O Pecado de Cyn _ Crônicas do Olho Azul DEGUSTAÇÃO escrita por Félix de Souza


Capítulo 2
1º pecado – Luxuria


Notas iniciais do capítulo

Aviso Legal:
Essa não é uma historia feliz.
Leia por sua conta e risco.
Abraços fraternos...



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Olá!

Aqui estou

Aqui estamos, nós somos apenas um

Bom estive esperando essa noite chegar

Levante-se!

Agora é hora de eu pegar meu lugar

A maquiagem correndo pela minha face

Nós somos exilados da raça humana

Você está

No circo psicótico

Você está

No circo psicótico

E eu digo bem-vindo ao show!

Psycho Circus_ KISS

 

Madame Deshayes chegou ao Desidia Circus na primavera.

Era inicio da temporada e as coisas já não iam bem, Gilles estava furioso e quando estava assim, ria alucinadamente.

O motivo era que ninguém sabia exatamente como, mas Calcabrina foi parar dentro da jaula do leão.

Houve então uma luta violenta ao qual o jovem Yeti saiu vitorioso, porém gravemente ferido, o leão, único animal de atração ao qual o próprio Gilles cuidava, veio a falecer. Suspeito até hoje que o objetivo de Calcabrina era devorar o nosso leão.

Então Gilles perdera o leão e perigava perder seu precioso, raro e já debilitado filhote de Yeti.

Foi exatamente nesse dia que conhecemos Madame Deshayes.

Quer dizer, “nós” conhecemos, porque aparentemente Gilles já conhecia e Madame Deshayes chegou para salvar o dia.

— Idiotas! Ahahahahaha!_ Berrava Gilles. — Quem foi que eu deixei tomando conta da jaula enquanto almoçava? _ Na verdade não havia deixado ninguém. Eu estava fazendo o de sempre, limpando as latrinas. Estávamos todos fora da tenda. Mas...

— Foi você Olhos azuis. _ Disse com veneno na voz. — Não foi seu cruzamento de porco com égua?!

O porco que ele se referia era meu pai, um orc, certamente a égua era minha mãe humana. Eu sou um meio orc e por conta disso herdei os olhos azuis de minha mãe. Orcs nunca tinham olhos azuis. E essa peculiaridade também rendeu minha alcunha.

Na verdade eu nem tinha nome, ainda não me chamava Cyn, naqueles dias.

Na minha mente, eu já me via sendo espancado por Cagnazzo, Barbariccia e Farfarello no próximo espetáculo e suspeitava que isso fosse apenas o começo, porque o prejuízo era grande. Embora eu não tivesse culpa nenhuma sabia que não adiantava me justificar.

A culpa era minha e pronto.

Que se dane! Já que a culpa era minha mesmo...

— E já foi tarde! Gostaria de eu mesmo ter arrancado o couro dele.

O sorriso ainda estava no rosto de Gilles, mas o olhar era perplexo, nunca antes eu havia respondido ele.

Antes que ele pudesse reagir, ouviu-se o som de uma carroça se aproximando.

— Ora vejam que auspicioso! _ Exclama uma voz feminina e adulta. –Parece que eu cheguei à boa hora para salvar seu dia Gilles D’Arc. _ A própria senhora conduzia a carroça puxada por uma mula. A carroça de viagem tinha uma lona estendida sobre a carroceria que devia servir de abrigo nos dias chuvosos e contra o sol.  — E salvar esse jovem rapaz também.

Vestia-se de branco, de uma tonalidade como gelo. Sua túnica tinha um capuz e seu rosto só era parcialmente visível, mas eu podia sentir o olhar intenso dela sobre mim, como se vasculhasse minha alma e pensando bem agora, talvez estivesse mesmo.

— Catherine Deshayes? Viva?!_ O olhar perplexo de Gilles se mantinha lá. — Ouvi dizer que tinha sido queimada na...

— Boatos, meu caro, meros boatos. Foi só um mal entendido. _ Disse a mulher com um aceno de mão, como se espantasse uma mosca. — Mas vamos entrar? Creio que o seu problema é mais imediato. Dava pra ouvir lá da cidade.

Gilles estava obviamente intrigado. Com o que, ninguém saberia dizer, mas fez uma mesura cortês, deu as boas vindas e fez menção para que ambos adentrassem a tenda.

Antes de entrarem, Madame Deshayes, como eu viria a conhecê-la em breve, deu uma ordem imperiosa e aborrecida.

— Bel, criatura indolente._ Gritava em direção à carroça. — Trate de se mover e traga minhas bagagens.

— Já vou, Madame Deshayes. _ Respondeu de má vontade, uma voz sonolenta de dentro da carroça.

Quando saiu, vi a criatura mais linda que meus olhos já haviam posado na minha miserável vida. Até hoje.

Era uma garota, parecia ter em torno dos doze anos e ser mais velha do que eu, que tinha sete na época. Tinha longas madeixas de cabelo castanho acinzentado, a boca era pronunciada e a pele alva e sem manchas parecia macia ao toque. Também tinha pernas longas e um esboço de cintura, mas o rosto era inegavelmente intocado pelo tempo. Seus olhos eram levemente repuxados nas pontas e a sobrecelha era afinada como se fosse um desenho. Somente as orelhas se sobressaiam ao conjunto, mas não era algo que estragasse o contexto, eram levemente pontiagudas, não muito. Era uma meio elfo.

