Toujours Pur escrita por Pandizzy


Capítulo 10
Capítulo Nove - Segredos




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O rosto de Avery se contorceu em prazer e ele gemeu no fundo de sua garganta, mastigando com força e vontade. Havia uma mancha amarela no canto de sua boca e Lily a encarava por vários minutos, ponderando se deveria ou não avisar seu amigo.

— Eu amo tanto mostarda — disse ele, mordendo mais um pedaço de seu sanduíche. — Eu quero me casar com esse sanduíche e ter filhos híbridos.

— Eu não acho que seus pais vão aprovar — comentou Lily, lambendo os lábios e sentindo o gosto da maionese e do rosbife em sua língua. Ela balançou as pernas, sentindo a água rodeando os seus tornozelos e mordeu mais o seu sanduíche. — Imagine o que Ibrahim Avery iria dizer sobre os seus netos meio-sanduíche e meio-humanos.

Avery mastigou e pensou ao mesmo tempo, olhando para o lago em sua frente com olhos castanhos nublados. Ele estava usando uma camisa branca com os primeiros botões abertos e calças pretas cujas barras estavam puxadas até seus joelhos.

— Bom, ele quer que eu me case com a Meadowes então, para mim, qualquer outra garota é a futura Sra. Avery.

Lily fez uma careta, não acreditando nos próprios ouvidos.

A Meadowes? — repetiu. — Por que o seu pai iria querer que você se casasse com a Meadowes?

Ele tombou a cabeça para o lado, parecendo um filhote confuso. Seu cabelo preto estava escondido em um chapéu azul ridículo que insistia em usar e seus olhos estavam salpicados com encrenca.

— Basicamente? Porque ela é muçulmana, como eu, e puro-sangue. — Marcus sorriu de lado, maldosamente como sempre, e terminou seu sanduíche com um suspiro. — Aos olhos dele, ela é perfeita.

Lily suspirou. Ela sabia muito bem o que era ter um pai determinado em uni-la com alguém que, definitivamente, não iria dar certo. Sua própria mãe ainda tinha esperanças de que ela seria capaz de esquecer a traição de Ariel e se tornar a nova Madame Mulciber.

— Bom, — disse ela, virando-se para ele. — saiba que se você se casar com a Dorcas, eu vou te deserdar.

— Amiga, — começou Avery. — se eu me casar com ela, eu mereço ser deserdado.

Lily mordeu a língua, rindo em tom baixo e suspirou. Ela fechou os olhos, sentindo o vento frio embalando seu corpo e invadindo os espaços vazios de seu casaco. Se estivesse mais quente, uma brisa seria bem-vinda, mas aquele infelizmente não era o caso.

— O Snape me disse que você foi para Hogsmeade com o Sirius hoje de manhã — disse Marcus, jogando a informação no ar como se não tivesse passado as últimas horas pensando e revirando aquela ideia em sua cabeça. — É verdade?

— Você não deveria acreditar em tudo que Snape diz — argumentou, desviando de sua pergunta. — Ele é uma criatura de Reggie.

O irmão mais novo de Lily era bom, de uma maneira que mais ninguém na família era, em usar os sentimentos das pessoas contra elas mesmas. Ele havia tomado vantagem de Severus e sua raiva para transformá-lo em um servo leal. Não era surpresa como o sétimanista tratava o mais novo dos Black como um deus, determinado a satisfazer todos os seus desejos. Ariel costumava dizer que Reggie havia prometido coisas para Severus que não tinha intenção de cumprir.

— Só responda a pergunta — disse Avery, impaciente.

— Sim — ela replicou, sabendo que não adiantaria mentir naquela situação; mesmo que a única pessoa que sabia quando ela estava mentindo era Sirius.

Marcus fez um som de discordância no fundo de sua garganta.

— O que foi? — perguntou ela, já se sentindo a enxurrada de argumentos que o Sonserina iria dar.

— Eu não quero que se machuque — explicou. Os dedos gentis de Avery tocaram no rosto de Lily, empurrando fios de cabelo para longe de sua pele.

— Ele é meu irmão — argumentou, tentando fazê-lo ver o que ela via. — Ele não vai me machucar.

