Retorne Ao Remetente escrita por Mandy-Jam


Capítulo 8
Burning Down the House


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por todos os review e por estarem acompanhando! Em breve vou conseguir responder vocês, mas digo já que estou muito feliz com o carinho.

Boa leitura!



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HERMES

 

Peguei o capuccino em cima do balcão e sentei-me à mesma mesa em que encontrara Jenny pela primeira vez. Eu praticamente acampei na frente do Antoniette, ansioso pelo momento em que as portas se abririam e que a mortal chegaria para cumprir a rotina diária.

Meus olhos encaravam a porta de entrada, e toda vez que ela se abria meu coração disparava. Demorou quase uma hora até a pessoa que entrara fosse Jenny, e quando isso aconteceu, eu usei magia para reencher a xícara de capuccino e fitei a mesa fingindo estar imerso em meus pensamentos.

— Que coincidência. — Disse Jenny em pé na minha frente. Olhei para ela fingindo distração e depois ergui minhas sobrancelhas. Ela sorriu — Posso me sentar?

— Claro. — Falei assentindo e retribuindo o sorriso. Ela sentou-se sem tirar os olhos de mim por nenhum instante. Senti-me no poder novamente. O medo de parecer idiota ontem já não deixava nenhuma marca em mim, principalmente agora diante de uma mortal que me encarava com grandes olhos brilhantes.

Adoração é uma coisa que nós deuses realmente amamos.

— Como foi a sua noite? — Perguntei puxando assunto. Estendi para ela o cardápio e Jenny o aceitou prontamente, abrindo na página de doces.

— Boa. — Ela falou, com olhos nos croissants — Consegui dormir.

— Eu também. — Menti. Logo depois que Apolo reclamara comigo, eu passei a noite inteira lendo revistas e ouvindo as músicas mais populares do momento, só para ter algum entendimento sobre a cultura mortal, caso Jenny puxasse assunto — Dormi como uma pedra.

— E o que te trouxe até aqui hoje? — Perguntou, olhando-me furtivamente. Jenny mordeu o lábio inferior esperando a resposta, e eu lembrei do nosso beijo na noite passada.

— Capuccino de baunilha. — Respondi erguendo a xícara e tomando um gole. Ela assentiu, como se acreditasse no que eu dissera — Vim pelo capuccino, fiquei pelas garotas.

— Pelas garotas? — Falou ela olhando ao redor. A única garota além dela era a atendente do caixa que tinha cerca de 50 anos e um mau humor de um gato que tomara banho gelado — Acho que você tem chances. Ela parece estar a fim de você.

— Nós dormimos juntos. — Falei e Jenny arregalou os olhos, acreditando — Ah, deuses, não! Eu estava brincado!

Nós dois rimos da ideia e tivemos que nos encolher um pouco, pois a mulher lançara um olhar de poucos amigos para nossa direção. Jenny espiou por cima do ombro e depois voltou-se para mim.

— Cuidado para ela não cuspir no seu capuccino da próxima vez que vier aqui. — Falou. Eu franzi o cenho sem entender o que ela queria dizer com isso.

— Por que ela cuspiria no meu capuccino? — Perguntei, horrorizado.

— É o que garçons fazem quando não gostam de você. — Falou rindo da minha reação — Você nunca ouviu falar nisso? Todo mundo sabe que eles fazem coisas horríveis com a sua comida, caso você seja grosso. Principalmente na França.

Olhei para o capuccino com um careta de nojo, e pensei se deveria punir aquela mulher pela possibilidade dela ter feito algo tão asqueroso. Jenny riu novamente.

— Não se preocupe, acho que ainda tem uma queda por você. Deve colocar baunilha extra.

— Eu causo esse efeito nas mulheres. — Respondi piscando para ela.

Jenny pediu um waffle com geleia e um café com leite. Quando finalmente foi servida, ela começou a cortar a comida com o talher de forma delicada e voltou a conversar.

— Você não disse nada sobre a sua vida. — Falou — Você mora aqui?

— Não, eu estou aqui a trabalho. — Respondi e logo acrescentei — E lazer, claro.

— Seu irmão também? — Perguntou com um pouco menos de empolgação em sua voz.

— Ele estava só de passagem. — Respondi lembrando de Apolo tentando roubá-la de mim, antes mesmo de eu ter a chance de conquistá-la. Jenny olhou para mim e eu não resisti em perguntar — O que ele falou para você?

As bochechas dela coraram um pouco, mas ela não desviou o olhar.

— Seu irmão é um homem bem direto. — Comentou, levando a xícara aos lábios. Depois de um longo gole, ela começou a debater mentalmente se deveria ou não me contar — Ele disse que ia pôr a mão dentro da minha calcinha e me fazer esquecer meu próprio nome.

— Ele disse o quê? — Perguntei com raiva e um pouco alto demais. As pessoas olharam feio para nós dois e Jenny se encolheu um pouco. Ignorei os mortais — Que vergonha. É justamente por isso que eu não saio com ele.

— Para não ser preso por assédio sexual ou acabar apanhando do namorado enfurecido de alguma mulher? — Sugeriu.