Desceu, carregava uma sacola à tira colo e logo notou que não só eu a olhava embasbacado, como todos o faziam, com exceção de Libicocco, que a olhava com desdém e antipatia gratuita.

Ela nos olhou de volta, pôs uma mão a cintura e com a outra jogava a alça da sacola sobre o ombro. Deu-nos um sorriso daqueles que podia iluminar o mundo. Eu levaria uma surra alegremente olhando aquele sorriso e então ela disse.

— Olá garotos, me chamo Bel e parece que vamos conviver por algum tempo. _ Fez então um muxoxo. — Poderiam me ajudar com a bagagem?

Foi como se saíssemos todos de um transe ao mesmo tempo, mal sabendo que ainda estávamos hipnotizados. Alegre e confiante ela adentrou a tenda e nos deixou se encarregar da bagagem.

Uma quantidade imensa de bagagem que nos fez olhar um para o outro por um instante. Mochilas grandes e pesadas, tendas enroladas, sacos de dormir, panelas e até um pequeno, porém, maciço caldeirão. Como cabia tanta coisa numa carroça tão singela, ainda me é um mistério até hoje. Quanto mais se tirava bagagem, mais surgia, é como se multiplicassem.

Carregamos o tempo todo com um sorriso nos lábios.

* * *

Tom morreu.

Era o nome do nosso leão.

Já estava morto quando Madame Deshayes adentrou na tenda principal e ela não pode fazer nada por ele, mas Calcabrina; ela praticamente o resgatou a beira do mundo dos mortos, com uma simples porção. Aquilo foi algo assombroso de se ver aos sete anos. Eu ainda não conhecia a existência da alquimia. Foi a própria Madame Deshayes que administrou a poção.

— Tome aqui meu rapaz. _ Dizia enquanto sustentava a cabeça do Yeti acima do colo, e despejava o líquido translucido azulado pela goela de Calcabrina. — Beba tudo. Isso mesmo... Pronto.

Para meu assombro e da maioria de nós, vimos os ferimentos expostos de Calcabrina se fechar a olhos vistos e o sangramento estancar.

Olhei em volta para ver se os outros estavam tão admirados quanto eu e notei que Farfarello não parecia muito impressionado, nem Gilles, mas era de se esperar e também tinha a jovem Bel, que olhava aquilo como se fosse algo corriqueiro. Devia mesmo ter visto isso dúzias de vezes, parecia magia. Eu me perdi olhando para ela.

— O que houve? _Ela disse-me quando notou. — Tem alguma coisa no meu nariz?

Baixei a cabeça e senti-me enrubescer. — Não. _ Disse simplesmente.

Você deve estar me achando um pouco precoce, mas não é assim. Sabe paixão de infância? Era aquilo que eu sentia naquele momento. Mais tarde aquilo viria evoluir para algo maior e mais complicado. Eu sempre fui maior do que os garotos de minha idade e com o tempo pareceria mais velho também por outros motivos que logo você vai entender.

Os meio elfos não tem a longevidade dos seus pais elfos, mas tem alguma longevidade, de modo que envelhecem pela metade do tempo de um humano. Logo a diferença de idade entre mim e Bel, não pareceria tão distante assim, embora eu não soubesse disso naquela hora.

— Yeti estúpido! _ Praguejou Gilles. — Que bela merda de prejuízo você me deu. E voltando-se para a Madame.

— Você sabe que eu não tenho dinheiro para lhe pagar por isso. _ Declarou Gilles.

— Ora, que inesperado. _ Disse Deshayes com um muxoxo. — Devia ter me avisado antes.

— Vamos. _Retrucou Gilles. — Já jogamos esse jogo antes. O que você quer agora?

— Muito bem, direto aos negócios. _ Deshayes lançou um olhar à tenda e em volta. Tive a impressão que ela dedicou um segundo á mais me observando, mas descartei logo depois como mera fantasia.

— Você pode me pagar, me dando abrigo por essa temporada e parte do seu lucro. _Disse sorrindo.

— O quê? _ Gilles sorria com a boca e não com os olhos. Ás vezes era difícil ler as expressões de Gilles. Ele sempre sorria.

— Porque eu lhe daria abrigo e parte dos lucros?

— Porque vou trabalhar para você nessa temporada. _ Madame Deshayes já não sorria. — As pessoas gostam de saber sobre o futuro e falta esse charme ao seu circo. Também vão vir me procurar quando souberem de minhas infusões.

Gilles se pôs a coçar os piolhos, como sempre fazia quando considerava os lucros e prejuízos da noite antes de medir que tipo de surra nós merecíamos. Leve, moderada ou pesada.

— E a sua serva? _Se referia a Bel. — Porque eu devo sustentar uma boca á mais?

— Não deve. _ Interveio ousadamente, Bel. — Eu me sustento. _ Se dirigiu até o local onde havíamos encostado as bagagens e procurou até achar um instrumento de corda. Um bandolim. — Sou uma barda. Posso arranjar meu próprio sustento tocando canções, sendo parte do show ou não.

