Toujours Pur escrita por Pandizzy


Capítulo 16
Capítulo Quinze - Lorde Montgomery


Notas iniciais do capítulo

Olha, gente. Eu juro por tudo que é mais sagrado que eu não quis demorar tanto com esse capítulo. JURO. O próximo não vai ser tão demorado.
Espero que gostem!



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Sirius ajeitou os botões de seu blazer, nervosamente os empurrando para dentro de suas casas. Ele se analisou na frente do espelho. O cabelo comprido e negro estava bagunçado, os olhos cinzentos brilhavam de uma maneira maldosa e havia um hematoma roxo crescendo embaixo de arranhões em sua bochecha direita. A irmã estava ao seu lado, pintando suas sobrancelhas inchadas com uma sombra preta e passando um batom escandalosamente vermelho sobre os lábios. Ela estava usando um vestido branco que se arrastava pelo chão de madeira e uma coroa de flores rosas apodrecia em sua cabeça. Lily parecia uma rainha, uma rainha morta que governava em um reino repleto de túmulos e esqueletos. Sirius não poderia se comparar à ela.

— Você está bonita — ele disse, calçando os sapatos que ganhou no último Hanukkah.

Lily sorriu, arrumando os cabelos ruivos e limpando suas vestes de poeiras invisíveis. Ela era perfeccionista, disse o tio. Sempre à procura da perfeição, nunca completamente satisfeita com o jeito das coisas ao seu redor.

— Obrigada — ela respondeu. — Você está mais ou menos.

Sirius a empurrou para longe e a irmã riu, exibindo a fenda entre seus dentes da frente.

— Estou brincando, Sius — disse, usando o apelido infantil que criou quando eram bebês e ela não conseguia pronunciar o R no nome do irmão. — Deixe-me arrumar sua gravata. — Lily segurou a saia do vestido para não tropeçar e andou até ele, pegando o tecido azul e amassado entre suas mãos pequenas. Sirius não sabia que ela conseguia dar o nó em uma gravata, porém a irmã era uma pequena caixa de surpresas, sempre mostrando habilidades novas e conhecimentos surpreendentes. Ela colocou a língua para fora em concentração e trabalhou em silêncio.

Quando terminou, ela alisou a blusa de botões que ele estava usando.

— Pronto — sussurrou. — Você está perfeito para a festa.

Sirius sorriu. Ele não queria realmente descer para a festa, odiava festas e comemorações como um todo, mas era seu aniversário e aniversários eram sempre datas especiais na família Black. Apesar de não irem jantar sozinhos como nos outros, ainda deveria ser tão especial quanto. O único dia do ano em que Orion e Walburga Black conseguiam colocar suas diferenças de lado para comemorar o nascimento dos primogênitos. Três de novembro era o melhor dia de todos os tempos.

Porém, apesar de tudo, ele não conseguia parar de pensar em como o pai iria transformar aquele dia em mais um de seus programas políticos. Orion nunca iria desistir do sonho de se tornar Ministro da Magia.

— Pense nos presentes — murmurou Lily, como se soubesse no que ele estava pensando. — Tio Alphard voltou da França só para estar aqui hoje.

Lily pegou a mão de Sirius. Sua palma estava suada e fria, então ela também estava nervosa. Ele tomou conforto nessa ideia, a simples possibilidade de ter alguém ao seu lado naquele evento tornaria tudo mais fácil.

Porém, mesmo se ela não estivesse quanto ele, Sirius não estava realmente sozinho, estava? Esse era o motivo principal de ter uma irmã gêmea. Nunca estar sozinho. Nunca precisar de mais ninguém, além de seu gêmeo.

— Talvez ele nos dê um cachorro — sugeriu Sirius enquanto saíam do quarto que dividiam. Ele amava cachorros e seu sonho era ter um, não importasse o tamanho, cor ou idade, mas toda vez que sugeria a questão para os pais, eles eram bem rápidos em recusá-la. Nem mesmo quando Sirius disse que iria alimentá-lo e mantê-lo em seu quarto, bem escondidos de todos.

Lily fez uma careta.

— Talvez — disse, porém ele não sentiu muita firmeza em sua fala. A irmã não gostava muito de cachorros. Tinha medo deles desde que o golden retriever da vizinha mordeu seu braço quando ainda estavam aprendendo a andar. Sirius achava que era uma besteira tudo aquilo. Rufus era tão manso quanto um pombo. Ele não devia ter feito aquilo por mal. A irmã deve tê-lo provocado com um braço bem suculento e mordível.

O coração dele se acelerou quando viram a luz da festa subir para o corredor, as vozes adultas e risadas agudas os atingindo como uma barreira entre o seguro e o campo de batalha. Sirius apertou a mão da irmã e ela apertou de volta. Pense nos presentes.

Os gêmeos Black desceram juntos as escadas e os convidados ergueram as cabeças como se em uníssono, recebendo-os com sorrisos nos rostos.

A mãe, ansiosa para exibi-los para as amigas, se aproximou.

— Querido, — disse, franzindo o cenho levemente para as roupas de Lily. — Venha aqui.

Walburga estava usando um vestido vinho e lábios extremamente escuros. Ela parecia com a filha naquele momento. Ela pegou a mão de Sirius e o puxou para longe da irmã, levando-o até a avó, Irma Crabbe, sentada em uma cadeira de balanço no canto da sala. Irma estava com uma careta de nojo em seu rosto enrugado, mas abriu um grande sorriso ao vê-lo.

Petit-fils, — disse. — Está tão grande. Sete anos é uma idade muito importante. Como se sente?

Sirius deu de ombros.

— Igual à ontem, grand-mère — ele respondeu, coçando seu peito. Sempre sentia uma sensação estranha no coração quando estava longe de Lily.

Irma riu, juntando as mãos em seu colo. Ela era pequena, quase da altura de seu neto, mas tão forte quanto o mais corajoso dos aurores. A avó tinha cabelo cinza e olhos verdes profundos; seu vestido preto possuía rendas e ela estava usando um colar de pérolas. Estava vestida para uma ópera, não o aniversário de sete anos dos netos.

— Tenho algo para você. — um sorriso grande cortou seu rosto e ela pegou uma pequena caixa de veludo azul em sua bolsa. — É um presente exclusivo, então fui obrigada a pedir uma reunião privada com você para que a doce Lilian não fique chateada.