— Você ao menos se lembra do que ele disse na última vez que tentou uma reconciliação? — Marcus lambeu os lábios, ressecados pelo vento que batia em seu rosto. — Você é uma marionete controlada há tanto tempo que falha em ver os fios ao seu redor.

As bochechas de Lily queimaram ao se lembrar daquele incidente. Não era uma memória agradável, sendo algo que ela preferia se esquecer do que relembrar.

— Eu amo o Sirius — murmurou, virando seu rosto para frente. Não conseguia olhar para seu amigo agora. — Eu sempre o amarei. Ele é a melhor metade de mim.

— Há rumores de que ele e seus amigos são parte da Ordem da Fênix.

Ela não respondeu. Não era como se precisasse, conhecendo tão bem quanto ele os rumores de que os membros da Grifinória do sétimo ano eram parte de resistência. Ela mesma estava vigiando James Potter baseado nessas suposições.

— Estou ciente disso, Avery.

— Então por que... — o rosto de Marcus relaxou, como se uma epifania o atingisse, e ele se afastou. — Você quer alguma coisa.

Uma das sobrancelhas de Lily se ergueu, curvando elegantemente em sua testa.

— Do que está falando?

— Você só faz as coisas quando quer algo em troca — disse, parecendo surpreso pela sua própria conclusão. Ela não poderia dizer o mesmo; esperava o momento em que ele perceberia tudo havia horas. — Então, o que é dessa vez? Dinheiro? Posição? Um aliado?

Lily virou o seu rosto, encarando seu amigo por vários minutos. Ele a encarou de volta, aguentando a intensidade de seu olhar com resiliência. Existia um motivo para ela continuar andando com ele, além do óbvio de Marcus ser o único naquele grupo de amigos que realmente valia a pena, e esse motivo era o fato de ele conseguir bater de frente com ela; sua força interna era tão alta quanto a dela.

— Eu quero James Potter — respondeu, tentando deixar sua fala o mais vaga possível. Não era uma mentira, mas também não era a verdade. Era um entremeio que só ela conhecia.

— James Potter? — repetiu Avery com descrença. — Capitão do time de quadribol da Grifinória? Melhor aluno do ano em transfiguração? Esse James Potter?

— Existe outro?

Marcus revirou os olhos.

— Não seja engraçadinha — disse. Ele suspirou e olhou para os lados antes de voltar para ela. — Imagino que tenha algum plano para conseguir James Potter.

Ela não respondeu. Preferiu deixar seu silêncio falar por si; havia aprendido depois de anos de treino que não dizer nada era melhor do que mentir. O silêncio permitia que as pessoas tomassem suas próprias conclusões, certas ou erradas, todas elas funcionavam para seus planos.

— O que você quer que eu faça? — perguntou Avery.

Lily, então, sorriu.

***

Uma camada de pó branco cobria os dedos de Lily enquanto ela se afastava da lousa, admirando seu próprio trabalho com orgulho.

— Muito bom, muito bom — murmurou Slughorn, coçando sua barriga. — Excelente, ouso dizer.

Um sorriso satisfeito puxou os cantos da boca de Lily, tomando seu rosto com delicadeza. Ela não conseguiu impedir a onda de orgulho pessoal que varreu seu corpo ou o estufar de seu peito.

— Muito interessante sua escolha em usar veneno de araramboia para amenizar os efeitos do Faro de Diabo — disse, apontando com o mindinho para os ingredientes escritos na lousa. Ele se aproximou, um brilho de maravilha estampado em seu rosto, e a olhou com orgulho. — Não acho que alguém já pensou nisso antes. — ela sorriu novamente, feliz com os elogios. Slughorn era seu professor favorito, sempre preparado para apreciar seus trabalhos e a encher de louvores. Cada encontro do Clube do Slug era um momento de divertimento – algo raro em sua vida ocupada – sem fim. — Você será, um dia, uma adição estimada ao Departamento de Poções do Ministério.

Lily fez uma careta. Não que ela não amasse poções, longe disso, mas ela estava esperando ingressar em um Departamento mais valioso para o governo. Talvez como aurora ou uma carreira estritamente política.

A mãe de Lily havia dado, por anos, voz às suas esperanças de que seriam coroados rei e rainha do mundo bruxo, símbolos de poder enquanto o lorde das trevas e seus seguidores realmente governavam. Walburga Black tinha o mais simples dos prazeres.