—Ah ha ha. _ Ria sinceramente pela primeira vez do dia o senhor Gilles. — Mas quer morar debaixo do meu teto e tocar no meu espaço. _Fez uma mesura em direção à beldade. — Bem vinda ao show senhorita... _Disse com ar interrogativo.

— Bel. _ Disse o observando com uma sobrancelha erguida. — Somente Bel.

— Huuum. –Precisamos melhorar seu nome artístico. _Considerou Gilles, olhando as traves no alto da tenta com um dedo no queixo.

— Trinta por cento do seu lucro é meu. _Sentenciou por fim e estendeu a mão. — Fechado.

— Dez por cento. _Retrucou Bel, ainda ousada.

— Acho que você não entendeu._ Disse Gilles e continuou num sussurro e de cara fechada pela primeira vez. — Eu não estou barganhando com você, eu não perguntei se o acordo estava fechado. Eu disse fechado. — A ousadia de Bel esmoreceu ali.

— Ah sim. _Disse de má vontade. — Entendi agora.

Madame Deshayes que só observava até ali se pronunciou então.

— Eu disse que ele não era bonzinho como eu. _Dirigiu essas palavras a Bel.

Bonzinho era tudo que Gilles não era.

E foi assim que Madame Deshayes e Bel se uniram a trupe do Desidia Circus naquela primavera.

E a temporada estava apenas começando.

* * *

E assim a Primavera passou e chegou o Verão.

Os irmãos infernunitas praticavam seus malabarismos desastrosamente como deveria ser.

Os palhaços ensaiavam suas anedotas obcenas e criavam outras.

Os loucos nos deixavam cada vez mais loucos.

Draghignazzo nos vigiava para não fugirmos.

Eu praticava arremesso na esperança de ferir menos o Scar na próxima vez.

E Libicocco... Bom. Libicocco era ele mesmo o tempo todo.

Pensa num escravo feliz. Era ele.

Eu não.

Mas até eu andava menos infeliz naquele começo de verão, porque tínhamos musica e beleza.

A música preenchia a tenda e nossos ouvidos, para mim era tudo novidade. A música, os mistérios de Madame Deshayes, a beleza de Bel, aliás, certamente um apelido, mas oque? Bella? Beladona? Isabel? Fomos proibidos de nos aproximarmos de Bel durante as tarefas do dia, sobpena de receber dez chicotadas. Gilles achava que isso atrapalhava nossos afazeres e tinha razão. Os irmãos infernunitas, principalmente Malacoda, davam atenção em demasia a Bel, chamava-a de Belinha, fazia piadas com a cauda que eu só vim a entender anos depois. Maldito desgraçado. Os infernunitas eram mais ou menos, cinco anos mais velhos que eu.

Por outro lado, Gilles também passou á dar atenção especial a nossa barda. Libicocco não era mais o preferido de Gilles.

Eu era curioso na época, algo que eu vim a aprender a evitar com afinco mais tarde. Assim sendo, como não podia me aproximar de Bel, procurei me aproximar de Madame Deshayes e seus mistérios.

O que eu estava pensando? Que talvez conquistando Madame Deshayes, poderia me aproximar mais de Bel. Idiotice a minha.

Fazia limpeza na tenda de Deshayes, ia à cidade mais próxima comprar erva para ela, servia de garoto de recado tanto dela para com Gilles, quanto para com Bel e ainda dava conta dos meus afazeres cotidianos com o circo, ou seja, era escravo duas vezes mais.

Mas ela me tratava bem e eu a servia por vontade própria. Com o tempo aprendi a confiar nela e ficava sonhando se ela não poderia me comprar de Gilles, no dia que ela fosse embora. Eu, Madame Deshayes e Bel, cruzando as estradas de Sodom sem rumo.

Idiotice a minha. Eu já disse isso, certo?

Aprenda uma coisa sobre a vida, Oh, vós que leis essa fábula. Nada é de graça.

Um dia ela me chamou a tenda para outra coisa.

— Olhos Azuis!_ Me chamou Deshayes de dentro de sua tenda quando eu estava passando. — Venha aqui, por favor.

— Sim Madame. _ Disse me aproximando.

— Tome isso é pra você. _ Com a mão estendida, me apresentava um frasco de liquido verde translucido.

— Oque é Madame? _ Parecia uma poção, mas essa era diferente. Tentava memorizar as funções pelas cores.

— É um veneno letal para você se livrar dessa vida de escravo miserável.

Fiquei assustado. Ela nunca falara assim comigo antes, meu coração batia acelerado.

Devo ter ficado com uma cara muito engraçada, para ela, ao menos, ela gargalhou por um bom tempo.

— Estou brincando seu tolo. _ Disse ela enxugando as lágrimas. — É uma poção alquímica.

— Uma o quê? _ Estava me recuperando, queria acreditar que era brincadeira. Quer dizer, sobre o veneno, sabe?

Também não sabia oque era alquimia naquela época.

— Uma poção alquímica. _Disse com tom professoral que eu viria a reconhecer com o tempo. — Semelhante a que eu usei para curar as feridas do Yeti, lembra? _Acenei que sim, então continuou. — Só que essa tem uma função diferente.