Walburga Black foi rápida para interromper:

— É Lily, mamãe — murmurou, a voz venenosamente doce. — O nome dela é Lily.

Irma não revirou os olhos, mas era como se estivesse. Sirius escondeu uma risada. Sem contar a irmã, a avó era sua parente favorita.

— Lily é um nome terrível — retrucou, olhando para a filha. — O nome de uma flor não é digno de uma Black. Odette era tão bonito, tão elegante. Se você quisesse homenagear aquela garota estúpida, criasse uma caridade em seu nome ou algo assim.

As bochechas da mãe de Sirius se encheram de cor, mas ela ficou quieta, tentando preservar o pouco de dignidade que lhe restava.

A avó tocou em seu pulso, chamando sua atenção de volta.

— Aqui, mon chérie — disse, entregando a caixinha para ele. Sirius pegou o objeto, sentindo o veludo macio contra seus dedos. — Espero que goste. Costuma pertencer ao seu avô, meu amado Pollux.

Ele abriu a caixinha em silêncio, o barulho da festa preenchendo os espaços sonoros ao seu redor. Era um anel metálico. Uma pedrinha verde estava incrustada no topo e vários pássaros feitos de rubis voavam ao seu redor. Na parte interior do anel, alguém havia escrito uma frase com mágica. Toujours Pur.

— São corvos — disse a avó. — O símbolo de nossa família.

— E a frase? — perguntou. Sirius não era tão bom com francês quanto Lily.

— Nosso lema. — Irma sorriu. — Sempre puro. A família Black é uma das únicas com uma linhagem antiga e ininterrupta de bruxos com sangue-puro. Uma linhagem que você irá continuar, Sirius, se casando com uma bruxa respeitável pertencente a uma família dos Sagrados Vinte Oito e tendo muitos filhos.

Sirius sorriu, sem saber se era porque ele estava feliz com a ideia de se casar ou porque sabia que era o esperado dele. Ele colocou o anel em seu polegar, o único dedo em que a jóia não ficava caindo, e não odiou completamente o jeito como sua mão ficou.

Antes que a avó pudesse falar mais alguma, um grito animado reverberou pela sala. Sirius e a mãe se viraram, procurando a fonte de tanta excitação, e viram Lily, agachada entre os sofás com pedaços rosas de papel presente espalhados ao seu redor. Orion Black estava sentado em sua poltrona, um charuto aceso entre seus dedos e uma expressão de orgulho e malícia cobrindo o rosto.

— Muito obrigada, papai! — disse a irmã, olhando maravilhada para um presente.

Sirius se aproximou, andando entre as pernas dos convidados. Ele parou quando estava ao lado de Lily e viu o que lhe trouxe tanta felicidade. Era uma casa de bonecas nova, porém muito mais do que isso. O presente do pai era uma réplica perfeita da casa dos Black, desde os tijolos antigos azuis até a aldrava prateada em forma de serpente. A irmã retirou, com cuidado, o telhado escuro e Sirius viu os quartos da família, incluindo o tapete vermelho do escritório do pai e a penteadeira da mãe.

— Venha aqui — disse Orion, estendendo sua mão.

Lily foi rápida em obedecer, andando até o pai e sentando em seu colo, a saia do vestido se acumulando ao redor dos joelhos ossudos. Sirius apertou seus lábios e se aproximou, nervoso. Naquele ano, o presente de aniversário de Orion para o filho fora as marcas em seu rosto.

A festa ocorreu sem mais problemas. Tia Lucretia lhe deu um novo tabuleiro de xadrez, — o dele havia sido partido ao meio em uma briga que teve com Regulus no último verão; tio Cygnus orgulhosamente entregou uma caixa com um punhado de soldados de chumbo para completar sua coleção, com varinhas feitas de ferro e chapéus cobertos por feltro; Narcissa e Bellatrix fizeram um cartão sem graça e Andromeda lhe deu um novo livro de pegadinhas, incluindo instruções para enfeitiçar pedaços de papel para insultar o leitor. O presente favorito de Sirius, no entanto, foi o de sua mãe. Apesar de tudo, Walburga Black conseguia dar bons regalos. Um trem de brinquedo enfeitiçado para andar sem necessidade de trilhos ou energia, podendo até mesmo flutuar no ar.

A festa estava acabando quando tudo aconteceu. Sirius estava sentado em um sofá, a barriga cheia de doces e o rosto sujo com o glacê do bolo, brincando com seus soldados, fingindo que estavam tomando o trem atrás de um espião francês. Lily estava sentada no chão, sua boneca favorita em mãos, e se divertindo com a casa de bonecas. A maioria dos convidados havia indo embora e Monstro xingava baixinho enquanto começava a arrumar a bagunça. Regulus estava seguindo a mãe, choramingando por não ter recebido nenhum presente, e o pai conversava com Lucretia sobre algum assunto não importante.

Tio Alphard se aproximou, segurando uma caixa turquesa nas mãos.

— Aqui, querida — disse, colocando o pacote ao lado de Lily. — Espero que goste.

Sirius se endireitou no sofá, curiosidade preenchendo suas veias.

Lily retirou a tampa da caixa, mordendo o lábio inferior, e um choro agudo soou entre os papéis presente. Ele franziu o cenho e se aproximou, um soldado de chumbo apertado contra o peito, e poderia berrar quando viu o que a irmã puxava da caixa, um gritinho animado escapando de seu sorriso. Um gatinho preto com um laço vermelho caindo de seu pescoço peludo lutava contra o aperto de Lily, mas não era como se ela se importava. Estava tão feliz, arrastando o rosto contra a barriga felpuda do animal e rindo de suas travessuras.

Sirius fez um bico e se virou para o tio.

— Cadê o meu? — perguntou, jogando o corpo para frente.

Alphard olhou para os lados, vendo Orion e Walburga Black distraídos com o gato correndo em sua sala e arranhando seus sofás caros, expressões de desespero estampadas em seus rostos pálidos. Ele segurou os braços de Sirius, impedindo que ele caísse no meio de seu chilique, e suspirou.

— Venha — disse, puxando o sobrinho para fora da sala. — Quero ficar longe de Burga nos primeiros momentos do gato.

Sirius pegou a mão de seu tio, muito maior do que a sua, e andou pela sua casa vazia. Ele era mais baixo do que Alphard, e mais magro também, porém sabia que iria crescer para ficar tão alto quanto ele, era o que todo mundo dizia. Sirius não conseguia esperar pelo o dia que crescesse e ficasse forte, mais forte do que o pai, e poderia lutar contra ele e proteger Lily. Até a mãe seria seu alvo de proteção, mesmo com sua frieza para os gêmeos e favoritismo com Regulus, porque Orion também machucava ela.