— Sim, sim — ela respondeu por fim. — Se você está dizendo.

— Sabe, Lily, — Slughorn nunca a chamava pelo sobrenome quando estavam sozinhos assim. — às vezes, eu penso que o seu futuro pode ser aqui em Hogwarts.

— Aqui? — ela não conseguiu esconder a confusão de sua voz.

— Sim. Eu estou ficando velho e, um dia, terei que me aposentar. — ele coçou a garganta, parecia não saber o que dizer pela primeira vez em todos os anos que ela o conhecia. — Se você tomasse o meu lugar, eu saberia que os alunos estariam em boas mãos.

Antes que ela pudesse sequer pensar em uma resposta, a porta da sala se abriu com violência e um garoto do quinto ano entrou, ofegante e com bochechas coradas. Parecia ter corrido por vários quilômetros para chegar até ali ou talvez era só menos sensível com esportes.

— Qual o problema, Tommy? — perguntou Slughorn, se virando para ele. O menino se apoiou na parede, incapaz de respirar o ar ao seu redor.

— Sirius Black e Marcus Avery estão brigando — disse quando se recompôs. O coração de Lily parou ao ouvir aqueles nomes, tão familiares e tão queridos. Por que estariam tão irritados um com o outro? — Perto da torre da Corvinal. Tem bastante sangue e… e me mandaram vir te chamar.

O rosto de Horace se empalideceu ao ouvir a palavra “sangue” e suas mãos tremiam ao pegar o relógio em seu bolso. Lily nunca o havia visto assim.

— Uma briga, é? — questionou. — Muito bem. Tommy, me leve até essa desavença enquanto a senhorita Black prepara os papéis de detenção em minha mesa.

Lily arregalou os olhos, surpresa pelas palavras de seu professor. Slughorn seguiu Tommy para fora da sala, os passos apressados e suas mãos segurando as vestes para não tropeçar. A porta bateu com força atrás deles, levantando uma nuvem de poeira que a fez espirrar com força e em sequência. Ele saiu tão rápido que nem deu uma chance para Lily dizer o que queria, para ela avisar que não sabia de fato onde os papéis de detenção ficavam ou como eles eram.

Ela nunca havia causado qualquer problema que pudesse merecer uma punição de tal tamanho – ela preferia não quebrar as regras – e não havia encontrado a necessidade de aplicar esse castigo nos dois meses desde que as aulas começaram. Percebia agora que estava em desvantagem.

Suspirando, Lily se direcionou até a mesa de Slughorn, imaginando que os papéis estariam escondidos de seus olhos ali. Era o único lugar lógico em toda a sala para guardar algo assim.

Ela abriu a primeira gaveta e percebeu, com decepção, que ela estava completamente vazia, apenas uma fina camada de poeira cobrindo o seu fundo de madeira. Slughorn precisa limpar esse lugar. A segunda gaveta estava repleta de ingredientes de poções; potes e garrafas cheios até a boca com líquidos e objetos estranho. Um dos olhos dentro de um recipiente azul se virou para encará-la e ela fechou a gaveta o mais rápido que podia, suas mãos tremendo com a sensação de estar sendo observada.

A terceira gaveta, no entanto, estava emperrada. Lily tentou usar todas as suas forças para abri-la, puxando e puxando até que seus braços se cansaram depois de poucos minutos. Ela não pensou em privacidade ou no que poderia lhe acontecer se Slughorn descobrisse que ela havia aberto sua gaveta sem permissão; não era algo que ela considerava. Lily simplesmente deixou a curiosidade lhe controlar ao pegar sua varinha e apontar para a madeira.

Alohomora — disse.

A gaveta se abriu em silêncio, seus mecanismos se arrastando e rangendo. Ela deu um passo para trás, tossindo com a poeira levantando. Lily se perguntou quanto tempo havia se passado desde a última vez em que alguém abria...