— Função? _Pisquei confuso.

— Essa vai aumentar seus reflexos. _ Continuou Deshayes. — Tome antes do seu número de circo hoje e depois me diga o que achou. _Disse com um largo sorriso. — Gostei de você Olho Azul, desde o principio tem sido atencioso comigo. Obrigado.

“Por favor”.

“Gostei de você”.

“Obrigado”.

São coisas que ela me dizia e você não sabe como isso tem impacto num escravo como eu era.

— Eu sinto Olhos Azuis. _Disse-me com aquele olhar intenso que já havia me esquecido. O olhar que me deu no primeiro dia que a vi. — Eu sinto que você tem algo de especial.

Aquilo me encheu de esperança, e como eu não sabia o que sentia, logo sufoquei tudo com um sentimento mais familiar. Medo.

— Bobagem, Madame Deshayes. _Disse com tristeza. — Não passo de um escravo.

Ela apenas acenou a cabeça tristemente de um lado para o outro.

— Diga-me Olho Azul. _ Disse pensativa. — Como veio parar com um monstro como Gilles?

— Minha família me vendeu depois que minha mãe... Morreu.

— Posso mostrar o futuro das pessoas, sabia?_ E depois do tempo de uma respiração. — E também o passado.

— Passado? _Pisquei confuso. — Só tenho sete anos, Madame.

— Não gostaria de saber como foi realmente gerado? _ Mais uma pausa. — Os eventos que lhe jogaram nesse destino insalubre?

Agora uma confissão. Queria demais, pensava nisso com frequência.

— Tenho que trabalhar Madame. _ Fiz uma mesura e me afastei lentamente.

— Claro. –Disse com um toque de desapontamento. — Volte quando quiser.

E a noite na hora do show, um pouco antes de entrar no picadeiro ingeri a poção. Se fosse veneno que mal teria? Era uma vida miserável mesmo. Eu ainda estava com os hematomas da surra que levei de Gilles por ter dito que gostaria de ter arrancado o couro de Tom, com minhas próprias mãos. Então tomei a poção e naquela noite meu número foi um desastre completo.

Eu não errei nenhum arremesso.

* * *

— Você não errou nenhum arremesso. _Scarmiglione estava impressionado. — Mas como?

— Aprendi a arremessar as facas. _ Madame Deshayes era envolta em um manto de mistérios e eu havia decidido que esse manto me caia bem.

— Nem a pau. _Scar disse indignado. — Aposto que tem o dedo daquela bruxa nisso.

— Ela não é uma bruxa, Scar! _ Disse irritado. — É uma alquimista!

— Ela faz poções mágicas?_ Scar rebateu cético.

Scar sabia ser tão irritante quanto feio e eu estava com dores da surra que acabará de levar do senhor Gilles por estragar o show.

Sentindo dores eu não era uma pessoa confiável.

— Não me faça descontar minha raiva em tu, Scar.

— Gilles te arrebentou dessa vez. _ Apaziguou Scar mudando de assunto.

— Se você não sair ferido, eu que saio, ele disse.

— Sei. A graça do show é ver o filhote de Troll espetado. _ Disse Scar aborrecido.

— Você é um filhote de Troll, mesmo? _ Perguntei.

— O que madame Deshayes lhe fez, mesmo? _ Rebateu ele.

Olhei em volta pra ver se estávamos seguros. Estávamos nos fundos do picadeiro, fazendo limpeza na tenda antes de dormir. Todos foram liberados dessa vez e a obrigação era só nossa como extensão do castigo por eu ter sido um bom arremessador de facas.

— Tudo bem, mas fica entre nós. _ Sussurrei para ele.

— Tá bom, fala logo.

— Ela me deu uma poção e eu tomei antes do show e de repente... Bum.

— O que é “bum”? Seu Zé ruela.

Tentei descrever para ele a sensação. De como de um momento para outro eu enxergava as coisas com mais clareza. Que era como se meus braços estivessem com pesos esse tempo todo e ao tomar aquilo ficassem mais leves. Eu sabia que ia conseguir e consegui. Arremessei oito facas, uma acima da cabeça, uma de cada lado da cabeça, dos braços e das pernas e uma entre as pernas, pois me sentia ousado. Foi um espetáculo, pelo menos para mim e Scar. Nenhuma atingiu o meio Troll. Todas cravadas na madeira.

E por isso fui vaiado. As pessoas de Sodom, em particular, da cidade de Ptolomeia, onde estávamos no começo do verão, ia ao Desidia Circus para ver as aberrações como nós, sofrerem. Embora consigamos sair relativamente ilesos por conta de nosso sangue mestiço, ninguém sofria mais que Scarmiglione. Ele era o mais feio de nós, mas podia se curar de praticamente tudo, mas isso não quer dizer que ser espetado por facas quase todos os dias de sua vida, era lá uma sensação agradável.

No entanto e por isso mesmo, o nosso show era dos mais esperados.

Eu e ele fomos vaiados e hostilizados, houve quem quisesse o dinheiro de volta.