— O que aconteceu no seu rosto, filho? — perguntou Alphard, uma expressão preocupada  cobrindo sua face.

— Regulus — respondeu Sirius. Mamãe disse para ele nunca contar para ninguém sobre os acessos de raiva do pai. — Ele pegou minha vassoura de brinquedo.

Alphard assentiu, porém parecia que ele não acreditava muito no que Sirius estava dizendo, mas não perguntou mais nada. Eles andaram até a porta da frente da casa, ainda de mãos dadas, e Sirius abriu a porta, aproveitando o fato de ela estar destrancada com as pessoas entrando e saindo da festa.

— Eu não gosto de gatos — disse Sirius. — Gatos são bobos.

— Sua irmã gosta de gatos — respondeu Alphard, ajudando ele a descer as escadas da frente. — Ela pediu um para todo mundo da família.

Sirius entortou a boca. Lily nunca contou para ele que queria um gato e eles sempre contavam tudo um para o outro. A irmã estava ficando muito estranha nos últimos tempos.

— Irmãs também são bobas — murmurou Sirius, pulando em cima de uma poça de água e espalhando o líquido pela rua. — Cadê o meu presente?

Alphard riu.

— Paciência — disse e ele olhou para a rua. A noite estava escura, com poucas luzes ligadas ao longo da calçada e a poluição cobrindo a maioria das estrelas. Sirius franziu o cenho, tentando ver o que tio estava vendo, e suspirou. Será que o presente estava escondido? — Venha aqui, filho.

Sirius seguiu Alphard até um canto no jardim. Havia uma caixa escondida entre as petúnias de sua mãe e um choro parecia estar ecoando de suas paredes de papelão. Ele mordeu o lábio inferior e sentiu a animação preencher seu corpo como o sangue correndo por suas veias. Seria o que ele estava pensando?

— Aqui — murmurou Alphard, pegando a caixa e entregando para o sobrinho. — Imagino que não vá achar isso tão bobo quanto gatos.

Sirius abriu a caixa com mãos trêmulas, o medo de não ser o que queria energizava sua mente, mas era, sabia que era. Ele puxou entre os pedaços de comida e brinquedos um pequeno filhote de pelo negro, com um largo focinho e olhos cor de chocolate. O cachorro lambeu o nariz de Sirius e ele riu, apertando o animal contra o seu peito.

Alphard agachou ao seu lado.

— Vai ter que manter esse garoto escondido — sussurrou, afagando as orelhas do filhote. — Seus pais irão matar a nós dois se descobrirem que eu dei um cachorro para vocês, além de um gato.

— Eu sou bom de esconder as coisas — respondeu Sirius, colocando seu novo cachorro no chão. O animal cheirou seus sapatos e suas calças antes de se afastar e fazer xixi nas petúnias. Ele é perfeito.

— Conheço sua irmã e sei que ela irá dar um nome bobo para o gato, provavelmente estrangeiro, então me faça um favor e chame-o por algo bom e apropriado.

— Já tenho o nome perfeito — disse Sirius e era verdade. Sabia qual seria o nome de seu primeiro cachorro desde que estava nas fraldas.

Tio Alphard ergueu uma sobrancelha.

— Mesmo? Qual?

Sirius sorriu e pegou seu cachorro no colo.

— Almofadinhas — respondeu.

***

Sirius levou um copo de bebida aos seus lábios, analisando os convidados de sua festa de aniversário de dezoito anos.

Marlene e Peter estavam dançando de forma obscena no canto da sala, aproveitando as luzes escuras e a intoxicação dos colegas para tomarem certas liberdades; Mary e Dorcas conversavam, os rostos tão próximos que alguém pensaria que elas estavam prestes a se beijar; Alice olhava ao redor também, parecendo completamente perdida sem Frank ao seu lado. James e Remus, as únicas pessoas que ele queria ver ali, não estavam em nenhum lugar.

A falta de Remus era compreensível. Ele não estudava em Hogwarts e, sendo um procurado do governo, não havia como entrar escondido no castelo. Porém James deveria estar ali. O melhor amigo de Sirius havia sido convidado, obviamente, e não possuía motivo para perder a festa.

Exceto de que ele provavelmente deveria estar visitando Lily. A nova namorada do garoto, e irmã de Sirius, estava na Ala Hospitalar desde que o psicopata do Carrow a usou para mais um de seus experimentos malucos. Ele iria para a festa depois, obviamente, quando resolvesse seus problemas com a garota. Menos um dia de namoro e elas já estavam brigando.

Héteros, Sirius pensou, dando um gole em sua bebida e sentindo ela queimar seu caminho até o estômago.

Emmeline Vance se aproximou dele. Ela estava usando um vestido rosa chiclete e botas do exército, o cabelo castanho preso em um coque atrás de sua cabeça, além de uma jaqueta roxa cintilante.

— Você parece pensativo — disse, um prato de salgados em suas mãos.

— É porque eu estou — respondeu Sirius.

Emmeline franziu o cenho.

— Por quê?

Sirius revirou os olhos. Emme e ele não eram muitos próximos, a garota era da Sonserina e parecia muito contente em ficar no fundo das batalhas do dia-a-dia, apesar de ter sido bem extrovertida quando pediu ajuda em Poções para James.

— É meu aniversário de dezoito anos — disse, tomando outro gole da bebida em suas mãos. — Sou legalmente um adulto agora em países com governos trouxas. Preciso pensar sobre isso.

Emmeline revirou os olhos.

— Você é bobo — ela respondeu. — Bela fantasia. O que você deveria ser?

Sirius olhou para seu corpo. Por não saber sobre a festa, ele foi obrigado a aceitar a fantasia escolhida por Marlene e Dorcas, algo que nunca vestiria em outras circunstâncias. Calças apertadas de couro, uma blusa de linho com babados e maquiagem. Ele deveria ser uma espécie de duque ou conde, apesar de a nobreza inglesa ter acabado com a morte da rainha quando ele tinha apenas sete anos.

Sirius abriu os braços e fez uma reverência exagerada.

— Lorde Montgomery ao seu dispor, milady.

Emmeline riu e se curvou.