Uma mão, grande e familiar, agarrou a lateral da gaveta, se apoiando. Um grito se prendeu na garganta de Lily enquanto ela observava um ser humano surgir, batalhando seu caminho para fora do móvel de madeira. Ela ficou em silêncio, sem conseguir se mexer ou dizer qualquer coisa, a mão fria do pânico segurando o seu corpo em um aperto forte, ao ver uma pessoa se erguendo da gaveta. Seu coração parou dentro de seu peito e seus pulmões estagnaram quando o rosto de Orion Black apareceu, a encarando com ódio e repulsa; seus olhos cinzentos faiscavam.

Lily — ele praticamente cuspiu o nome dela, saindo da gaveta e limpando suas vestes negras de poeiras invisíveis. Lily o encarou de queixo caído, sentindo o terror agarrar suas veias e lágrimas atingirem seus olhos. Orion deu um passo na direção dela. — Desrespeitosa igual a Sirius, eu vejo.

— Nã-não — gaguejou, sentindo suas palmas suarem frio e seu coração acelerar. Todas as fibras de seu ser lhe diziam para correr, para fugir, para se afastar, no entanto seus pés estavam presos no chão e seu corpo congelado.

— Sim — sussurrou. — Eu nunca quis filhos, nunca. Preferia ser egoísta e não continuar a linhagem puro-sangue de meus pais. Alphard estava contente em ser o próximo chefe da família Black. — ele deu mais um passo em sua direção e ela respondeu com um passo para trás. As lágrimas desceram por seu rosto, limpando sua pele da maquiagem que ela havia colocado com tanto cuidado de manhã. — Cometi um erro e vocês chegaram. Criaturas feias e choronas. Nunca os amei. Se ao menos eu tivesse tido três meninos, mas você teve que nascer como uma menina. Inútil, é claro, para qualquer outra coisa além de abrir as próprias pernas.

Um nó se formou em sua garganta e o terror encheu suas veias, tomando todo o seu corpo. As pernas de Lily pareceram se relembrar de como andar e ela tentou se afastar, desejando criar qualquer tipo de espaço entre si e seu pai. Após dois passos trêmulos, no entanto, seu tornozelo se prendeu na alça de sua bolsa jogada sem cuidado e ela perdeu o equilíbrio, caindo com um baque surdo no chão. A forma escura e torturosa de Orion Black cobriu a luz que vinha das janelas, seus olhos cinzas pareciam tão negros quanto seu cabelo.

— Pobrezinha — sussurrou, seus lábios curvados com escárnio. — O papai ajuda você.

Ele se ajoelhou e uma de suas mãos frias agarrou o tornozelo esquerdo de Lily. Um grito estrangulado saiu de sua garganta e ela tentou chutá-lo, queria acertar qualquer parte de seu corpo familiar para conseguir se levantar e fugir.

Eu posso ser corajosa. Como o Sirius.

Orion segurou o outro tornozelo dela, suas mãos firmes contra o tecido de suas meias ⅞ e tentou forçar suas pernas a se abrirem.

— Não lute — exigiu. — Sua mãe nunca lutou.

Outro grito escapou seus lábios, dessa vez mais forte e alto. Um zumbido tomou conta de seus ouvidos e ela apenas percebeu a chegada de outro alguém quando seu pai se virou para a porta e seu aperto nela se aliviou.

Orion se levantou, ajeitando as vestes e o ar a sua volta se distorceu enquanto ele se transformava em um adolescente, vestido como um puro-sangue de respeito com o cabelo preto e comprido preso em um rabo de cavalo preso atrás de sua cabeça e vestes azuis caras adornando o seu corpo.

James Potter estava parado na porta, encarando o adolescente com raiva e uma varinha em sua mão.

Depulso! — ralhou, apontando a ponta do objeto mágico para a criatura transmorfa. O adolescente, que não havia se mexido, foi arrastada por uma mão invisível até a gaveta onde pertencia que foi prontamente fechada e trancada.

Lily arrastou seu corpo até o canto da parede atrás de si, tentando parecer menor e não chamar a atenção de James. Seu coração ainda estava acelerado e ela ainda conseguia ouvir as coisas que seu pai havia dito. Tão cruéis e frias. Suas mãos, trêmulas, cobriram suas orelhas em um esforço para abafar a voz que sussurrava em seu ouvido.