Nada deixava Gilles mais furioso do que perder dinheiro. A punição foi uma surra pesada, oque significa que logo depois do meu show, naquele dia eu fui feito de palhaço e tomei uma surra no picadeiro de Farfarello, Barbariccia e Cagnazzo e não poderia dormir antes de limpar a tenda e o picadeiro e fiquei sem jantar. Já não comia bem e ainda por cima essa.

— Não conte nada a Gilles, aquele palhaço. _Disse à Scar.

— Claro, pode deixar. _ Respondeu o meio Troll.

Eu pensava em Scarmiglione como um amigo.

* * *

Passei alguns dias evitando Madame Deshayes, indeciso se o que ela me fez foi por bem ou por mal.

Ela poderia ter me usado para irritar Gilles. Ao que eu percebia o relacionamento deles não era exatamente amistoso, viviam cochichando pelos cantos de maneira ríspida.

Além disso, Malacoda foi convidado a se afastar de Bel e se dedicar mais a seus afazeres. Fiquei sabendo que Gilles deu uma surra nele com a própria cauda para enfatizar seu argumento, foi a melhor parte do verão.

Fizemos shows em Antenora e Caina também, curtas temporadas e Gilles me culpava por tudo.

Logo fecharíamos circuito em Judeca. Nunca tínhamos permissão de fazer apresentações em Dite, capital de Sodom, na verdade, nem diretamente nas cidades, a não ser em Judeca, nossa ultima parada antes do inverno.

Ocupávamos uma área nos arredores das cidades, próximo à estrada, Gilles pagava uma taxa ao nobre local e outra aos bandoleiros para não ser incomodado.

Não consegui evitar Deshayes o verão todo. Com Malacoda fora da jogada, era hora de voltar a minha tática, “conquiste a mãe para conquistar a filha”.

Doce ilusão. Tinha um rival pior agora.

Mas isso fica para mais tarde.

— Desistiu de mim, Olhos Azuis? _ A voz de Madame Deshayes ecoou de sua tenda num dia em que eu passava distraidamente de propósito em frente a ela.

— Desculpe Madame. _ Disse com pesar ou ao menos tentei. –Estive muito ocupado. — A senhora precisa de alguma coisa.

— Preciso de muitas coisas. _ A voz ainda ecoava sem rosto de dentro da tenda. Era meio sinistro, apesar de ser verão, aquele dia em particular estava nublado, dando uma luz cinzenta á tudo.

— No que posso ajudar? _Disse eu sinceramente solicito.

— A pergunta é. _ Disse ela levantando uma aba da tenda e vindo parcialmente para fora. Seu rosto envolto no capuz era uma máscara de sombras. — No que eu posso lhe ajudar Olhos Azuis?

“Poderia me tornar humano e atraente para eu ter uma chance com Bel, ou forte o bastante para dar uma surra em Gilles”.

Eu pensei.

Como se lesse minha mente, ela disse.

— Tenho certeza que posso realizar um dos seus desejos.

— E porque a senhora faria isso? Sou apenas um escravo, uma aberração.

— Pobre criança, o que Gilles fez a você?_ Disse abanando a cabeça de um lado para outro lentamente.

Ela me parecia mais estranha que o normal, então me afastei lentamente, não queria que Gilles ouvisse esse tipo de conversa.

— Você quer ir embora daqui, Olhos Azuis?

Meu coração congelou, meu pé parecia travado no chão. Esperança! Não queria ter esperança.

— O quê?! _ Disse-lhe atordoado.

— Quando eu partir gostaria de vir comigo e com Bel?

Fiquei mudo, minha língua enrolava na boca e secou.

— Tome. _Ela me estendeu outro frasco de poção. Vivia sempre cozinhando algo e era a parte do circo agora que dava mais lucro depois que ficaram sabendo que ela era um alquimista autentica e não uma charlatã.

— O que é? _ Era só oque eu conseguia dizer.

— Uma porção de revelação. _ Disse ela e tive a impressão que seus olhos brilharam.

— Revelação de que? Por quê?

— Eu sei das coisas Olhos Azuis. _ Disse com paciência que se usa para falar com crianças e eu era uma. —  Sou Madame Catherine Deshayes, Alquimista e vidente. Eu sei mais de você do que você mesmo. _ Ela insistiu com um gesto para que eu pegasse a poção. — Mas tem coisas que você tem que ver com seus próprios olhos. Essa poção vai revelar o que você mais quer saber e só você sabe e saberá oque é.

Não tinha entendido muito bem naquela hora, mas sabia o que mais me intrigava naqueles dias. Quem foram meus pais.

Havia outras coisas, mas essa vinha ser a primeira. Minha pergunta mais antiga desde que eu tomei consciência da minha condição na jaula do leão, três anos antes. No fundo me sentia grato, um resquício de lagrima ameaçava brotar nos meus olhos, eu acreditava na compaixão humana e que alguém iria me ajudar um dia. Eu era inocente. Era.

— Tome antes de dormir, e use-a antes do fim dessa temporada. Depois que essa temporada acabar, meu trato com Gilles acaba. _Me instruiu ela. — E antes de dormir pense em que revelação gostara de ter. Pode ser estranho. Dependendo do que for, você pode ser ver fora de si, ou pelos olhos de outras pessoas.