— Muito prazer, lorde Montgomery. Eu sou Emmeline Vance, encantada em te conhecer.

— Sem fantasia?

Emmeline deu de ombros.

— Não vejo muita graça nisso.

Sirius sorriu e deu um gole em sua bebida, terminando-a. O copo se encheu imediatamente com um novo líquido amarronzado de gosto amargo.

Emmeline deu um passo para frente, aproximando-se dele e sorriu.

Sirius a beijou.

Foi rápido, simples e nem um pouco satisfatório. Tudo o que um beijo não deveria ser. Ele inclinou a cabeça, determinado a aprofundar o toque, quando Emme tocou em seu peito e o empurrou levemente.

— Sirius, — ela sussurrou. — Não podemos. Estou apaixonada por outra pessoa.

Sirius piscou os olhos. Ele não estava surpreso. Todos sabiam que Emmeline Vance era apaixonada por Guga Jones, não era um segredo. Ele olhou para a festa. Guga estava bebendo de um copo, encarando a pista de dança como se quisesse dançar, mas fosse tímida demais para isso. Ela não estava prestando atenção neles.

— Eu também — Sirius respondeu e os olhos de Emmeline se arregalaram. — Podemos continuar sofrendo por amores não correspondidos ou podemos nos divertir por uma noite e esquecermos de tudo durante a manhã. O que você acha disso?

Emme não respondeu, sem o rejeitar ou o aceitar, então Sirius tomou isso como um encorajamento. Ele sabia que não era a melhor escolha, deveria dar tempo para ela pensar, e Lily provavelmente entraria em um de seus discursos sobre direitos iguais e respeito às mulheres se soubesse, mas ela não estava ali e Sirius nem tinha tanta certeza se Emmeline era mesmo uma mulher. Ou um homem. Ela era os dois e nenhum ao mesmo tempo, sempre lutando contra os limites das construções sociais. Mas isso não importava naquele momento. Nada importava.

Sirius a beijou novamente. Dessa vez, Emme respondeu, enterrando as mãos em seu cabelo, agarrando os fios negros enquanto abria gentilmente a sua boca, permitindo a entrada da língua de Sirius.

Era estranho beijá-la. Errado, quase. Era como se seu corpo sabia que aquela pessoa não era o alvo de suas afeições e tentava correr na outra direção, querendo se esconder em um canto escuro e sofrer na solidão.

Sirius ignorou seus sentimentos. Estava cansado de ser governado por eles. Era seu aniversário de dezoito anos, o único dia no ano em que ele deveria ser realmente feliz, não ansiando por um garoto que nem o queria de volta.

Ele se afastou de Emmeline e ela abriu os olhos lentamente. As íris da sonserina eram azuis, quase cinzas, uma cor totalmente errada. A imagem de olhos verdes e o sorriso tímido de um lobisomem veio à tona, cobrindo sua visão e fazendo Sirius querer chorar.

— Venha — ele disse, a voz tremendo. — Vamos sair daqui.

***

Lumus.

A ponta da varinha de Sirius acendeu, iluminando por completo o beco em que se encontrava. Estava tarde, quase meia noite, e uma fina chuva caía ao seu redor, acumulando-se em seu cabelo e roupas, porém ele não aguentava mais ficar naquela casa, seja por uma noite sequer. Sabia que iria precisar dar explicações para os pais mais tarde — ele podia ter dezessete anos, mas ainda morava sobre o teto deles —, mas não se importava. Se não fosse pela irmã, já teria fugido havia muito tempo, estando pouco se fodendo para a herança e as tradições dos Black, porém aquele não era o momento para pensar em Lily. Sirius tinha outras preocupações no momento, como se reencontrar com os amigos que não via desde o fim das aulas de seu sexto ano em Hogwarts. Sentia tanta a falta de James, Peter, Marlene e até mesmo Dorcas, duas ou três vezes ele se encontrou procurando o hijab escuro da garota ou querendo pedir informações e memórias de membros de sua família.

Havia Remus também. Sirius não via o lobismo há mais de sete meses.

No fim do beco, havia uma fênix pintada, suas penas douradas brilhando contra a luz da lua de uma maneira que não era natural aos olhos de um trouxa. Ela parecia prestes a alçar voo, de asas abertas e o pescoço estendido como se estivesse preparada para sentir o vento batendo contra o rosto. Sirius bateu sua varinha contra a parede e a fênix piscou, abrindo um olho de um negro intenso.

— Quadribol — ele disse, a nova senha rolando para fora de sua língua.

A fênix bateu as asas, satisfeita, e a parede se desfez, os tijolos silenciosamente virando pó no meio do ar e revelando uma sala fria e escura. Havia apenas uma escada íngreme em seu meio e ele deu um passo para frente, completamente sem meio. A parede se refez atrás de si, como se nada havia acontecido, e um ar frio o circulou, trazendo calafrios para seu corpo.

Sirius desceu os degraus em silêncio, sentindo o cheiro de esgoto e água velha o cercando por todos os lados. Ele ignorou a vontade de cobrir o rosto com um pano. Desceu até a escada se acabar, se encontrando frente à uma porta pesada e de aço, com algo cravado no metal:  

BATA E DIGA SEU NOME COMPLETO.

Sirius estendeu seu pulso e bateu duas vezes na porta.

— Sirius Orion Black — ele murmurou, piscando os olhos duas vezes.

A porta se abriu, o rosto ranzinza do guarda noturno o cumprimentando. O homem resmungou e ele entrou, não querendo irritar ainda mais o bruxo.

— Bom te ver também, Jack — disse Sirius, andando para longe da porta, deixando apenas suas palavras para preencher o ar.

O esconderijo estava tão quieto quanto se era esperado naquela hora da noite, as portas dos dormitórios fechadas e o som de pessoas dormindo sendo a única coisa para quebrar o silêncio. Sirius não se importava com isso, gostava até de não ter de responder as perguntas preocupadas de Marlene ou ter Dorcas remexendo em sua mente até encontrar um motivo que a satisfizesse para ele estar ali. Ele continuou andando, tentando encontrar o quarto de James, quando uma porta se abriu de repente e um garoto magro apareceu, uma luz vermelha saindo de seu quarto e invadindo o corredor de uma maneira quase doente.

— Pensei ter te ouvido — disse Remus Lupin, apoiando o corpo esguio contra o batente da porta. Sirius piscou, surpreso. Além de não ter feito nenhum barulho desde que falou com Jack — o que havia sido quase dez minutos antes —, não estava esperando a presença de seu amigo tão cedo em sua pequena visita para o esconderijo da Ordem. — E aí? Não vai me cumprimentar?