Não conseguia acreditar que esse era o seu bicho-papão. Ela pensava que era algo bobo, como o seu medo de altura, mas precisava ser ele, precisava ser justo o seu pai? E James tinha visto, ele sabia de tudo agora ou iria tirar suas próprias conclusões. Lily não sabia qual opção era pior. Sua mãe sempre havia dito que assuntos como o comportamento de Orion Black e suas infidelidades eram privados, feitos para serem discutidos apenas entre família e agora um Potter sabia?

Ela respirou, tentando se acalmar e congelou quando uma mão tocou em seu ombro em uma clara tentativa de chamar a sua atenção. Lily ergueu seu rosto, imaginando o quão horrível ela estava, com sua maquiagem arruinada e escorrendo por seu rosto. Mulciber sempre dizia que ela chorava de uma maneira estranha e nada atraente.

Mas James a encarava de maneira gentil e preocupada, sem parecer se importar com o estado de sua aparência.

— Como você está? — perguntou, sentando ao seu lado.

Ela deu de ombros, limpando suas lágrimas com sua manga.

— Já estive melhor — disse, dando um sorriso fraco. — Eu não estava esperando aquilo.

— Não acredito que o velho Slug está em possessão de um bicho-papão — comentou James, apoiando suas costas contra a parede. Ele estava usando vestes de lazer, deveria estar no meio de uma caminhada pelo castelo quando ouviu seus gritos. — Imagino o que ele vai fazer.

Lily relaxou seus joelhos, esticando suas pernas em sua frente e apoiando suas mãos em suas coxas. Suas unhas, compridas e afiadas, estavam pintadas de um azul marinho profundo que lascava nas pontas, fruto de seus inúmeros tiques nervosos. James mordeu o próprio lábio e passou seus dedos pelo cabelo negro e bagunçado, parecia querer dizer alguma coisa.

— Lily, se você não se importar comigo te perguntando, mas por que você tem medo do Sirius? — perguntou quando a vontade foi mais forte que seu autocontrole.

Ela suspirou, mil mentiras preparadas para algum momento como aquele, quando alguém na rua notasse o olho roxo de Sirius ou os arranhões nas bochechas de Regulus. A reputação da nobre família Black não poderia ser destruída por um caso de raiva do patriarca.

— Não é o Sirius — respondeu com a voz embargada. Sentia como se fosse chorar novamente e mordeu o interior de sua bochecha para se impedir. — É o meu pai. Eles são muito parecidos.

— Ah — disse James, como se isso explicasse tudo. Ele desviou o olhar, seus dedos batendo contra o chão de madeira como alguém que tinha energia demais para gastar.

— O Sirius te contou alguma coisa? — questionou, a curiosidade tomando seus lábios.

— Uns pedaços aqui e ali — explicou, tombando a cabeça para o lado e enfiando as mãos nos bolsos. — Ele não gosta de falar muito sobre isso.

Lily mastigou seu lábio inferior. Ela entendia as motivações de Sirius para não contar nada, a vergonha que deveria sentir e a vontade de não se expor para o mundo, mas sempre havia pensado que ele e James eram melhores amigos. Não conseguia acreditar que seu irmão iria guardar algo dessa magnitude.

Ela percebeu que James estava brincando com algo entre os dedos, um objeto circular dourado que atraía a luz provinda das janelas. Era uma moeda antiga, talvez do século anterior, e Lily tinha quase certeza de que não pertencia a economia bruxa. Ao invés de um dragão gravado em um dos lados do metal, havia o perfil de uma jovem mulher com uma expressão severa.

— O que é isso? — perguntou, olhando para os dedos de James completamente fascinada.

— É uma moeda comemorativa do século XIX — disse. — Foi feita para celebrar a coroação da Rainha Victoria.

— Como você tem isso? As moedas trouxas foram banidas há dez anos.

James não olhou para ela quando respondeu:

— Minha mãe colecionava moedas antes de vir para a Inglaterra. — um sorriso afetuoso tomou seus lábios e Lily se lembrou da tatuagem que ele tinha na pele em homenagem à ela. — Essa era a favorita dela.

— Por quê?

— Eu não sei. — deu de ombros. — Ela morreu antes que eu pudesse lhe perguntar.

