás de sua orelha e jogou um punhado de sementes de abóbora na direção de sua boca.

— Avery me contou assim que descobriu — disse. Ela não parecia querer falar sobre isso, porém Sirius não conseguia se controlar. — Ele é um verdadeiro amigo. — ela apertou os lábios. — Nem mesmo a Imogen ou o Regulus me contaram.

— E-eu sinto tanto, Lily. — ele não conseguiu esconder o pesar em sua voz.

— Viu? É por isso que eu não quis te contar! — reclamou. — Eu não quero sua pena, não consigo lidar com ela.

Ele não disse nada. Sabia que ela estava certa e precisava respeitar seus desejos, mas era tão difícil descobrir algo assim e não sentir uma tristeza instalando em seu corpo.

Ela era a irmã dele. Ele deveria tê-la apoiado quando tudo havia acontecido.

— Por que você ainda anda com eles então?

Lily deu de ombros, parecia já ter feito as pazes com seu destino.

— Eu não tenho mais ninguém — disse.

Sirius estendeu a mão e pegou os dedos dela entre os seus.

— Você tem a mim — murmurou. — E eu não vou te deixar. — ela deu um sorriso desanimado e uma lágrima rebelde desceu por suas bochechas. Sirius limpou essa lágrima com o polegar livre. — Não fique triste — pediu. — Quando você está triste, eu também estou.

***

Havia maneiras muito piores de começar a sua ida para Hogwarts, supôs Sirius enquanto andava pelo corredor cheio e barulhento do trem.

Sim, seu pai havia falhado em aparecer e Regulus havia chorado e gritado porque queria ir com seus irmãos para a escola, mas também havia a opção de ele não ir para Hogwarts e esse poderia ser seu pior pesadelo.

— Deveríamos ir para o fundo — disse Lily enquanto desviava de um pomo de ouro. — Drômeda disse que as pessoas nunca se dão ao trabalho de irem até lá então vai ser mais quieto… e calmo.

Ela parou de falar para passar por baixo do braço musculoso de um garoto do sétimo ano. Lily havia ganhado alguns centímetros no último verão e ainda não parecia ter se acostumado com isso.

— Por que ir para o fundo? — Sirius perguntou, parando em frente a uma cabine. — Se ficarmos aqui, podemos fazer amigos.

— Amigos? — ela repetiu, franzindo o rosto. — Por quê? Não precisamos de amigos. Temos um ao outro.

— Eu sei, mas… — deu de ombros. — Talvez não fiquemos na mesma casa.

— Por que não? Nós somos Blacks — ela falou como se fosse óbvio e apenas ele não conseguia ver. — Blacks sempre ficam na Sonserina.

Sirius reprimiu a vontade de suspirar e revirar os olhos. Algumas vezes, apesar de nunca admitir isso em voz alta, ela realmente o irritava. Esse era um dos motivos para querer fazer amigos logo:  com a puberdade chegando, as personalidades dos gêmeos estavam em constante guerra.

Ele queria algum outro amigo além dela. Um menino, de preferência, porque ele e Regulus nunca conseguiram se conectar e nem queriam.

— Quem sabe nós não quebramos a tradição — respondeu, tentando não brigar. — Vem, não vai doer fazer amigos.

Lily não parecia certa disso, porém suspirou e deu de ombros. Sirius sorriu e entrou na primeira cabine semi-vazia que encontrou. Havia apenas um garoto sentado em um dos bancos e encarando a janela.

Ele se virou ao ouvir os dois chegando, um rosto moreno e sardento com olhos castanhos por trás de lentes quadradas de um óculos. Sirius e Lily se sentaram no banco em frente à ele, sem ousar falar nada.

— Oi — disse ele, sorrindo. — Estão indo para Hogwarts pela primeira vez, também?

— Sim — respondeu Sirius. — Eu sou o Sirius e essa é a minha irmã, Lily.

— Gêmeos, é? — o garoto se ajeitou no lugar. — Meu nome é James e...

A porta se abriu e um outro garoto entrou, o cabelo oleoso caindo em seu rosto e as vestes de Hogwarts já em seu corpo magricelo. Sirius arregalou os olhos e se virou para Lily, vendo a mesma expressão em seu rosto. Era o mesmo garoto daquele verão na casa de tia Lucretia.

Ele não disse nada enquanto se direcionava até o lugar vazio perto da janela, analisando as pessoas em sua frente com olhos grandes e negros. Sirius sentiu uma irritação encher seu peito e desejou ter escolhido qualquer outra cabine além dessa.

— De qualquer jeito, — continuou James. — que casa vocês esperam ficar?

— Sonserina — disse o garoto, empurrando o cabelo para fora de seu rosto. Sirius não ousou falar nada. — Sou o Severus, por falar nisso.

Sonserina? — James repetiu, franzindo o cenho. — Quem quer ir para a Sonserina? Eu acho que desistiria, você não?

Ele estava falando com Sirius, os olhos redondos piscando atrás das lentes. James era esguio e tinha pernas compridas, além de usar vestes da mesma qualidade da de Sirius. Ele deveria ser rico e puro-sangue; era uma surpresa a sua aversão à casa da cobra.

— Minha família inteira esteve na Sonserina.

— Sério? — ele olhou para Lily que permaneceu com um rosto impassível. — E eu pensei que vocês fossem legais.

— Talvez nós quebremos a tradição — disse Sirius, rapidamente. — Aonde você iria, se pudesse escolher?

James levantou o braço, como se segurasse uma espada invisível.

Grifinória, a morada dos destemidos, como o meu pai e tio.

Lily fez um som de descaso e James virou o rosto para ela, formando uma careta ofendida.

— Algum problema com isso?

— Sim — ela disse, ousada. — Grifinória era a casa do traidor, Albus Dumbledore. Não há nada honroso em ir para lá.

Era óbvio que aquela era a coisa errada a se dizer, pois o rosto de James se contorceu e ele encarou Lily com descrença. Parecia ser a primeira vez que ele ouvia aquilo.

Lily se levantou, passando a mão na saia para alisar dobras invisíveis.

— Nós não precisamos ficar na mesma cabine com um futuro traidor — disse ela com um tom arrogante. Severus também se levantou e recebeu um discreto revirar de olhos da parte de Lily. — Vamos, Sirius. Podemos encontrar outra cabine.

Quando Sirius não se levantou, as bochechas de Lily ficaram vermelhas.

— Vamos, Sirius! — repetiu. — Sirius! — a intensidade do olhar dela era demais então ele desviou o olhar. Lily suspirou. — Tudo bem então, faça o que você quiser.

Ela saiu tão rápido quanto havia entrado, Severus em seu encalço. Sirius ouviu a porta se fechando com um peso no coração; ele não gostava de brigar com ela.

Ele olhou para James que tinha uma sobrancelha erguida em entretenimento.

— A sua irmã é bem assustadora, parceiro.


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Notas finais do capítulo

E aí? Será que a Lily reconheceu o Remus?

Koldovstoretz é a escola de magia da Rússia, para aqueles que não sabem.

Lucretia Black é a irmã mais velha de Orion Black