Sirius, que havia esquecido disso, correu para obedecer, engolindo o lobisomem em um abraço apertado. Remus cheirava a menta e tinta para penas, além de algo natural que o herdeiro dos Black não conseguia reconhecer. Pensando bem, o mesmo cheiro estava vindo do quarto.

Percebendo a expressão do amigo, Remus deu um sorriso complacente e relaxado. Seus olhos pareciam despreocupados e havia uma certa preguiça no jeito que ele se mexia.

— Ideia de minha mãe — disse, gentilmente o empurrando para dentro. — Não pode culpar um lobo por tentar.

— O que é? — Sirius perguntou, curioso. Ele olhou ao redor, tentando encontrar alguma pista.

O quarto de Remus era diferente do que ele imaginava, mesmo sabendo que todos eram livres para decorar como quisessem. Havia uma cama de casal no canto e um sofá marrom antigo empurrado para a parede, embaixo do que deveria ser uma luz neon vermelha comprada em alguma loja trouxa de Londres. Roupas e livros estavam jogados pelo chão, algo que o Remus normal nunca deixaria outra pessoa ver, porém aquele garoto presente não era o Remus normal. Seu amigo estava diferente, quase afetado por alguma coisa, mas Sirius não conseguia pensar em nada que pudesse causar tal efeito de relaxamento em alguém.

Cannabis sativa — disse Remus, pegando o que parecia ser um pequeno cigarro branco de cima de sua cômoda. — Trouxas nos Estados Unidos chamam de maconha. Ajuda com a dor.

Dor. Remus era um lobisomem, amaldiçoada a se transformar em uma criatura peluda e agressiva todos os meses quando a lua cheia atingisse o céu, destruindo seu corpo físico no processo. Desde os cinco anos, ele era afetado por dores crônicas que poderiam deixá-lo confinado à cama por semanas. Após a morte do marido, Hope Lupin só tinha Remus e sempre encontrava novos métodos para deixar sua vida mais confortável.

— Funciona? — Sirius perguntou, tirando o casaco e colocando em uma cadeira perto. Estava muito quente naquele quarto, apesar dos feitiços de resfriamento no lugar.

— Veja você mesmo. — Remus ofereceu o cigarro para ele e substituiu seu sorriso relaxado por um encorajador.

— Prefiro não — disse Sirius, balançando uma mão. — Não quero usar seu remédio para mim.

— Por favor. — Remus fez um bico, o tipo que ele sabia que era impossível de se resistir. — Eu me sinto estranho fumando sozinho.

Sirius suspirou e aceitou o cigarro, pegando-o com o indicador e o polegar. Ele respirou fundo, olhou Remus nos olhos, para que ele soubesse que estava fazendo isso por ele, e deu uma tragada.

O efeito não foi imediato. Na verdade, demorou umas duas tragadas, revezando o uso do cigarro entre ele e o amigo, para Sirius sentir alguma coisa. Eles se sentaram no sofá, iluminados pela luz vermelha do neon, e o tempo se derreteu, arrastando-se lentamente pelo cômodo. Ele estava acostumado com cigarros normais, então não tossiu durante as tragadas, mas quase se sentiu quando Remus acendeu um incenso, o cheiro de lavanda intoxicando o quarto.

— Não quero que Dumbledore descubra — ele disse, rindo, e aquilo foi engraçado o suficiente para fazer Sirius rir também.

Remus acabou deitado no sofá, os olhos fechados enquanto explicava a situação do dinheiro de seu pai e a herança que ele havia perdido, ou tentava pelo menos, sempre perdendo a linha de raciocínio e começando tudo de novo ou se lembrando de outra coisa que merecia sua atenção. Sirius apenas ficou ouvindo, mexendo com sua varinha, porém não criando nenhum feitiço.

Eles estavam no meio de uma frase sobre a vez que Remus ficou preso em um celeiro com três vacas e um porco extremamente furioso quando ele parou completamente de falar, levantando-se e ficando de joelhos no sofá. Ele se virou para Sirius, cobrindo a boca com as mãos como se tivesse um segredo prestes a escorregar por entre seus dentes, e seus olhos brilham na meia escuridão do quarto.

— Posso te contar uma coisa? — perguntou, se aproximando.

— Pode — respondeu Sirius, o coração batendo forte em seu peito. Sua boca se secou com a proximidade de Remus. — Conte, por favor.

Remus sorriu, se inclinando até seus lábios estarem próximos da orelha do amigo, tão próximos que sua respiração batia contra a pele de Sirius, quente e úmida, com um cheiro característico da folha que estavam fumando.

Sirius não sabia o que ele estava esperando ouvir, talvez uma confissão perigosa que mudasse tudo entre eles ou uma coisa completamente inocente, provando a perversão de sua mente por completo.

— Eu não sei qual é a cor dos seus olhos — sussurrou Remus.

Sirius riu, empurrando o amigo para longe, a não ser que fizesse algo do qual iria se arrepender mais tarde. — Cinza.

— Mesmo? — Remus franziu o cenho de uma maneira adorável, como se fosse um filhote confuso. — Parecem azuis.

Ele deu de ombros.

— Muitas pessoas dizem isso.

Remus, entretanto, não estava satisfeito com a resposta e se aproximou ainda mais, encostando seus narizes para olhar em seus olhos direito, subindo em seu colo para ter mais acesso ao seu rosto. O lobisomem possuía olhos verdes, quase tão verdes quanto os de Lily, com pequenos pontos marrons adornando sua íris. Ele era mais bonito assim de perto, mesmo com uma expressão insana cobrindo seu rosto. Talvez fosse a sujeira dentro de Sirius pensando isso, principalmente considerando o fato de ele estar sentado por cima de uma de suas partes mais sensíveis e não ter nenhuma noção do efeito desse fato.

Acalme-se, Sirius pensou, ele tem uma namorada.

— É cinza mesmo — disse Remus, quase chateado com a ideia. — Por quê?

— Porque os olhos dos meus pais são cinzas — respondeu Sirius, levemente irritado. Havia sido uma péssima ideia ter aceitado o convite do amigo para fumar, deveria ter ido direto para o dormitório de James, como era o plano. — Eu preciso ir.