E eu não tomei a poção naquele dia, nem no seguinte. Fiquei com medo e com dúvidas. O que eu mais queria saber?

Quem foram meus pais?

O que Madame Deshayes queria realmente comigo?

Teria chances algum dia com Bel?

Poderia confiar nas poções mágicas?

— Eu vou ajuda-lo. _Disse Deshayes. _a cumprir seu destino.

E eu achava que ela tinha cheirado os vapores errados naquele dia.

* * *

Então chegamos a Judeca no outono, para encerrar a temporada e se preparar para o inverno. Sodom era um lugar caloroso na maior parte do ano, mas o inverno parecia expurgar todo o calor da terra.

Foi no inverno que eu nasci.

Logo ficaríamos isolados em algum lugar de Sodom. Era a pior época do ano.

Não tinha trabalho, nem plateia, só nós tentando sobreviver a Gilles, mas antes vinha o outono e ainda há essa parte para narrar aqui.

Em Judeca havia a maior concentração de orcs do reino de Sodom, era o ponto mais distante da capital, Dite.

Todo tipo de pessoa transitava pelo circo, e com isso todo tipo de boatos.

Foi naquele outono que eu ouvi falar pela primeira vez de Ez.

Ez Azel, o orc negro. O destruidor profetizado.

— Os orcs o veem como uma divindade encarnada._ Dizia o informante local de costume do senhor Gilles. — Esse ano eles vão cobrar um pedágio pesado pro senhor.

— Maldição! _ Se enfureceu Gilles, o sorriso ainda no rosto demoníaco. — O que tem demais um orc nascer com a pele negra?

— Não sei. _ Disse o homem. — Ainda é uma criança, tem uns sete apenas, talvez oito anos, mas está conseguindo unir as tribos de orcs ao seu redor, por conta de uma profecia deles.

— Báh! _ Disse Gilles com desdém. — Os orcs não sabem nem escrever os próprios nomes e agora tem profetas?

Isso eu ouvi rapidamente quando eles passaram por mim perto das latrinas onde eu trabalhava. Limpava mais latrinas do que treinava o arremesso. Aliás, voltara a fazer meu número do jeito que o público gostava, levando Scar à beira da morte e como prova de camaradagem, não tentei atirar uma faca no meio das pernas dele de novo.

— Um orc nasce de pele negra e já é importante, o outro nasce de olhos azuis e limpa latrinas. _ Dizia uma voz fina e desdenhosa que eu conhecia bem. — Hilário, não é mesmo? _ Farfarello tinha essa capacidade enervante de surgir do nada. Ele me dava arrepios.

— Eu não sou um orc. _ Disse sem olhar para ele. — E esse tal de Ez é.

— Você bem que gostaria de ser importante, né, Olhazul? _Isso foi acompanhado de uma risadinha irritante.

— Eu gostaria de almoçar sem o cheiro de merda no nariz. _ Respondi.

— Olha! _Disse com espanto na voz. — Tá ficando atrevidinho. Nosso menino está crescendo, que bonitinho. _Outra risadinha.

— Me deixa em paz, duende.

Ele não gostava de ser chamado de duende.

Afinal, olhando para trás agora, onde eu estava com a cabeça?

Desacatando Gilles, desafiando o desgosto de Farfarello, Madame Deshayes estava mudando minha cabeça. O duende sabia.

—Você não é nada Olhazul. _ Disse num sussurro se aproximando mais dos meus ouvidos. — Você não tem destino, nem propósito algum nessa vida. _Olhou de um lado para outro rapidamente. — Gilles não vai gostar nada, se souber que você está de conversinha com Madame Deshayes.

Então me virei para encara-lo. Eu era um moleque de sete anos, mas ele viu alguma coisa ali que fez dar um passo para trás.

Bem verdade, ele não era muito mais alto que eu e por minha vez, era bem alto para um garoto de sete anos.

— Acabou? _Disse eu.

Encarou-me, de cabeça inclinada para o ombro direito, deu um sorriso de dentes afiados e disse. — Não.

— Estamos apenas começando. _E me lançou outro sorriso.

Pensando bem, foi naquela época que aprendi a ter aversão por sorrisos.

* * *

Então o outono avançou e os ventos de inverno começavam a se pronunciar, as noites eram mais longas e frias.

Apesar das constantes queixas de Gilles, o Desidia estava faturando alto.

Tínhamos agora uma barda, Bel, que tocava e cantava lindamente e conhecia uma centena de boas histórias.

Tínhamos também uma vidente e alquimista legítima, Madame Deshayes.

Já conseguimos á essa altura o dinheiro para pagar Madame Deshayes, mas Gilles não pagava. E ainda sobrava para um novo leão.

Ao invés disso, Draghignazzo trabalhava dobrado.

Vigiava-nos para que não fugíssemos do circo e voltou por um tempo a sua antiga função. No começo da carreira de Draghignazzo no Desidia Circus, ele era a fera na jaula e Gilles o domador. Essa ideia não deu certo mais do que duas semanas. Todo tipo de arruaceiro parecia ser atraído para o Desidia, então Draghignazzo tinha que voltar a ser o leão de chácara de novo. Não dá pra ser a fera irracional e o segurança ao mesmo tempo.