— Eu sinto muito pelo que ele falou. — Falei ainda incomodado. Respirei fundo e vi que, apesar do que tinha acabado de falar, Jenny estava tranquila. Um pouco envergonhada, mas tranquila — Por que você rejeitou ele?

— Porque eu não estava usando calcinha. — Respondeu e foi a minha vez de arregalar os olhos — Meu deus, não! Era brincadeira, é claro que eu estava.

Ri e ela me acompanhou.

— Ah, eu não sei. Ele é bonito e muito, muito charmoso. — Torci o nariz ao ouvir aqueles elogios, mas Jenny não percebeu — Só que ele é um tanto… Ahm…

— Sinta-se à vontade para xingá-lo, ele é adotado. — Falou sorrindo maldoso para ela.

— Ele é convencido e bem abusado. — Cruzou os braços, como se tivesse sentido um arrepio de frio — E eu acho muito desconfortável a ideia de um estranho passar a mão em mim e falar aquelas coisas. Mesmo que seja um estranho muito atraente e sexy.

— Não elogie tanto esse bastardo, ele é cheio de defeitos. — Resmunguei — Por exemplo, ele ronca como um porco. E fala com voz de bebê com as garotas.

— O quê? — Jenny soltou uma gargalhada maravilhosa, e eu senti vontade de continuar a inventar mentiras sobre Apolo só para prolongar aquela risada.

— Pode imaginar isso? Ele falando com voz de bebê enquanto tenta colocar a mão dentro da sua calcinha? — Falei e ela Jenny deu um grito de nojo, fazendo careta. Logo depois, voltou a rir.

— Meu deus, que horror! Não, não, não! Argh! — Eu ri junto com ela. A mortal balançou a cabeça e soltou os talheres — Eu perdi a fome depois dessa. Você por acaso tem tempo livre hoje?

Perguntar para um ser imortal se ele tem tempo livre é um tanto redundante. Como deuses, a resposta deveria ser bem simples: temos todo o tempo do mundo, literalmente. Contudo, eu não poderia dar a mesma resposta que todos os meus parentes dariam se estivessem no meu lugar.

— Eu… Não sei. — Olhei para o relógio e quase dei um pulo — É quase meio dia!

— Sim. Eu ia perguntar se você queria dar uma volta depois do almoço. Está a fim? — Perguntou sorrindo. Calculei todas as coisas que deveria fazer e meu desespero aumentou. Levantei-me subitamente, fazendo Jenny se assustar.

— Onde? Que horas? — Perguntei apressado.

— Porta da minha casa, às 3. — Respondeu igualmente rápida.

— Fechado. Eu tenho que ir. — Falei ajeitando o casaco — Coisa do trabalho, nos vemos depois.

 

***

 

— Onde você estava? — Perguntou Zeus quando eu abri as portas do salão principal. Todos os olimpianos viraram os rostos para me ver entrar em passos largos.

— Entregando uma encomenda. — Respondi de forma genérica, pois sabia que ele não perguntaria de detalhes. O objetivo de Zeus era me repreender e não ouvir minhas desculpas.

— Sente-se, Hermes. — Ordenou, mesmo sabendo que eu já faria isso. Tive vontade de parar casualmente perto do meu trono para mostrar que ele não tinha autoridade sobre mim, mas eu sabia que tinha. E muita — Esperamos pontualidade e compromisso da sua parte.

— Eu sinto muito. — Falei.

Zeus estreitou os olhos para mim como uma ameaça silenciosa. Da próxima vez, esteja aqui na hora. Senti o olhar de Apolo pesar sobre mim, apreciando a situação. Meu irmão obviamente estava feliz em me ver levando bronca.

As reuniões olimpianas sempre foram tediosas, salvando-se unicamente as que acontecia alguma briga entre deuses. Quando isso não acontecia, todos entravam em um modo automático, onde só concordavam com as coisas que Zeus levantava, e rezavam para si mesmos que aquilo acabasse logo.

Eu, no entanto, não tinha essa sorte. Como mensageiro, eu acabara ficando responsável por fazer a ata da reunião, tendo que anotar quantos deuses estavam presentes, o que cada um falou, o que foi concluído, qual era a cor da gravata de Zeus — ele não gostava de repetir roupas em reuniões — e o que deveria ser feito por quem a partir dali.

Naquela reunião, enquanto Zeus falava eu olhava furtivamente para o relógio. Estava vendo a hora passar bem mais rápido do que desejava. Queria que a reunião acabasse logo, mas não que ultrapassasse as 3 da tarde.

— Estou atrapalhando você, Hermes? — Perguntou Zeus.

Senti um arrepio de medo pela minha espinha. Ergui os olhos para meu pai, apreensivo com a expressão facial que eu encontraria. Suas duas sobrancelhas estavam inclinadas em um ângulo nada bom e seus olhos faiscavam como uma tempestade de raios.

— Por que pergunta? — Perguntei, sorrindo inocente.

— Desde o instante em que você chegou, não para de olhar o relógio. — Apontou e espero por uma boa justificativa. Engoli em seco e pensei rápido.