— Mas os olhos da sua irmã são verdes — continuou o lobisomem, ignorando-o e sem se mexer.

— Ela é adotada — brincou Sirius, tremendo. — Quem te disse isso?

— James — disse Remus. — Eu estive estudando genética no verão passado. Olhos verdes deve ser um gene recessivo em sua família, por isso sua irmã os tem.

— Podemos não falar da minha irmã quando você estiver sentado no meu colo? — questionou Sirius, irritado com toda a situação.

Remus piscou e olhou para baixo, finalmente percebendo a posição em que estava, mas, ao invés de sair e pedir mil desculpas, ele apenas deu de ombros, um sorriso tomando seus lábios rosados. — Beleza, então.

Ele o beijou. Foi tudo e nada ao mesmo tempo, porém Sirius não conseguiu responder, paralisado em seu lugar por um segundo, até se lembrar de que esse era Remus, Remus, seu melhor amigo, o garoto por quem havia se tornado um animago, uma pessoa alvo de tantos outros sentimentos dos quais não conseguia entender.

Ele o beijou de volta. Remus sorriu contra seus lábios, espalmando suas mãos no pescoço de Sirius, e aprofundou o beijo, inclinando o corpo até todos os centímetros de suas peles estarem se tocando, as únicas coisas os separando eram suas roupas, pedaços de tecidos fúteis que não serviam para nada.

Sirius tirou sua blusa e Remus riu, puxando a própria por seu pescoço. Havia cicatrizes cobrindo todo o seu peito, corte e arranhões provindos de suas transformações mensais e uma marca de mordida cravada em seu antebraço, claramente a famosa mordida que o havia transformado em algo que o exilou do mundo bruxo.

— Você é tão forte — Remus murmurou, abaixando-se até que seus lábios se tocaram com a pele de seu pescoço. Sirius suspirou, relaxando seu corpo enquanto o amigo plantava beijos em seu ponto pulsante, tentando morder a pele e sentir a pressão em sua boca.

Eles tiraram o resto de suas roupas em segundos, mãos famintas logo procurando o calor do outro corpo, bocas incansáveis se encostando a cada segundo, ignorando a necessidade por ar. Sirius se colocou por cima, cobrindo Remus com si, e retirou a própria cueca, feitiços de proteção viciando a atmosfera do quarto.

Ele estava tremendo. De nervosismo? Excitação? Não sabia. Apenas sabia uma única coisa, uma única palavra sussurrando em seu ouvido. Remus, Remus, Remus.

Sirius estava pronto. Havia querido aquilo por tanto tempo, tantos meses sofrendo por uma paixão não correspondida, que resultaram naquele momento, a única chance de ter alguma coisa com o lobisomem. Algo para se esquecer durante a manhã. Algo para guardar em seu coração e nunca mais trazer a tona.

Algo para esconder.

***

Emmeline Vance o empurrou contra uma mesa, tomando vantagem da sala de aula vazia que eles haviam encontrado. Sirius arfou, puxando a camisa que usava para fora de seu peito e a jogando para longe. Uma careta tomou seu rosto ao ouvir o som de ela espatifando contra uma estante e levando alguns objetos ao chão, mas não havia tempo para se preocupar com isso agora. Ele tomou os lábios de Emme, puxando-a para mais perto, tentando acabar com o espaço entre seus corpos.

Ela cheirava a rosas e baunilha, como uma princesa saída de um livro infantil, e seu cabelo era extremamente macio, o suficiente para deixar Sirius com ciúmes.

Ele não se deixou ser distraído por isso, no entanto, e continuou beijando-a, subindo sua mão pela coxa da Sonserina até a barra de sua saia de cetim. Imagens de olhos verdes e um sorriso lupino preencheram sua mente, mas ele as afastou, determinado a não pensar em Remus naquele momento.

— Você é tão forte — Emmeline sussurrou e soava tão errado ouvir aquilo de sua voz.

— Valeu — ele respondeu, sem saber exatamente o que dizer.

Suas bocas se encontraram novamente, não exatamente desesperadas, mas como duas pessoas que haviam se conformado com seu destino, duas pessoas sofrendo por outras que tentaram encontrar conforto no lugar exceto. Exceto que Emmeline era inocente em tudo aquilo. Era culpa de Sirius. Ele a convenceu a entrar naquela sala, a ficar com ele, quando ele mesmo nem queria estar ali. Iria se arrepender daquela noite pelo resto de sua vida, mas naquele segundo não conseguia encontrar a vontade em si para se perdoar com isso.

Sirius estava puxando o vestido da amiga para cima quando tudo aconteceu. A porta da sala abriu, rangendo, e eles se afastaram, encarando a entrada como dois criminosos pegos no flagra, porém não era McGonagall, brandindo a varinha enquanto esbravejava sobre indecência ou seu tio, o diretor, o puxando pela orelha, prometendo ligar para sua família e falar sobre seu caso com uma mestiça. Não era ninguém. A porta continuou aberta, sendo empurrada pelo vento até a parede, porém ninguém entrou.

— Quem você acha que pode ser? — Emme perguntou, a varinha já em mãos. Os lábios dela estavam inchados e seu cabelo bagunçado, mas parecia uma guerreira, pronta para a batalha.

— Eu não sei — Sirius respondeu. Ele andou até o canto da sala e pegou sua blusa, colocando-a rapidamente sobre si.

Se estivesse sozinho, teria se transformado e usado o faro de cachorro para tentar descobrir alguma coisa, porém Emmeline estava ali e ela não era exatamente ciente desse assunto. Então, ele apenas se afastou da parede onde estava e andou até a porta. Ele enfiou sua cabeça para fora do cômodo e olhou para um lado e depois para o outro, tentando ver as costas de alguém correndo ou o encarando, mas o corredor estava vazio.

Sirius estava prestes a fechar a porta, xingando em sua mente, quando ele ouviu. Um miado, fino e irritado, vindo de seus pés. Ele olhou para baixo lentamente e a viu. Uma gata gorda e malhada, com olhos azuis brilhando no escuro. Sirius riu.

— Elvendork, — ele sussurrou, um peso saindo de seus ombros. — Sua gata safada.

Elvendork que, além de nunca ter gostado de Sirius, era uma gata e, portanto, não sabia falar, apenas miou de maneira indignada em resposta. Emmeline se aproximou, espiando por cima do ombro dele.

— Quem é? — perguntou.

— A gata de James — disse Sirius. — Ela gosta de passear pelo castelo durante a noite. Não se preocupe.