Gilles foi obrigado a comprar uma nova fera e que animal. Os orcs tinham um lince albino e venderam para Gilles por uma quantia que quase o fez chorar, pela primeira vez e talvez tenha chorado escondido. Pode-se ter esperança.

Bel se apaixonou imediatamente pelo animal, e aparentemente, era recíproco.

Tanto que Bel passou a assumir outra função no fim da temporada, a de domadora de feras. O animal só obedecia a ela e o prazo era curto até o final da temporada, de modo que Gilles não tinha muita escolha, mas isso também foi um grande sucesso no circo.

— Certamente, nunca ouve uma domadora tão encantadora. _ Elogiou-a na frente de todos depois do fim do espetáculo.

— Muito agradecida. _ Disse Bel, parecendo até um pouco encabulada.

— Pelo ótimo serviço, gostaria de convida-la a jantar na minha tenda hoje. _ Disse-lhe Gilles.

— Será... Um prazer. ­_Respondeu Bel.

E eu pensava que, certamente, meu show era um dos mais apreciados no circo e ele nunca me fez esse convite.

Fiquei curioso e enciumado, não por ele é claro, por Bel. Sonhava que um dia lhe faria o mesmo convite.

Ao invés disso, fui conversar com Madame Deshayes depois de ser dispensado.

* * *

Contei sobre o duende.

— Ele pode lhe obrigar a não falar comigo, mas não pode me obrigar a não falar com você. _ Disse Deshayes e deu de ombros. -Gilles não tem poder sobre mim, ele sabe e isso o incomoda.

— Porque ele me obrigaria a não falar com a senhora? _Perguntei por curiosidade.

— Ele sabe que você é inteligente e comigo, você tem muito a aprender, Olhos Azuis.

— E se eu aprender, isso não me torna mais útil?

— Sim, mas pra ele um escravo inteligente, não serve. -Você se torna um perigo.

Pensei sobre aquilo em silêncio, sem entender bem o por que.

— Ouça Olhos Azuis, com atenção. -Disse Deshayes. — Você é um pária, um meio orc. –Pronunciou dando peso em todas as palavras de sua sentença. — Eternamente preso entre dois mundos que nunca vão lhe aceitar como um deles. — Os humanos o temem por sua descendência, os orcs os menosprezam e ambos os repudiam. Se você quer sobreviver entre esses dois mundos, tem que parecer ignorante por um tempo.

— Por quê? _ Eu estava confuso.

— Porque por mais que você venha a ser um perigo um dia, as pessoas ignorantes costumam ser subestimada, então você sobreviverá até se tornar forte o bastante para não precisar desse artifício. Eles dirão que você é um filhote de orc, burro, um filhote de humano imprestável e em seguida, sem ter nada á temer, o ignorarão. _ Fez uma pausa curta como se pesasse as próprias palavras.

— Na maioria das vezes pelo menos. _Disse afinal. — Mas se você for inteligente na presença deles, você será uma ameaça, e você, Olhos Azuis, ainda é fraco demais para isso. No fundo, Gilles e Farfarello já devem ter percebido isso._ Ela tomou minhas mãos nas suas e as suas eram frias. — Então eles irão querer quebrantar seu espírito, antes que seu corpo cresça. Olhou fundo nos meus olhos como se procurasse por algo em mim. — Entendeu?

Tinha entendido, mais ou menos. Então apenas abanei a cabeça em sinal positivo.

— Viu? Disse satisfeita. — Você é esperto, Olhos Azuis._ Repentinamente mudou de assunto. — Já tomou a poção?

— Não. _Disse simplesmente.

— É melhor fazer logo. _Voltou-se para seu caldeirão. — O tempo está acabando.

Sai de sua tenda pensativo e andei a esmo pelo acampamento.

Draghignazzo não estava á vista, ninguém estava então resolvi passar próximo à tenda de Gilles e bisbilhotar como estava o jantar. Queria ter uma ideia de como poderia tratar uma dama num jantar a dois. Certamente recebi uma aula.

Ouvia vozes abafadas de dentro da tenda de Gilles que aparentemente dispensou Draghignazzo de guardar o local naquela noite.

Ia ser mais fácil que o de costume. Ás vezes, eu e Scar invadíamos a tenda de Gilles à noite para roubar comida, quando ele estivesse dormindo. Era perigoso e é claro que tínhamos medo de Gilles, mas pense numa fome de fazer esforço físico o dia todo e ir dormir sem jantar, sabendo que no outro dia tudo ia se repetir. Pois é.

Tinha vezes que nós não tínhamos escolha e pelo menos eu aceitava o risco de ser chicoteado mastigando pão.

E, além disso, como eu disse antes, Madame Deshayes estava mudando minha cabeça. Numa coisa Farfarello tinha razão, eu estava ficando mais atrevidinho.