Lily sentiu a vergonha tomar seu peito. Sua pergunta havia sido idiota e sem tato, era como se tivesse esquecido todos os seus modos. Fleamont e Euphemia Potter haviam morrido quando James tinha quatro anos; é claro que ele não se lembrava de conversas que teve com eles.

— Supostamente, — continuou o Grifinória. — meu avô enfeitiçou essa moeda para proteger sua única filha em um país machista e ela reforçou os encantos para se assegurar que a última esperança da família de seu amado marido sobrevivesse. — ele se virou para ela – seus olhos pareciam quase verdes naquela luminosidade – e piscou com preguiça. — Eu.

Ela ficou quieta. Não queria dizer nada que pudesse trazer o terrível assunto de sua própria família, como nenhum deles se importava o suficiente com ela para criar algum objeto de proteção eterna. Talvez com Sirius ou Regulus, mas não com uma garota inútil que nunca iria herdar nada.

No entanto, ao olhar para James e ver um brilho de compaixão em seus olhos, ela simplesmente sabia que ele, de sua própria maneira, tinha uma ideia do que acontecia entre as paredes do Largo Grimmauld. Lily não conseguia decidir se ficava aliviada ou envergonhada.

Parecia que o universo decidiu escolher por ela pois Slughorn aproveitou daquele minuto para abrir a porta de seu escritório, dizendo em alto e bom som sobre o comportamento exemplar que ele esperava de membros da Sonserina e o sobrinho do diretor da escola; atrás dele, Marcus e Sirius arrastavam suas pernas enquanto se encaravam com desprezo. Avery segurava uma compressa do que deveria ser gelo contra sua bochecha.

— Srta. Black e Sr. Potter! — exclamou o professor ao vê-los. — O que está acontecendo?

— Eu não achei os papéis de detenção — explicou Lily ao se levantar. Seus joelhos ossudos tremeram sob o peso instável de seu corpo. — Me desculpe.

Seus olhos encontraram os de Marcus e ele ergueu uma sobrancelha, apontando com a cabeça para James ao seu lado. Lily tentou gesticular que iria explicar tudo para ele depois, em um lugar mais privado, mas ele não parecia estar prestando atenção nela. Seus olhos negros estavam analisando James de cima para baixo com uma precisão matemática, anotando mentalmente todas as coisas que nunca havia notado no bruxo.

— Sim, sim — murmurou Slughorn. — Eu entendo.

— Acho que eu já vou indo — disse James, tocando no cotovelo de Lily. — A McGonagall me mata se eu me atrasar para nossa reunião.

Ele andou na direção de Sirius e tocou em seu ombro, se inclinando em sua direção e sussurrando algo em seu ouvido. Lily tentou ler seus lábios, apertando os olhos e focando toda a sua habilidade mental na tarefa em sua frente, porém desistiu depois de alguns segundos. Sirius assentiu para o que quer que seja que Potter havia lhe dito e se virou para ela enquanto James saía da sala.

— Eu vou também. — ela deu um pequeno sorriso. — Avery, nós nos vemos na Sala Comunal.

Lily saiu de lá o mais rápido que pôde, suas espargatas não fazendo nenhum som contra o chão ao abrir a porta e entrar no corredor. Ela olhou para os lados, mas James já havia sumido.

***

— Ao encontrar um inimigo em uma rua escura, você: a. aplica o encantamento lumos para enxergar melhor o seu oponente; b. o estupora com o feitiço estupefaça; c. usa a maldição cruciatus para descobrir quem vendeu sua posição; d. usa a maldição imperius para impedi-lo de te atacar ou e. inicia um incêndio em seus arredores para servir de distração para que você possa fugir. Justifique sua escolha — leu Marcus do livro didático de Arte das Trevas. Eles estavam sentados em uma das mesas da Sala Comunal, os rostos enterrados nos livros enquanto tentavam fazer as lições passadas para o fim de semana. Outros alunos do sétimo ano os imitavam, escrevendo e lendo por horas a fio, pelo menos os que realmente se importavam com o seu futuro. A maioria dos estudantes mais jovens já estavam em suas camas ou fingiam que estavam.

— Bom, — começou Lily, coçando seus olhos. — já sabemos que não é a opção E.