— Ah, sim. Bem notado da sua parte, chefe. — Eu me levantei e ele ergueu uma sobrancelha— Eu queria avisar a todos que estou fazendo um registro de horário para ter um maior controle sobre a hora que cada um usou para se manifestar. Acho que assim fica mais organizado.

Zeus parou para pensar se acreditava ou não em minha justificativa. Não posso culpá-lo, acho que é isso que acontece quando o seu filho é o deus dos ladrões: você nunca sabe se ele está falando a verdade ou te manipulando.

Meu pai decidiu que eu estava falando a verdade, e abraçou a ideia.

— Uhm, interessante. — Murmurou e depois voltou seus olhos para Poseidon — Ao menos assim nós saberemos quem deu as melhores ideias antes dos outros.

— Se eu fosse você, não ficaria preocupado. Não é de você que vem as melhores ideias de qualquer forma. — Retribuiu o deus dos mares, resmungando.

Eu sugeri que nós deveríamos deixar a Argentina ganhar a Copa do Mundo de 1978. — Falou Zeus, impaciente.

— Ah, e que ótima ideia foi essa! — Rebateu Poseidon revirando os olhos — Como se esse povo precisasse de mais motivos para serem prepotentes.

— Isso ajudou a economia do país.

— Você fez isso porque o seu filho jogava no time, não invente historinhas. — Reclamou Poseidon, irritado. Olhei para o relógio novamente e vi que tinha dado 3 horas. Olhei para os dois deuses brigando na minha frente e resolvi fazer a coisa mais sensata: piorar a briga.

— Ah, é verdade. Você definiu a vitória de 78, pai, e Poseidon definiu a da Itália na Copa seguinte. — Falei e Zeus voltou-se para mim enfurecido.

Eu defini a da Itália também! — Exclamou e o céu acima de nós relampejou.

— O quê?! Eu convenci você a deixá-los ganhar da Alemanha! — Exclamou Poseidon colocando-se de pé — Você tem a memória de uma sardinha!

— Uuuuuh! — Fez Ares, abrindo um sorriso e voltando os olhos para Zeus — Eu não deixaria que ninguém falasse assim comigo se fosse o deus dos deuses.

— Você não pode abrir a boca para falar sobre boas decisões. A sua vida é uma soma de péssimas ideias com azar e destruição. — Rebateu Zeus quase rosnando — Que ideia brilhante a sua de ajudar na navegação da África para as Américas! Quantos escravos você não ajudou a traficar, porque foi idiota?

— Ouch! — Fez Ares olhando para Poseidon — Eu ouvi bem? Ele acabou de acusar você de ajudar com escravidão?

— Eu jamais ajudaria em uma ação tão horrenda como a escravidão, mas já que você quer discutir erros do passado, porque não fala de como a sua adoração pelo Japão deu certo? — Rebateu com raiva — Fale sobre o massacre que eles fizeram na China e na Coreia.

— Oooh, aquilo foi bom. — Sorriu Ares, mas ao ver os olhares repreensivos, mudou a fala — Quero dizer, foi um bom argumento. Massacres são ruins, é claro.

— Eu admito que essa não foi a minha melhor decisão. — Falou Zeus, para a minha surpresa.

Em todos os meus anos de vida, eu jamais vira Zeus admitir um erro, principalmente na frente de todos nós. Ouvir aquela frase foi um choque tão grande, que até Poseidon ficou sem reação. O que viria depois daquilo, provavelmente, seria um discurso de arrependimento do meu pai. Ou talvez um pedido de desculpas, uma retratação. De qualquer forma, algo histórico.

Aquilo teria realmente acontecido, se eu tivesse deixado, mas obviamente não deixei. Afinal, eu tinha um encontro com Jenny.

— Tem razão. — Falei sorrindo — Que nem em Tróia.

A sala dos tronos explodiu em gritos de discussão em menos de dois segundos. Tróia era o assunto chave para causar o caos, tanto que Éris as vezes andava pelo Olimpo sussurrando nomes como Heitor, Helena, Aquiles ou Agamenon só para ver o circo pegar fogo.

Olhei para Zeus e Poseidon e tentei ouvir a discussão.

—… então não interessa, ele roubou a esposa de outro homem! — Gritou Zeus, furioso. Perguntei-me se ele sentiria raiva se roubassem Hera dele, ou se ficaria aliviado.

— Helena não o amava! — Exclamou Poseidon, furioso — Se um homem não consegue manter nem a própria esposa na cama, não merece mulher alguma!

— Não é da sua conta a vida amorosa dos outros! — Exclamou em resposta — E você mereceu ver o muro de Troia cair! Admita, você perdeu!

— Sua luta foi ridícula! — Gritou rindo em deboche — Eles tiveram que procurar Aquiles por anos até achar ele escondido em uma ilha vestido de mulher! Esse é o nível de devoção que os mortais têm por você e por Atena!

— Engula suas palavras!

— Jamais!

Já chega! — Berrou Zeus, furioso — Essa reunião acabou!

— Foi muito bom, pessoal! Até a próxima! — E saí correndo deixando 11 deuses enfurecidos discutindo atrás de mim.

 


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