Flores também crescem em torres. escrita por Gabriel Ábila


Capítulo 1
A Irmã que eu nunca tive.




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Cremes, maquiagem, esmaltes, pincéis e todos os outros tipos de produtos de beleza infestavam o quarto da pequena Ginny. Sua mãe dizia que era por falta de espaço, mas não pensou nisso quando quis morar em uma torre. De novo.
       Toda aquela quinquilharia atrapalhava muito. Ao abrir o armário, dava-se de cara com uma coleção de secadores pendurados pelos fios de suas tomadas no lugar onde deveriam estar as roupas e seus respectivos cabides. Para andar, era necessário o maior cuidado para não pisar em um dos milhares esmaltes espalhados pelo chão. Era possível encontrar qualquer tipo de esmalte ali, aquele chão parecia um festival de cores. Sobravam duas estantes, uma cômoda, uma penteadeira, e a cama. Como você já pode imaginar, também estavam todos ocupados por produtos de beleza, exceto pela cama, que era o único espaço onde a menina conseguia deixar as roupas. As roupas eram tantas que eram quase como um segundo edredom. Que inferno que era viver no meio daquela bagunça...
       A Torre da Jovem Flor, como era chamado o lar de Ginny e seus pais, era feia, acabada e bem velha, o que era uma ironia considerando o nome que lhe foi dado. A parte de cima da torre era composta por quatro cômodos. Uma sala de estar mofada que também servia como cozinha, um banheiro minúsculo, e os quartos de Ginny e seus pais (é claro que o quarto dos pais era bem organizado, já que jogavam todos os produtos no quarto de Ginny). Descendo uma longa escada caracol, no andar térreo da torre, encontrava-se o melhor salão de beleza da Ilha dos Perdidos (considerando que era o único), o “Flor de Gothel”. Isso mesmo, o salão e o resto da torre pertenciam à Gothel, a mulher que sequestrou a rainha Rapunzel e a manteve em cativeiro criando-a como filha por dezoito anos para usufruir dos cabelos mágicos da garota.
       Você já deve saber que depois que o Rei Fera e a Rainha Bela intitularam-se os reis dos Estados Unidos de Auradon, o país gigante que reunia vários reinos, eles resolveram fazer com que os cruéis vilões que ameaçaram à população no passado pagassem pelas suas ações. Sendo assim, pensando nos vilões e na segurança de Auradon, resolveram enviá-los para uma ilha isolada protegida por uma barreira mágica. A chamada “Ilha dos Perdidos”. Além de enviar todos os vilões já vivos para lá, usaram de uma poderosíssima magia para ressuscitar aqueles que já haviam morrido e colocá-los na ilha. E assim aconteceu com Gothel.
       Algum tempo depois de ter envelhecido rapidamente sem os poderes do cabelo mágico de Rapunzel, caído da antiga torre onde a mantinha, e virar pó ao chegar no chão, Gothel acordou confusa naquela ilha horrorosa, assim como muitos outros. A ilha, que há muitos anos atrás já havia sido um pequenino reino, tinha alguns castelos quebrados e abandonados, casas destruídas onde os vilões passaram a habitar, e um farol, onde Gothel tomou posse e reformou, tornando uma torre particular. Depois de passar dezoito anos morando em uma torre altíssima, seria estranho para ela viver em uma casa baixa, ainda mais naquele lugar horrível.
       Para sua sorte, Gothel voltou à vida na sua forma jovem, como ficava quando cantava para o cabelo mágico de Rapunzel, e assim, pôde se relacionar com Godofred, um ex-mordomo ladrão do castelo de um dos reinos de Auradon, homem com quem casou e teve sua filha Ginny.
       Ginny tinha apenas sete anos. Nasceu e cresceu na Ilha dos Perdidos, e como qualquer outro filho de vilão, nunca conheceu outra vida fora dali. E isso sempre a intrigou. Naquele momento, estava parada, olhando pela janela de seu quarto bagunçado, que tinha a visão perfeita para o país de Auradon.
       - Ginny querida! – disse sua mãe com aquela voz cantante abrindo a porta do quarto – Uma cliente lá em baixo precisa de um esmalte azul-morte-súbita! Mamãe quer saber se você tem algum por aí!
       - Sim, mamãe – respondeu com a voz delicada, mas grave, que tivera desde sempre - É só olhar para o chão. Deve ter uns doze dessa cor.
       Gothel olhou para ela e revirou os olhos como se a filha tivesse dito alguma bobagem.
       - Se eu quisesse pegá-lo sem ajuda, eu mesma teria olhado para o chão sem perguntar! – respondeu séria, mas mudou de humor rapidamente – Brincadeirinha, querida. Mamãe te ama.