— Certo. — Avery escreveu algo em seu pedaço de pergaminho, sua letra redonda, perfeita e familiar se arrastando pelo material. Quantas vezes eles haviam treinado escrever juntos para que suas letras fossem quase iguais, impedindo qualquer professor de saber quem havia escrito o quê? Dezenas, centenas, milhares?  — Por que não?

— Porque fugir é covardice.

Avery revirou os olhos.

— Termos técnicos, Lily.

— Porque o incêndio pode fugir do controle e tirar mais vidas do que o pretendido.

Ele escreveu as palavras dela, sua cabeça formando uma auréola de sombra na mesa. Lily se espreguiçou, esticando seus braços cansados e estalando seus dedos irritados; estava ficando inquieta depois de tantas horas sentada naquela mesa.

— A primeira também não é a resposta — murmurou, apoiando seu rosto em sua mão. — O tempo que levaria para você iluminar a rua é suficiente para o seu inimigo te atacar.

— Boa. — Avery escreveu ainda mais, mordendo a língua ao se concentrar. Lily olhou ao redor. A maioria das pessoas estava estudando sozinha, apenas ela e Marcus haviam decidido se juntarem em uma tentativa de ir mais rápido. — A C também está fora.

— O quê? Por quê?

Marcus não olhou para ela quando respondeu:

— Porque nunca foi dito que estamos nos escondendo. Só foi dito que encontramos nosso inimigo na rua. — ele mordeu seu polegar. — Nós poderíamos estar indo para uma festa.

— Mas isso não é uma continuação do trinta e sete? — perguntou. — Escolha o melhor esconderijo.

— Ah, querida, não. Estamos no cinquenta. Se isso fosse uma continuação do trinta e sete, o autor teria avisado.

— Entendi — sussurrou. O sono estava começando a afetar seu cérebro. — Então, estamos entre a B e a D.

— Isso. Alguma ideia?

— Depois que você aplica a maldição imperius, o que você faz? — perguntou Lily. — Você leva o cara para tomar chá? Não faz sentido. Ao menos, se você estuporar seu inimigo, dá tempo de amarrá-lo e continuar a sua vida.

— É, mas a maldição imperius pode ser usada a longo prazo — apontou Avery. — Com esse feitiço, ele não é mais seu inimigo.

Lily processou as palavras de seu melhor amigo em sua mente, tentando entender o sentido de suas falas.

— Bom argumento — comentou. — Uma pena que nós precisamos justificar senão poderíamos chutar uma das duas.

— Verdade. — ele mordeu a ponta de seu polegar.

As pálpebras de Lily estavam pesadas e o calor provindo da lareira a embalava em um abraço quente, forçando seus músculos a relaxarem e seu corpo se preparar para dormir. Tudo que ela queria era ir para o dormitório e cair no sono, mas sabia que Amycus Carrow iria ficar furioso se eles não entregassem a lição completa na segunda-feira.

— Coloca a D — murmurou. — e a justificativa é porque com ele sob seu controle, você tem um inimigo a menos.

— Que poético — comentou Marcus, escrevendo suas palavras. Quando terminou, ele puxou sua varinha de sua mochila e apontou para o pergaminho em sua frente. — Geminio.

Ele empurrou a cópia de Lily em sua direção e ela desenhou um lírio negro no lugar de seu nome. Quando terminou, enfiou a cópia de pergaminho em sua bolsa e espreguiçou todo o seu corpo. Eles não faziam lições juntos o tempo todo, apenas quando o professor era especialmente cruel e atribuía enormes trabalhos para a noite. Na última vez em que haviam feito isso, Lily havia ficado com o pergaminho verdadeiro.

— Que horas são? — perguntou Avery no meio de um bocejo.

Lily olhou para o relógio que havia ganhado em seu aniversário de dezessete anos.

— 23:35 — respondeu.

— Nossa. — Marcus suspirou. — Pensei que fosse mais tarde. Estou exausto.

Ela se espreguiçou, suas juntas estalando e suas articulações tremendo. Era estranho ficar tanto tempo sentado, quase como se seu corpo não estivesse no lugar certo.

— Eu tenho uma coisa para você — disse Marcus, simples e sem preocupação.

— Mesmo? — uma animação que ela não tinha há semanas correu por suas veias. — O que é? Um presente de aniversário adiantado?