Esgueirei-me pelos fundos da tenda evitando que minha sombra fosse projetada sobre a lona, segui lenta e silenciosamente. Ainda não ouvia as vozes com clareza e sabia que no fundo da lona era onde Gilles acomodava os baús e caixotes, onde guardava o dinheiro, roupas e cadernos onde anotava os lucros da noite, fora outros caixotes com comida e bugigangas. Gilles era do tipo que não jogava nada fora e nós que sofríamos para carregar as tralhas dele. Com isso tudo, o fundo da tenda de Gilles era um ponto cego que era coberto por Draghignazzo, mas não essa noite. E foi por lá que eu invadi.

Bem, vamos logo à cena que nenhuma criança de sete anos, (e queira você admitir ou não, orcs geram crianças) deveria ver.

Quando entrei estavam se beijando e se despindo e assim totalmente sem roupa se jogaram na cama.

E como você deve imaginar a principio eu não entendi nada. Estavam de costa pra mim, portanto de frente para a entrada da lona.

Gilles tinha o privilégio de ter uma cama de verdade e nela os dois estavam atracados e nus.

Bel se deitou e abriu as pernas se deixando à disposição de Gilles.

Sem falar nada Gilles recostou a cabeça entre as pernas dela e ali encostou a boca.

Um detalhe bizarro sobre isso é que o corpo de Gilles era semelhante ao rosto, todo branco e então percebi no fundo da minha mente, que aquilo não era maquiagem.

Depois de algum tempo ele subiu com a cara em direção à boca dela.

Bel não perdeu tempo, o beijou com volúpia, e ele lambia seus seios com bicos rosados e eu senti meu corpo arrepiar.

Aquilo estava mexendo com algum instinto primitivo em mim. Era o começo do fim da inocência.

Quando ele tentou monta-la então ela disse.  — Ainda não_ Disse o empurrando de volta. — Deita ai que eu quero te chupar todo. Depois você pode fazer o que quiser comigo. _ Imagine minha confusão.

Aquilo me deixou louco, eu não sabia por que na época, mas era excitação.

Eu queria ser Gilles naquela hora e como eu queria.

E enquanto ela chupava, olhava para ele com uma cara de volúpia e sorria como se estivesse ganhando um prêmio pela atuação impecável.

Eu senti uma coisa nova. Uma intumescência se formava no meu membro.

Gilles apenas fechava os olhos e sentia tudo que eu queria sentir.

Foi então que ela me viu, ao menos eu acho que ela olhou em minha direção e nem por isso parou, deu um pequeno sorrisinho bem discreto, acho que piscou para mim, não sei. Depois se pôs de quatro, como eu vira alguns cães vadios fazerem algumas vezes ao longo da vida e Gilles deitou seu corpo sobre o dela.

Beijou a nuca, mordeu e lambeu suas orelhas pontiagudas e quando menos percebi, eu estava tocando meu próprio membro.

Foi então que os gemidos começaram.

Bel tinha uma aparência de doze á treze anos, uma idade que uma moça de família normalmente se casava como ditava o costume. Só mais tarde eu fiquei sabendo que meio elfos envelheciam na metade do tempo humano e ela deviria ser bem mais velha do que aparentava. Velha demais para casar.

Gilles começou a penetra-la.

Bel pediu que ele se virasse de barriga pra cima, ela ficou de cócoras em cima dele e eu imaginava que era em cima de mim, segurou na cabeceira da cama com as duas mãos.

Usava suas mãos para se apoiar, ela apenas rebolava e controlava os movimentos do seu corpo com perfeição.

Parecia um cavaleiro experimentado que cavalgava com maestria.

Não demorou muito e suas unhas no peito de Gilles e um gemido mais forte denunciaram seu primeiro orgasmo.

Eu não aguentava mais. Tinha que sair dali.

De algum modo consegui sair de lá sem chamar atenção de Gilles, ou talvez ele tenha percebido e no fim, não se importou e do jeito que era sádico é bem possível.

Do lado de fora e por puro instinto eu fiz a proverbial "Justiça com as próprias mãos.”.

Era o fim da inocência.

Ainda bem que eu saí da tenda, eu não espera aquela sensação, depois e o meu próprio gemido que não consegui sufocar. Eu não sabia o que era aquilo, pra falar a verdade, nem o que aconteceu. Você vai me perdoar se eu não lembrar-me direito.

Estraguei uma calça, só tinha três, sobravam duas.

Logo após veio a raiva, a frustração, o sentimento de impotência, pois Gilles estava lá, fazendo tudo que agora sabia que eu deveria estar fazendo.

Mas isso, nada disso era maior que um sentimento que prevalecia sobre todos os outros.

Luxuria.

Eu a queria, fazer aquilo com ela, de preferência com ela. Eu queria e isso me consumiu a semana seguinte toda.

Cada dia que passava eu ficava mais obcecado por Bel, e isso viria me marcar como ferro em brasa pelos os anos a seguir.

E ódio. Ódio, ódio, ódio que eu comecei a alimentar por Gilles.

Eu queria ser Gilles, eu queria matar Gilles e eu queria possuir Bel acima de tudo. Olhando agora eu vejo que aquilo despertou tantas coisas em mim.

E se eu queria partir com Madame Deshayes e com Bel? Agora eu não tinha a menor dúvida.

Faria qualquer coisa para isso.

Qualquer coisa.

 


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