Elvendork, aparentemente satisfeita, virou e andou para longe, olhando para trás como se quisesse checar alguma coisa. Sirius a encarou; sabia que James nunca iria lhe perdoar se algo acontecesse com o animal,  mesmo quando o animal fugia todas as noites e voltando no amanhecer completamente imaculado.

Na terceira vez que Elvendork virou, viu Sirius e parou em seu lugar, ele franziu o cenho. Conhecia a gata há sete anos e ela nunca fez algo do tipo.

— Ela quer que nós a seguimos — disse Emmeline, arrumando o cabelo em um rabo de cavalo apertado e colocando a jaqueta de volta em seu corpo.

Sirius a encarou

— Agora você fala gatês? — questionou, surpreso.

Emme deu de ombros.

— Não, mas que mal faria? — perguntou. — Talvez, ela nos leve em um aventura pelo castelo.

— Duvido muito — Sirius respondeu, cético, mas suspirou, jogando a cabeça para trás. — Tudo bem. Vamos lá.

Ele pegou sua varinha onde a havia deixado, colocada em cima da mesa do professor, e andou de volta para a porta, sem querer acreditar no que estava fazendo, porém fazendo-o mesmo assim.

— Vamos lá.

***

Estava chovendo.

Sirius encarou o lado de fora, vendo as gotas de água se espatifarem contra o chão, atingindo pedestres e civis correndo para suas casas. Ele se ajeitou em seu lugar, apoiado no sofá da sala de leitura, e estendeu o braço, desenhando uma estrela na janela embaçada.

— Isso é estúpido — disse Lily, apertando o nariz contra o vidro frio. Ela tinha dez anos e era mais alta do que o irmão.

— Você é estúpida — Sirius respondeu.

Lily o encarou com desprezo, porém não se deu o trabalho de o empurrar para longe dela do jeito que Sirius havia planejado que fizesse quando disse aquelas palavras. Estavam brigados, mas isso não significava que podia machucar o irmão. Era o aniversário deles, afinal.

— Cala a boca — ela retrucou, fazendo uma careta. Lily estava usando um vestido vermelho, seu favorito, e parte do cabelo estava preso com um laço negro.

— Você não pode me dizer o que fazer — disse Sirius, cruzando os braços e fechando a cara. Ele não era só culpado pela briga entre eles, Lily estava muito chata nos últimos dias. — Eu sou o herdeiro.

Lily fez um bico, cruzando os braços.

— Você é um idiota, isso sim — ela disse. — Você só é o herdeiro porque é menino.

— Não — Sirius disse, sentindo-se superior. — Eu sou o herdeiro porque sou melhor do que você.

Isso foi o suficiente para irritar Lily. Ela o empurrou para longe do sofá, chutando sua barriga até que ele caísse no chão, batendo as costas contra o tapete antigo dos pais e levantando uma nuvem de poeira consigo. Monstro estava de mau humor nos últimos dias. Sirius arrumou o suéter azul que usava e puxou a perna da irmã, colocando seu corpo sobre o dela. Ele sentiu unhas afiadas arranhando contra sua bochecha, pernas longas tentando atingi-lo.

Sirius não se permitiu perder a briga. Ele segurou as mãos da irmã, mas não conseguiu fazer nada contra os pés atingindo suas costas e nuca. Ele grunhiu e se inclinou para frente, mantendo seu olhar no mesmo nível do que a irmã. Lentamente, Sirius abriu a boca e permitiu um filete de saliva escorregar por seus lábios, auxiliados pela gravidade em seu caminho até o rosto de Lily.

— Não! — ela gritou, tentando se afastar, porém Sirius era mais forte do que ela. — Não! Seu nojento! Mãe! Mãe, socorro!

Foi tarde demais. O cuspe de Sirius atingiu o rosto da irmã ao mesmo tempo em que a mãe entrava no cômodo, encontrando-os em uma situação extremamente comum nos últimos meses da casa Black.

— Por Merlin, não posso deixar vocês sozinhos por um segundo! — ela gritou, correndo atrás ele. Walburga puxou os ombros de Sirius, libertando a filha, e o empurrou para longe. — Sirius Orion Black, explique-me agora o que está acontecendo!

Sirius não disse nada. Apenas encarou a mãe de braços cruzados, permitindo que suas expressões dissessem seus sentimentos.

— Você é incorrigível — ela reclamou, agarrando o braço dele e apertando com força. Sirius não reclamou, não importava o ardor de seu pulso ou a sensação de que ela estava prestes a quebrar o osso. Já estava acostumado com a dor. — Seu pai cancela um jantar de aniversário por compromissos no trabalho e você já está cuspindo no rosto de sua irmã como se ela fosse uma sangue-ruim! Esse shabat, você irá comigo ao templo e implorar a Deus por perdão.

Um choramingo soou da cozinha e Walburga se virou, certamente ouvindo o chamado do filho mais novo. Sirius mordeu o lábio quando o aperto da mãe se intensificou, mas continuou quieto. Não queria dar para ela o prazer de vê-lo chorar.

— Estou indo, Regulus querido! — avisou a mãe, um sorriso doce em seu rosto que Sirius nunca havia visto sendo dirigido para si. — E quanto à você… —  ela estava falando com ele agora, azeda. — Vá para o seu quarto! Está de castigo!

Ela o soltou e foi embora, um cheiro de rosas deixado em seu lugar. Sirius bufou, tirando proveito do alívio em seu pulso e dando uma olhada no machucado. Estava vermelho, a marca dos dedos da mãe carimbadas em sua pele, e ele sabia que iria estar roxo quando ele acordasse no dia seguinte.

— Sius, — Lily começou, manhosa. — Deixe-me ver.

Ela se aproximou dele, as mãos esticadas para frente como se quisesse ajudar, mas Sirius estava cansado dela e de sua presença irritante.

— Sai daqui! — Sirius exclamou, a empurrando para longe. Lily o olhou com uma expressão de traição no rosto. — E nunca mais me chame disso!

Ele correu para seu quarto, trancando a porta. Apenas quando já estava na escuridão do cômodo, Sirius se permitiu chorar, escorregando pela parede enquanto lágrimas quentes de dor escorriam por suas bochechas.

Não é justo, Sirius pensou, não é justo, não é justo.

Aquele foi o primeiro dia que Sirius desejou não ser um Black. O primeiro de muitos.