— Não, ainda não — respondeu, rindo e puxando a sua mochila para o seu colo. De lá, ele pegou um pedaço de pergaminho, meio amassado de tantas horas passadas entre as coisas de Sirius. Lily franziu o seu nariz, tentando entender o objetivo daquele papel enquanto observava Avery o colocar na mesa.

— O que é isso? — questionou, erguendo o seu rosto para ver melhor.

— Eu não sei, paguei o Rosier para afanar a mochila do seu irmão e essa foi a única coisa que tinha lá dentro — disse. Lily tentou não se importar do fato de Marcus ser familiarizado com alguém como Evan Rosier.

— Como ele conseguiu roubar a mochila de Sirius?

— A briga de hoje foi uma distração — explicou.

Uma onda de raiva tomou o corpo de Lily, queimando suas veias e fazendo com que uma névoa vermelha cobrisse seus olhos. Não conseguia acreditar no que estava vendo… a audácia… a coragem...

— Você brigou com o meu irmão sem motivo? — ralhou, atraindo atenção para a mesa dos dois.

— Ei! — Avery levantou as mãos em rendição. — Ele me chamou de Puxa Saco de Comensal da Morte então nós dois somos culpados hoje.

Lily suspirou, apertando a ponte de seu nariz e tentando se acalmar. Ela brigaria com Marcus sobre isso depois, agora precisava manter a única amizade que lhe restava.

— Por que o meu irmão teria esse pedaço de pergaminho velho? — perguntou quando a raiva abaixou.

— Talvez ele goste de coisa vintage — disse Avery, tentando ser engraçado. Lily o ignorou. — Ou não é um simples pedaço de pergaminho velho.

Ela franziu o cenho, as palavras de Avery não fazendo sentido para sua mente deprivada de sono.

— O que quer dizer com isso?

— Ah, sei lá. — deu de ombros. — Seu irmão ou um de seus amigos está sempre com isso e eles nunca escreveram nada. Nunca. Não faz sentido… a não ser que eles tenham escrito algo e escondido com um encantamento

— E precisa de alguma frase para revelar seus segredos — sugeriu Lily, se levantando. Ela percebeu com o canto do olho que Marcus fez o mesmo.

— Foi exatamente o que eu pensei.

Lily mordeu seu lábio, tentando se lembrar de qualquer frase que Sirius poderia repetir com frequência, principalmente quando ele estava tentando ser furtivo com isso. Sua mente não conseguia se recordar de nada que poderia funcionar naquela situação. Mais uma vez, ela se amaldiçoava por não prestar tanta atenção em seu irmão gêmeo.

Marcus coçou sua sobrancelha com sua varinha, pensando. Lily conseguia ouvir as engrenagens em seu cérebro funcionando, tentando arrumar uma conclusão e solução para aquela situação.

— Malfeito feito? — sugeriu. — Eles vivem dizendo isso.

Lily bateu de leve no pergaminho com a ponta de sua varinha e repetiu a frase que Avery havia dito. Os olhos dela se arregalaram quando, ao invés de revelar segredos e magias desconhecidas, um punhado de palavras apareceram no pedaço de pergaminho:

 

Sr. Moony sugere que a Srta. Black e o Sr. Avery tentem se lembrar do que vem antes.

Sr. Wormtail pede que o Sr. Avery não machuque os verdadeiros donos desse pergaminho.

Sr. Padfoot relembra a Srta. Black de que ela não deve tocar em suas coisas.

Sr. Prongs avisa a Srta. Black que ela é mais inteligente do que isto.

 

— Eu sinto que eles estão tentando se comunicar comigo — comentou Marcus, a zomba estampada em sua voz.

Eles se entreolharam e tentaram outras frases, qualquer uma que viesse a sua mente era dita. Os minutos se passaram, se arrastando e se despedindo lentamente. A Sala Comunal já estava quase vazia e Marcus roncava com a cabeça jogada para frente quando Lily finalmente desistiu. Ela acordou seu melhor amigo com uma cutucada em sua barriga e guardou suas coisas, enfiando o pergaminho sem cuidado na bolsa.

Ela podia se preocupar com isso amanhã.


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Notas finais do capítulo

ah eu me pergunto que pergaminho é esse...