       Gothel pegou dois da dezena de esmaltes azuis-morte-súbita de chão e deu um beijo na cabeça da filha.
      - Se precisar de mim, estarei lá em baixo fazendo as unhas da Rainha Má!
      - Espera, mamãe! – Ginny gritou antes que Gothel saísse. Gothel virou-se com um olhar irritado e perguntou:
       - O que foi, Ginny?
       Ginny estava sem jeito. Sabia que aquela pergunta irritava sua mãe, mas não podia deixar de fazê-la.
       - Eu sei que você já me deixou sair da torre para ir brincar duas vezes nesse mês, mas... eu posso ir hoje também? É o aniversário de seis anos da princesa Evie, a filha da Rainha Má, e todos na ilha foram convidados! Acho que é por isso que ela veio fazer as unhas hoje aqui, deve querer ficar bonita para...
       - Ginny, quieta! – Disse Gothel firmemente cortando a filha. – Nós já conversamos sobre isso, e eu não vou tocar nesse assunto de novo com você.
       - Mas mamãe, vai ser tão legal! A ilha inteira vai estar lá. Eu soube que ela não convidou a filha da Malévola, imagina como vai ser divertido ver aquela chifruda com raiva por não terem convidado a filha dela!
       - Eu já disse que não! – Falou mais firmemente.
       - Mas é só...
      - NÃO! – Gritou – Você não vai à festa nenhuma! Vai ficar aqui e só vai sair duas vezes por mês, como já combinamos! Eu não quero você sendo amiga dessa gentalha toda.
      Ginny olhou para baixo triste. Ela era uma filha de vilão. Queria correr, pregar peças, roubar, apavorar, como todos os outros. E não ficar presa em um depósito alto de um salão de beleza.
      - A sua irmã era igualzinha... – disse Gothel suspirando – Só pensava em sair de casa... mas ela, eu nunca deixei. Devia agradecer por poder sair pelo menos duas vezes ao mês.
      - A minha irmã deve ter tido uma vida horrível.
      - Como é? – Gothel perguntou ofendida – Repita isso de novo e eu lhe mostro o que é ter uma mãe horrível!
       - Desculpa, mamãe! Não foi isso o que eu quis dizer! – respondeu tremendo com os olhinhos cinzentos arregalados.
       Gothel a fitou e lembrou-se de alguém. Alguém a quem amou muito,  e que também já teve a idade de Ginny.
     - Está certo, minha florzinha... – respondeu calmamente. Passou a mão pelos cabelos negros e ondulados da menina e beijou sua cabeça. – Eu preciso ir agora. Eu te amo minha querida.
        - Eu te amo mais! – Ela respondeu sorrindo. Aquela frase trouxe muitas lembranças repentinas à Gothel. Lembranças que mexia com o seu emocional, e mexer com o emocional de uma vilã era algo raríssimo. Deu um leve sorriso e deixando o quarto de Ginny, respondeu:
        - Te amo muito mais.
       Assim que Gothel fechou a porta, Ginny se distanciou da janela e foi até a sua cama. Jogando suas roupas para o lado, puxou o travesseiro, e pegou o retrato que guardava em baixo dele há dois anos. O retrato pintado de Rapunzel.
Poucos sabem, mas Gothel sempre guardou no bolso de seu vestido um retrato de Rapuzel, pintado pela mesma, e quando ressuscitou na ilha, ainda o tinha.
       Um dia, Ginny estava colocando a roupa suja para lavar, uma das suas distrações enquanto vivia presa, e quando pegou o antigo e famoso vestido vermelho de Gothel, percebeu que um pequeno retrato pintado de uma garota loira com os olhos verdes havia caído do bolso.
       Gothel sempre descrevia Rapunzel falando sobre seus lindos olhos verdes e cabelos dourados, referindo-se a ela como “sua irmã” quando conversava com Ginny. Como Ginny sabia que Gothel havia usado aquele vestido antes de morrer, deduziu que aquela fosse Rapunzel. A sua irmã distante.
       Seu sonho era conhecer Rapunzel. Poder conhecer a garota que sofreu confinada nas mãos de Gothel, assim como ela sofria. Além de que sempre sonhou ter uma irmã. Pensava que, se tivesse uma irmã, não se sentiria mais sozinha e deslocada naquele mundo cruel. Era estranho, pois, como todos na ilha, Ginny considerava-se má, mas não conseguia ignorar aquele sentimento. Era alguém com quem ela se identificava, com quem sentia vontade de compartilhar todos os momentos, bons e ruins. Desde que descobriu aquele retrato, guardou-o em baixo de seu travesseiro, e dava um beijo nele todas as noites antes de dormir e dizia baixinho “Boa noite, irmã!”.
       Ginny jurou para si mesma que um dia, daria um jeito de ultrapassar a barreira mágica da Ilha dos Perdidos e conheceria Rapunzel. A irmã que ela nunca teve.


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