***

Elvendork os levou em uma corrida pelo castelo, quase como se estivesse se divertindo em vê-los andando atrás dela, dois idiotas que acreditaram em uma gata velha e boba. Sirius estava quase desistindo e voltando para a festa quando ela parou, descendo as escadas até as masmorras, e Emmeline a seguiu sem hesitação.

Se fosse Schuller, o gato de Lily, os liderando, Sirius iria achar que era tudo uma armadilha, um plano para levá-lo até a Sala Comunal da Sonserina, porém aquele animal não era o felino danado da Black. Elvendork era a companheira leal de James, estavam juntos desde que ele tinha quatro anos e recebeu de presente a filhote. A gata atépodia não gostar de Sirius, e o sentimento era mútuo, porém não havia malícia em seu coração.

Eles andaram pelos corredores gelados e úmidos das masmorras, os pés espatifando contra poças d'água provindas de goteiras no teto. Já deviam estar debaixo do lago, então. Emmeline parecia confortável naquele ambiente, seguindo Elvendork sem preocupações.

Sirius estava prestes a pedir para voltarem quando uma onda sonora os atingiu, parando ambos no meio de um passo.

Era um gemido, reverberando pelo corredor como um choro, quase sendo confundido com o som da água caindo no chão, mas Sirius o reconheceu imediatamente, pois já havia ouvido tais lamúrias de dor antes em sua própria casa.

— Vamos! — ele disse, correndo na direção do som.

Havia uma porta no fim do corredor onde estavam, uma porta de pedra escondida entre as paredes rochosas, e Sirius não hesitou em correr até lá, seu corpo sendo levado por uma força invisível, desejando estar junto de sua metade. Emmeline o seguiu sem perguntas e Elvendork, a maldita gata esperta com apenas o desejo de mostrar para eles o que estava acontecendo, de pedir ajuda, pulou para frente.

Sirius usou seu corpo para abrir a porta extremamente pesada e o que encontrou foi o suficiente para transformar suas noites futuras em pesadelos sem fim.

Velas cercavam o lugar, formando vários círculos na sala, diminuindo até se aproximarem de uma figura adormecida no centro. Adormecida era eufemismo, no entanto. Parecia enfeitiçada, ou desmaiada, colocada em posição como se fosse uma virgem, pronta para ser sacrificada. A figura era Lily.

— James! — gritou Emmeline e Sirius a viu correndo até o canto da sala, onde James estava encolhido, completamente acordado, com uma mão pressionada contra seu peito. Sangue escorria por entre seus dedos e ele tossia, incapaz de respirar. — O que houve?

Emmeline empunhou sua varinha, sussurrando feitiços de cura. O ferimento no peito de James se fechou, porém estava claro pela palidez de seu rosto de que ele havia perdido muito sangue e iria precisar de atendimento médico.

— Severus… — ele tossiu, encostando a cabeça na parede em alívio. — Ele nos trouxe… até aqui… disse alguma coisa sobre um ritual… sangue do filho da viúva...

— Aquele bastardo — xingou Sirius e seu sangue queimou com a necessidade de matar o Sonserina.

— Lily… — sussurrou James, lentamente recuperando suas forças enquanto Emmeline sussurrava feitiços de reposição de sangue. Não iriam resolver o problema, mas iria ganhar-lhes tempo. — Eles fizeram algo com ela… não vi o que foi, mas… mas ela gritou bastante.

— Eles? — repetiu Emme. — Pensei que fosse apenas o Snape.

— Não — respondeu James. Ele abriu os olhos e suas íris castanhas esverdeadas encararam Sirius. — Regulus também estava aqui.

James fechou os olhos mais uma vez, cansado, e Emmeline se levantou, um olhar de choque em seu rosto. Ela esfregou as mãos em sua saia, manchando-a de vermelho com o sangue de Prongs.

— Eu vou procurar ajuda — disse, a voz tremendo. — Você fique aqui, caso eles voltem.

Sirius assentiu, porque sabia como ela precisava sair daquele lugar, de perto do sangue. Ela era mais sensível do que os outros.

Quando Emmeline saiu, Sirius se levantou, deixando James com Elvendork, e andou até o centro da sala, apagando as velas enquanto andava.

Lily ainda estava usando o uniforme, faltando apenas a capa e a gravata. Ela estava descalça e sangue cobria a sola de seus pés, gosmento e escuro. Se não fosse pelo movimento estável de seu peito, Sirius acharia que estava morta.

Parte de seu rosto estava ferido, quase uma queimadura, crescendo sobre sua bochecha e abrindo em seus olhos como uma folha. A pele estava avermelhada, mas não sangrava mais; qualquer poção que havia sido usada, havia cauterizado o ferimento.

Sirius empunhou sua varinha e sussurrou meia dúzia de feitiços de cura, mas nenhum parecia funcionar. A mágica tocava seu rosto e voltava, repelida, machucada.

— Merda — sussurrou Sirius e tentou de novo, porém, mais uma vez, seus esforços foram inúteis.

O que aconteceu em seguida não poderia ter sido previsto. Lily arfou, puxando o ar por sua boca, e abriu os olhos, suas pálpebras estavam intactas, portanto ela conseguiu piscar. Uma, duas vezes. Um suspiro de alívio deixou os lábios de Sirius e lágrimas chegaram aos seus olhos.

— Lily, está tudo bem — ele disse. — Eu estou aqui.

— Sirius… — ela sussurrou. — Onde você está?

Sirius franziu o cenho.

— Aqui. — ele pegou sua mão, apertando-a contra seu peito para que ela sentisse seu coração batendo forte por ela, para ela. — Eu estou ao seu lado.

— Eu não consigo te ver. — Lily mexeu sua cabeça, desesperada. — Eu não consigo ver nada.

Confuso, Sirius olhou para os olhos de sua irmã e viu  o problema. As íris, antes verdes, agora estavam cinzas e a pupila parecia leitosa, como se estivesse coberta por muco. Seus olhos estavam machucados, feridos. Cegos.


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Notas finais do capítulo

Apesar de eu ter desejado escrever uma cena de sexo maior entre o Remus e o Sirius, não fico muito confortável escrevendo tais situações por motivos pessoais. Espero que entendam e aproveitem o que eu consegui criar.

Me inspirei muito na relação do Remus e do Sirius nos personagens Martino e Niccolo de Skam Italia, inclusive a cena entre eles. Recomendo muito que assistam.